EDITORIAL

Metodologia científica: Science vs. Nature

 

Jean-Louis Peytavin

 

No final do ano 2015, um estudo publicado pela revista Science [1] surpreendeu o mundo da oncologia, com a conclusão que dois terços dos cânceres são devidos a um acidente infeliz e que os fatores externos, como a genética e o meio ambiente, têm uma influência mínima. Os autores se basearam em um trabalho estatístico mostrando a relação do desenvolvimento de células cancerosas com a natureza dos tecidos, sendo que os tecidos com mais potencial e velocidade de renovação apresentariam o maior risco de erro de programação, e, consequentemente, de câncer. Assim chegaram à conclusão que o câncer é mais uma questão de loteria do que de fatores ambientais.

Este estudo contradiz décadas de estudos que mostram o papel predominante da alimentação, da poluição e, às vezes, da genética (caso do câncer da mama) na iniciação dos tumores.

Inconformados com este resultado, outro equipe de pesquisadores verificaram esta contestada análise estatística, e fizeram outros cálculos com resultados...totalmente opostos, publicados na concorrente Nature [2]. Segundo eles, 70 a 90 % dos cânceres são previsíveis porque são dependentes de fatores externos como a qualidade de vida (alimentação, sedentarismo, tabagismo, obesidade, etc.) ou a exposição a fatores ambientais como UV, poluição do ar e da água, ou de fatores internos também previsíveis como a genética.

Esta guerra de estatísticas mostra que nossas metodologias científicas podem sempre ser questionadas e criticadas, e que os cálculos teóricos têm efeitos práticos imediatos: se a demonstração de Science é correta, a política de prevenção do câncer se torna inútil.

Para os oncologistas, a verdade está certamente entre as duas posições: muitos fatores externos já são conhecidos [3], mas a chance também existe, como no caso dos cânceres pulmonares em pessoas que nunca fumaram, ou, talvez, a chance esconde nossa ignorância.

 

Referências

 

  1. Tomasetti C, Vogelstein B. Variation in cancer risk among tissues can be explained by the number of stem cell divisions. Science 2015;347(6217):78-81.
  2. Wu S, Powers S, Wei Z, Hannun YA. Substantial contribution of extrinsic factors to cancer development. Nature 2015 doi :1038/nature16166.
  3. Nutrition et prévention primaire des cancers : actualisation des données, collection État des lieux et des connaissances. Paris : INCa; 2015. Disponível em URL : www.e-cancer.fr.