ARTIGO
ORIGINAL
Perfil
de crianças e adolescentes internados em um hospital privado do Estado de São
Paulo
Profile of children and adolescents admitted in a private hospital at
São Paulo
Monica Venturineli
Ferreira*, Erika Yuri Hirose**, Silvia Cristina Gasparini**, Tassia Farias
Santos Vianna**, Ana Lucia Chalhoub Chediác Rodrigues***, Érika Suiter****,
Adriana Yamaguti****, Ariane Nadolskis Severine*****
*Nutricionista
Clínico da Pediatria do Hospital Sírio Libanês, Mestranda em nutrição Infantil
pelo Centro Universitário São Camilo, São Paulo/SP, **Nutricionista Clínico
Hospital Sírio Libanês, São Paulo, ***Coordenadora do Serviço de Alimentação do
Hospital Sírio Libanês, São Paulo, ****Nutricionista do Desenvolvimento do
Serviço de Alimentação do Hospital Sírio Libanês, *****Gerente do Serviço de
Alimentação do Hospital Sírio Libanês
Recebido 10 de
fevereiro de 2015; aceito 15 de dezembro de 2015.
Endereço
para correspondência:
Monica Venturineli Ferreira, Filantropia Hospital Sírio Libanês, Rua Peixoto
Gomide, 337 Bela Vista 01409-001 São Paulo SP, E-mail:
monica.venturineli@gmail.com; Erika Yuri Hirose: erika.hirose@hsl.org.br;
Silvia Cristina Gasparini: silvia.gasparini@hsl.org.br; Tassia Farias Santos
Vianna: tassiafarias@hotmail.com; Ana Lucia Chalhoub Chediác Rodrigues:
ana.rodrigues@hsl.org.br; Érika Suiter: erika.suiter@hsl.org.br; Adriana
Yamaguti: adriana.yamaguti@hsl.org.br; Ariane Nadolskis Severine: ariane.severine@hsl.org.br
Resumo
Conhecer o perfil da
população atendida é fundamental na assistência das instituições hospitalares.
A triagem e o acompanhamento nutricional selecionam aqueles que necessitam de
intervenção nutricional precoce auxiliando os profissionais no tratamento da
doença e agravos nutricionais. O objetivo deste trabalho foi avaliar o perfil
dos pacientes internados nas unidades pediátricas de um hospital privado do
estado de São Paulo. Trata-se de um estudo descritivo com dados secundários de
pacientes internados, por um período igual ou superior a 24 horas, entre
fevereiro e agosto do ano de 2012. As variáveis utilizadas foram: idade, sexo,
peso e estatura, patologia, tipo de acesso ao serviço da instituição, índice de
massa corporal (IMC), peso/idade, estatura/idade, peso/estatura, IMC/idade e
estado nutricional. Identificou-se que a população estudada possui como
características prevalentes: sexo masculino (58,42%), idade entre 0 e 2 anos (33,66%), categoria convênio (81,19%), eutrófico
(54,46%) e patologia de caráter infeccioso (64,60%). Conclui-se que o perfil
nutricional de eutrofia da população atendida condiz com os estudos já
descritos na literatura. Esta caracterização contribui para efetiva intervenção
com recuperação de agravos nutricionais, redução no tempo de internação
hospitalar, diminuição dos custos e melhoria na qualidade da assistência
clínica em geral.
Palavras-chave: estado nutricional,
avaliação nutricional, criança, pacientes internados.
Abstract
Knowing the population profile attended is mandatory in the assistance
of hospital institutions. Screening and nutritional monitoring select the needs
for early nutritional intervention, helping the professional on the disease
treatment and nutritional disorders. The main objective of this work was to
evaluate the profile of the patients allocated in the pediatric units of a
private hospital in the State of São Paulo. This was a descriptive study with
secondary data of hospitalized patients, in a period equal or greater than 24
hours, between February and August of 2012. The variables used were: age, sex,
weight, height, pathology, type of access into the institution service, body
mass index (BMI), weight/age, height/age, weight/height, BMI/age and
nutritional stage. It was possible to identify that the population studied had
as major characteristics: male (58,42%), 0 to 2 years
old (33,66%), health plan coverage (81,19%), eutrophic (54,46%) and infectious
pathology (64,60%). We concluded that the eutrophic nutritional profile of this
population confirms results already described in the literature. This
characterization contributes to the effective intervention in the recovery of a
nutritional disorder, reduction in the hospital stay, less costs and better
quality in general clinical assistance.
Key-words: nutritional
status, nutritional assessment, child, inpatients.
Ao mesmo tempo em que
declina a ocorrência da desnutrição em crianças e adolescentes brasileiras em
ritmo acelerado, aumenta a prevalência de sobrepeso e obesidade. A projeção dos
resultados de estudos efetuados nas últimas décadas é indicativa de um
comportamento claramente epidêmico, sendo estabelecido um antagonismo de
tendências temporais entre desnutrição e obesidade que caracteriza o processo
de transição nutricional do país [1].
No Brasil, 1 em cada 3 crianças de 5 a 9 anos está acima do peso
recomendado pela Organização Mundial de Saúde. O déficit de altura caiu de
29,3% (1974-75) para 7,2% (2008-09) entre meninos e de 26,7% para 6,3% entre
meninas com idade inferior a 10 anos. A parcela de meninos com 10 a 19 anos de
idade acima do peso passou de 3,7% (1974-75) para 21,7% (2008-09), já entre as
meninas esta proporção cresceu de 7,6% para 19,4% [2]. Apesar disso, a
desnutrição energético-protéica moderada e grave é ainda um importante problema
nesta faixa etária, especialmente em crianças hospitalizadas, com uma taxa de
mortalidade variando entre 0% a 30% nestes casos [3].
A prevalência de
desnutrição em pacientes pediátricos hospitalizados pode variar de 20 a 30%,
contudo, grande parte destes já se encontra desnutrida no momento da admissão e
apresenta piora do seu estado nutricional ao longo da internação. A desnutrição
hospitalar tem sido associada a maiores taxas de complicações e infecções, aumento
da morbidade e da mortalidade, maior tempo de internação e aumento do custo
hospitalar [3].
Os pacientes
pediátricos obesos hospitalizados necessitam de considerações adicionais em
seus cuidados, pois existem mudanças mecânicas, metabólicas e inflamatórias
induzidas pela obesidade que comprometem o estado nutricional, como
hiperglicemia, hiperinsulinemia, hipertrigliceridemia, complicações cirúrgicas
e cardiovasculares de difícil controle [4].
A evolução do
paciente pode ser comprometida pelo alto grau de estresse da intervenção
cirúrgica e a situação pode piorar quando existe algum agravo nutricional. Nos
procedimentos cirúrgicos, a desnutrição e a obesidade têm papel de destaque,
pois aumentam o risco de complicações metabólicas pós-operatórias,
principalmente, se não forem tratados precocemente [5].
Em estudo realizado
na cidade de São Paulo avaliou-se o estado nutricional de 749 crianças e
adolescentes hospitalizados em enfermaria de cirurgia pediátrica no período de
2007 a 2008. A média de idade dos participantes foi 7
anos, predominou o sexo masculino (59%), internações para cirurgias
otorrinolaringológicas (18%) e o estado nutricional de eutrofia (43%). Neste
estudo, os pacientes desnutridos permaneceram mais dias internados comparados
aos obesos [5].
A avaliação
nutricional nos hospitais é útil para definir o estado nutricional, identificar
pacientes de risco para complicações e monitorar a terapia nutricional.
Averiguar o peso e estatura do paciente de modo a acompanhar a curva de
crescimento de crianças e adolescentes é uma das maneiras mais eficientes de
avaliar sua condição de saúde, assim como detectar possíveis distúrbios
nutricionais, seja desnutrição ou obesidade [5].
A antropometria é
estudada e valorizada desde a antiguidade. É definida como a ciência que se
baseia na mensuração sistemática e na análise quantitativa das variações
dimensionais do corpo humano. Uma das aplicações da antropometria é a avaliação
do estado nutricional, tanto de indivíduos como da coletividade. Sua ampla
utilização deve-se ao fato de ser um método barato, não-invasivo,
universalmente aplicável, de boa aceitação por parte da população e
extremamente útil para rastrear agravos nutricionais precocemente [6].
O conhecimento do
perfil da população atendida é importante para o planejamento assistêncial das
instituições hospitalares. A identificação de fatores de risco nutricional nos
pacientes, no momento da admissão hospitalar, seleciona aqueles que necessitam
de intervenção nutricional precoce direcionando os profissionais de forma a
auxiliar o tratamento da doença e agravos nutricionais, reduzindo o tempo de
internação hospitalar, custos e melhorando a qualidade da assistência clínica
ao paciente [5].
Objetivo
Avaliar o perfil de
crianças e adolescentes internados nas unidades pediátricas de um hospital
privado do estado de São Paulo segundo idade, sexo, peso e estatura,
diagnóstico, estado nutricional e tipo de acesso ao serviço da instituição.
Trata-se de um estudo
descritivo com base em dados secundários, realizado em um hospital privado do
estado de São Paulo, utilizando dados de prontuário de pacientes internados
entre fevereiro e agosto do ano de 2012.
As variáveis utilizadas
neste estudo foram: idade, sexo, peso e estatura, patologia, tipo de acesso ao
serviço da instituição, índice de massa corporal (IMC), peso/idade,
estatura/idade, peso/estatura, IMC/idade estatura e estado nutricional. Estas
são coletadas rotineiramente nos protuários dos pacientes, não sendo prevista
nenhuma coleta de dados primários.
Considerando a
heterogeneidade do grupo pediátrico, foram criadas faixas etárias baseadas nas
curvas de crescimento propostas pela Organização Mundial da Saúde, 2006 e 2007:
0 a 2 anos, 2 anos e 1 mês a 5 anos, 5 anos e 1 mês a
10 anos e 10 anos e 1 mês a 19 anos [7].
As patologias foram
divididas nas categorias: “crônico” (paciente portador de doença ou condição
crônica, dependente de tratamento/ acompanhamento contínuo. Exemplo:
oncológico, cardiopata, entre outros); “cirúrgico” (paciente que realizou
cirurgia de caráter eletivo, isento de qualquer condição crônica. Exemplo:
colecistectomia, cirurgia ortopédica, entre outros); “cirúrgico-crônico” (paciente
portador de doença ou condição crônica, dependente de tratamento/
acompanhamento contínuo e que realizou cirurgia de caráter eletivo ou
emergencial) e “infeccioso” (paciente portador de quadro infeccioso em geral.
Exemplo: pneumonia, infecção do trato urinário, entre outros).
O tipo de acesso ao
serviço da instituição (categoria) consiste em particular ou convênio.
O IMC foi obtido
através da relação do peso (kg) pela estatura (m) ao quadrado.
Os pacientes com
idade entre 0 a 2 anos foram classificados segundo score-z da variável
peso/comprimento e os pacientes com idade entre 2 anos
e 19 anos incompletos foram classificados segundo a variável IMC/idade,
conforme preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 2006 e 2007. Os
pacientes classificados como magreza e magreza acentuada foram denominados
baixo peso no presente estudo, enquanto que os pacientes classificados como
risco para sobrepeso, sobrepeso, obesidade e obesidade grave receberam a
denominação excesso de peso [7].
Foram incluídos no
estudo, os pacientes que permaneceram internados no hospital por um período
superior ou igual a 24 horas e com registro de peso e
estatura em prontuário. Não foram incluídos no estudo os pacientes edemaciados
e prematuros.
Os dados foram
apresentados e tabelados por meio de medidas de freqüência. Para comparação de
variáveis contínuas utilizamos teste T de Student. Variáveis categóricas foram
analisadas por meio do teste do Qui-quadrado, sendo adotada significância
estatística de p < 0,05.
Dados foram
armazenados em planilha Excel® e analisados por meio do software Shader Versão
1.2
O projeto foi
submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês para
avaliação, sendo aprovado em 13/03/2014 sob o nº HSL 2014-17. Para este estudo
foram utilizados exclusivamente dados secundários, não havendo contato direto
com os mesmos. Os dados coletados foram utilizados exclusivamente para este
estudo, sendo garantido o absoluto sigilo de informações. Desta forma, foi solicitado ao CEP a dispensa do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido, mediante assinatura de Termo de Compromisso pelos autores
garantindo a manutenção do anonimato dos pacientes e profissionais envolvidos
neste estudo, conforme diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa
envolvendo seremos humanos.
Foram internados,
durante o período de coleta do estudo, 404 pacientes no total. Destes, 236
(58,42%) eram do sexo masculino e 168 (41,58%), do sexo feminino.
Estratificando-se a
população por faixa etária, verificou-se: 136 pacientes entre 0 e 2 anos de idade(33,66%), 92 pacientes entre 2 e 5 anos
de idade (22,77%), 79 pacientes entre 5 e 10 anos de idade (19,56%) e 97
pacientes entre 10 e 19 anos de idade (24,01%). Observa-se, desta maneira, que
a maioria encontra-se entre 0 a 2 anos de idade.
As variáveis: sexo,
faixa etária, patologia e categoria foram associadas
ao estado nutricional dos pacientes. Os resultados encontram-se descritos nas
tabelas I, II, III e IV.
Tabela
I - Distribuição da população segundo sexo e
estado nutricional.
P = 0,032
Tabela
II -
Distribuição da população segundo faixa etária e estado nutricional.
P = 0,07
Tabela
III
- Distribuição da população segundo
patologia e estado nutricional.
P = 0,296
Tabela
IV -
Distribuição da população segundo a
categoria e o estado nutricional.
p = 0,665
Através da análise
dos dados das tabelas, quando estratificado em sexo, patologia e categoria, a
prevalência de eutrofia foi de 54,46%.
Segundo as faixas
etárias, a maior parte dos pacientes de 0 a 2 anos, 2 a 5 anos e 10 a 19 anos
encontrava-se eutrófica, ao contrário do grupo entre 5 a 10 anos de idade, onde
houve prevalência de excesso de peso.
A estratificação
utilizando estas faixas etárias, não apresentou resultados estatisticamente
significativos (p = 0,07). Quando estratificado em apenas três faixas etárias
(Tabela V), houve a redução do p para 0,046.
Tabela
V - Nova distribuição da população segundo faixa
etária e estado nutricional.
Identificou-se que a
população estudada possui como características prevalentes: sexo masculino
(58,42%), idade entre 0 e 2 anos (33,66%), categoria
convênio (81,19%), eutrófico (54,46%) e patologia de caráter infeccioso
(64,60%).
Os resultados não
contemplaram nenhum paciente da categoria filantrópica (institucional), pois
todos apresentaram ascite associada à doença hepática no momento da internação.
Os dados da Pesquisa
de Orçamento Familiar (POF) 2008-2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) detectaram um aumento na prevalência de excesso de peso em
meninos na faixa etária entre 5 e 9 anos de idade, de
15% em 1989 para 34,8% em 2008-2009. Embora no presente estudo
a maioria das crianças e adolescentes apresentavam-se eutróficos (54,46%), a
prevalência de excesso de peso em meninos (49,37%) foi acima da média nacional
(41,53%) [2].
A elevada prevalência
de sobrepeso e obesidade observada nos estudos de diversas regiões do país é
resultado dos novos hábitos de vida da população como a redução da prática de
atividade física e o aumento da ingestão de alimentos de maior densidade
calórica e não saudáveis [8-11].
Sabe-se que os
pacientes obesos pediátricos podem estar em um estado de maior risco
nutricional, devendo estes possuir acompanhamento e cuidados específicos [12].
No presente estudo,
verificou-se que a maioria dos pacientes internados eram crianças. Dados
semelhantes foram encontrados no estudo de Simões et
al. [5], onde 50% eram crianças e 31% adolescentes hospitalizados em enfermaria
de cirurgia pediátrica.
No Brasil, a
desnutrição infantil reduziu nas últimas décadas, porém o percentual de óbitos
por desnutrição grave em nível hospitalar mantém-se em torno de 20%, muito
acima dos valores recomendados pela OMS que seria inferior a 5% [13].
Verificamos no presente estudo que 8,82% das crianças de 0 a 2 anos internadas
apresentavam baixo peso, o que pode exercer influência sobre as taxas de
morbimortalidade e tempo de internação, dados semelhantes encontrados no estudo
de Magalhães et al. [14].
O cuidado assertivo
tanto no tratamento de pacientes com baixo peso quanto no excesso de peso é
essencial para diminuir os riscos de complicações decorrentes do tratamento
dietoterápico incorreto [12].
No presente estudo,
constatou-se uma maior prevalência de patologias de caráter infeccioso, seguida
por patologias de quadro cirúrgico. No estudo de Sarni et
al. [15], resultados similares foram mencionados, sendo a pneumonia o
diagnóstico mais frequente, seguida da doença diarreica. Resultados similares
foram também encontrados no estudo de Magalhães et al.
[14], onde verificou-se que o diagnóstico prevalente foi doença respiratória,
sendo a mais frequente a pneumonia
Tanto o baixo peso,
quanto o excesso de peso podem exercer influencia na permanência hospitalar,
com grave impacto na morbimortalidade e no aumento dos custos associados à
internação.
Apesar dos nossos
pacientes serem, em sua maioria, eutróficos, condizente com outros estudos,
sabe-se que outras variáveis exercem influencia sobre estado nutricional e
evolução clínica durante a internação e que merecem igual atenção.
Conhecer o perfil
nutricional dos pacientes internados é de suma importância para o planejamento
assistencial das instituições hospitalares. Esta caracterização contribui na
recuperação de agravos nutricionais, reduz o tempo de internação hospitalar
através da otimização do prognóstico da criança,
diminui os custos e melhora a qualidade da assistência clínica em geral.