REVISÃO
Biodisponibilidade e classificação de compostos
fenólicos
Bioavailability
and classification of phenolic compounds
Bernardo
Junqueira de Moraes Arnoso*, Giselle França da Costa, D.Sc.**, Betina Schmidt, D.Sc.***
*Nutricionista, Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro/RJ, **Nutricionista, Doutora em Ciências Médicas, Professora Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro/RJ, ***Nutricionista, Doutora em Ciências Nutricionais, Professora Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro/RJ
Recebido
24 de novembro de 2017; aceito 15 de dezembro de 2018.
Correspondência: Betina
Schmidt, Universidade Veiga de Almeida, Rua Ibituruna,
108, Laboratório de Nutrição, bloco C 20271-020 Rio de Janeiro RJ, E-mail:
betina.schmidt@uva.br; Bernardo Junqueira de Moraes Arnoso:
bernardojma@gmail.com; Giselle França da Costa: gisellefranca.nut@gmail.com
Resumo
Os
compostos fenólicos são metabólitos secundários sintetizados abundantemente no
reino vegetal e amplamente estudados. Atuam principalmente como agentes de
defesa em resposta a estresses causados aos frutos e vegetais, conferindo-os
adstringência, coloração, sabor e aroma. O consumo frequente destes compostos
por meio de alimentos tem demonstrado benefícios na promoção da saúde e no
possível auxílio no combate a doenças como Diabetes Mellitus tipo 2, obesidade,
doenças cardiovasculares, doenças neurodegenerativas e câncer. Possuem propriedades
anti-inflamatórias e antioxidantes, além de auxiliarem na modulação da
microbiota intestinal. Quimicamente são constituídos por anéis aromáticos
ligados a hidroxilas, sendo categorizados em flavonóides,
ácidos fenólicos, estilbenos, lignanas,
entre outros. Para exercerem seus benefícios é necessária uma eficiente bioacessibilidade e biodisponibilidade, que são dependentes
de diversos fatores associados ao alimento e à fisiologia humana. Desta forma,
este trabalho visa revisar publicações relacionadas aos compostos fenólicos e a
relação destes com o organismo humano após ingeridos.
Palavras-chave: compostos fenólicos, bioacessibilidade, biodisponibilidade.
Abstract
Phenolic
compounds are secondary metabolites abundantly synthesized in the plant kingdom
and broadly studied. They act mainly as defense agents in response to stresses
caused to the plants, conferring them astringency, color, flavour
and aroma. The frequent consumption of these compounds in plant foods has been
shown to promote health benefits and possible support against diseases such as
Diabetes Mellitus type 2, obesity, cardiovascular diseases, neurodegenerative
diseases and cancer. They have anti-inflammatory and antioxidant properties, as
well as assist with the intestinal microbiota modulation. They are chemically
consisted of aromatic rings bound to hidroxyls and
are categorized as flavonoids, phenolic acids, stilbenes, lignans, amongst
others. In order to exert their benefits, an efficient bioaccessibility
and bioavailability are necessary, which are dependent on a variety of factors
associated to the food and to the human physiology. Hence this study aims on
reviewing publications related to the phenolic compounds and their relationship
to the human body after ingested.
Key-words: phenolic
compounds, bioaccessibility, bioavailability.
O
aumento de doenças crônicas como Diabetes Mellitus tipo 2, obesidade, doenças
cardiovasculares, doenças neurodegenerativas, câncer, dentre outras, tem
intensificado a busca por alternativas e hábitos de vida que possam auxiliar em
seus respectivos tratamentos, bem como uma melhora substancial da saúde do
indivíduo e a qualidade de vida como um todo [1,2]. Consequentemente, a atenção
de muitos pesquisadores vem sendo direcionada ao estudo de fitoquímicos
como os compostos fenólicos (CFs), abundantes na
natureza e amplamente estudados. O consumo frequente destes compostos por meio
de alimentos tem se demonstrado de grande valia na promoção da saúde e no
possível auxílio no combate a estas doenças, através de diferentes mecanismos,
mas, principalmente, por terem grande poder antioxidante e atenuarem ou
evitarem os danos causados ao organismo pelo estresse oxidativo, além de
possuírem propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias [1-7]. Observa-se
que os benefícios trazidos à saúde pelo consumo de frutas, verduras e legumes,
estão associados principalmente à presença de CFs
nestes alimentos [8].
Estes
CFs, sejam fenóis simples ou polifenóis (PFs), são metabólitos secundários produzidos pelas plantas
e estão relacionados a respostas de defesa destas contra agressões externas,
podendo também funcionar como atrativos ou repelentes a insetos, exercendo
influência na cor, na estabilidade oxidativa e no sabor da planta ou alimento
[3,5,8,9]. A concentração dos CFs depende do tipo do
vegetal, da estação do ano, estágios de desenvolvimento e maturação, colheita,
condições de cultivo, de solo, armazenamento depois de colhidos, entre outros
fatores [10,11].
Quimicamente,
são constituídos de anéis aromáticos ligados a uma ou mais hidroxilas. Existem
diversos tipos de CFs e a maioria apresenta-se na
forma de ésteres ou glicosídeos. Podem ser divididos em diversas classes de
acordo com suas estruturas moleculares, número de anéis aromáticos e de
hidroxilas, ligações com outros grupamentos, dentre outras diferenciações,
sendo classificados principalmente como flavonóides,
ácidos fenólicos, estilbenos e lignanas
[9,11-13].
CFs são geralmente as
maiores fontes de antioxidantes na alimentação do ser humano, porém, para
exercer esta função antioxidante e seus consequentes benefícios, é necessário
que haja uma eficiente digestão, absorção e metabolização destes compostos
[5,11]. Neste ponto, entram os conceitos de bioacessibilidade
(BA) e biodisponibilidade (BD), sendo o segundo dependente do primeiro. O
conceito de BA pode ser entendido como a fração de compostos extraídos da
matriz do alimento que é solubilizada durante o processo digestório, podendo,
ou não, sofrer influência de métodos de cocção, tornando-se disponível para ser
absorvida, ou seja, tornando-se bioacessível [14,15].
Já a BD, refere-se à parcela dos compostos bioacessíveis
que foram efetivamente absorvidos e dispostos na circulação. É influenciada por
muitos fatores físico-químicos como: tipo de composto bioativo, sua polaridade,
massa molecular, matriz alimentar, digestibilidade por enzimas
gastrointestinais, absorção pelos enterócitos, ação de enzimas de fase II e
metabolização por parte da microbiota, sendo este último, particularmente
relevante no que tange à BD de CFs [2,7,16]. Nota-se
que o tema BD abrange numerosas e complexas variáveis, ainda somadas às
diferentes metodologias empregadas em sua determinação e à individualidade de
cada organismo, tornando-o assim um amplo e complexo tema de estudo [16,17].
Objetivos
O
presente trabalho visa revisar publicações relacionadas aos CFs,
observando a síntese destes compostos, assim como a BD.
Flavonóides
Flavonóides possuem como estrutura
básica dois anéis benzênicos, A e B, conectados através de uma pirona, anel C [7,18]. São derivados de aminoácidos
aromáticos e seus subgrupos variam de acordo com o padrão de hidroxilação, glicosilação e
demais reações que possam alterar a molécula básica. Dos grupos de CFs, os flavonóides talvez
representem o grupo mais estudado. São encontrados abundantemente em plantas
comestíveis e não comestíveis, nas formas aglicosilada
(aglicona) e glicosilada, onde a segunda é mais
frequente [8,18,19]. Alguns de seus subgrupos são explorados a seguir.
Flavanóis (Flavan-3-óis)
No
reino vegetal, este subgrupo de flavonóides pode agir
como atrativo à polinização das plantas e, quando em alimento ou bebida,
atribui propriedades organolépticas. Nos vinhos, são os compostos que mais
contribuem para a adstringência, amargor e estrutura destas bebidas [20]. Este
subgrupo é constituído basicamente por monômeros, sendo eles catequinas e epicatequinas. As catequinas são isômeros de configuração trans, enquanto
que as epicatequinas são os isômeros de configuração
cis. Diferenciam-se em relação a estereoisomeria,
onde (+)-catequina e (-)-epicatequina
são os mais comuns nos alimentos fontes destes monômeros [21]. Estes flavanóis e seus derivados, como galocatequina
(GC), catequina galato (CG), galocatequina
galato (GCG) epigalocatequina
(EGC), epicatequina galato
(ECG), epigalocatequina galato
(EGCG), estão presentes, por exemplo, no vinho tinto, chocolate e, sobretudo,
em chás provenientes das folhas de Camellia sinensis (C. sinensis), onde (-)-EGCG é o composto encontrado em maior
quantidade [13,22,23]. Os monômeros catequina e epicatequina podem formar oligômeros e polímeros, gerando
as proantocianidinas, também conhecidas como taninos
condensados. Estes polímeros podem ser despolimerizados
pela ação de ácidos, gerando compostos como as antocianidinas
[21]. Já as procianidinas, que são dímeros, trímeros e tetrámeros formados
pelos monômeros de flavan-3-óis, parecem ter a glicosilação
de (-)-epicatequinas como
fator contribuinte para sua biosíntese e são
encontradas abundantemente nas raízes de C. sinensis
[23]. Ainda, o processo de fermentação do chá preto gera, a partir da oxidação
enzimática de flavanóis, compostos únicos como os
dímeros teaflavinas [21,24].
Flavonas, Flavonóis, Flavanonas
e Isoflavonas
Flavonas
e flavonóis são alguns dos flavonóides mais presentes
no reino vegetal, ocorrendo mais comumente na forma glicosilada, onde glicose e
ramnose são as porções de açúcar mais ocorrentes
[21,25]. Quercetina e kaempferol
são as agliconas de flavonóis mais comuns e, dentre
suas fontes alimentares, algumas que se destacam são cebolas (amarelas), alho-poró e brócolis. Estes flavonóis tendem a concentrar nas
áreas mais externas das plantas e frutos, como cascas e folhas, pois a luz
estimula a biossíntese destes compostos, tanto que, é possível observar
diferenças de concentração de flavonóis em frutas de uma mesma árvore e até na
mesma fruta, de acordo com a área que foi mais exposta à luz solar. Por isso,
em exemplos como alface e repolho, observa-se maiores concentrações de
glicosídeos nas folhas mais externas e verdes, quando comparado às folhas mais
internas, de cor mais clara [25].
As
flavonas, menos abundantes que os flavonóis em frutas e vegetais, são
constituídas principalmente por glicosídeos de luteolina
e apigenina, sendo encontradas em salsa e salsão
[13]. A tangeritina, uma flavona polimetoxilada,
é considerada como um dos flavonóides mais
hidrofóbicos, sendo encontrada na polpa de frutas cítricas e, sobretudo, em
suas cascas [25]. Possui propriedades neuroprotetoras
e antimicrobianas, além de induzir apoptose de certos tipos de células
cancerígenas [26-28].
Flavanonas são caracterizadas por
glicosídeos como naringina e hesperidina,
e por suas agliconas, como naringenina
e hesperetina. São alguns dos flavonóides
mais encontrados em frutas cítricas como alguns tipos de laranja e tangerina,
tendo diferentes taxas absortivas e trazendo benefícios à saúde como efeitos
antioxidante e anticâncer [28,29].
Enquanto
a maioria dos flavonóides possui o anel B ligado ao
carbono 2 do anel C, as isoflavonas, particularmente,
possuem o anel B ligado ao carbono 3 do anel C [21]. Suas estruturas são
similares ao estrogênio e podem se ligar a receptores deste hormônio, por isso,
são classificadas como fitoestrógenos [13]. Sua maior
fonte é a soja, onde encontram-se alguns dos principais compostos de isoflavonas, a genisteína e a daidzeína, existentes predominantemente na forma de
glicosídeos (como genistína e daidzína)
e cuja as concentrações nos alimentos fonte diferem-se de acordo com a
variedade, sazonalidade, localização e métodos de processamento [30,31]. A
fermentação que ocorre em alimentos como miso e tempeh, resulta na hidrólise de glicosídeos em agliconas, que são resistentes ao calor. Efeitos quimiopreventivos, mediados pela modulação de genes
relacionados ao controle de ciclo celular e apoptose, são atribuídos à genisteína [32].
Antocianinas
As
antocianinas são compostos que podem ser constituídos
de um grupamento de açúcar, uma aglicona (antocianidina) e, condicionalmente, alguns ácidos [33].
Algumas das agliconas mais relevantes em alimentos
são: cianidina, delfinidina,
pelagronidina e malvidina,
sendo que as três primeiras e seus derivados metilados
podem constituir até 90% das antocianidinas
encontradas em alimentos [21]. Raramente encontram-se antocianidinas
livres, sendo mais comum encontrá-las nas formas glicosiladas, principalmente
com glicose, ramnose, xilose, galactose, arabinose e frutose. As ligações podem ocorrer com mono, di e triglicosídeos ligados
diretamente à aglicona, tornando a molécula mais
estável em comparação às agliconas livres. Além da aglicona e da fração de açúcar, ainda é comum ocorrer ligação
com ácidos como p-cumárico, ferúlico,
caféico, oxálico, entre outros ácidos [33].
A
pigmentação das antocianinas encontradas em frutos, flores, algumas folhas e
até raízes, varia de distintas tonalidades de vermelho e de azul, até o roxo
[33]. Essa variação de tonalidades depende do pH, onde o vermelho predomina em
condições ácidas e o azul em condições básicas. Outros fatores que também
influenciam na coloração são o grau de hidroxilação,
padrão de glicosilação e padrão de metilação dos anéis aromáticos [21].
Ácidos fenólicos
São
CFs não flavonóides que
podem ser divididos basicamente em derivados de ácidos benzóicos
e de ácidos cinâmicos. São encontrados em formas
livres, como em frutas e vegetais, ou em formas conjugadas, mais comumente em
grãos e sementes, onde representam a maior parte dos compostos fenólicos. São
clivados por hidrólise ácida ou alcalina e, também por ação de enzimas [21].
São amplamente distribuídos no reino vegetal (apesar de alguns também serem
produzidos por fungos) e imensamente importantes nas interações entre plantas e
microorganismos, agindo como moléculas de sinalização
e de defesa. Derivam das mesmas vias de biosíntese
dos flavonóides [34].
Ácidos
hidroxibenzóicos compõem estruturas complexas como
taninos hidrolisáveis presentes em algumas frutas como manga (galotaninos) e frutas vermelhas (elagitaninos),
mas não estão presentes em grandes quantidades em frutas e vegetais
comestíveis, de forma geral [25].
Os
ácidos hidroxicinâmicos são mais comuns na alimentação
de seres humanos e consistem majoritariamente em ácidos p-cumárico
(para-cumárico), cafeico, ferúlico e sinápico. Com exceção
de alguns alimentos que passaram por processos de congelamento, esterilização
ou fermentação, estes ácidos são raramente encontrados na forma livre, sendo
mais comumente encontrados glicosilados ou esterificados. O ácido cafeico é um dos ácidos mais abundantes e representa a
maior parte de ácidos hidroxicinâmicos totais
contidos em muitas frutas, principalmente nas partes mais externas de frutas
maduras. O ácido ferúlico é abundantemente encontrado
em grãos e cereais, também, de forma geral, mais concentrado nas partes mais
externas [25].
Estilbenos:
resveratrol
A
estrutura química específica do resveratrol, baseada
em um esqueleto de estilbeno hidroxilado,
permite que este CF exerça funções benéficas ao organismo humano
[35].
Encontrado
principalmente nas cascas de uvas tintas e outras frutas vermelhas e roxas, é
conhecido por suas propriedades anti-inflamatórias, por inibir fatores
pró-inflamatórios como a enzima ciclooxigenase 2
(COX-2). Também desempenha ação antioxidante e antiviral, além de ação quimiopreventiva, por modular apoptose e proliferação
celular, além de regular certas vias que fazem parte de mecanismos oncogênicos [36].
Torna-se
importante ressaltar que o fato de atenuar ou inibir mecanismos de inflamação
pode contribuir também para o efeito anticâncer de fitoquímicos
em geral, incluindo o resveratrol, uma vez que há
forte ligação de processos inflamatórios crônicos e câncer via NF-κB,
por exemplo. Além de inibição de câncer por ação antioxidante, também é
possível alcançar este efeito com fitoquímicos por
ação pró-oxidante, especialmente quando em presença de alguns metais de
transição, como cobre, ferro e zinco. Tal efeito pode ocorrer uma vez que a
ação pró-oxidante poderá induzir apoptose em células cancerígenas. Estes
efeitos (antioxidante / pró-oxidante) podem variar de acordo com a dose [37].
Lignanas
São
PFs que compõem estruturas celulares de plantas.
Encontram-se em castanhas, frutas, sementes e alguns vegetais crucíferos. Uma
das maiores fontes conhecidas, no entanto, é a semente de linhaça [31]. Também
são fitoestrógenos, como as isoflavonas,
porém, as isoflavonas são mais comumente estudadas
neste aspecto. A ingestão de lignanas foi associada
com reduções significativas em risco de câncer colorretal [38].
Bioacessibilidade e Biodisponibilidade
Um
dos maiores obstáculos no que tange à utilização dos PFs
em prol da saúde é a BD, uma vez que a absorção de muitos destes compostos no
trato gastrointestinal (TGI) é baixa e também pelo fato de serem eficientemente
metabolizados e excretados. Por isso, tendem a não permanecer muito tempo no
organismo, reduzindo seus potenciais terapêuticos [4,37]. O conteúdo de CFs na planta crua geralmente é maior do que em seu
alimento correspondente processado, visto que armazenamento, cozimento,
fermentação e outros processos, tendem a diminuir a quantidade destes compostos
ou modificam suas estruturas. A BD dos CFs envolve
hidrólise ácida, metabolização por parte da microbiota, transporte pelo
epitélio, transformação por enzimas de fase II em compostos mais hidrofílicos e
deposição nos tecidos [13,39]. CFs podem estar
presentes na matriz alimentar como uma molécula ligada a organelas celulares ou
a matrizes complexas com macronutrientes, como carboidratos [13,25].
A
mastigação e ação salivar, assim como o pH estomacal, contribuem para a BA,
ajudando a liberar alguns CFs da matriz alimentar. No
ambiente ácido ocorrem hidrólises, como a hidrólise de oligômeros de proantocianidinas ou das ligações dos CFs
a açúcares, porém nem todos os CFs tem sua BA
influenciada pela digestão estomacal. Por outro lado, um ambiente mais alcalino
como o duodeno, pode desestabilizar variados tipos de CFs,
diminuindo a BD em alguns casos, mas também podendo gerar produtos finais mais
facilmente absorvíveis [7,39]. Embora os principais locais de absorção de CFs sejam o duodeno e jejuno, alguns tipos que não estejam
fortemente ligados à matriz alimentar, como ácidos fenólicos, podem tornar-se
disponíveis à absorção no estômago. É sugerido que alguns CFs
que não possam atravessar a membrana do enterócito por difusão passiva, tenham
suas porções de açúcar clivadas por enzimas da borda em escova, ou que sejam
internalizados através de um cotransportador de
glicose e íons sódio (SGLT1) e a clivagem ocorra por enzimas no citosol do
enterócito [39,40]. Ainda, PFs glicosilados como
antocianinas e alguns flavonóis como quercetina podem
sofrer hidrólises nas porções de açúcar já na cavidade oral. Por outro lado,
foi descrito que alguns CFs não glicosilados
presentes no vinho tinto, como monômeros de flavan-3-óis e, em menor grau,
alguns dímeros de procianidinas, não necessitam de
modificações químicas para serem diretamente absorvidos no intestino, uma vez
que agliconas podem ser internalizadas nos
enterócitos e transferidas para a corrente sanguínea por difusão passiva [40]. Proantocianidinas, por exemplo, não são diretamente
absorvidas na mucosa intestinal e, já foi considerado que somente agliconas o poderiam ser, porém, sabe-se hoje que alguns
glicosídeos também podem ser absorvidos [7,13].
Após
absorção pelos enterócitos, os CFs e seus derivados
passarão por processos catalisados por enzimas de fase II, que originarão um
complexo e distinto perfil de novos metabólitos, pois variam de acordo com o
local de metabolização, estrutura molecular, polimorfismos das enzimas de fase
II, dentre outros fatores. Estes novos metabólitos cairão na circulação
sistêmica e poderão ser eliminados principalmente na bile e urina [39,40].
Segundo Peimin et al. [4], a metabolização dos CFs envolvendo glicuronidação
(fase II) pode ser dependente de β-glicuronidases
bacterianas quando no ciclo entero-hepático, ou no
ciclo entérico (como ocorre com algumas isoflavonas),
mas não necessariamente no recém demonstrado ciclo local, onde enzimas
bacterianas não são necessárias, somente enzimas entéricas. Contudo, foi
demonstrado por Peimin et al. [4] que alguns flavonóides passam
simultaneamente pelos três tipos de ciclo: entero-hepático,
entérico e local, processo que nomearam de Tripla Reciclagem.
Polímeros
de flavan-3-óis, elagitaninos, ésteres de ácidos hidroxicinâmicos e flavonóis como rutina, não são
absorvidos em sua forma original. Para serem absorvidos, são antes
metabolizados pela microbiota colônica junto com
metabólitos oriundos das ações das enzimas de fase II que chegam ao cólon pela
circulação enterro-hepática. Assim, novos CFs
produzidos a partir da metabolização da microbiota podem ter melhor BD do que
seus compostos originais [39,40].
As
interações de CFs com proteínas podem ser reversíveis
ou irreversíveis e uma série de fatores as influenciam, a iniciar pelas
proteínas presentes no próprio alimento fonte dos PFs,
ou seja, a matriz alimentar, e também associação com outros alimentos fontes de
proteína ingeridos concomitantemente, onde temperatura, pH, tipo de proteína e
concentração, além do tipo e estrutura do CF, irão afetar como esta interação
irá ocorrer. Por isso, as variáveis na BA e BD do CF e da proteína são vastas e
complexas e podem ocorrer de diferentes formas dependendo do ambiente em
questão, se na boca, no estômago ou intestino, por exemplo [41-43].
Em
2016, Mandalari et
al. [43] estudaram a BA de amêndoas em uma simulação de digestão do
estômago e duodeno humanos, onde as amêndoas foram digeridas em água ou
incorporadas a outros alimentos. Neste estudo foi observado que ácidos
fenólicos foram a classe mais bioacessível,
e que
água aumentou a liberação de flavan-3-óis e
flavonóis após digestão gástrica e
duodenal, enquanto que outros alimentos nos quais as amêndoas
foram
incorporadas, aumentaram a BD dos CFs de amêndoas sem
casca. Já com a incorporação ao leite, a BD foi prejudicada, reforçando a
narrativa sobre interações de CFs com proteínas e
também com fibras dietéticas alterando a digestibilidade e BD dos compostos. No
estudo de Duarte e Farrah [44], onde observou-se a redução significativa dos
níveis de ácido clorogênico na urina de todos os
indivíduos que ingeriram café com leite, em comparação com os que ingeriram
café somente com água, conclui-se que o consumo simultâneo de leite e café pode
prejudicar a BD do ácido clorogênico do café em
humanos. Outros estudos também demonstram interações de PFs
com proteínas presentes no leite de vaca, especialmente B-lactoglobulina,
porém estas interações nem sempre resultam em diminuição da BD [45-47]. Já a
interação de PFs com lipídeos parece aumentar a BD
[41,48].
Contrapondo
as conclusões de proteínas diminuindo BD de PFs, em
um estudo analisando os complexos formados entre Whey Protein e PFs
de sucos (cranberry, uva muscadínea, cassis), Schneider et
al. [42] observaram redução de marcadores de inflamação in vitro a partir
destes complexos, sugerindo que os PFs tenham mantido
sua atividade anti-inflamatória. Isto pode ocorrer porque os complexos
polifenol-proteína não necessariamente irão diminuir a bioatividade
do PF, pois mesmo ocorrendo a interação, algumas hidroxilas responsáveis por
esta bioatividade permanecem intactas [49]. Draijer et al.
[48] também concluíram que a ingestão de PFs junto
com bebidas contendo proteína não teve impacto significativo na BD de variados PFs e metabólitos. Lamothe et al. [46] sugeriram que o consumo
simultâneo de chá verde e laticínios ajudem a manter a integridade e atividade
antioxidante de PFs durante digestão in vitro.
Similarmente, também em estudo in vitro,
Cao e Xiong [47] demonstraram
que ácido gálico e EGCG interagem com Whey Protein
Isolado em condições de pH neutro e ácido, alterando a estrutura da proteína e
melhorando sua absorção, desencadeando atividade antioxidante. Já os resultados
de Staszewski et
al. [49], que associaram uma variedade argentina de chá verde a Whey Protein Concentrado, observaram atenuação dos efeitos
antimicrobiano e antioxidante dos PFs em questão e
ressaltam que estas interações e efeitos variaram de acordo com o tipo e
estrutura do PF, e não somente com sua concentração.
Como
a maior parte dos CFs ingeridos não é absorvida no
intestino delgado, estes chegam ao cólon, onde ocorre uma relação recíproca com
a microbiota colônica, ou seja, CFs
(como proantocianidinas) modulam a microbiota e a
microbiota metaboliza os CFs, gerando, por exemplo,
substâncias como ácidos fenólicos e derivados de lactonas.
Por tanto, CFs podem agir como prébióticos
ou inibir proliferação especialmente de bactérias patógenas, visto que muitos
destes compostos possuem ação antimicrobiana [7,39,40]. Estas interações com a
microbiota também ocorrem com CFs que foram
transformados pelas enzimas de fase II em metabólitos mais hidrossolúveis. Por
isso, a capacidade de metabolizar e utilizar grande parte dos CFs documentados - como alguns exemplos: isoflavonas (daidzeína),
flavan-3-óis (catequinas), antocianinas, elagitaninos,
entre outros - depende também da microbiota de cada indivíduo, o que torna a
análise e estudo da BD ainda mais variável [7,39]. A microbiota intestinal pode degradar também agliconas e
liberar compostos aromáticos simples a partir de flavonóis, flavonas, flavanonas e flavanóis, os
tornando suscetíveis a absorção [7]. Também a microbiota oral pode ser
influenciada, por exemplo, por PFs presentes no vinho
tinto [40].
Os
CFs absorvidos circulam principalmente na forma de
metabólitos de fase II, mas há exceções [39]. Os metabólitos circulam no sangue
ligados a proteínas como a albumina, e sua capacidade de ligação é amplamente
definida por sua estrutura, sendo que este fator pode afetar a distribuição
para as células e tecidos [13]. No estudo de Wang et al. [50], 10 minutos após administração de resveratrol
(20 mg/kg) em ratos, foram detectadas quantidades deste estilbeno
e metabólitos em diferentes órgãos, mas principalmente no estômago, intestino
delgado, fígado e rins, sendo que inicialmente o fígado absorveu muito mais resveratrol do que os rins. O pico de concentração foi
atingido no fígado após 10 minutos, enquanto que nos rins, em 30 minutos. A
maior parte do resveratrol foi excretada na forma de
metabólitos, sendo encontradas baixíssimas doses excretadas ainda em sua forma
original, na bile e urina em até 24 horas. Estes dados sugerem ocorrência de
circulação enterro-hepática do resveratrol e seus
metabólitos, e que a excreção renal possa ser a principal forma de eliminação
deste CF. Qiao et
al. [51], também administrando resveratrol (200
mg/kg/dia), mas em camundongos, demonstrou que houve melhora do perfil da
microbiota nos camundongos com disbiose induzida por
dieta rica em lipídeos. Já foi descrito também que CFs
podem ser encontrados em tecidos como a próstata, mesmo sem a detecção (ou com
detecção em concentração muito menor) destes no sangue, mostrando que alguns PFs se acumulam preferencialmente em tecidos [39].
A
BD é um ponto chave na utilização dos CFs para
promoção de saúde. Os estudos demonstram potencial anti-inflamatório e
antioxidante a partir de variados CFs, mas a questão
da BD ainda é inconclusiva. No que tange à interação de CFs
com macronutrientes, como as proteínas, ocorrem variações de acordo com o tipo
e estrutura do CF, além da concentração. Isto pode parcialmente justificar os
resultados divergentes entre estudos, além dos diferentes métodos empregados,
onde pequenas diferenças podem ocasionar resultados bem distintos. No entanto,
parece haver uma tendência à diminuição da BD de CFs
quando na presença de algumas proteínas analisadas, mas esta relação e suas
variáveis ainda não são claras.
A
relação recíproca dos CFs e metabólitos de fase II
com a microbiota também abrange complexas variáveis, porém esta relação também
é de suma importância no entendimento da BD destes compostos. Por tanto,
torna-se necessário que mais estudos analisem a BD dos diferentes CFs e suas interações com macronutrientes, microbiota e
fisiologia humana, a fim de melhor elucida-las. Com um entendimento mais claro
sobre estes pontos, condutas médicas e nutricionais que utilizem CFs podem tornar-se mais eficazes.