ARTIGO
ORIGINAL
Aproveitamento
integral de alimentos – implantação da prática em uma oficina
Integral use of food - practice in a workshop
Clariane Ramos Lôbo, M.Sc*, Fábio André Gomes da Silva Cavalcanti**
*Mestre
em Ciências e Tecnologias em Saúde, Universidade de Brasília (UnB), **Biólogo,
Mestre em Ecologia e Evolução, Universidade Federal de Goias (UFG)
Recebido 4 de abril de 2017; aceito 15 de setembro de 2017
Endereço
para correspondência:
Clariane Ramos Lôbo, Rua 3 de outubro, 319 Centro
73801-510 Formosa GO, Email: clarianenutricionista@hotmail.com; Fábio André
Gomes da Silva Cavalcanti: fags.cavalcanti@gmail.com
Resumo
O Aproveitamento
Integral dos Alimentos (AIA) pretende combater o gasto com alimentação,
enriquecer as ingestas diárias e criar novos hábitos alimentares. Esta pesquisa
teve como objetivo avaliar, sensorialmente, receitas baseadas no aproveitamento
integral dos alimentos, preparadas por alunos do curso técnico de Nutrição e
Dietética de uma escola de Planaltina/DF. Depois das preparações prontas, o
teste de aceitação sensorial foi conduzido com 35 provadores não treinados,
incluindo, além da direção, coordenação, professores da instituição, os
próprios alunos do curso. Foi utilizada a escala hedônica facial. Ainda foi
avaliada a percepção e atitude dos alunos participantes da oficina acerca do
tema sobre aproveitamento integral dos alimentos, sua função atualmente e sua
possível implementação na grade curricular. Os testes
de aceitabilidade demonstraram grande aceitação dos degustadores não
profissionais quando se tratava de preparações realizadas através do AIA. Foi constatado que seria
sim possível incluir noções de AIA nas aulas de técnica e dietética e que isso
só viria a contribuir para a conscientização e formação acadêmica do técnico em
Nutrição e Dietética.
Palavras-chave: aproveitamento
integral de alimentos, Sustentabilidade, Nutrição.
Abstract
The full use of food aims to decrease food expense, improve the daily
feedings and create new eating habits. This study aimed to evaluate recipes
based on full use of food, prepared by students of the technical course in
Nutrition and Dietetics from a school of Planaltina/DF.
After the preparation, the sensory acceptance of test was conducted with 35
untrained panelists, including management, coordination, teachers and students
of the nutrition classes. The facial hedonic scale was used. We also evaluated
the perception and attitude of the students participating in the workshop on
the subject of full use of the food, its current function and its possible
implementation in the curriculum. Acceptability tests showed great acceptance
of non-professional tasters when it came from preparations carried out by the
full use of food. We found that full use of food notions would be included in
technical and dietetics classes and would only contribute to the awareness and
academic training of technician in nutrition and dietetics.
Key-words: full use of
food, sustainability, nutrition.
O ser humano é um dos
principais responsáveis pelos impactos ambientais [1]. Entre estes impactos
encontramos a geração de resíduos, principalmente por meio do desperdício de
alimentos [2,3]. Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/10,
para que um resíduo seja considerado rejeito é preciso que tenham se esgotado
todas as possibilidades de aproveitamento, e já se sabe que a maior parte dos
resíduos gerados no Brasil é orgânica [4]. De acordo com a Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO (2008), o nosso país possui
uma perda de aproximadamente 64% de produção anual de alimentos. Ainda de
acordo com seus estudos a perda média anual de hortaliças representa 37 kg/habitante. Isso acarreta mais o aumento de resíduos
gerados e principalmente o desperdício em um país que ainda possui parte da
população sem acesso a uma alimentação adequada. Por isso é importante buscar
meios, através de trabalhos e sensibilizações, sobre o uso máximo dos resíduos,
principalmente alimentares.
Uma das formas que
tem se buscado essa redução de desperdício é por meio do aproveitamento
integral de alimentos (AIA). Diversos estudos sobre AIA de origem vegetal e
animal têm sido realizados [5-7].
Apesar dos diferentes
enfoques as preocupações sobre a diminuição do impacto no desperdício e a
insegurança alimentar estão quase sempre presentes. Apenas para diferenciação,
é necessário o entendimento ente reutilização de alimentos e aproveitamento
integral de alimentos. A primeira é quando já ocorreu à preparação dos
alimentos e pelo meio da sua sobra ele é utilizado novamente em outra
preparação, seja alimentícia ou não. Ou seja, ocorre mais de uma utilização do
mesmo produto. Mesmo que não tenha ocorrido a utilização máxima de todas as
suas partes. Já o AIA é a utilização de determinado
alimento em sua totalidade, como cascas, folhas, sementes e talos, por exemplo
[8-11].
A ideia é utilizar ao
máximo as partes, muitas vezes não convencionais, do alimento [12]. Aqui, o
produto é utilizado apenas uma única vez. Porém é buscado o uso máximo de seu
potencial. Neste sentido o AIA é uma das práticas que
tem se desenvolvido na busca de diminuição de resíduos e do desperdício levando
a um menor impacto no ambiente [4-6,8,13]. Segundo Nunes et
al. [10] é necessário uma maior divulgação de práticas de AIA e dos valores
nutricionais de partes, ainda, não convencionais dos alimentos. Mesmo com a
difusão pela mídia, ainda é insuficiente a informação de consumo dos alimentos
em sua totalidade [14].
O Instituto Akatu
realizou uma pesquisa com mais de 1.200 pessoas sobre consumo consciente dos
brasileiros. Em seus estudos 60% dos participantes já ouviram falar em AIA e
somente 8,3% disseram que fazem uso de receitas utilizando partes não
convencionais. Ou seja, 40% ainda é uma quantidade grande de um assunto que
desde a década de 80 tem sido discutido no Brasil. Nesta mesma pesquisa, em
relação ao aproveitamento de frutas e hortaliças, apenas 40% são aproveitadas.
Segundo o autor este baixo aproveitamento ocorre devido à falta de orientação
sobre a utilização de partes não convencionais como os talos, cascas, folhas e
sementes [15].
A falta de informação
também é presente quando se trata nas informações referentes aos princípios nutritivos
de cascas, talos, folhas e sementes dos alimentos [10,12,13].
Botelho, Conceição e
Carvalho [16] relatam o valor nutricional das fibras encontradas nas cascas da
manga e do abacaxi. Já Lima [17] destaca a riqueza em proteínas da casca de banana,
partes que geralmente são descartadas. O desconhecimento destes princípios
contribui bastante para o desperdício. De acordo com Rosa, Cardoso e Schimitez
[18], além da falta de informações, o não aproveitamento integral de alimentos
ocorre por falta de hábitos e costumes. Assim para que ocorra uma inserção
maior da prática de AIA também é necessária à criação de novas receitas [9].
Assim, o AIA é possível através da criação de doces
[7,10], geleias [19,20], tortas [10], sucos [21], e farinhas [22,23]. Somente
pelo meio da divulgação destas práticas alimentares é possível que práticas de
aproveitamento integral de alimentos se tornem habitais em nossas mesas.
O Aproveitamento
Integral dos Alimentos (AIA) visa combater o gasto com alimentação, enriquecer
com nutrientes as alimentações diárias e criar novos hábitos alimentares
[5,13]. Como o AIA possui baixo custo permite uma
maior economia doméstica e um maior acesso a alimentação adequada e saudável
[24]. Em alguns casos, o teor de alguns nutrientes possuem maiores
concentrações nas partes não convencionais [12].
Ademais, o uso destas
partes promovem uma promoção da saúde pelo meio da complementação de nutrientes
por meio das cascas, talos, folhas e sementes por exemplos. Além de criar novos
hábitos alimentares através de novas preparações com o consumo de partes
anteriormente descartadas [2]. O que permite que o AIA
seja uma peça fundamental na redução do desperdício de alimentos e na promoção
da melhoria da qualidade de vida das pessoas [9,24].
Por isso este
trabalho se justifica pela importância, do consumo consciente de alimentos,
pois serve ao propósito de adequação de hábitos, formação de novos padrões de
consumo. Além de ressaltar que o AIA contribui para a
redução do desperdício e dos resíduos. Visando assim formar profissionais
conscientes de seus atos. Principalmente se tratando de futuros profissionais
que estarão à frente de diversos estabelecimentos que trabalhem com alimentos.
Propor transformações significativas na realidade socioeconômica e ambiental,
com o enfoque de contribuir no enfrentamento da crise econômica e ambiental,
torna-se evidente a relevância da abordagem da temática ambiental na escola.
Em virtude disso,
este artigo tem por objetivo implantar uma oficina para ampliar a visão e o
conhecimento do aproveitamento integral dos alimentos entre acadêmicos do curso
técnico de nutrição da Escola Técnica de Saúde (ETS-Planaltina). Esse visa
promover uma educação ambiental aos discentes do curso através do consumo consciente
e integral dos alimentos. Por meio das oficinas e palestras ocorre uma
conscientização das pessoas pelo meio das práticas. Permitindo uma maior
reflexão sobre as temáticas de alimentação, saúde e ambiente [8,25], além das
trocas de experiências e vivências entre os participantes [26].
Para que se cumprisse
o objetivo principal, habilitamos o discente do curso técnico em nutrição do
ETS-Planaltina para uma conscientização do uso integral dos alimentos,
diminuindo o desperdício e resíduos orgânicos, com as aulas de Técnica e
Dietética foi possível promover o despertar do interesse por novos hábitos
alimentares; disponibilizamos ao discente um conhecimento maior sobre o AIA para que pudesse assim assumir um comportamento
crítico em relação as crises socioeconômicas e ambientais; foram
instrumentalizados, através de oficinas de receitas, para que esses alunos
envolvidos pudessem elaborar receitas com partes não convencionais dos
alimentos. Por fim, foi analisada a aceitabilidade de receitas preparadas com
partes não convencionais de alimentos, ou seja, com o aproveitamento integral
dos alimentos.
Foi realizada uma
pesquisa transversal e exploratória dividida em duas partes. A população
utilizada para a oficina foram os discentes do curso técnico de Nutrição do ETS –Planaltina/DF. A primeira consiste em palestras, aulas
que foram incluídas na disciplina de Técnica e Dietética I, de aproximadamente
45 minutos. Nessas aulas foram abordados temas como o que é e qual a importância
do aproveitamento integral de alimentos; além de aulas teóricas sobre
nutrientes e suas funções. As palestras e aulas ocorreram na própria sala de
aula da instituição.
A segunda parte
ocorreu no laboratório de técnica e dietética da própria instituição. Essa fase
foi composta pela elaboração de receitas utilizando o aproveitamento de partes
não convencionais dos alimentos. Foram produzidos bolinhos de casca de batata,
bolo de casca de maçã, fanta caseira com todas as partes da cenoura, bolo de casca
de banana, geleia da casca de banana, farofa da casca de abacaxi e brigadeiro
de casca de banana. Foram sete receitas, realizadas no período de um semestre.
Logo após a preparação das receitas, sempre foi aplicado um teste de
aceitabilidade, contando com degustadores não profissionais.
O teste de
aceitabilidade faz parte da análise sensorial de alimentos, que evoca, mede,
analisa e interpreta reações das características de alimentos e materiais como
são percebidas pelos órgãos da visão, olfato, paladar, tato e audição e também
é o conjunto de procedimentos metodológicos cientificamente reconhecidos
destinados a medir o índice de aceitabilidade da alimentação oferecida aos
estudantes atendidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), conforme
resolução FNDE/CD/Nº 38 [27].
Para verificar a
aceitação de algum tipo de alimento, o teste de aceitabilidade é um instrumento
fundamental, pois sua execução é fácil e permite uma verificação da preferência
média dos alimentos oferecidos. Os métodos sensoriais afetivos não necessitam
de provadores treinados, pois avaliam somente a aceitação e a preferência dos
produtos [27]. Foi utilizada a escala hedônica facial para o teste de
aceitabilidade, ficha retirada do material orientativo para aplicação de testes
do PNAE, elaborado pela Universidade de São Paulo e Universidade de Brasília.
Todo o processo ocorreu de julho de 2015 a dezembro de 2015, com a aprovação do
Comitê de ética sob o número CAAE: 51897615.0.0000.5650.
Um total de 35 provadores
participou da pesquisa. A maioria dos provadores era alunos do curso técnico de
Nutrição e Dietética, alunos de outras turmas e não da turma que havia
participado das preparações (57%, n = 20), 44%( n =
15) era composto pelo corpo docente, diretores e coordenadores. As amostras dos
alimentos em estudo foram preparadas no dia do teste de análise sensorial. Os
testes tiveram duração de 10 minutos e cada produto foi testado
uma única vez por provador, sempre em dias diferentes.
Em relação à
aceitação ao bolinho de casca de batata (Tabela I), nota-se que há grande
aceitação, já que 82 % (n = 29) gostaram do bolinho. Na questão subjetiva, 62 %
(n = 22) relataram que o que mais agradou na preparação foi realmente o sabor.
O per capita do bolinho de casca de batata, correspondeu
a cerca de 60 g em média.
Quando questionados
sobre o bolo de casca de maçã (Tabela II), os provadores foram mais assertivos,
sendo que 92% (n = 32) gostaram a preparação, enquanto 8% (n = 3) adoraram o
bolo de casca de maçã. Nas observações foram
retratadas que o aroma era o que mais atraia na preparação. O per capita da
fatia de bolo correspondeu a 50 g, em média.
A fanta caseira não
obteve os mesmos percentuais de aceitação que os anteriores mencionados (Tabela
III), houve uma redução da aceitabilidade em relação ao refrigerante caseiro.
Dos 35 provadores disponíveis, 31 % (n = 11), não gostaram do refrigerante
caseiro, 11,7% (n = 5) detestaram, 28,8% (n = 10)
ficaram indiferentes e apenas 4% (n = 2) realmente adoraram. Alguns
apontamentos mostram que a não aceitação pode ter sido pela acidez relatada nas
fichas, assim como o gosto amargo que foi relatada
ainda na ficha de avaliação, no final da bebida. O total por pessoa para
degustação foi de 70 ml em média.
O bolo de casca de
banana (Tabela IV) correspondeu a um per capita de 50 g por fatia, onde 3% (n =
2) detestaram e relataram que o gosto não era atraente. Cerca de 2% (n = 1)
apenas não gostou da preparação, 12% (n = 4) reagiram indiferentemente ao sabor
e aroma, 73,5 (n = 26) gostaram e 9,5% (n = 3,32) adoraram a preparação. Os
degustadores ressaltaram como ponto positivo o aroma da maçã na preparação. O
bolinho foi servido em estilo muffin, cerca de 50 g cada.
Em relação a aceitabilidade da geleia feita com a casca da banana
(Tabela V), apenas 5% (n = 1) se mostraram indiferentes ao provarem a geleia de
casca de banana, 43% gostaram (n = 15) e 52% (n = 19) adoraram a preparação a
ponto de pedirem mais. O ponto positivo que foi relatado em relação à
preparação aponta que o que mais foi apreciado na preparação foi o sabor da
fruta, sem muito doce. Cerca de 25 g foi ofertada com
torradas, por pessoa.
A farofa com a casca
de abacaxi foi servida com arroz e feijão. Na tabela VI, é possível observar
que apenas 6% (n = 2), relataram não ter gostado, 36% (n = 13) gostaram da
preparação e 58% (n = 20) adoraram. A farofa de abacaxi foi servida em uma
unidade de copinho descartável por pessoa.
A preparação de mais
aceitabilidade foi o brigadeiro feito com a casca de banana (Tabela VII), onde
41% (n = 15) gostaram e 59% (n = 20) adoraram. Nas fichas haviam
apenas elogios e marcações que elogiavam a textura e cor do brigadeiro, assim
como o aroma e sabor. A produção de alimentos com casca, onde se aproveita
partes iriam ser jogadas fora, ainda é bem pequena e pouca divulgada. É preciso
que mais divulgações sejam feitas, como a oficina e que novas modalidades sejam
implementadas nos próprios cursos, visando a
disseminação da prática de aproveitamento integral de alimentos. Certamente, a
realização dessa pesquisa propiciou que seja repensado o valor nutricional das
partes comestíveis que são desprezadas, garantindo maior aporte nutricional e
economia.
Tabela
I - Aceitabilidade do bolinho de casca de
batata.
Tabela
II -
Aceitabilidade do bolo de casca de maçã.
Tabela
III
- Aceitabilidade do refrigerante caseiro.
Tabela
IV -
Aceitabilidade do bolo de casca de banana.
Tabela
V - Aceitabilidade da geleia da casca de banana.
Tabela VI - Aceitabilidade
da farofa da casca de abacaxi.
Tabela
VII
- Aceitabilidade do brigadeiro de casca
de banana.
Os resultados da
pesquisa nos mostra que há uma necessidade de implantação de AIA durante as
aulas de Técnica e Dietética, uma vez que a aceitabilidade de algumas
preparações foi satisfatória. Além disso, temos uma real necessidade de que
haja uma transformação nutricional nos nossos costumes rotineiros, a adoção da
prática alimentar saudável tem muito a ganhar se aliada ao
AIA. Os alunos se sentiram satisfeitos e ao mesmo tempo muito
cooperativos em realizar as atividades que envolviam o Aproveitamento Integral
dos Alimentos.
Infelizmente, ainda
temos o desperdício de alimentos e uma boa parte do desperdício ocorre, de
certa maneira, onde menos se espera: na área de produção. Sendo assim, com a
ideia de implementar uma oficina de AIA, observamos
que as preparações derivadas de cascas, sementes e raízes, podem sim ser bem
aceitas e com alto valor nutricional.