ARTIGO ORIGINAL
Esteatose hepática e estado
nutricional em pacientes portadores de hepatite C
Hepatic steatosis and nutritional
status in patients with hepatitis C
Larissa
Mateus Pessett, M.Sc.*,
Luna Mares Lopes de Oliveira, M.Sc.*, Eugênia Castro e Silva**,
Juliana Sousa Closs Correia*, Juan Miguel Villalobos Salcêdo, D.Sc.***
*Nutricionista, Docente da Faculdade São
Lucas, **Médica, Ambulatório de Hepatite do Centro de Pesquisa em Medicina
Tropical de Rondônia, ***Médico, Ambulatório de Hepatite do Centro de Pesquisa
em Medicina Tropical de Rondônia, Docente Universidade Federal de Rondônia
Recebido
em 18 de setembro de 2012, aceito em 15 de junho de 2015
Endereço para correspondência: Larissa
Mateus Pesseti, Ambulatório de Hepatites Virais do
CEPEM, Avenida Guaporé, 215, 76812-329 Porto Velho RO, E-mail: lariazzi@yahoo.com.br, juanvillalobos@fiocruz.br
Resumo
O objetivo deste estudo
foi determinar a presença de esteatose hepática em
pacientes com infecção crônica pelo vírus da hepatite C (HCV) confirmada pela
reação em cadeia da polimerase, correlacionando-a com o estado nutricional,
genótipo do vírus e grau de fibrose hepática. Foram analisados 239 prontuários
pela antropometria, presença de esteatose hepática,
grau de fibrose hepática e genotipagem do vírus. A
média de idade foi 47,5 ± 10,6 anos (18-81), 58,6% masculino. A esteatose hepática foi evidenciada em 27,6%. No grupo com esteatose houve maior prevalência de pré-obesidade, fibrose
avançada e predomínio no genótipo 1 (74,6%). Nos
pacientes sem esteatose houve maior prevalência de eutrofia e ausência de fibrose. Apesar da porcentagem
elevada de esteatose hepática nos pacientes
portadores de hepatite C, esta é menor que o documentado na literatura,
provavelmente pelo número limitado de pacientes. Neste estudo existiram
evidencias que o binômio HCV/IMC elevado, contribuiu tanto para esteatose como para o avanço da fibrose.
Palavras-chave: esteatose hepática,
hepatite C crônica, estado nutricional.
Abstract
To determine the presence of hepatic steatosis
in patients with chronic infection of hepatitis C confirmed by polymerase chain
reaction (PCR), and correlated with nutritional status, genotype of the virus
and degree of hepatic fibrosis. 239 reports were assessed by anthropometry,
existence of hepatic steatosis, degree of hepatic fibrosis and genotyping of
the virus. The average age was 47.5 ± 10.6 years old
(18-81), and 58.6% male. The hepatic steatosis was found in 27.6%. In
the group with hepatic steatosis the pre-obesity and advanced fibrosis were
more prevailing, as well the prevalence of genotype 1 (74,6%).
Patients without steatosis demonstrated higher
prevalence of normal weight and absence of fibrosis. Although there is a
high percentage of steatosis in patients with hepatitis C, this is less than
recognized in the literature. In this study
there was evidence that the binomial Virus/high BMI contributed to both steatosis
and advanced fibrosis.
Key-words:
hepatic steatosis disease, chronic hepatitis C, nutritional
status.
As
hepatopatias podem cursar com anormalidades metabólicas e nutricionais, as
quais repercutem sobre a morbimortalidade dos pacientes [1]. O vírus da hepatite C (VHC), pertencente à
família Flavivviridae, é um vírus RNA envelopado, de fita
única com senso positivo, que codifica uma poliproteína de 3.100 aminoácidos.
Os genótipos do vírus C são classificados numericamente de
Estima-se
que a infecção pelo HCV atinja 170 milhões de pessoas no mundo, com uma
prevalência média de 3% [2]. No Brasil, estudos mais recentes em doadores de
sangue, revelam prevalência de anti-HCV de 1,2%,
variando de acordo com as diferentes regiões, colocando o país como área
endêmica.
A infecção
crônica cursa com elevação persistente e flutuante dos níveis séricos de Alanino-aminotransferase (ALT). Os achados histológicos são
representados por agressão de ductos biliares, agregados linfocitários e
folículos linfóides, esteatose
hepática (EH) macro e microvesicular. Cerca de 10-50% dos casos evoluem para
cirrose após
A EH do
tipo macrovesicular é uma alteração morfológica frequente entre os pacientes
com hepatite C, que geralmente é resultante de alterações fisiopatológicas
crônicas, envolvendo aumento da síntese hepática, oxidação deficiente e redução
da secreção hepática de lipídeos [1]. Os sinais e sintomas estão relacionados
com o grau de infiltração gordurosa, a duração de seu acúmulo e a causas
subjacentes [4], podendo existir de duas formas: a esteatose
metabólica (frequentemente associada com obesidade, hiperlipidemia
e resistência à insulina) e esteatose induzida pelo
VHC, cujo mecanismo exato ainda não é bem definido. Foi postulado que o acúmulo
lipídico se daria pelo estresse oxidativo mitocondrial induzido pela proteína
core [5].
Parece
firmemente estabelecido que a presença do VHC por si só, pode induzir
diretamente este fenômeno. Estudos têm demonstrado que o genótipo 3 parece ter um papel central no desenvolvimento da esteatose, sendo ele mais frequente entre os pacientes com
VHC que apresentam esteatose à biopsia em comparação
com os portadores de outros genótipos [6].
A
prevalência de esteatose é estimada em
Em suma,
fatores de risco como a obesidade, diabetes, dislipidemia, características
virais (genótipo e carga viral), aspectos histológicos (grau de fibrose) são
correlacionados com a presença de esteatose hepática.
Este
estudo visa determinar a presença de esteatose
hepática na hepatite crônica pelo VHC, correlacionado-a com o estado
nutricional, genótipo do VHC e grau de fibrose hepática.
Foram analisados prontuários de pacientes com infecção crônica
pelo VHC confirmada pelo PCR (polimerase chain reaction) atendidos no Ambulatório de Hepatites do Centro
de Pesquisa em Medicina Tropical de Rondônia (CEPEM), que atende pessoas de
todo o Estado e também de estados vizinhos.
O
levantamento foi feito de março a julho de 2010, sobre dados de prontuário do
período compreendido entre agosto de
Após
a revisão dos prontuários foram recolhidas informações referentes aos dados
pessoais, estado nutricional, exames bioquímicos, US, BH e genotipagem.
O estado nutricional dos pacientes foi
avaliado pelo índice de massa corporal (IMC), obtido a partir do peso divido
pelo quadrado da altura, classificado conforme WHO [12].
Os exames
bioquímicos incluídos foram: glicose sanguínea, colesterol total,
triglicerídeos e transaminases hepáticas (AST e ALT). A hiperglicemia foi
determinada conforme as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes [13], a hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia
conforme os critérios estabelecidos na IV Diretriz Brasileira sobre
Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose [14].
O
critério de diagnóstico da esteatose hepática foi
feito através da US e quando necessário confirmado
pela BH, onde foi possível constatar o grau da lesão hepática, segundo os
critérios de METAVIR onde estabeleceu-se ausência de fibrose (F0),
fibrose inicial (F1 e F2) e fibrose avançada (F3 e F4).
A genotipagem do VHC foi realizada através da técnica
de polimorfismo fragmentado de restrição (RFLP-PCR), onde foi verificada a
presença dos genótipos 1, 2 e 3.
Os
resultados obtidos no estudo foram expressos por frequências, percentuais,
médias, desvios padrões, valores máximos e mínimos. Para a comparação dos
grupos em relação às variáveis dicotômicas, foram utilizados os testes qui-quadrado ou teste exato de Fisher, sendo o nível de
significância considerado para análise estatística de valores de p < 0,05.
Os dados foram organizados em planilha Excel e, para a análise estatística, foi
usado o programa computacional Statistica/5.1. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do CEPEM/IPEPATRO, nº
CEP/094/09.
Dos 752
prontuários de pacientes portadores de hepatite C no período do estudo, 239 cumpriram
os critérios de inclusão. A média de idade foi de 47,5 ± 10,6 anos, sendo 99
pertencendo ao sexo feminino (41,4%) e 140 ao masculino (58,6%). A esteatose hepática esteve presente em 66 pacientes,
correspondendo a 27,6 % da amostra, desta 53,1% no gênero masculino
Os dados
de peso e estatura para a verificação do estado nutricional foram recuperados
em 130 prontuários (54,4%), onde foi possível verificar prevalências distintas
quanto ao estado nutricional entre os grupos. O IMC médio foi de 25,8 kg/m² ±
4,6 kg/m², os resultados estão demonstradas na tabela I.
Tabela I
- Classificação do estado
nutricional dos pacientes com infecção crônica do VHC com presença e ausência
de esteatose hepática.
Fonte: Ambulatório de Hepatites Virais do Estado de
Rondônia,
Os valores
de colesterol sanguíneo e triglicerídeos nos pacientes com EH foram obtidos em
57 prontuários, onde hipercolesterolemia foi
encontrada em 14% e 26,3% com hipertrigliceridemia.
Valores inferiores foram observados no grupo sem esteatose,
cujos dados foram encontrados em 159 prontuários, onde 9,9% tinham hipercolesterolemia e 18,8% hipertrigliceridemia.
Tabela II
- Níveis
séricos de colesterol, triglicerídeos e glicose de pacientes com infecção
crônica do VHC com presença e ausência de esteatose
hepática.
Fonte: Ambulatório de Hepatites Virais do Estado de
Rondônia,
A
hiperglicemia se apresentou com percentuais semelhantes entre os grupos, visto
que nos prontuários de pacientes com EH era de 28,8 e 21,7% na ausência de EH.
Os percentuais, médias, desvios padrões, valores mínimo e
máximos encontram-se na tabela II.
Em relação
aos níveis séricos das transaminases hepáticas foram elevados tanto no grupo
com EH como no grupo sem, cujos percentuais, médias, desvios padrões, valores
mínimo e máximo encontram-se na tabela III.
Tabela
III - Níveis
séricos das transaminases hepáticas de pacientes com infecção crônica do VHC
com presença e ausência de esteatose hepática.
Fonte: Ambulatório de Hepatites Virais do Estado de
Rondônia,
A
frequência genotípica do VHC foi semelhante nos 2
grupos, sendo prevalente o genótipo 1. Foi possível verificar dados de genotipagem em 63 prontuários dos pacientes com EH e 159
nos prontuários sem EH, cuja distribuição percentual se encontra na tabela IV.
Tabela IV
- Frequência
genotípica entre os pacientes com infecção crônica do VHC com presença e
ausência de esteatose hepática.
Fonte: Ambulatório de Hepatites Virais do Estado de
Rondônia,
Quanto à
fibrose analisada na BH, notou-se diferença entre os pacientes com EH e os que
não apresentavam EH. Conforme consta na tabela II, a prevalência nos pacientes
com EH foi de fibrose avançada (F3-F4). Em contrapartida, nos pacientes sem EH,
a prevalência foi ausência de fibrose (F0).
Os dados
referentes aos diferentes graus de fibrose da amostra encontram-se distribuídos
na tabela V.
Tabela V
- Grau de
fibrose hepática entre os pacientes com infecção crônica do VHC com presença e
ausência de esteatose hepática.
Fonte: Ambulatório de Hepatites Virais do Estado de
Rondônia,
Vários
estudos já foram realizados analisando a concomitância entre HCV e esteatose hepática. Neste estudo a prevalência de EH foi
inferior ao demonstrado em vários outros estudos, com variação de 41,7% a 70%
[8-11], porém semelhante quanto ao gênero.
O excesso
de peso indicado pelo IMC > 25 kg/m2, foi maior no grupo com esteatose hepática (p < 0,05), semelhante a outros estudos
[8,15], maior prevalência de pré-obesidade no grupo com esteatose
(p > 0,05) e eutrofia no grupo
sem esteatose (p < 0,05), dados como estes
também foram relatados em outros estudos [16]. Este fato confirma que o estado
nutricional destes pacientes é um fator relevante, visto que a adiposidade pode
contribuir para o avanço da doença hepática.
Os níveis
séricos elevados de triglicerídeos e colesterol foram mais prevalentes
(frequente) nos pacientes com esteatose hepática
quando comparados com o grupo sem, sendo que não houve significância
estatística (p > 0,05),
achados semelhantes ao encontrado no estudo de Hwang et al. [15] e Minakari
et al. [11], no entanto, estes
obtiveram estatísticas significativas (p
< 0,05). Estes dados tornam-se importante, pois embora a expressão da
proteína core do VHC tenha sido mostrada como a causa
direta na gênese da esteatose hepática no sistema de
culturas de células e ratos transgênicos [17], outros fatores tais como a hipertrigliceridemia deve ser considerada neste contexto.
Quanto à média das transaminases hepáticas, ela foi relativamente alta nos dois
grupos, vale ressaltar que no grupo com EH apresentou-se mais elevada (tabela
III).
Vários
estudos relatam a correlação significativa da presença do genótipo 3 em pacientes com esteatose
hepática na hepatite C [8,10,11,18]. Resultados diferentes foram obtidos no
presente estudo, visto que houve prevalência do genótipo 1
(p < 0,05). A esteatose no genótipo 1 tem sido associada com a presença da síndrome metabólica e
resistência periférica a insulina [19]. Apesar destes fatores não terem sido
avaliados, estudos orientados para esta finalidade encontram-se
em fase de implantação. Em outros estudo a maior prevalência foi do genótipo 1, cujos resultados foram 60% (39/65) e 59% (56/95),
respectivamente, semelhante ao encontrado neste estudo (74,6%) [15,20].
Em relação
ao estudo histopatológico do fígado, verificamos que a fibrose avançada era
mais comum entre os pacientes com esteatose (p < 0,05),
enquanto nos pacientes sem esteatose, foi ausência de
fibrose (p < 0,05). Com estes dados podemos inferir que nos pacientes com
hepatite C crônica e infiltração gordurosa, dois fatores se associam para a
progressão mais rápida para fibrose. Alguns estudos demonstram associação entre
esteatose e fibrose a partir do grau 2 [15,21]. De acordo com
estudo de Hourigan et al. [16], existe uma relação positiva entre IMC, esteatose e fibrose em pacientes com HCV e a obesidade tem
um papel importante na patogênese da esteatose.
Concluímos
que apesar de existir na nossa casuística uma porcentagem elevada de esteatose hepática nos pacientes portadores de hepatite C,
esta é menor ao documentado na literatura em geral. Estes pacientes apresentam
maior índice de massa corporal e fibrose mais avançada. Estes resultados
sugerem que na HCV genótipo 1, entre outros fatores a
adiposidade em particular contribui tanto para esteatose
hepática como para fibrose. Com estes achados pressupõe-se que a redução
ponderal através de uma assistência clínica e nutricional específica, possa
prover uma importante estratégia tanto prognóstica como terapêutica para os
pacientes com hepatite crônica pelo vírus C.
Agradecemos
ao Centro de pesquisa em Medicina Tropical de Rondônia – CEPEM e em especial
aos pacientes e familiares.