ARTIGO
ORIGINAL
Consumo
de fibras e a prevalência de constipação intestinal nos pacientes renais
crônicos em hemodiálise de uma clínica nefrológica de Caruaru/PE
Fibers intake and prevalence of constipation in patients with chronic
kidney disease on hemodialysis in a nephrology clinic of Caruaru/PE
Jeaninne Maria
Monteiro Freitas*, Priscilla Kelly Andrade de Lima**, Kelly Regina Wanderley
Falcão***
*Nutricionista
Residente pelo Programa de Residência Multiprofissional de Interiorização de
Atenção à Saúde – PRMIAS, **Nutricionista Clínica e Esportiva,
***Nutricionista, Pós-graduada em Clínica e Terapêutica Nutricional, Faculdade
de Ciências Biológicas e da Saúde de União da Vitória – Uniguaçu, professora da
Faculdade do Vale do Ipojuca – FAVIP DeVry
Recebido 24 de junho
de 2014; aceito 15 de dezembro de 2015.
Endereço
para correspondência:
Jeaninne Maria Monteiro Freitas, Rua João Alves Leite, 269, Bairro Doutor Tonico,
Sanharó PE, E-mail: jeaninnefreitas@hotmail.com; Priscilla Kelly Andrade de
Lima: priscillalimanutri@hotmail.com; Kelly Regina Wanderley Falcão: kellywfalcao@gmail.com
Resumo
Introdução: A Doença Renal
Crônica progride até se tornar necessário a terapia renal substitutiva como a
hemodiálise, diálise peritoneal ou o transplante renal. O paciente em
hemodiálise pode cursar com constipação intestinal, devido a uma alimentação
pobre em fibras ocasionada pela restrição de potássio e fósforo da dieta, baixa
ingestão de líquidos preconizada no tratamento hemodialítico e medicamentos. Objetivos: Investigar o consumo de
fibras alimentares nos pacientes em tratamento hemodialítico, a ingestão
hídrica, o uso de quelante de fósforo e o potássio sérico. Material e métodos: Foram aplicados questionários para frequência
de consumo de alimentos, ingestão hídrica, funcionamento intestinal e uso de
quelante de fósforo. O potássio sérico foi coletado pelo programa utilizado na
clínica. Resultados: Dos 197
entrevistados, 36,8% afirmaram ter constipação, com prevalência nas mulheres.
Aqueles com ingestão hídrica de 200 a 400 ml/dia apresentaram 43,9% de
constipação, os que faziam uso de quelante de fósforo 37% demonstraram esta
condição. A normocalemia prevaleceu em 44,4% daqueles com constipação e a
ingestão de alimentos ricos em fibras foi deficiente. Conclusão: A constipação intestinal foi prevalente nas mulheres,
naqueles com ingestão hídrica < 500 ml, com uso de quelante de fósforo e
naqueles com déficit no consumo de fibras.
Palavras-chave: doença renal
crônica, terapia renal substitutiva, constipação intestinal, fibras
alimentares.
Abstract
The chronic kidney disease progresses until becoming necessary a
replacement therapy such as hemodialysis, peritoneal dialysis or kidney
transplantation. The patient on hemodiolysis may
present constipation due to poor nutrition in fiber caused by potassium and
phosphorus restriction, low water intake recommended in hemodialysis therapy
and drugs. Objectives: To investigate
the intake of dietary fiber in patients undergoing hemodialysis, water intake,
use of phosphate binder and blood potassium level. Methods: Questionnaires were used for frequency of food intake,
water intake, intestinal function and phosphate binder use. Plasmatic potassium
was collected by the program used in the clinic. Results: Between the 197 patients, 36.8% reported constipation,
with more prevalence in women. When water intake is 200 to 400 ml/day the
constipation is 43.9% and 37% between the users of phosphate binder 37%. The normokalemia prevailed in 44.4% of those with constipation
and the intake of fiber-rich foods was poor. Conclusion: Constipation was prevalent in women, when the water
intake is < 500 ml, with use of phosphate binder and decrease in fiber
intake.
Key-words: chronic
kidney disease, renal replacement therapy, constipation, fiber.
Os rins conservam
substâncias essenciais, como a água, auxiliam
na
manutenção do volume de líquido, no estado
ácido-básico, excretam escórias metabólicas
como a uréia, ácido úrico, creatinina; produzem e
secretam hormônios como a
eritropoietina e renina; regulam o calcitriol, forma ativa da vitamina
D [1].
A manutenção da
homeostase do corpo humano é dependente do funcionamento adequado dos rins. A
diminuição lenta e progressiva da função renal resulta em Doença Renal Crônica
(DRC) que progride até tornar necessário a terapia renal
substitutiva (TRS) [2].
A hemodiálise é uma
modalidade da TRS que ajusta as modificações do meio interno por meio da
circulação do sangue, através de uma máquina especializada para esta função
[3].
É de importância
destacar que a síndrome urêmica é uma condição existente nos pacientes renais
em estágio final, onde prevalecem as alterações pulmonares, neurológicas,
cardiovasculares, anemia, lesão cutânea, prurido, hipercalemia, fraqueza,
tremor, câimbra, tosse, sudorese e alteração na pressão arterial [4].
O paciente em
hemodiálise, além de apresentar as desordens da síndrome urêmica, pode cursar
com constipação intestinal; sua etiologia pode estar relacionada com uma
alimentação pobre em fibras alimentares, restrita em líquidos, por fatores
patológicos, emocionais e medicamentosos, como o uso de quelante de fósforo
[5].
A fibra é a parte não
digerível do alimento vegetal, resistente à digestão e absorção intestinal, com
fermentação completa ou parcial no intestino grosso, é classificada em solúvel
representada pelas frutas, vegetais, pectinas, aveia, gomas, mucilagens e
polissacarídeos de armazenagem e a insolúvel inclui a celulose, hemicelulose,
os cereais e farinhas de uma forma geral [6].
Um fator de grande
relevância na hemodiálise é a restrição de potássio na dieta, e os alimentos
ricos em fibras possuem altos teores de potássio, o que limita a ingestão das
mesmas; a restrição de líquidos é bastante preconizada para evitar um ganho
excessivo de peso interdialítico e suas complicações, o que pode estar
relacionado com o surgimento da constipação, já que a alta ingestão hídrica auxilia
na lubrificação intestinal [5].
Vale ressaltar que na
DRC ocorre um desequilíbrio nos níveis de fósforo, culminando na
hiperfosfatemia. Medicamentos, como o sevelamer, carbonato de cálcio, comumente
prescritos para estes pacientes, os tornam propensos a efeitos adversos no
trato gastrintestinal, podendo desencadear a constipação intestinal [7].
O objetivo do
presente estudo foi estimar a ingestão alimentar de fibras, mensurar a ingestão
hídrica, verificar o uso de quelante de fósforo, averiguar o potássio sérico e
avaliar o funcionamento intestinal de pacientes com DRC.
O estudo teve caráter
transversal descritivo, foi realizado na Clínica Nefrológica SOS Rim
(Caruaru/PE). Avaliaram-se indivíduos em tratamento hemodialítico em um período
superior ou igual a 3 meses, na faixa etária de 18 a
menores de 80 anos, no período de setembro a novembro de 2012.
A pesquisa incluiu
adultos em tratamento de hemodiálise por mais de 3
meses que aceitaram participar e excluiu aqueles que apresentavam deficiência
mental neoplasias, doenças infecciosas, AIDS e os que não concordaram em participar.
A coleta de dados
realizou-se por meio de um questionário de frequência de consumo de alimentos
para a investigação da ingestão de fibras. Além disso, desenvolveu-se
questionários estruturados para a avaliação da ingestão hídrica, funcionamento intestinal
e o uso de quelante de fósforo.
Para a mensuração da
ingestão habitual de líquidos tomou-se como referências, medidas caseiras
inferiores a 200 ml até 1 litro/dia. Para estimar o funcionamento intestinal,
questionaram-se o número de evacuações ao dia e a quantidade de vezes durante a
semana com a classificação de normal ou constipado. Quanto ao quelante de
fósforo investigou-se o nome da medicação em uso, sua aderência e posologia.
As análises
estatísticas foram realizadas com o programa Epi-Info versão 3.5.4 para a
edição das tabelas e figuras utilizou-se o MSOffice
Word Versão 2007 e MSOffice Excel versão 2007, com valores absolutos e
percentuais.
As variáveis foram
expressas em frequências e percentuais; para a análise estatística tomou-se
como base o teste Qui-quadrado, valor de p e Odds Ratio, os testes foram
elaborados com a calculadora epidemiológica Statcalc.
Por se tratar de uma
pesquisa que envolve seres humanos, a mesma foi submetida ao Comitê de Ética em
Pesquisa da Favip Devry, onde os indivíduos que participaram foram informados acerca do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram avaliados 197
pacientes que realizavam tratamento hemodialítico, na Clínica Nefrológica SOS
rim, em Caruaru/PE, no período de setembro a novembro de 2012.
Observou-se que
apenas 17,1% dos pacientes ingeriam 1000 ml de líquidos ou mais por dia. A
percentagem de pacientes que ingeriam de 200 a 400 ml de líquidos foi de 55,4%.
A ingesta de líquidos, o uso de quelante de fósforo, o nível de potássio sérico
e o funcionamento do intestino estão apresentados na tabela I.
Quanto ao uso de
quelante de fósforo e sua posologia observa-se que 52,9% dos pacientes faziam
uso do renagel, prevalecendo 1 a 2 comprimidos diários (28,0% dos
entrevistados); apenas 11,4% (n = 22) faziam uso de 6 a 9 comprimidos de
renagel diários. O carbonato de cálcio foi utilizado apenas por 28,0% dos
pacientes, predominando a quantidade de 3 a 6 comprimidos diários em 14,5% (n =
28).
Em relação aos níveis
de potássio sérico a hipercalemia foi prevalente dentre os entrevistados
(54,3%), apenas 3,6% eram hipocalêmicos. Quanto ao funcionamento intestinal
apenas 36,8% (n = 71) dos pacientes afirmaram sofrer de constipação intestinal.
Tabela I - Distribuição dos pacientes renais crônicos
em tratamento hemodialítico de uma clínica nefrológica de Caruaru segundo
níveis de potássio sérico e funcionamento do intestino. Caruaru/PE, setembro a
novembro de 2012.
¹Quatro não responderam
Na tabela II estão
apresentadas as variáveis pessoais dos pacientes, tais como sexo, faixa etária
e ocupação em relação à constipação. Pacientes com idade ≥ 59 anos
apresentam maior chance (OR = 2,29) de ter constipação intestinal do que os
pacientes mais novos, porém não houve diferença estatisticamente significante
(p ≥ 0,05). Também não houve significância estatística em relação ao sexo
do paciente nem em relação ao fato de trabalhar ou não, embora as mulheres
tenham apresentado razão de chance (Odds Ratio) de 0,90 a 3,21
maior em relação aos homens e os que trabalham de 0,72 a 2,74 maior em
relação aos que não trabalham.
Tabela
II -
Prevalência da constipação intestinal dos
pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico de uma clínica
nefrológica de Caruaru segundo variáveis pessoais. Caruaru/PE, setembro a
novembro de 2012.
¹Seis não responderam;
²Quatro não responderam
A prevalência de
constipação nos pacientes, segundo quantidade de líquidos consumidos, o uso de
quelante de fósforo e os níveis de potássio sérico estão apresentados na tabela
III. Embora os pacientes que ingerem ≤ 100 ml de líquidos ou menos não
tenham apresentado significância estatística (p ≥ 0,05) eles tiveram OR
de 3,73 maior que os demais pacientes, apenas os pacientes que ingerem entre
200 e 400 ml de líquidos diários apresentaram significância estatística (p <
0,05) com OR de 2,39 a mais que aqueles que ingerem 1000 ml ou mais.
Tanto o uso de
quelante de fósforo quanto a hipo e hipercalemia não apresentaram
significância, embora os hipocalêmicos demonstraram
razão de chance de 0,60 a 3,18 maior que os normocalêmicos.
Tabela
III
- Prevalência da constipação intestinal
dos pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico de uma clínica
nefrológica de Caruaru segundo ingestão de líquidos, uso
de quelantes de fósforo e níveis de potássio sérico. Caruaru/PE, setembro a
novembro de 2012.
¹Quatro não responderam
A distribuição do
consumo de frutas, verduras, folhosos, legumes e feijões é
apresentada na tabela IV.
No grupo das frutas,
a pera atingiu 40,6% raramente ou nunca, 23,8% goiaba de 1 a 4 vezes por
semana, 63,8%, ameixa raramente ou nunca.
Já no que diz respeito
às verduras, folhosos e legumes. 69,0% dos que responderam afirmaram consumir
jerimum, 1 a 4 vezes por semana, e 53,6% raramente ou nunca couve-flor. Dentre
os feijões, prevaleceu o consumo do feijão verde com frequência de 1 a 4 vezes
por semana para 86,2% dos pacientes.
Tabela
IV -
Distribuição de frutas, verduras,
folhosos, legumes e feijões segundo frequência de consumo dos pacientes renais
crônicos em tratamento hemodialítico de uma clínica nefrológica de Caruaru.
Caruaru/PE, setembro a novembro de 2012.
*A base de calculo não
foi 100%.
Na tabela V
encontra-se a distribuição do consumo de pães e massas, grãos e cereais. O
consumo de pão francês é frequente (1 a 4 vezes por semana por 78,2% das
pessoas), ao contrário do pão integral, pouco consumido (raramente ou nunca
para 61,4% das pessoas).
Nos grãos e cereais,
92,9% consumiam arroz branco de 1 a 4 vezes por semana, mas pouco arroz
integral (raramente ou nunca para 79,9% das pessoas) ou aveia em flocos grossos
(raramente ou nunca para 78,2% das pessoas).
Tabela
V - Distribuição de pães e massas, grãos e
cereais segundo frequência de consumo dos pacientes renais crônicos em
tratamento hemodialítico de uma clínica nefrológica de Caruaru. Caruaru/PE,
setembro a novembro de 2012.
*A base de calculo não
foi 100%.
O estudo que avaliou
a prevalência de constipação intestinal nos pacientes em diálise crônica
mostrou que ela esteve presente em 33,5% nos pacientes em hemodiálise e foi
bastante significativa nas mulheres (59,3%); já naqueles com idade até 65 anos
87,3% exibiram esta condição [5]. Nesta pesquisa foram registrados 36,8%
pacientes com constipação intestinal, apesar da maior parte da população ser
masculina, as mulheres obtiveram 43,9% e os homens 31,5%. Em relação à idade ≥
59 anos, 49,2% mostraram constipação, constatando que esta é uma situação que
gera impacto desfavorável na qualidade de vida destes pacientes.
Santos, Rocha e
Berardinelli [8] afirmam que a recomendação hídrica de 500 ml à diurese de 24
horas, é fundamental no paciente em hemodiálise para a manutenção do ganho de
peso interdialítico não superior de 3 a 5% do peso seco do paciente. Em seu
estudo, avaliaram que 34,8% dos indivíduos em
hemodiálise desconhecem a quantidade de líquidos que pode ser ingerida, esta
porcentagem é de relevância devido às consequências que o aumento desta
ingestão pode ocasionar.
Anzuategui et al. [5] confirmam que a baixa ingestão
de líquidos preconizada na hemodiálise pode culminar em redução da motilidade
intestinal, visto que a água aumenta a lubrificação e o peristaltismo do
intestino. Nesse estudo verificaram que a grande maioria dos pacientes com queixa
de constipação ingeria até 1l/dia de líquidos. Em nosso estudo houve maior
prevalência de constipação naqueles que ingeriam em torno de 200 a 400 ml/dia
de líquidos, com 43,9%, sendo avaliados através de questionários
auto-aplicáveis para o consumo de líquidos, ao contrário de Anzuategui et al. [5], que utilizaram o recordatório
alimentar, que pode não ter sido eficaz.
Vale salientar que um
dos efeitos colaterais comuns entre os quelantes de fósforo é a constipação,
que traz como consequência desconforto e inchaço abdominal [9].
Em nosso estudo 37%
dos pacientes que faziam uso de quelante de fósforo apresentaram constipação
intestinal. Já Anzuategui et al. [5], estabeleceram que aqueles que
ingeriam uma quantidade superior a 6 g ao dia seriam mais propensos ao
desenvolvimento da mesma.
No que se refere aos
níveis de potássio sérico, os indivíduos normocalêmicos foram predominantes,
44,4% destes exibiram constipação intestinal, contradizendo a hipótese de que
os hipercalêmicos seriam propensos a esta condição, uma vez que uma pequena
fração do potássio é eliminada através das fezes. Vale salientar que não houveram trabalhos para confrontar com os resultados do
referido estudo.
O controle adequado
do potássio é relevante para o portador de DRC em hemodiálise, devido a hipercalemia ser um achado frequente nesse grupo. A
restrição de alimentos com altos teores desse mineral é necessária, tendo em
vista que as fontes alimentares de potássio são compostas por fibras [8]. No
presente estudo, verificou-se que a maioria dos indivíduos ingeriam com menor
frequência os alimentos ricos em fibras (frutas, verduras, folhosos, legumes,
cereais integrais, grãos. Anzuategui et al. [5]
constataram a predominância de constipação intestinal nos pacientes em
hemodiálise com menor frequência de ingestão de alimentos fontes de fibras
alimentares, como hortaliças, frutas, leguminosas, alimentos integrais.
Constatou-se que a
constipação intestinal foi prevalente no sexo feminino, em indivíduos com
ingestão de líquidos inferior a 500 ml/dia, que faziam uso do quelante de
fósforo. No que se refere ao consumo de alimentos ricos em fibras, destacou-se
a variável raramente ou nunca, que está intrinsecamente correlacionada à
restrição de potássio indicada nos pacientes em tratamento hemodialítico, uma
vez que fontes alimentares de fibras possuem elevadas quantidades desse
mineral.