ARTIGO ORIGINAL
Contribuição
do Banco Rio de Alimentos na adequação de micronutrientes para crianças de 1 a 3
anos
Contribution of Banco Rio de Alimentos in micronutrient adequacy for 1 to
3 years old children
Isis Araujo Maia*, Ana
Rosa da Cunha Machado, D.Sc.**
*Graduanda
do Curso de Nutrição do Centro Universitário Celso Lisboa (CEUCEL), **Professora
do Departamento de Nutrição do Centro Universitário Celso Lisboa (CEUCEL)
Recebido 20 de setembro
de 2013; aceito 15 de dezembro de 2015.
Endereço
para correspondência:
Isis Araujo Maia, Rua Capitão Resende 345/501 Cachambi 20780-190 Rio de Janeiro
RJ, E-mail: isis.maia@gmail.com, Ana Rosa da Cunha Machado, anarosacunha@gmail.com
Resumo
Uma alimentação adequada
é essencial para o crescimento e desenvolvimento de crianças. O Banco Rio de Alimentos
(BRA) é um programa que recolhe alimentos de instituições doadoras e entrega onde
está faltando, inclusive em creches. Estas, em muitos casos, são responsáveis pelo
fornecimento da maioria das refeições diárias de crianças. O objetivo do presente
estudo foi avaliar a importância do BRA para adequação de alguns micronutrientes
em crianças de creches que recebem doações. Foram analisadas nove creches e, com
o auxilio de notas de saída que continham o total de alimentos doados, mensurou-se
a quantidade de micronutrientes que cada criança consumiu. Observou-se que, em média,
o consumo das vitaminas A (306,4%) e vitamina C (553,9%) estava adequado, mas o
consumo de cálcio (34,2%), ferro (32%) e zinco (26,5%) não. Mesmo assim, pode-se
afirmar que as doações contribuem bastante para o suprimento de micronutrientes
das crianças atendidas.
Palavras-chave: Banco Rio de Alimentos,
micronutrientes, creches, alimentação escolar.
Abstract
Adequate nutrition is essential for the growth and development of children.
Banco Rio de Alimentos (BRA) is a program that collects food from donors and delivers
where it is lacking, including in nurseries. These, in many cases, are responsible
for supplying most of the daily meals in children. The aim of this study was to
evaluate the importance of the BRA to the suitability of some micronutrients in
children from kindergartens which receive donations. We analyzed nine nurseries
with the aid of top notes containing the total food donated and measured the amount
of micronutrients that each child consumed. It was observed that,on average, the intake of vitamins A (306.4%) and vitamin C
(553.9%) was appropriate, but calcium (34.2%), iron (32%) and zinc (26.5%) intake
did not. Even so, it can be said that donations greatly contribute to the supply
of micronutrients of children.
Key-words: Banco Rio de Alimentos,
micronutrients, nurseries, school feeding.
Nos primeiros anos de
vida, uma alimentação qualitativa e quantitativamente adequada é essencial para
o crescimento e desenvolvimento da criança, por proporcionar ao organismo a energia
e os nutrientes necessários para o bom desempenho de suas funções e para a manutenção
de um bom estado de saúde [1]. Deficiências específicas de alguns micronutrientes
adquirem cada vez mais destaque se tornando um problema de saúde pública, podendo
levar ao crescimento e ao desenvolvimento inadequado da criança, aumentando sua
vulnerabilidade às infecções e gerando atrasos no processo de maturação do sistema
nervoso e no desenvolvimento mental e intelectual [2,3].
As creches amenizam situações
de insegurança alimentar e contribuem para promover o crescimento e desenvolvimento
da criança, diminuindo ou evidenciando o aparecimento de deficiências nutricionais,
pois são responsáveis pelo fornecimento da maioria das refeições diárias [4-6].
As creches são consideradas uma estratégia dos países subdesenvolvidos para aprimorar
o crescimento e desenvolvimento de crianças pertencentes aos estratos menos favorecidos
[7]. No Brasil, sabe-se hoje que nas cidades médias e grandes, 10% a 15% dos pré-escolares
frequentam creches gratuitas [8,9].
O BRA é um programa sem
fins lucrativos que apresenta como principal foco de atuação a adoção de medidas
que visam minimizar os efeitos gerados pela fome e desperdício de alimentos, concentrando
suas arrecadações em alimentos que estão fora dos padrões de comercialização, muitas
vezes rachados, maduros demais ou amassados, mas em adequadas condições para o consumo
humano, não oferecendo qualquer tipo de risco à saúde. Destacam-se doações de produtos
in natura (legumes, verduras e frutas),
produtos não perecíveis como arroz, feijão, macarrão, farinhas,
açúcar, leite em pó, além de biscoitos, grãos e cereais industrializados, enlatados,
laticínios, sucos, pães e massas [10]. O BRA se baseia num conceito simples e funcional,
ou seja, recolher alimentos de quem pode doar para entregar onde está faltando [11].
O BRA atende um total
de 93 creches cadastradas e, destas, 9 foram analisadas.
As creches escolhidas seguiram os seguintes critérios de inclusão: atendimento a
crianças na faixa etária pretendida (1 a 3 anos), ter o atendimento superior a 50
crianças e localizada no município do Rio de Janeiro.
A partir de notas de saídas
referentes às quantidades e os gêneros de alimentos doados para cada creche foi
possível realizar a coleta de dados a fim de identificar os alimentos e a quantidade
desses alimentos doados para cada uma das nove creches. As notas foram selecionadas
em um dia do mês de agosto de 2012. Após essa coleta, determinou-se a quantidade
de Ferro, Zinco, Cálcio, Vitamina A e Vitamina C, oferecida para cada creche com
auxílio da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos [12] e da Tabela de composição
química dos alimentos [13], afim de estimar o consumo dos
micronutrientes por cada criança.
Para avaliar a adequação
de micronutrientes foram adotadas como padrão de referência as Dietary Reference Intakes (DRI) do Instituto
de Medicina de Washington de 1999 para cálcio e de 2002 para vitamina C, vitamina
A, ferro e zinco [14-16].
Na tabela I constam as
médias de consumo após as doações de cada instituição, considerando a quantidade
de crianças de cada local. Sabe-se que, para a faixa etária de pré-escolar, a recomendação
de cálcio é de 500 mg/dia,
a de ferro e de zinco é de 7
mg/dia, a recomendação de vitamina A é de 300
µg/dia e de vitamina C é de 15 µg/dia,
e, após análise dos dados coletados é
possível observar que apenas a instituição
7 apresentou doações suficientes para atender a
recomendação de cálcio e nenhuma
instituição atendeu as recomendação de
ferro e de zinco, em relação a vitamina A.
As doações não superaram a
recomendação na instituição 6 e a
recomendação de vitamina
C foi atingidas em todas as instituições.
Tabela I - Média de consumo de micronutrientes após as doações,
por instituição.
A
tabela II apresenta
o percentual de adequação de micronutrientes após
as doações, por instituição e
criança. Após as doações do BRA,
observou-se percentual de adequação de cálcio
máximo
de 107,8% e mínimo de 4,9%. Apenas as instituições 7 e 9 ficaram com a adequação de ferro acima de 50%. A instituição
7 foi a que mais se aproximou da adequação de zinco com
72,8% de adequação. A vitamina A apresentou altos percentuais
de adequação com ate 771,0%, com a recomendação atendida em todas as instituições.
O mínimo de adequação de vitamina C ficou em 169,3%.
Tabela II - Percentual de adequação de micronutrientes após
as doações, por instituição.
As
vitaminas e os minerais
são nutrientes não energéticos que não
podem ser sintetizados no corpo humano, devendo
assim, serem supridos pela alimentação [17]. Os minerais
desempenham uma variedade
expressiva de funções metabólicas que incluem
ativação, regulação, transmissão e
controle dessas funções, e as vitaminas possuem
funções relacionadas com atividades
estruturais. Portanto, esses micronutrientes são importantes
para o crescimento
e desenvolvimento saudável da criança e suas
deficiências podem causar sequelas
irreparáveis [17]. No Brasil, o Ministério da
Saúde estabelece diretrizes oficiais
para a promoção da alimentação
saudável, entre elas, destaca-se o aumento do consumo
de frutas, legumes e verduras (FLV), considerando que os níveis
atuais estão muito
aquém do recomendado [18].
A recomendação de cálcio
não foi atendida, provavelmente, pela falta de leite e derivados, visto que estes
são as principais fontes desse mineral [2]. Apesar de ter como foco a doação de
FLV, o BRA também conta com doadores de laticínios (iogurte e leite em pó), mas
nenhuma das instituições recebeu esses alimentos nos dias analisados. Quando em
estoque para doação, a adequação de cálcio seria alcançada.
O atendimento da recomendação
de cálcio é importante, visto que dietas inadequadas em cálcio aumentam a reabsorção
do tecido ósseo diminuindo a densidade óssea, podendo contribuir, a longo prazo, para o aumento do risco de osteoporose [19].
A anemia é considerada
atualmente um sério problema de saúde pública e está relacionada com altos riscos
de morbidade e mortalidade em crianças [17]. A deficiência de ferro, mesmo na forma
moderada, é preocupante porque poderá ter como desfecho a anemia, com consequentes
prejuízos para a anormalidade do crescimento e desenvolvimento cognitivo [19]. A
media encontrada de ferro foi 2,2 mg por criança, valor
esse muito abaixo do recomendado, mas convém ressaltar que a carne de origem animal
é a melhor fonte de ferro heme, mas, como as doações do BRA são em sua maioria de
FLV, é responsabilidade da instituição ofertar no seu cardápio, uma proteína.
Outro aspecto a ser considerado
é que no Brasil, o Ministério da Saúde estabeleceu com o setor produtivo a inclusão
de ferro nas farinhas de milho e de trigo. O prazo para as indústrias se adequarem
a essa determinação chegou ao fim em junho de 2004, conforme Resolução – RDC n.
344, de 13 de dezembro de 2002. A partir dessa data, os produtos - fabricados no
Brasil ou importados - devem estar fortificados. A fortificação é vista como a melhor
alternativa para o combate à anemia ferropriva na população, pois apresenta baixo
custo e atinge grande número de pessoas. Essa ação do Ministério da Saúde é essencial
para o controle da anemia, que acomete, no Brasil, crianças
de todas as classes sociais [20].
Para
as crianças menores,
considerando que ao nascimento não há reserva de zinco
suficiente para prover suas
necessidades, o nutriente tem de ser suprido pela
alimentação, existindo um potencial
para a ocorrência de deficiência desse mineral no
início da infância [17]. O fato
de o zinco estar presente na dieta também não garante a
sua utilização pelo organismo,
pois a ocorrência da deficiência desse mineral está
associada à presença de outros
constituintes dietéticos que inibem (fitatos) ou facilitam
(cisteína e histidina)
sua absorção [17]. Não houve a
adequação de zinco, talvez pela falta da
doação pelo
BRA de alimentos fontes desse micronutriente como carnes vermelhas,
miúdos e ovos
[21]. Na deficiência moderada de zinco pode-se observar o retardo
no crescimento,
diarreia, pneumonia, malaria e podendo até prejudicar o
desenvolvimento cerebral
[22].
A hipovitaminose A é um
problema de saúde ocorrendo, principalmente, em pré-escolares, estando podendo,
nos casos mais avançados, levar à cegueira parcial ou total [23]. As melhores fontes
de vitamina A são as de origem animal, contudo, existem alimentos de origem vegetal,
que são ricos em carotenóides formadores de vitamina A [23]. Por conta da quantidade
doada de FLV a recomendação diária foi atendida em oito instituições. Salienta-se
que a conversão de carotenoides em vitamina A depende da presença de outros componentes
da dieta como a gordura e a vitamina E, e da interação com outros nutrientes [24].
A media encontrada de
vitamina C foi de 83 mg por criança ficando acima do valor
preconizado como ideal para a faixa etária. Mesmo o consumo de vitamina C excedendo
o recomendado, não é possível garantir um bom aproveitamento pelo organismo, pois
geralmente, os alimentos ricos nesse nutriente, são oferecidos cozidos, prejudicando
sua biodisponibilidade [17]. A vitamina C é considerada elemento essencial para
o aproveitamento do ferro alimentar, já que sua presença
(50 mg) junto com carnes nas refeições são suficientes para duplicar a absorção
de ferro não heme [25].
Em
algumas creches não
houve devida adequação de alguns micronutrientes
já que as doações enviadas às
instituições
nem sempre são capazes de suprir a real necessidade das
instituições, assim, serão
consideradas complementares nas refeições diárias
das crianças [10].
O Banco Rio de Alimentos
minimiza os efeitos da fome e do desperdício de alimento e contribui para o aumento
do consumo de frutas, legumes e vegetais de crianças atendidas em creches. Além
disso, nos casos em que não supre a recomendação, complementa as refeições e passa
a responsabilidade de proporcionar o restante de micronutrientes para os responsáveis
e creches, que devem incluir nas refeições produtos cárneos, cereais e outros alimentos,
a fim de proporcionar um hábito alimentar saudável.
Assim, atribui-se às doações
do Banco Rio de Alimentos importância fundamental no suprimento de micronutrientes
das crianças atendidas, afastando possíveis carências nutricionais e proporcionando
um adequado crescimento e desenvolvimento.