ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da ingestão alimentar de escolares de 6 a 10 anos de idade na região de Jundiaí/SP

Assessment of food intake of 6-10 years old schoolchildren at Jundiaí/SP

 

Enara Amadio Frizão*, Taciana Davanço*, Cristiano José Mendes Pinto, M.Sc.*, Luciana Savoy Fornari*, Bruno Caramelli**

 

*Centro Universitário Padre Anchieta, **Universidade de São Paulo USP

 

Recebido 26 de novembro de 2014; aceito 15 de junho de 2015

Endereço para correspondência: tacydavanco@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Avaliar a ingestão alimentar de estudantes de 6 a 10 anos de idade, em duas escolas públicas de uma cidade da região de Jundiaí/SP, através do recordatório 24 horas, efetuando os cálculos dos macronutrientes e micronutrientes da dieta desta população. Material e métodos: A coleta do recordatório 24hs foi realizada em duas escolas municipais da região de Jundiai/SP. Os cálculos da ingestão de macronutrientes e micronutrientes foram obtidos pelo programa software Avanutri 4.0, 2012 e foram tabulados no Excel 2010 e computados os resultados de acordo com o recomendado. Resultados e discussão: De modo geral, verificou-se que a ingestão dos macronutrientes está adequada, porém o consumo da maioria dos micronutrientes estava abaixo ou acima do recomendado, dificilmente encontrou-se em proporção de adequação. Conclusão: Por meio dos dados obtidos, pode-se verificar que é de suma relevância a proposta de uma intervenção nutricional com essas crianças, para que haja mudanças dos hábitos alimentares.

Palavras-chave: ingestão alimentar, alimentação na infância.

 

Abstract

Objective: To assess the alimentary intake of students 6 to 10 years old, in two public schools in the region of Jundiaí/SP, through a 24 hour recall, making calculations of macronutrients and micronutrients in the diet of this population. Material and methods: The collection of 24h recall was carried out in two public schools of Jundiai/SP region. The calculations of the intake of macronutrients and micronutrients were obtained by Avanutri software program 4.0, 2012 and were tabulated in Excel 2010 and the results computed in accordance with recommended. Results and discussion: In general, it was found that the macronutrient intake was adequate, however, the intake of most micronutrients was below or above recommended, it was hardly found in proportion of adequacy. Conclusion: By means of the data obtained, it could be seen that it is of utmost importance the proposal of a nutritional intervention with these children for changing in eating habits.

Key-words: food intake, feeding in infancy.

 

Introdução

 

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi observado a prevalência do sobrepeso em crianças nos últimos anos e já é considerado um problema de Saúde Pública. Estudos mostram que o controle da obesidade em adultos tem se mostrado pouco eficaz, indicando a necessidade de identificar nas crianças o risco de distúrbio nutricional, a fim de diminuir a ocorrência de desfechos desfavoráveis na vida adulta [1,2].

A idade escolar, compreendida entre sete e dez anos de idade, corresponde ao período de crescimento com maiores exigências nutricionais. Intervenções antes dos dez anos de idade reduzem a gravidade das doenças causadas pelos maus hábitos alimentares de maneira mais eficiente as mesmas intervenções na fase adulta [3,4].

O padrão da alimentação do pré-escolar é determinado por suas preferências alimentares. A dificuldade é fazer com que a criança aceite uma alimentação equilibrada, adquirindo um hábito alimentar mais adequado, uma vez que muitas crianças têm medo de experimentar novos alimentos e sabores [5].

A tendência das preferências alimentares das crianças na idade pré-escolar conduz ao consumo de alimentos com quantidade elevada de carboidrato, açúcar, gordura e sal, e baixo consumo de alimentos como vegetais e frutas. O consumo de alimentos industrializados ricos em “calorias vazias”, a falta do gasto de energia e o desenvolvimento tecnológico pode promover a obesidade [1].

É de suma importância a avaliação do padrão alimentar dos pré-escolares e a relevância da composição da dieta infantil para a manutenção do estado nutricional adequado. As doenças carenciais, como anemia ferropriva, deficiência de vitamina A e desnutrição, estão epidemiologicamente associadas a essa faixa etária. O consumo inadequado de alimentos na infância pode antecipar doenças que poderiam surgir apenas na vida adulta como hipertensão e diabetes tipo 2, ou aumentar o risco para o posterior aparecimento de doenças cardíacas, osteoporose e câncer [6].

O estado nutricional da criança relaciona-se com a necessidade e a oferta de nutrientes, e atualmente pode ser influenciado pela prática da vida urbana e pelos avanços tecnológicos, como o elevado tempo assistindo TV, jogando vídeo game, “brincando” no computador. Estes fatores afetam diretamente o comportamento alimentar, o crescimento e o desenvolvimento na infância. Por outro lado a prática de atividade física diminui o risco de obesidade [7-9].

A alimentação correta desde a infância para ao longo da vida adulta define os parâmetros de um individuo saudável. O ganho de peso excessivo nos primeiros anos de vida tem sido associado à obesidade, hipertensão e decorrência das doenças cardiovasculares [1].

Uma alimentação pouco saudável é um grave problema para as crianças. A falta de educação nutricional nas escolas faz com que esse problema se agrave cada vez mais, por isso as escolas devem buscar a implementação sobre temas de alimentação e nutrição para educar os professores, alunos e familiares. Isto permite que eles criem hábitos alimentares mais saudáveis, melhorando a qualidade de vida dessas pessoas [10].

O presente estudo tem como objetivo avaliar a ingestão alimentar de estudantes de 6 a 10 anos de idade em duas escolas públicas de uma cidade da região de Jundiaí/SP, através do recordatório 24 horas, efetuando os cálculos dos macronutrientes e micronutrientes da dieta desta população.

 

Material e métodos

 

O projeto que resultou no presente relato foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário Padre Anchieta (Processo N0 004/2012), conforme recomendações para pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos propostas pela Resolução no 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

O trabalho se desenvolveu no âmbito de um programa educativo institucional denominado “Coração da Família”, guiado por alunos e respectivos supervisores de estágio dos cursos de Nutrição e Enfermagem. Desta forma, este trabalho apresenta os resultados do perfil nutricional da ingestão alimentar de macro e micro nutrientes de 227 crianças com idade de 6 a 10 anos e que eram estudantes regularmente matriculados no primeiro ao quinto ano do ensino fundamental de duas escolas públicas da região de Jundiaí.

Os dados dos recordatórios 24 horas, foram analisados pelo programa software Avanutri 4.0/2012, os valores relativos ao consumo de macro e micronutrientes foram tabulados no Excel 2010 e computados seguindo as seguintes referências: carboidratos, proteínas e lipídeo (WHO/FAO, 2003); Colesterol, gordura saturada, monoinsaturada, poliinsaturada e fibras (SBC, 2005); vitaminas e minerais (DRI, 2002).

 

Resultados e discussão

 

Verificou-se, de acordo com a DRI (2002), o consumo adequado pela maioria das crianças dos macronutrientes (Tabela I).

 

Tabela I - Avaliação do consumo de carboidratos, proteínas e gorduras por 227 estudantes de 6 a 10 anos de idade.

 

 

Em relação a ingestão do colesterol percebe-se que mais da metade das crianças ingeriram de maneira adequada pela SBC (2005), enquanto a minoria apresentou a ingestão acima do adequado.

O consumo das gorduras apresentaram parâmetros diferentes quando comparamos a gordura saturada, monoinsaturada e poliinsaturada. Observou-se que a gordura saturada foi consumida em grande parte das crianças em quantidades acima do adequado pela SBC (2005) evidenciando assim um hábito alimentar rico em alimentos gordurosos. Já o consumo das gorduras monoinsaturadas e polinsaturadas, apresentaram o consumo adequado de acordo com a recomendação. Estudos epidemiológicos têm sugerido que dentre os fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV), estão alguns hábitos relacionados ao estilo de vida, como dieta rica gorduras saturadas, colesterol e sal [11].

Analisou-se que em relação à ingestão de fibras, a maioria das crianças tinha um consumo abaixo do recomendado pela SBC (2005), demonstrando a deficiência do consumo de alimentos fontes de fibras da dieta dessas crianças (Tabela II). Segundo Catalani [12] as fibras podem ser classificadas de acordo com a sua solubilidade em água e são agrupadas em duas grandes categorias: fibras solúveis e fibras insolúveis.

As fibras solúveis são encontradas em frutas, farelo de aveia e leguminosas (feijão, grão de bico, lentilha e ervilha) e são responsáveis pelo aumento do tempo de trânsito intestinal. Está relacionada à diminuição do esvaziamento gástrico, ao retardo da absorção de glicose, diminuição da glicemia e redução do colesterol [12].

As fibras insolúveis contribuem para o aumento do volume do bolo fecal, redução do tempo de trânsito intestinal, retardo da absorção de glicose e retardo da hidrólise do amido. Podem ser encontradas em farelo de trigo, nos cereais integrais, nas raízes e nas hortaliças [12].

Com relação à ingestão dos micronutrientes, observou-se ingestão abaixo do recomendado pela DRI (2002) das vitaminas A, D, B5, C e o consumo acima do recomendado segundo a DRI (2002) das vitaminas B1, B2, B3, B6, B12, E (Tabela II).

 

Tabela II - Avaliação do consumo de vitaminas e fibras por 227 estudantes de 6 a 10 anos de idade.

 

 

Na presente casuística foi observado o baixo consumo de ácido fólico, cálcio e ferro segundo DRI (2002) (Tabela III). As anemias nutricionais resultam da carência simples ou combinada de nutrientes como o ferro, o ácido fólico e a vitamina B12. A OMS (2001) define anemia nutricional como a condição na qual o conteúdo de hemoglobina do sangue está abaixo dos valores considerados normais para a idade e sexo. Segundo Osório [13], a redução de hemoglobina sanguínea compromete o transporte de oxigênio para os tecidos, tendo como principais sinais e sintomas as alterações da pele (palidez), fraqueza, palpitação, e afeta a imunidade das crianças.

Um dos fatores mais agravantes analisado nesse projeto foi a baixa ingestão do cálcio pelas crianças. Morais [14] relata que o cálcio é um elemento fundamental para a saúde óssea, a sua ausência pode acarretar o aumento do risco de problemas na mineralização óssea. Foram descritos casos de raquitismo associado à baixa ingestão de cálcio, além de um déficit no crescimento das crianças. Outro micronutriente que também apresentou ingestão abaixo do adequado pela DRI (2002) foi o magnésio. Porém, o fósforo e o zinco demostraram um consumo acima do recomendado pelas crianças.

Observou-se que a ingestão de cobre foi consumida abaixo do adequado em 100% das crianças, Macêdo et al. [15] descreve que o cobre atua como cofator de enzimas responsáveis por diversas atividades metabólicas como na resposta imune inata, além do papel importante na maturação dos tecidos e células linfoides, sua deficiência acarreta em disfunções imunológicas. Em relação ao consumo de iodo e selênio nenhuma criança atingiu quantidades adequadas pela DRI (2002). A maioria das crianças ingeriram o iodo abaixo do recomendado, segundo Limbert et al. [16] a carência de iodo, é indispensável para a síntese dos hormônios tireoidianos, na criança os hormônios tireoidianos são necessárias para o crescimento e desenvolvimento das funções cognitivas e motoras, que podem ficar comprometidas se a ingestão do iodo for inadequada. Enquanto, a metade consumiu selênio acima do adequado.

A ingestão do manganês e do potássio encontrou-se abaixo do recomendado em todas as crianças avaliadas, enquanto o consumo de sódio foi muito superior ao recomendado pela DRI (2002). O alto consumo de sódio pelas crianças como já foi visto, pode levar à hipertensão arterial. Estudos epidemiológicos sobre hipertensão arterial na infância têm sido fonte importante de subsídios, fornecendo indícios consistentes de que a hipertensão arterial sistêmica do adulto começa na infância. Além disso, a hipertensão arterial é um fator de risco importante e independente para doença cardiovascular, acidente vascular cerebral (AVC) e doença renal [17].

 

Tabela III - Avaliação do consumo de minerais por 227 estudantes de 6 a 10 anos de idade.

 

 

Conclusão

 

De acordo com o recordatório alimentar das crianças, que é um instrumento valioso de avaliação da ingestão alimentar de populações, foi possível encontrar deficiências, adequações e excessos na alimentação dos estudantes.

Diante dos resultados encontrados, verificou-se um elevado consumo de micronutrientes, como as vitaminas B1, B2, B3, B6, B12, E, e os minerais fósforo, zinco, selênio, sódio. Observou-se deficiências das fibras, vitaminas A, D, B5, C, B9 (ácido fólico) e dos minerais cálcio, magnésio, ferro, cobre, iodo, magnésio, potássio e adequação dos macronutrientes como carboidratos, proteínas e lipídeos.

Portanto, é necessário ressaltar a necessidade de uma intervenção nutricional acompanhada de medidas de prevenção e promoção de uma alimentação saudável, o qual deve ter início na infância, e permanecer durante a vida adulta e velhice.

 

Referências

 

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