ARTIGO ORIGINAL

Índice de desperdício em uma Unidade de Alimentação e Nutrição por produção em sistema de refeição transportada em Sete Lagoas/MG

Index of wastage in a Food and Nutrition Unit by production in transported meal system in Sete Lagoas/MG

 

Marlene Azevedo Magalhães Monteiro, D.Sc.*, Isabel Cristina Miranda Pinheiro Maia**, Bruna Oliveira Rezende***

 

*Nutricionista, Doutorado em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Departamento de Nutrição, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, **Nutricionista, Mestrado em Ciências da Saúde/IPSEMG, Curso de Nutrição, Centro Universitário de Sete Lagoas, ***Acadêmica do Curso de Nutrição, Centro Universitário de Sete Lagoas

 

Recebido 28 de junho de 2017; aceito 15 de setembro de 2017

Endereço para correspondência: Marlene Azevedo Magalhães Monteiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Departamento de Nutrição, Av. Prof. Alfredo Balena, 190/318 Santa Efigênia 30130-000 Belo Horizonte MG, E-mail: marleneammonteiro@gmail.com; Isabel Cristina Miranda Pinheiro Maia: isabelpmaia@yahoo.com.br; Bruna Oliveira Rezende: bruna.nutrih@outlook.com

 

Resumo

No gerenciamento de uma Unidade de Alimentação e Nutrição um fator de grande relevância é o desperdício. O controle de resto-ingesta é de suma importância, pois reflete a qualidade das refeições, o porcionamento, e a aceitação do cardápio. A sobra-limpa são alimentos produzidos e não distribuídos, e visa avaliar a adequação das quantidades preparadas em relação às necessidades de consumo. O objetivo deste trabalho foi avaliar o índice de resto-ingestão e sobra-limpa de uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) de refeição transportada. Foram coletadas o resto-ingesta e sobra-limpa da UAN por quatro semanas consecutivas. Os resultados obtidos indicaram índice de resto-ingesta adequado (5,4%), e índice de sobra-limpa elevado (16,5%) de acordo com a literatura. Para evitar o desperdício de alimentos na produção e consumo dos mesmos, a conscientização dos manipuladores de alimentos e usuários é fundamental.

Palavras-chave: restaurante, refeição transportada, resto-ingestão, sobra de alimentos.

 

Abstract

In the management of a Food and Nutrition Unit a factor of great relevance is the waste. The control of rest-ingestion is important, as it reflects the quality of the meals, the portioning, and the acceptance of the menu. Leftover food is produced and undistributed, and is intended to assess the adequacy of prepared quantities in relation to intake needs. The objective of this study was to evaluate the rest-ingestion and leftover index of a Food and Nutrition Unit (UAN) of transported meal. The rest-ingestion and leftover of the UAN were collected for four consecutive weeks. The results obtained indicated adequate rest-ingestion index (5.4%), and high clean-up index (16.5%) according to the literature. To avoid wasting food in the production and consumption of food, the awareness of food handlers and users is critical.

Key-words: restaurant, transported meal, rest-ingestion, leftover from food.

 

Introdução

 

O mercado da alimentação vem crescendo continuamente no Brasil e no mundo. Em 2017 o mercado de refeições coletivas no Brasil tem uma estimativa de faturamento de R$ 17,7 bilhões (refeições coletivas e autogestão, resultado de 18,0 milhões de refeições a serem servidas pelas empresas do segmento. Além disso, emprega-se 180 mil colaboradores [1].

A Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) é uma empresa produtora de refeições que tem por finalidade garantir a promoção à saúde de forma a garantir a qualidade de vida dos usuários. Consiste de um serviço organizado, compreendendo uma sequência e sucessão de atos destinados a fornecer refeições balanceadas dentro dos padrões dietéticos e higiênicos, visando assim, atender as necessidades nutricionais de seus clientes, de modo que se ajuste aos limites financeiros da instituição. As UAN podem ser estabelecidas em complexos industriais, empresas ou escolas sob diversas formas de gerenciamento: autogestão, concessão, refeição transportada, etc [2,3].

O sistema de refeições transportadas caracteriza-se pela distância entre os locais de produção das preparações de um cardápio e a distribuição das mesmas. No processo produtivo da refeição transportada há maiores riscos de contaminação microbiológica devido à maior manipulação dos alimentos e ao tempo entre a pordução e o consumo. Por isso, é importante um controle completo do processo produtivo que envolve essa modalidade de serviço, entre os quais está o controle das condições de higiene das instalações, dos manipuladores, do veículo e o mais importante entre esses está o controle do tempo e da temperatura [4,5].

Uma das condições primordiais ao bom desempenho das UAN é o planejamento adequado do volume e qualidade de refeições preparadas. Este visa, entre outros aspectos, diminuir excessos de produção e sobras [6].

As sobras-limpas são alimentos produzidos e não distribuídos e sua quantidade deve estar relacionada ao número de refeições servidas e à margem de segurança, definida na fase de planejamento considerando a variabilidade dos clientes [7-9]. Os registros destas quantidades são fundamentais, pois servem como subsídios para implantar medidas de racionalização, redução de desperdícios e otimização da produtividade [10].

O resto-ingestão é a relação entre o resto devolvido nos pratos pelo cliente, e a quantidade de alimentos e preparações alimentares oferecidas, expressa em percentual. A sua análise indica a adequação das necessidades de consumo de alimentos, quantidades preparadas, porcionamento e aceitação da distribuição do cardápio [8,11].

A existência de um gerenciamento e controle do desperdício de alimentos numa UAN envolve questões não somente éticas, mas econômicas que estão ligadas a reflexos políticos e sociais para o nutricionista [11-14].

Estratégias como, avaliação diária relacionada ao número de refeições servidas e a margem de segurança definida na fase de planejamento, diminuem o nível de “sobras”. Os “restos” devem ser avaliados não somente do ponto de vista econômico, como também da falta de integração com o cliente, para que haja a sua redução [15].

O objetivo desse estudo é avaliar os índices de resto-ingestão e sobra-limpa de uma UAN de refeição transportada no município de Sete Lagoas/MG.

 

Material e métodos

 

Esse é um estudo transversal quantitativo sobre avaliação dos índices de resto-ingestão e sobra-limpa de uma UAN com produção de refeição transportada para uma indústria no município de Sete Lagoas/MG.

A produção é de aproximadamente 150 refeições por dia, e o sistema de distribuição de refeições adotado na indústria é do tipo self service livre.

O cardápio é de nível intermediário, com dois tipos de cardápio: padrão (arroz, feijão, uma guarnição, dois pratos principais, quatro tipos de salada e um tipo de sobremesa); e o Light (arroz integral, feijão, uma guarnição, um prato principal, quatro tipos de saladas e uma fruta).

      Os dados foram coletados de segunda a sexta-feira, durante um mês no ano de 2015 durante o período do almoço. Para a obtenção do peso da refeição distribuída foi feita a pesagem da(s) cuba(s) de cada preparação depois de pronta(s) por meio de balança eletrônica (precisão de 100g, e capacidade de até 15 kg), sendo descontado o valor do recipiente. Os valores obtidos foram somados resultando no total de alimentos distribuídos. Para o cálculo da sobra-limpa foi subtraído o peso dos restos em cada cuba após a distribuição das refeições em um determinado período.

Para obtenção dos valores do resto-ingestão foi coletada em uma cuba específica o rejeito dos pratos, e descontado o valor do recipiente. Materiais descartáveis, ossos e cascas de frutas foram descartados em recipientes separados dos alimentos para não influenciar nos cálculos do resto-ingestão [3]. Os cálculos foram realizados de acordo com Abreu, Spinelli e Zanardi [3].

Os valores encontrados foram comparados à literatura [16,17] e analisados de forma descritiva.

 

Resultados e discussão

 

De acordo com os valores obtidos na avaliação da sobra-limpa, o índice médio foi de 25,0% (Tabela I). Já para resto-ingestão (Tabela II), o valor encontrado foi de 5,4%, valor aceitável pela literatura para coletividade sadia (aceitáveis até 10%) [16,17]. Vale ressaltar que cada restaurante deve avaliar a sobra-limpa e resto-ingestão ao longo do tempo, e estabelecer um valor.

 

Tabela I - Valores de sobra-limpa de uma UAN com produção em sistema de refeição transportada de Sete Lagoas/MG, 2015.

 

 

Tabela II - Valores de resto-ingestão de uma UAN com produção em sistema de refeição transportada de Sete Lagoas/MG, 2015.

 

 

Nos últimos anos tem-se verificado uma preocupação crescente com a temática dos desperdícios de alimentos, sendo reconhecido como um problema social significativo com impacto nutricional, ambiental e econômico. Além disso, o desperdício de alimentos é considerado um parâmetro de qualidade em um restaurante [18-20].

O controle de resto-ingestão e sobra-limpa é realizado a partir de mapas de previsão de gêneros, avaliação do rendimento da matéria-prima, índices de conversão e fatores de correção dos alimentos, uso de receitas padrão e mapas de frequência da unidade, tendo em vista o número de refeições servidas [23]. Outro item importante é o controle da padronização das porções (tamanho ou a quantidade de alimentos que serão servidos a cada consumidor) [21,22].

A avaliação desses índices também reflete a eficiência do planejamento, falha na determinação do número de refeições servidas, superdimensionamento de per capita, falhas na capacitação do manipulador de alimentos em relação ao porcionamento, preparações incompatíveis com o padrão do cliente ou com seus hábitos alimentares, além de má apresentação das preparações servidas [22-24].

Cada serviço de alimentação deve estabelecer sua tabela de fator de correção de acordo com o tipo de alimento que adquire, para maior segurança a respeito das quantidades a comprar, permitindo diagnosticar algum tipo de desperdício no momento do preparo desses alimentos [21].

Ainda, de acordo com os dados obtidos nesse estudo, pode-se afirmar que existe um grande desperdício de alimentos nessa UAN, pois totalizando as sobras-limpa (330,82 kg) e o resto-ingestão (75,71 kg) durante as quatro semanas de coleta de dados, obteve-se um valor de 406,53 kg de alimentos desprezados. Essa quantidade desprezada poderia alimentar 924 pessoas a partir do per capita (0,44 kg) dessa UAN.

Pedro e Claro [25] em um estudo de caso de um restaurante popular localizado no município de São Vicente, Estado de São Paulo, observaram um elevado desperdício de alimentos, e concluíram que é necessário o envolvimento de toda a equipe, em todos os processos operacionais para a redução do desperdício.

Em um estudo sobre resto-ingesta realizado por Sabino, Brasileiro e Souza [26] em uma UAN hospitalar com adoção de marmitex (refeições transportadas) em Teófilo Otoni/MG, observou-se valores de resto-ingesta variaram de 22,7% a 47,9%. Valores muito altos, mesmo ao considerar ser uma UAN hospitalar.

O desperdício de alimentos ocorre durante toda cadeia alimentar e tem causas econômicas, políticas, culturais e tecnológicas, que abrangem as principais etapas da cadeia de movimentação: produção, transporte, comercialização, sistema de embalagem e armazenamento. Dessa forma desperdício é sinônimo de falta de qualidade e deve ser evitado por meio de um planejamento adequado, a fim de que não existam excessos de produção e consequentes sobras.

Silvério e Oltramari [27] concluíram que o desperdício de alimentos ocorre durante toda cadeia alimentar e tem causas econômicas, políticas, culturais e tecnológicas, que abrangem as principais etapas da cadeia de movimentação: produção, transporte, comercialização, sistema de embalagem e armazenamento.

Entre as principias causas para o desperdício em UAN tem-se a falta de conscientização e capacitação dos colaboradores envolvidos no processo de produção das refeições, principalmente em relação à falta de padronização de processos e serviços [27].

Quanto ao desperdício por parte dos usuários da UAN, avaliação dos cardápios, estudos de aceitação com os clientes e educação nutricional podem ser medidas de grande importância e bons resultados [27].

 

Conclusão

 

Neste estudo os valores obtidos sobras-limpas foram superiores aos preconizados na literatura, e os índices de resto-ingestão, abaixo. Apesar disso, o a quantidade de alimentos desprezados, e o gasto com matéria-prima pela UAN são elevados, gerando, além de tudo, um aumento do custo de produção da refeição.

Os principais problemas apontados nessa UAN foram a falta de planejamento e o controle adequado no porcionamento.

Portanto, sugere-se a implantação de um sistema de controle de sobras e uma avaliação contínua no planejamento do cardápio, porcionamento e capacitação dos manipuladores de alimentos nessa UAN, a fim de reduzir o desperdício, otimizar a produção das refeições, e reduzir os custos da refeição.

 

Referências

 

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