REVISÃO
Avaliação
metabólica na epidermólise bolhosa
Metabolic evaluation in the epidermolysis bullosa
Marina Biaggini Diniz
Barbosa*, Izelda Maria Carvalho Costa, D.Sc.**
*Especialização
em Nutrição Pediátrica, Nutricionista da Secretaria de Saúde do Distrito
Federal (SES-DF), **Médica, Doutorado em Medicina (Dermatologia) pela
Universidade Federal de São Paulo, Preceptora - Residência Médica e
Dermatologia da Universidade de Brasília (UnB)
Recebido em 17 de
outubro de 2012, aceito em 15 de julho de 2015
Endereço
para correspondência:
Marina Biaggini Diniz Barbosa, SHIN QI 01, conjunto 01, casa 05 Lago Norte
71505-010 Brasília DF, E-mail: marinabiaggini@gmail.com
Resumo
Epidermólise bolhosa
(EB) é um conjunto de doenças hereditárias caracterizadas pela fragilidade
excessiva da pele e mucosas, tendo como consequência o desenvolvimento de
bolhas e erosões em locais onde ocorre mínima fricção ou trauma. Os pacientes
com EB apresentam feridas abertas na pele, podendo ocorrer em até quase a
totalidade da superfície corporal, levando a infecções, perdas de calor e
elevado turnover de proteínas. Por isso, o gasto energético destes pacientes é
comparado ao gasto energético dos pacientes queimados. E, devido a este gasto
energético elevado e à presença de bolhas nas mucosas do sistema digestório,
levando a uma baixa ingestão energética, estes pacientes são frequentemente
desnutridos. O presente estudo é uma revisão a respeito do gasto energético dos
pacientes com EB.
Palavras-chave: epidermólise
bolhosa, metabolismo energético, desnutrição proteica, avaliação nutricional.
Abstract
Epidermolysis bullosa (EB) is a group of inherited disorders
characterized by excessive fragility of the skin and mucous membranes,
resulting in the development of blisters and erosions after minimal friction or
trauma. Patients with EB presents open wounds in skin, that
may occur in almost the entire body surface, leading to infections, heat
losses and high turnover of proteins. Therefore, the energy expenditure of
these patients is often compared to the energetic cost of burn patients. And,
due to this high energy expenditure and the presence of bubbles in the mucosa
of the digestive system, leading to low energy intake, these patients are
frequently malnourished. The aim of this review was to study the energy
expenditure of patients with EB.
Key-words:
epidermolysis bullosa, energy metabolism, protein malnutrition, nutrition
assessment.
Epidermólise bolhosa
(EB) é um conjunto de doenças genéticas caracterizadas pela fragilidade
excessiva da pele e mucosas, desenvolvendo-se bolhas em locais onde ocorre
mínima fricção ou trauma. Estas doenças são classificadas em simples, juncional
ou distrófica, de acordo com o local da epiderme onde são formadas as bolhas,
existindo ainda diversos subtipos dentro destas classificações [1].
Apesar de a
manifestação inicial desta doença ser as bolhas na pele, e por isso ser em
geral diagnosticada pelo dermatologista, a EB é uma doença sistêmica, que
requer o tratamento por uma equipe de pediatras, cirurgiões, odontólogos,
hematologistas, gastroenterologistas, nutricionistas, entre outros [1]. Embora
existam poucos estudos sobre o manejo nutricional destes pacientes, sabe-se que
a desnutrição é o fator que mais influencia no crescimento, na cicatrização de
feridas, na resistência a infecções, na qualidade de vida e na mortalidade
destes pacientes. O estado nutricional dos pacientes pode ser comprometido
devido às lesões na pele, que levam à perda de sangue e líquido seroso e podem
causar infecções, que elevam a demanda energética, podendo levar ainda à
deficiência de ferro e outros nutrientes. Além disso, complicações na cavidade
oral, orofaríngea, esofaríngea e gastrintestinal, como ulcerações e estenose,
podem reduzir a ingestão alimentar, levando à desnutrição. [1-3]
Nas crianças com EB,
o estado nutricional pode ser ainda mais comprometido. Em um estudo realizado
com 60 crianças, 22% das que tinham EB simples, 77% das que tinham EB
distrófica e 57% das que tinham EB juncional estavam em risco nutricional. Em
contrapartida, nenhum dos 13 adultos com EB simples estavam em risco
nutricional. [3] Mas apesar de saber-se que o comprometimento nutricional é
muito comum em pacientes com EB, poucos estudos realizaram uma avaliação
nutricional destes pacientes. Em um estudo realizado com um pequeno número de
pacientes encontrou um gasto energético de repouso significantemente maior que
sujeitos controle. Por isso, apesar dos pacientes com EB não serem totalmente
comparáveis aos queimados, geralmente utilizam-se as referências de demanda
energética destes últimos, pois ambos apresentam uma grande perda de pele,
levando a um dispêndio energético aumentado. [1,4]
Epidermólise
bolhosa
Epidermólise bolhosa
(EB) é um conjunto de doenças hereditárias caracterizadas pela fragilidade
excessiva da pele e mucosas, tendo como consequência o desenvolvimento de
bolhas e erosões em locais onde ocorre mínima fricção ou trauma. [1,5].
Esta doença é atualmente
classificada em três grupos de acordo com o nível ultraestrutural do tecido
onde são formadas as bolhas, sendo denominadas EB simples as do tipo
epidermolíticas, EB juncional as lucidolíticas e EB distrófica as dermolíticas.
Cada um destes grupos é dividido em diversos subgrupos, totalizando mais de 30
subtipos da doença de acordo com a classificação atual [6].
A
característica
fragilidade da pele e mucosas na EB é resultado de algum defeito
em proteínas
estruturais de células que compõem a epiderme ou a
junção derme-epiderme. Estas
proteínas defeituosas, que são originadas por
mutações, deleções ou
inserções
nos genes que as codificam, levam a rupturas nas células, com a
consequente
formação de bolhas [7]. As características
clínicas da EB podem apresentar-se
de diversas formas, dependendo do tipo e subtipo da doença [6].
A distribuição das
bolhas na pele pode ser apenas em locais específicos ou de forma generalizada.
Podem ocorrer também anormalidades em outros tecidos como unhas, couro
cabeludo, cavidade oral, trato gastrintestinal, trato urinário, trato
respiratório, entre outros [6]. Outras características clínicas podem ser
encontradas, como o risco aumentado de melanoma ou carcinoma das células
basais, além da presença de anemia e retardo de crescimento [6].
A prevalência da EB
tem sido estudada recentemente em diversos países, sendo encontrados valores
que variam de 4 por milhão no Japão [8] a 61 por
milhão na Áustria [9].
Gasto
energético na epidermólise bolhosa
O paciente com EB é
frequentemente comparado ao paciente queimado. Em ambos os casos, existe a
presença de feridas abertas na pele, levando a infecções, perdas de calor e
turnover de proteínas. Além disso, suspeita-se que, assim como os queimados, os
pacientes com EB têm um aumento no gasto energético proporcional à percentagem
da superfície corporal afetada [3,14].
Além do aumento no
gasto energético, os pacientes com EB apresentam frequentemente diversas
manifestações gastroesofágicas, tais como bolhas orais, disfagia, estritura esofágica,
constipação intestinal e bolhas perianais, que limitam a ingestão de alimentos
[2,3,15-17]. Todos estes fatores frequentemente levam
à desnutrição e a retardos de crescimento bastante severos, especialmente nas
formas mais severas da doença [2,3].
Apesar de não estar
associado à prevenção de novas bolhas nos pacientes com EB, um aporte
nutricional adequado, além de prevenir a desnutrição e o retardo de
crescimento, pode levar a melhorias na imunocompetência, nas proteínas
viscerais e no perfil bioquímico, na cicatrização das feridas e prevenir
infecções secundárias, levando a uma melhora na qualidade de vida dos pacientes
[18].
Porém, existe uma
grande dificuldade em determinar o requerimento energético de pacientes com EB
devido a diversos fatores como a natureza multissistêmica, inflamatória e de
tendência infecciosa da doença; a variabilidade intra-indivíduo
devido a variações de idade, extensão das lesões, presença de infecções,
estirão de crescimento, entre outros; a dificuldade em estimar o ganho de peso
adequado devido a inflamações crônicas, contraturas articulares e osteoporose e
ainda a dificuldade de se conduzir ensaios clínicos com um número tão reduzido
de pacientes [3].
Com base em
extrapolações de recomendações de ingestão energética para crianças e
adolescentes sadios, em 1995, foi proposta por Birge a seguinte fórmula para
avaliação do requerimento energético de pacientes com EB:
peso (kg) x (recomendação
de kcal/kg para a idade correspondente à altura do paciente) x [1 + (soma dos 3
fatores adicionais).
Os fatores adicionais
são:
1. Percentagem de
bolhas em relação à área da superfície corporal (ASC): 20% ASC = 0,19; 40% ASC
= 0,5; 100% ASC = 0,95.
2. Grau de sepse:
leve = 0,2; moderada = 0,4; severa = 0,8.
3. Fator de
crescimento: 0,1 ou 0,2.
Como exemplo, um
menino de 6 anos, pesando 13 kg, com altura para idade
(percentil 25) correspondente a 4,7 anos, bolhas em 20% ASC, sepse leve e com
retardo de crescimento, teria o seguinte requerimento energético, segundo a
fórmula acima: 13 x 90 (requerimento energético para meninos saudáveis de 4 a 5
anos) x 1 + [0,19 + 0,2 + 0,2] = 1860 kcal = 143 kcal/kg [2,19].
Em caso de crianças
com formas mais severas de EB, mesmo com intervenções nutricionais intensas,
são conseguidas poucas modificações em sua composição corporal [19]. Já foi
identificado que crianças com EB recessiva distrófica têm um peso
significantemente menor ao nascimento em relação às crianças saudáveis,
indicando que o comprometimento no crescimento inicia-se ainda no útero
materno. Portanto, qualquer comparação entre crianças com EB e crianças
saudáveis deve ser feita dentro do contexto da severidade da doença [19].
Apesar de todas as
dificuldades aqui expostas para a determinação do requerimento energético de pacientes
portadores de EB, verifica-se que é importante que este seja determinado para
possibilitar um aporte energético adequado aos pacientes e uma recuperação
nutricional dos mesmos.