ARTIGO ORIGINAL

Desenvolvimento de biscoito isento de glúten com recheio de manga (Mangifera indica L.) e enriquecido com ferro

Development of gluten-free cookie with filling of mango (Mangifera indica L.) and enriched with iron

 

Andrea de Jesus da Silva*, Taiane Nunes Dourado Carvalho*, Luisa Costa de Oliveira, M.Sc.**, Juliana Cantalino dos Santos, M.Sc.***

 

*Graduanda do curso de Nutrição do Centro Universitário Jorge Amado, Salvador/BA, **Nutricionista, Docente do curso de Nutrição do Centro Universitário Jorge Amado, Salvador/BA, ***Engenheira de Alimentos, Docente Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF - Sertão PE)

 

Recebido em 26 de setembro de 2012, aceito em 15 de junho de 2015

Endereço para correspondência: Luisa Costa de Oliveira, Centro Universitário Jorge Amado, Campus Paralela, Av. Luis Viana, 6775, 41745-130 Salvador BA, E-mail: luisa.deoliveira@yahoo.com.br

 

Resumo

A Doença Celíaca é uma doença que se caracteriza pela intolerância ao consumo do glúten. Dentre os minerais comprometidos em sua absorção está o ferro, que pode ter sua carência aumentada tanto pela deficiência na oferta alimentar, como na insuficiência de absorção ou aumento na perda pelo intestino. Assim, este trabalho objetivou desenvolver um biscoito isento de glúten para pacientes celíacos avaliando sua composição centesimal, aceitabilidade e intenção de compra. Em substituição à farinha de trigo, foi elaborado um mix de farinhas amiláceas e quinoa, enriquecido com sulfato ferroso, além de uma geléia de manga para conferir sabor ao produto. O biscoito desenvolvido contou com a aplicação de sulfato ferroso, o que contribuiu para os resultados positivos quanto ao teor de ferro na porção do produto (20 mg/100g). A composição centesimal do biscoito desenvolvido apresentou os seguintes resultados por 100 g de produto: 339,50 kcal, 14,87% umidade, 0,16% cinzas, 8,01% proteínas, 0,50% lipídios, 76,83% carboidratos e 1,02% fibras. Sensorialmente, todos os atributos avaliados apresentaram altos índices de aceitabilidade (> 70%) e 41,5% dos julgadores afirmaram que “certamente comprariam” o biscoito. Assim, os resultados obtidos demonstraram que o biscoito desenvolvido constitui-se em um lanche viável, prático e nutritivo para o público-alvo a que se destina.

Palavras-chave: glúten, biscoito, doença celíaca, ferro, produto enriquecido.

 

Abstract

Celiac disease is characterized by intolerance to gluten intake. Among the minerals committed in its absorption is the iron, which can be augmented by the deficiency in the food supply, as in insufficient absorption or increased loss by the intestine. Thus, this work aimed to develop a gluten-free cracker for celiac patients evaluating his centesimal composition, acceptability and purchase intent. In place of wheat flour, was prepared a mix of starches and quinoa flour, enriched with ferrous sulfate, plus a mango jelly to give flavor to the product. The biscuit was developed with the application of ferrous sulfate, which contributed to the positive results regarding the iron content in the portion of the product (20mg/100g). The centesimal composition of the biscuit developed presented the following results per 100 g of product: 339.50 kcal, 14.87% moisture, 0.16% ash, 8.01% protein, 0.50% lipid, 76.83% carbohydrate and 1.02% fibers. Sensorial levels and all attributes assessed showed high levels of acceptability (> 70%) and 41.5% of judges stated that "certainly would buy" the biscuit. Thus, the results obtained have shown that the biscuit developed constitutes a viable, practical and nutritious snack for the target audience.

Key-words: gluten, biscuit, celiac disease, iron enriched product

 

Introdução

 

A Doença Celíaca (DC) é uma doença que se caracteriza pela intolerância ao consumo do glúten e que além da predisposição genética, precisa de fatores imunológicos e ambientais para sua manifestação. É mais frequente em mulheres e indivíduos de cor branca, porém no Brasil há casos em mulatos devido à miscigenação [1-4].

O glúten é formado por frações proteicas encontradas em determinados cereais, mais especificamente no trigo, na cevada, no centeio e na aveia. A gliadina no trigo, hordeína na cevada, avenina na aveia e secalina no centeio, todas frações do glúten, quando em contato com células do intestino delgado de portadores da doença celíaca causa uma resposta imune e consequentemente a produção de anticorpos. Seu consumo contínuo por estes indivíduos provoca alongamento de criptas, atrofia e achatamento das vilosidades da parede intestinal, interferindo diretamente em sua capacidade de absorção de macro e micronutrientes, importantes ao desenvolvimento e manutenção do organismo [1,5].

Há vários tipos de sintomas da DC, dentre eles os mais comuns são diarréia, vômitos, distensão abdominal e os não tão comuns, como baixa estatura, deficiência de ferro e anorexia. Quando não tratada, pode ser a causa de problemas como esterilidade, osteoporose, doenças hepáticas, dentre outras patologias [1,3,4,6,7].

Dentre os minerais comprometidos em sua absorção está o ferro, que pode ter sua carência aumentada tanto pela deficiência na oferta alimentar, como na insuficiência de absorção ou aumento na perda pelo intestino. Alguns estudos mostram que a carência deste mineral estimula o organismo a aumentar sua absorção intestinal, o que é praticamente impossível caso as células intestinais estejam atrofiadas de forma total ou parcial devido à DC [5,8,9].

A terapia desta doença é basicamente dietética. O glúten deve ser totalmente retirado da dieta e, portanto, o trigo, a cevada, o centeio e a aveia devem ser substituídos por outros cereais isentos desta proteína, como milho, arroz, batata e mandioca [1,4]. No entanto, a retirada do glúten interfere diretamente nas características sensoriais de produtos alimentícios, sobretudo na textura, que em geral fica mais compactada e não aerada. A importância do glúten no produto é sua capacidade de dar extensibilidade e consistência à massa, além de reter o gás carbônico proveniente da fermentação, promovendo o aumento do volume desejado. O glúten permite que os componentes de alimentos como massas, pães e bolos permaneçam coesos, sem esfarelar, mesmo durante o processo de fermentação das massas. A leveza e a suavidade deste emaranhado elástico são delicados ao paladar, somando prazer à experiência gustativa [10].

Há uma grande dificuldade dos celíacos em encontrar produtos com características organolépticas atrativas. Normalmente são produtos esfarelados, de textura quebradiça e dura. Além disso, em geral os produtos para celíacos são muito caros e há pouca variedade de produtos disponíveis no mercado. Diversas frutas tropicais podem ser utilizadas em produtos destinados ao público celíaco para conferir sabor, aroma e nutrientes, já que são amplamente disponíveis nas regiões Norte e Nordeste do país. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de frutas [11] e o Nordeste destaca-se, principalmente, na produção de manga. Esta fruta em especial destaca-se por seus componentes voláteis de aroma e sabor marcantes, bem como por possuir nutrientes, como pró-vitamina A (caroteno), vitaminas B2 (riboflavina) e B3 (niacina) e apresentar geralmente baixos índices de rejeição pelo consumidor brasileiro. Apesar de o Brasil ser um dos maiores exportadores de manga in natura, a utilização da fruta na industrialização de produtos alimentícios ainda é baixa [11], havendo, portanto, a necessidade de um maior estímulo ao emprego desta fruta, que pode revelar-se como uma alternativa para acrescentar aroma e sabor aos produtos destinados aos celíacos.

Os ingredientes substitutos dos cereais fontes de glúten e considerados como funcionais também podem ser utilizados na elaboração de produtos para este público-alvo, trazendo diversos benefícios ao organismo destes indivíduos. Segundo Spehar [12], embora a quinoa apresente ausência das proteínas formadoras de glúten, a qualidade do seu conteúdo protéico é elevada, comparável à caseína do leite. Além do fato de possuir teor elevado do aminoácido lisina, a quinoa apresenta outras vantagens sobre outros cereais, como possuir quantidades elevadas de vitaminas como tiamina, riboflavina, niacina, piridoxina e minerais como magnésio, zinco, cobre, ferro, manganês e potássio. Os grãos desse pseudocereal apresentam ainda teores de fibras maiores que os do arroz, trigo e milho. Quanto ao seu teor de carboidratos, cerca de 67 e 74% estão essencialmente na forma de amido. Seu teor energético fica em torno de 347 kcal por 100 g. Especificamente quanto ao teor de minerais, a quinoa também chama a atenção. Em apenas 100 g, é possível encontrar 9,5 mg de ferro, 286 mg de fósforo e 112 mg de cálcio. É uma espécie com conteúdo protéico semelhante ao de leguminosas como a soja, mas com uma concentração de ferro bastante elevada, onde este mineral é assimilado pelo organismo em até 75%, superando a assimilação da soja e da carne (60%) [13].

Desta forma, o objetivo deste trabalho foi desenvolver um biscoito isento de glúten sabor manga e enriquecido com ferro como opção de lanche para portadores da doença celíaca, bem como avaliar sua composição química, aceitabilidade e intenção de compra.

 

Material e métodos

 

Desenvolvimento da formulação do produto

 

Para a elaboração do biscoito foram utilizados os seguintes ingredientes: fécula de batata, manteiga, polvilho doce, farinha de arroz, quinoa, açúcar, ovos, fermento químico e sulfato ferroso. Para o recheio, por sua vez, foi elaborada uma geleia de manga a partir de frutas maduras da variedade manga rosa e açúcar na proporção de 1:1. Todos os ingredientes foram adquiridos em supermercados de fácil acesso localizados em Salvador/BA. Para a compra da manga levou-se em consideração o aspecto da fruta, coloração da casca e aroma típicos da fruta em estádio de maturação ótimo para consumo. A proporção dos ingredientes utilizados para a elaboração da massa do biscoito está apresentada na Tabela I e o fluxograma de produção do biscoito com o recheio de manga pode ser visualizado na Figura 1.

 

Tabela I - Formulação da massa do biscoito isento de glúten enriquecido com ferro

 

 

Figura 1 - Fluxograma de produção do biscoito isento de glúten sabor manga enriquecido com ferro.

 

 

Determinação da composição centesimal

 

As análises para a determinação da composição centesimal foram realizadas no Laboratório de Química do Centro Universitário Jorge Amado. As análises foram realizadas de acordo com a metodologia proposta pelo Instituto Adolfo Lutz [14] em triplicata, após a amostra ter sido homogeneizada em almofariz com pistilo e quarteada. Foram determinados os teores de umidade (012/IV), cinzas (018/IV), proteínas (285/IV) e lipídeos (032/IV). O teor de carboidratos foi calculado por diferença e o valor energético do produto foi calculado pelo emprego dos fatores de conversão de Atwater (4 kcal para proteínas e glicídios e 9 kcal para lipídeos). Os teores de fibras totais e de ferro foram calculados de acordo com as informações contidas na Tabela de Composição Química dos Alimentos [15] e no rótulo do sulfato ferroso utilizado para o enriquecimento do produto. Os resultados obtidos foram submetidos à estatística descritiva (média ± desvio-padrão).

 

Análise sensorial: teste de aceitação e intenção de compra

 

Testes de aceitação e de intenção de compra do biscoito desenvolvido foram realizados em abril de 2012, com 41 estudantes de graduação e funcionários do Centro Universitário Jorge Amado, de ambos os sexos (11 homens e 30 mulheres) e com idades entre 18 e 47 anos. Todos os participantes desta análise eram julgadores não treinados. Para a realização dos testes sensoriais utilizou-se a metodologia proposta por Dutcosky [16] através do emprego de escalas mistas estruturadas. No teste de aceitação foi aplicada uma escala estruturada de 9 pontos (1 = “desgostei muitíssimo” e 9 = “gostei muitíssimo”), onde se avaliaram os seguintes atributos do biscoito: cor, aroma, sabor, textura e aceitação global. No teste de intenção de compra foi aplicada uma escala estruturada de 5 pontos (1 = “certamente não compraria” e 5 = “certamente compraria”), onde se avaliou qual seria a atitude do julgador caso o produto fosse lançado no mercado.

Cada julgador concordou em participar voluntariamente da pesquisa através da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes das sessões de prova. O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Jorge Amado sob o número de protocolo 057/2011, conforme exige a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde [17] para pesquisas envolvendo seres humanos. A avaliação dos resultados foi realizada a partir do cálculo do Índice de Aceitabilidade (%) conforme a Equação 1 para cada atributo avaliado no teste de aceitação. Os resultados da intenção de compra foram calculados pela distribuição % de respostas para cada conceito da escala estruturada de 5 pontos.

 

I.A. (%) = nota média obtida pelo produto x 100 /nota máxima dada ao produto  (Equação 1)

 

Resultados e discussão

 

Em substituição à farinha de trigo, foi elaborado um mix de farinhas amiláceas (fécula de batata, farinha de arroz e polvilho doce) e quinoa, onde cada uma teve sua função para conferir à massa do produto uma textura macia e delicada, cor atraente, sabor e aroma agradáveis. A geleia da manga aplicada como recheio também contribuiu para a aparência, aroma e sabor favoráveis à atratividade do produto desenvolvido, que pode ser observado na Figura 2.

 

Figura 2 - Biscoito isento de glúten sabor manga enriquecido com ferro.

 

Na Tabela II estão apresentados os resultados da composição centesimal do biscoito isento de glúten desenvolvido neste estudo e comparado a um biscoito comercial também sem glúten e com recheio de morango, visto que foi o biscoito comercial com características mais próximas possíveis do biscoito analisado. Foi possível verificar que com relação à umidade, o biscoito desenvolvido apresentou-se dentro das recomendações estabelecidas pela RDC n° 263 de 2005 [18] da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), já que a máxima umidade permitida para biscoitos é de 15% (o biscoito desenvolvido apresentou 14,87%). Ainda de acordo com a RDC nº 263/05 [18] citada anteriormente, o teor máximo de cinzas permitido na massa de biscoito é de 3,0%, ou seja, a amostra analisada também apresentou resultados dentro do aceito pela legislação para este parâmetro.

 

Tabela II - Comparação da composição centesimal do biscoito desenvolvido sem glúten sabor manga enriquecido com ferro com uma amostra de biscoito comercial sem glúten.

 

*Dados não disponibilizados pelo fabricante.

 

Ao se comparar a amostra desenvolvida com o biscoito comercial, observou-se que o teor de proteínas sofreu diferença considerável entre as duas amostras. O biscoito comercial apresentou um teor de proteínas muito menor. Possivelmente este resultado deu-se devido à utilização da quinoa na massa da amostra desenvolvida, contribuindo para um maior teor protéico.

O teor de lipídeo do biscoito desenvolvido, por sua vez, mostrou ser muito inferior quando comparado ao biscoito comercial. Uma das grandes problemáticas relacionadas ao consumo de biscoitos recheados é o maior teor de gorduras trans associadas aos seus recheios. No entanto, os prejuízos causados à saúde em razão do elevado consumo deste tipo de lipídio são vastos. O fato mais conhecido é que a gordura trans aumenta o LDL (Low Density Lipoprotein) e diminui o HDL (High Density Lipoprotein) no sangue. Essa combinação causa acúmulo de placas de gordura na parede dos vasos sanguíneos, fator que pode resultar em ataque cardíaco e Acidente Vascular Encefálico (AVE). O consumo excessivo de gorduras saturadas e, não apenas as do tipo trans, também pode contribuir para eventos coronarianos. Tendo em vista que no biscoito elaborado foram utilizadas poucas quantidades de alimentos fontes de gorduras (manteiga e ovos) e que não foi adicionado nenhum ingrediente processado e rico em gorduras trans, este apresentaria a vantagem de apresentar porcentuais de lipídios menores, não gerando risco ao consumidor.

A portaria nº31/98 da ANVISA [19] define alimento enriquecido como sendo todo alimento ao qual for adicionada substância nutriente, com o objetivo de reforçar o seu valor nutritivo, seja repondo quantitativamente os nutrientes destruídos durante o processamento do alimento, seja suplementando-os com nutrientes em nível superior ao seu conteúdo normal. Os alimentos enriquecidos de vitaminas e/ou sais minerais, para que assim possam ser denominados, devem fornecer na porção média diária ingerida, no mínimo 60% da quota diária recomendada. Levando em consideração que a porção média de produtos de panificação, cereais e derivados deve fornecer cerca de 150 kcal conforme a RDC nº 359 de 2003 [20], então uma porção do biscoito isento de glúten sabor manga desenvolvido (44 g) pode ser considerado enriquecido para ferro pela portaria nº 31/98 [19], já que supre mais de 60% das necessidades diárias deste mineral (contém 8,8 mg de ferro em uma porção) de crianças de até 8 anos de idade, de homens adultos e de mulheres a partir dos 51 anos de idade. Segundo a Organização Mundial de Saúde [21], a recomendação diária de ferro de crianças de ambos os sexos com faixa etária de até 8 anos é de 10 mg. O requerimento de ferro para homens de 19 anos ou mais é de 8 mg/dia e para mulheres a partir de 51 anos, a recomendação para mulheres passa a ser de 8 mg/dia. Apenas para mulheres adultas com idade entre 19 e 50 anos o biscoito não pôde ser considerado enriquecido, pois ingestão diária recomendada de ferro é de 18 mg/dia [21]. As maiores perdas sanguíneas menstruais e a maior necessidade de ferro na gravidez que faz com que a recomendação deste mineral seja maior para mulheres jovens em idade fértil. A perda menstrual aumentada associada ao número de gestações, à amamentação e ao método de anticoncepção utilizado, são fatores importantes relacionados à maior incidência de deficiência de ferro e de anemia ferropriva entre as mulheres quando comparado às incidências nos homens [22].

No entanto, chama-se a atenção para o consumo excessivo de ferro, uma vez que, o limite máximo de ingestão estabelecido é de 40 mg para crianças de até 8 anos e 45 mg para adultos [21]. Foi observado que, embora o biscoito desenvolvido tenha tido uma quantidade maior deste mineral, não ultrapassou o limite máximo de ingestão permitido, podendo ser utilizado talvez no caso da anemia ferropriva e não em outros tipos de anemia. Por exemplo, paciente falcêmico tem estoque elevado de ferro no organismo e, portanto, devem ser evitados alimentos ricos em ferro [23].

De acordo com Koziol [24], a quinoa é uma importante fonte de ferro, o dobro do que possuem a cevada e o trigo e o triplo do que é encontrado no arroz. A eficiência do ferro, quando administrado via quinoa, é de 74 % mais elevada do que a suprida pelo sulfato ferroso (55%). Por essa característica, a quinoa poderia ser considerada um alimento complementar ou nutracêutico, caso o ferro da quinoa fosse isolado em diferentes formas de apresentação farmacêutica, como cápsulas, por exemplo. Além da utilização da quinoa, o biscoito desenvolvido também contou com a aplicação de sulfato ferroso, o que contribuiu para os resultados positivos quanto ao teor de ferro na porção do produto. Segundo Cocato et al. [25], a microencapsulação de sulfato ferroso tem se mostrado como uma boa alternativa para proteger os alimentos de alterações organolépticas indesejáveis, além de não alterar sua biodisponibilidade, sendo uma alternativa para suplementação para evitar a anemia ferropriva.

Com relação às fibras, não houve grandes quantidades em 100 g de biscoito, o que era esperado, uma vez que não se utilizou nenhum ingrediente integral para sua elaboração. Porém, comparado ao biscoito comercial, a quantidade de fibras do biscoito desenvolvido foi maior provavelmente devido à presença da quinoa e da manga. Deve-se salientar que o fato deste biscoito desenvolvido e de outros produtos destinados a portadores de doença celíaca não conter fibras ou contê-las em quantidades mínimas pode trazer consequências negativas para os consumidores, como constipação [26,27]. Assim, buscando estimular um maior consumo de fibras por esta população-alvo, fazem-se necessárias mais pesquisas para aprimorar a formulação desse biscoito e incluir mais fibras.

Em relação ao custo dos ingredientes utilizados para elaboração do biscoito, este apresentou um custo acessível mesmo com a presença da quinoa devido à sua quantidade utilizada na formulação ser relativamente pequena (45 g). Mesmo com pouca quantidade de quinoa, esta é um diferencial no biscoito elaborado, pois contribui para uma melhor qualidade nutricional do produto. O custo de 100 g do biscoito desenvolvido foi de R$ 2,35.

As médias obtidas para cada um dos atributos avaliados estão apresentadas na Tabela III e apresentaram-se próximas à média 7, que equivale ao conceito “gostei moderadamente”. A menor média observada foi para a aceitação global (6,65), no entanto, esta ainda encontrava-se ente os conceitos “gostei ligeiramente” e “gostei moderadamente”. Por outro lado, as maiores médias observadas foram para a cor, o sabor e a textura.

 

Tabela III - Médias das notas obtidas para o teste de aceitação relativo a cada atributo.

 

De acordo com o índice de aceitabilidade, todos os atributos avaliados do biscoito foram considerados bem aceitos, pois tiveram valores acima de 70% de aceitação (Figura 4), limite mínimo estabelecido pela literatura para um bom resultado [16]. Neste caso, o sabor foi a característica do produto com maior índice de aceitabilidade (77,4%), demonstrando que o produto é viável como uma alternativa saborosa ao público celíaco e que o enriquecimento do biscoito com ferro não interferiu negativamente no sabor do produto. Uma das preocupações no desenvolvimento da formulação do produto foi o possível sabor residual que o mineral em maior quantidade poderia provocar.

 

 

Figura 3 - Índice de aceitabilidade do biscoito isenta de glúten sabor manga e enriquecido com ferro desenvolvido.

 

Observou-se pelos dados apresentados na Figura 5 que 41,5% dos entrevistados “provavelmente compraria” o biscoito analisado. Ao se verificar o total de respostas positivas distribuídas entre “certamente compraria” e “provavelmente compraria”, verificou-se que 68,3% dos entrevistados mostraram-se favoráveis ao biscoito avaliado, enquanto apenas 12,2% do total de entrevistados atribuíram julgamento negativo ao produto em teste (“provavelmente não compraria” e “certamente não compraria”).

 

 

Figura 4 - Intenção de compra do biscoito isento de glúten sabor manga e enriquecido com ferro desenvolvido.

 

 

Conclusão

 

De acordo com os resultados obtidos da composição centesimal e das análises sensoriais, o biscoito desenvolvido é uma alternativa viável para pacientes celíacos, pois é isento de glúten, apresentando um bom índice de aceitabilidade e um conteúdo nutricional desejável, inclusive quanto ao teor de ferro. Assim, constitui-se em um lanche prático e nutritivo para o público-alvo a que se destina.

 

Referências

 

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