REVISÃO
Características físico-químicas e benefícios da
farinha de laranja
Physicochemical
characteristics and benefits of orange flour
Aline
Caroline da Conceição Araújo*, Sueli Aparecida Gobbo Budoia**
*Graduanda em Nutrição pela Universidade Paulista -
UNIP, campus Ribeirão Preto/SP, **Nutricionista, Professora da Universidade
Paulista - UNIP, campus Ribeirão Preto/SP
Recebido
13 de dezembro de 2017; aceito 15 de dezembro de 2018
Correspondência: Aline Caroline da
Conceição Araújo, Rua Wanda Mesquita Rezende, 120, 14056-860, Jardim Paiva,
Ribeirão Preto SP, E-mail: line.caroline.araujo@gmail.com;
Sueli Aparecida Gobbo Budoia:
sueligbudoia@hotmail.com
Resumo
A
laranja rica em vitaminas, minerais e fibras é um dos alimentos mais consumidos
pela população brasileira. No processo de produção de suco 58% é utilizado e o
resíduo é descartado. Diversas campanhas de consumo sustentável de alimentos,
combate ao desperdício e redução de perdas vem sendo lançadas para tentar
minimizar esse processo. Desta forma, esta revisão teve como objetivo verificar
os benefícios da farinha de laranja e sua aceitabilidade em diversos tipos de
preparações. Conclui-se que a farinha elaborada a partir da casca, albedo e
bagaço da laranja contém teores significativos de nutrientes que podem auxiliar
no alcance diário do aporte nutricional e podem ser inseridas em pães, bolos e
biscoitos, visando assim à redução do desperdício e aumento da qualidade nutricional
dessas preparações.
Palavras-chave: laranja, farinha,
análise sensorial aproveitamento integral.
Abstract
Orange
rich in vitamins, minerals and fiber is one of the foods most consumed by the
Brazilian population. In the juice process production 58% is used and the
residue is descarted. Several campaigns for sustainable food consumption,
combating waste and reducing losses have been launched to try to minimize this
process. Thus, this review aimed to verify the benefits of orange flour and its
acceptability in several types of preparations. We concluded that the flour
made from the peel, albedo and bagasse of the orange contains significant
nutrient contents that can help to reach the daily nutritional level of
nutrients and can be inserted in breads, cakes and biscuits, aiming at the
reduction of waste and increase nutritional quality of these preparations.
Key-words: orange, flour,
sensory analysis, integral use.
A
crescente busca por alimentos saudáveis seguros e que tragam algum benefício à
saúde tem sido acompanhada pelo interesse em processos de produção mais limpa.
Muito utilizada pela indústria para produção de sucos, a laranja possui cerca
de 42% de resíduos gerados do total da fruta, sendo a maior parte apresentado
na forma de farelo de polpa cítrica peletizada para
uso como complemento em ração animal [1]. Mas desde 1970 o aproveitamento
desses resíduos como cascas e polpa vem sendo incluído em preparações
alimentícias para o consumidor [2].
A
laranja (Citrus sinensis L. Osbeck)
tem sua morfologia composta por epicarpo, mesocarpo, endocarpo, columela e
sementes sendo as mais cultivadas, lima, baía, pêra,
seleta, valência, baianinha e natal e rica em vitaminas, minerais e fibras
[3-5].
De
acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
[6] o Brasil atualmente é o maior produtor e exportador de laranja no mundo.
Em
2016 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [7]
obteve-se uma safra de laranjas de 15,9 milhões de toneladas, e a previsão para
2017 está estimada em 14,5 milhões de toneladas. A maior parte da produção
brasileira está concentrada no estado de São Paulo e se destina à indústria de
suco.
Essa
queda na produção ocorre por diversos fatores como, condições climáticas,
investimentos da terra em outro tipo de produção, ação de pragas e calor
extremo [8].
Apesar
de ter saído do mapa da fome da FAO [6] o país ainda possui uma parte da
população em estágio de insegurança alimentar. As perdas dos alimentos ocorrem
já na colheita, quando a mesma é realizada inadequadamente, seguido do
armazenamento, transporte e manuseio incorreto, como também as compras em
excesso, que acarretam em desperdício, devido a apodrecimento e perda de
validade dos alimentos [9]. Os frutos cítricos por exemplo, não melhoram sua
qualidade na pós colheita; desta forma a colheita ocorre diretamente para o
consumo, acarretando um aumento no desperdício [4].
Diversas
campanhas de consumo sustentável de alimentos, combate ao desperdício e redução
de perdas vem sendo lançadas para tentar minimizar esse processo. Nesse
contexto o aproveitamento integral dos alimentos também é uma forma de diminuir
o desperdício. Nesse caso o alimento é utilizado por completo, desde a polpa
até a casca [9,10]. Esse processo tive início no estado de São Paulo em 1963,
veio como uma alternativa para a utilização de partes que normalmente seriam
desprezadas, a fim de contribuir para a diminuição do desperdício alimentar,
reduzir o custo das preparações e aumentar o valor nutricional [11,12].
Diante
disto esta revisão teve como objetivo verificar os benefícios da farinha de
laranja, sua aceitabilidade e os tipos de preparações que pode ser utilizada.
Trata-se
de uma pesquisa de caráter exploratório descritivo por meio de uma revisão de
literatura. A pesquisa exploratória estabeleceu especificações,
técnicas e métodos para a formação de uma pesquisa e visa mostrar informações sobre
o objeto deste artigo e orientar a formulação de opiniões [13].
As
bases de dados utilizadas foram PubMed (National Center for Biotechnology
Information), LILACS (Centro Latino-Americano e
do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), SciELO
(Scientific Electronic
Library Online) ambas acessadas através da BVS (Biblioteca Virtual em
Saúde) e Google Acadêmico.
Para
a busca dos artigos científicos descritos foram utilizadas as seguintes
palavras-chave: laranja, farinha, aproveitamento, farinha de laranja. O idioma
utilizado foi o Português (Brasil) e o período de busca compreendeu os últimos
15 anos entre 2001 a 2016 conforme Tabela I. Sendo excluídos os artigos
científicos que não demonstraram informações sobre o tema proposto.
Após
a seleção do material a respeito do tema, foi efetuada uma leitura minuciosa e
em seguida elaboração de resumos que posteriormente serviram de base para a
construção do texto do artigo.
Tabela I - Diferentes tipos de farinha produzidas.
Composição centesimal
A
composição centesimal das farinhas obtidas a partir da secagem do albedo e do
bagaço e casca de laranja foram realizadas considerando os teores de umidade,
pH, pectina, vitamina C, fibra, cinza, lipídeo, carboidrato e proteína conforme
Tabela II [1,15,16,17,19,22].
Tabela II - Resultados da composição centesimal de farinha de albedo da laranja e
de casca e bagaço de laranja (100g-1).
Fonte: Gonçalves et
al.; Clemente et al.; Bublitz
et al.; Santos et al. Cintra et al.; Tozatti et al. ; N/A: Não Analisado; *Apresentou variável de valor
médio máximo de pH 5,00 e valor médio mínimo de pH 4,32 - g 100g-1
Os
resultados encontrados nos diversos artigos pesquisados foram analisados e
comparados. Referente ao teor de umidade, obtiveram uma pequena variação, porém
permaneceram dentro do valor máximo permitido referente a farinha de trigo que
é de 15% (g/100g) segundo a ANVISA [14], visto que Clemente et al. [15] obtiveram uma porcentagem de
umidade menor de 0,96% enquanto de Bublitz et al. [16] foi de 11,75 %, mas
permanecendo dentro dos parâmetros máximos.
Gonçalves
et al. [17] e Clemente et al. [15] analisaram o pH e os
resultados foram semelhantes, compreendendo a faixa de pH entre 4 e 4,5 sendo
classificados como muito ácidos.
Umidade
e acidez estão extremamente ligados à proliferação de microrganismos
patogênicos e deteriorantes. Quando o valor de pH apresenta baixa acidez -
superior a 4,5, o alimento está mais susceptível a ação das bactérias patogênicas
e deteriorantes [15,18].
A
análise de teor de fibras foi realizada por Clemente et al. [15], Bublitz et al. [16], Santos et al. [19], enquanto Gonçalves et
al. [17] avaliaram somente o teor de pectina conforme
Tabela II. De forma que foram encontradas variações, pois as análises
realizadas utilizaram métodos diferentes, visto que alguns estudos avaliaram o
teor de fibra bruta, outros somente a porcentagem do teor fibra para cada 100 g
de farinha, entretanto os resultados apresentados em ambos os artigos foram
altos em comparação a farinha de trigo, uma vez que os valores se adéquam ao
mínimo necessário estipulado pela Portaria 27/98 da Anvisa [20], e preconiza
que o alimento sólido somente pode ser considerado fonte de fibras alimentares
com alto teor, se apresentar o valor mínimo de 6 g de fibras/100 g de alimento,
e fonte de fibras alimentares se em sua composição houver um mínimo de 3 g de
fibras/100 g de alimento.
Clemente
et al. [15] analisaram os valores da
vitamina C na farinha dos resíduos de laranja, decorrente da mistura do albedo
da laranja e da casca (flavedo) e identificou que são
similares ao encontrado na tabela de composição de alimentos [5] e superiores
que o encontrado por Couto e Canniatti-Brazaca [21],
que variaram de 62,50 a 80,03 (mg.100 ml–1 suco). Deve-se levar em consideração
as variáveis clima, tempo de cultivo, época de colheita e tipo de método
aplicado.
O
teor de cinzas foi avaliado por Bublitz et al. [16], Santos et al. [19], Cintra et al. [22] e Tozatti et al. [1] apresentaram resultados
semelhantes sendo eles 2,45 g/100 g-1; 3,88 g.100g-1; 2,40 g e 2,35 g
respectivamente. Após a verificação do teor de cinzas em um alimento é possível
realizar a análise de minerais específicos, para fins nutricionais e de segurança,
pois as cinzas são resíduos inorgânicos que permanecem após a queima da matéria
orgânica em temperaturas que variam de 550 - 570ºC [23].
Os
macronutrientes carboidrato, lipídeo e proteína foram analisados e quando
comparados apresentaram diferenças significativas. Os teores de carboidrato
analisadas por Bublitz et al. [16] apresentou resultado de 63,4 g.100 g-1 já Santos et al. [19] de 46,07 g.100g-1 sendo que
ambas são farinha de albedo de laranja. Carboidrato é uma importante fonte de
energia na dieta, compondo cerca da metade do total de calorias [24].
Quanto
à proteína, podemos afirmar que a farinha de albedo de laranja apresentou uma
ótima concentração quando comparadas, Bublitz et al. [16] de 5,89 g 100g-1 e Santos et
al. [19] de 3,72g.100g-1, Tozatti et al. [1] de 4,64 g.100g-1, somente os
resultados das análises de Cintra et al.
[22] ficaram abaixo, com 2,13 g.100g-1 sendo esta, uma farinha com baixo teor
proteico.
Os
teores de lipídeos encontrados por Bublitz et al. [16] foram baixos 0,42 g.100g-1,
quando comparados aos encontrados por Cintra et al. [23] de 0,77 g para a farinha de albedo da laranja, já Tozatti et al.
[1] de 1,98 g sendo este em uma gramagem maior pois a
farinha elaborada foi a partir da casca e bagaço de laranja.
Preparações mais utilizadas e aceitabilidade
Segundo
o Guia Alimentar para a População Brasileira é necessário fazer com que os
alimentos in natura ou minimamente processados sejam a base para uma
alimentação nutricionalmente balanceada para as famílias Brasileiras. Deve-se
deixar de lado, produtos industrializados com altos valores calóricos e baixo
valor nutricional para aderir ao consumo consciente e saudável [25].
Na
elaboração de novos produtos alimentícios, a necessidade de testes de
aceitabilidade é de extrema importância para avaliar a preferência e aceitação
[26].
Diversos
métodos podem ser utilizados, por exemplo, os testes sensoriais
discriminativos, que são utilizados na análise sensorial de alimentos, bebidas
e água, e é considerado um método objetivo na qual é minimizado o efeito das
opiniões dos indivíduos. Nele são medidos atributos específicos pela
discriminação simples, indicando comparações e se existem ou não diferenças
estatísticas entre amostras [27].
O
Teste de escalas, que indica a intensidade ou o tipo de uma resposta sensorial,
apresenta quatro classes: nominal, ordinal, intervalo e de proporção. Outro
teste muito utilizado pela indústria alimentícia para análise de alimentos,
água e bebidas e o teste sensorial descritivo, que descreve os parâmetros sensoriais
ou componentes como à aparência, aroma e odor, textura manual e oral, sabor e
gosto e sensações táteis e superficiais. E o teste afetivo, também utilizado em
análise sensorial de bebidas, alimentos e água, na qual o julgador expressa sua
reação afetiva ou seu estado emocional ao escolher um produto pelo outro [27].
A
substituição de farinhas convencionais por não convencionais pode ocorrer,
desde que não haja modificação na qualidade final das preparações elaboradas
[19].
Clemente
et al. [15], ao analisar a farinha de
resíduo de laranja, verificou que a mesma poderá ser utilizada no
enriquecimento de preparações como pães, bolos e biscoitos, sendo necessário
somente verificar a quantidade a ser utilizada em cada uma.
Neste
mesmo contexto Aparecido et al. [28]
utilizaram a farinha de casca de laranja na preparação de Muffins funcionais de
laranja e estes apresentaram boa aceitabilidade visto que após análise
sensorial com 30 indivíduos, 65% responderam que a preparação era boa. Sendo observado entretanto que o gosto residual da laranja é bem
acentuado [19].
Outro
teste sensorial foi realizado com 100 indivíduos que analisaram um biscoito de
chocolate preparado com diversas concentrações de farinha de albedo de laranja,
indo desde 5% à 8,35% do total de farinha utilizado, na qual as médias
sensoriais ficaram em 5,6 e 7,2, correspondendo a 5 = não gostei, nem desgostei
e 7 = certamente compraria, de acordo com a escala utilizada [19]
O
biscoito Cream Cracker elaborado por Tozatti et al. [1] com adição de 5% de farinha
de casca e bagaço de laranja, obteve uma resposta média dos julgadores que
ficou compreendida entre “gostei ligeiramente” e “gostei muito”, mostrando que
teve uma aceitação satisfatória.
Padilha
et al. [29] realizaram um estudo com
200 pessoas sendo 48,75% do gênero feminino e 51,25% do gênero masculino, na
qual alguns dos itens avaliados era referente ao conhecimento do tema
aproveitamento integral de alimentos e se adotariam em suas refeições diárias
este tipo de preparação, sendo que verificou-se correlação moderada positiva
entre seus padrões de resposta, pois os entrevistados tinham conhecimento sobre
o tema e já haviam consumido alguma preparação e 88% dos entrevistados (n =
176) afirmaram que a introduziriam em suas rotinas alimentares. Referente ao
gênero constatou que os entrevistados do gênero feminino possuem maior
preconceito em relação à prática do aproveitamento integral dos alimentos,
enquanto o gênero masculino apresentou menor preconceito e afirmou que entendem
que o a utilização do aproveitamento integral ocorre devido o
seu valor nutritivo.
Benefícios à saúde
As
farinhas elaboradas a partir da casca e ou bagaço da laranja podem ser
consideradas com alto teor de fibras, pois possuem no mínimo 6 g de fibras/100
g de alimento. Desta forma podem ser associadas a uma dieta com a finalidade de
aumentar o aporte de fibras solúveis, podendo auxiliar significativamente na
prevenção, combate ou tratamento de doenças como as cardiovasculares, diabetes,
diminuição das concentrações do colesterol sérico, e auxiliam na regulação do
trânsito intestinal [1,24].
A
vitamina C, co-participante de diversas funções e
essencial na defesa do organismo, possui também função antioxidante. Estudos
mostraram que pode auxiliar na redução do risco de câncer e doenças
cardiovasculares [30].
Em
vista dos argumentos apresentados, foi possível concluir que a farinha
elaborada a partir da casca, albedo e bagaço da laranja possuem teores de
nutrientes que podem auxiliar no alcance do aporte diário, pois foram
encontrados teores significativos de carboidrato e proteína. Podendo também ser
considerada fonte de fibras alimentares, que pode auxiliar na prevenção e
controle de algumas doenças.
Foi
possível averiguar que a farinha pode ser utilizada em diversas preparações
como pães, bolos e biscoitos sendo necessária a realização de testes referente
à quantidade a ser utilizada para a elaboração desses alimentos. Os teores de
umidade e acidez mostraram que a mesma possui uma vida útil boa em relação a
deterioração quando produzido em pequenas quantidades, desfavorecendo a
capacidade de crescimento microbiano, porém faz-se necessário à realização de
testes para avaliar a Shelf-Life em casos de grande
produção. A aceitação desse tipo de alimento se mostrou satisfatória, visto que
foi produzido a partir da utilização de partes não convencionais da laranja.
Podemos
reafirmar que é possível realizar o aproveitamento integral dos alimentos,
visando à redução das perdas e desperdício, bem como agregar valor nutricional
e melhorar a qualidade de vida de diversos grupos populacionais.