REVISÃO
Influência
da prática de exercício físico no pâncreas endócrino de ratas prenhes
Influence of physical exercise on endocrine pancreas of pregnant rats
Nathália CD Macedo,
Débora C Damasceno
Laboratório
de Pesquisa Experimental de Ginecologia e Obstetrícia, Programa de
Pós-graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia, Faculdade de Medicina
de Botucatu Unesp, Botucatu, São Paulo
Recebido 12 de
fevereiro de 2016; aceito 15 de abril de 2016.
Endereço
para correspondência:
Profa. Dra. Débora C Damasceno, Departamento de Ginecologia e Obstetrícia,
Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp, Distrito de
Rubião Júnior s/n, 18618-970 Botucatu SP, E-mail: damascenofmb@gmail.com,
nathaliacdmacedo@gmail.com
Resumo
Objetivo: Agrupar os artigos
que exploram os mecanismos pelos quais a prática do exercício físico atua sobre
o pâncreas endócrino de ratas prenhes. Metodologia: Na base de dados do site National
Center of Biotechnology Information (NCBI-Pubmed),
foram utilizados 10 conjuntos de palavras-chave: 1) exercise, pregnancy, rat, pancreas; 2) training, pregnancy, rat, pancreas; 3)
swimming, pregnancy, rat, pancreas; 4) exercise,
pregnancy, rat, beta (β) cell; 5)
training, pregnancy, rat, beta (β) cell; 6) swimming, pregnancy, rat, beta (β) cell; 7) exercise, pregnancy, rat, pancreatic islet;
8) training, pregnancy, rat,
pancreatic islet; 9) training,
pregnancy, rat, pancreatic islet; 10)
swimming, pregnancy, rat, pancreatic islet. Discussão: A literatura mostra
que a prática de exercício é capaz de alterar metabólica e morfologicamente o
pâncreas de animais restritos não prenhes, além disso, observou-se que o
exercício foi capaz de normalizar a secreção de insulina em ratas prenhes. Conclusão: Dependendo do tipo e
intensidade com que é empregado, o exercício altera o pâncreas endócrino e é
capaz de gerar uma reprogramação pancreática, porém, são necessários mais
estudos para elucidar de forma mais precisa os mecanismos pelos quais o
exercício realiza essas alterações.
Palavras-chave: exercício, prenhez,
rato, pâncreas.
Abstract
Objective: To group
articles that explore the mechanisms by which physical
exercise acts on the endocrine pancreas of pregnant rats. Methodology: It was searched ten sets of keywords 1) exercise,
pregnancy, rat, pancreas; 2) training,
pregnancy, rat, pancreas; 3) swimming,
pregnancy, rat, pancreas; 4) exercise, pregnancy, rat, beta (β) cell;
5) training, pregnancy, rat, beta (β
cell; 6) swimming, pregnancy, rat, beta (β) cell; 7) exercise, pregnancy, rat, pancreatic islet;
8) training, pregnancy, rat, pancreatic
islet; 9) training, pregnancy, rat,
pancreatic islet; 10) swimming,
pregnancy, rat, pancreatic islet in the site in the database of the
National Center of Biotechnology Information (NCBI-PubMed). Discussion: The literature shows that
exercise training is able to alter metabolically and morphologically the
pancreas of restricted non-pregnant animals. Furthermore, it was observed that
the exercise was capable to normalize insulin secretion in female rats. Conclusion: Depending on the type and
intensity which it is used, exercise alters the endocrine pancreas and is able
to generate a pancreatic reprogramming, however, further studies are needed to
elucidate more precisely the mechanisms by which exercise performs these
changes.
Key-words: exercise,
pregnancy, rat, pancreas.
O pâncreas é
responsável pela homeostase nutricional com síntese e secreção de hormônios e
enzimas. O pâncreas apresenta duas porções: endócrina e exócrina. A porção
exócrina consiste em células acinares responsáveis pela secreção de enzimas
digestivas. As células alfa (α), beta (β), epsilon (ε), delta (δ) e polipeptídeo
pancreáticas (PP) compõem a porção endócrina do pâncreas e, quando agrupadas
são denominadas Ilhotas Pancreáticas (anteriormente denominadas de Ilhotas de
Langerhans). As células α são responsáveis pela síntese de glucagon,
enquanto que as células β sintetizam e secretam o hormônio insulina. Já as
células ε, δ e PP secretam
grelina, somatostatina e polipeptídeo pancreático, respectivamente [1].
Diversos estudos têm mostrado a importância da interação entre esses diferentes
tipos celulares presentes no pâncreas endócrino para o controle metabólico
[2-4]. A comunicação entre os hormônios pancreáticos é necessária para manter o
balanço fisiológico e qualquer desordem nesse sistema pode resultar em aumento
da glicemia e consequente dano ao organismo. Na gravidez, se houver falta de
reserva funcional adequada no pâncreas endócrino, manifesta-se o Diabetes
mellitus gestacional [5, 6].
Diabetes mellitus
(DM) é definido como uma desordem crônica, que pode ser ocasionada pela falta
da síntese de insulina pelas células β-pancreáticas, por um defeito nos
receptores de insulina nas células-alvo ou em ambos, resultando em doença
metabólica hiperglicêmica. Esta síndrome é uma situação clínica frequente, que
acomete em torno de 7% da população [7]. As principais classes de DM são: Diabetes mellitus tipo 1 (DM1), Diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e Diabetes mellitus
gestacional (DMG). DM1
é a forma autoimune desta síndrome, que ocorre pela
destruição das células β-pancreáticas
por mecanismo mediado por células T. No DM2, os
indivíduos afetados apresentam
resistência à insulina, em combinação com
deficiência da secreção deste
hormônio [7,8]. Já o DMG é caracterizado pelo
quadro de intolerância à glicose,
com primeira detecção na gravidez, podendo persistir
após o parto e evoluir
para DM2 [7,9].
Para controlar a
hiperglicemia materna oriunda do ambiente diabético durante a gravidez, a
associação dieta e insulina é o recurso terapêutico mais utilizado. Entretanto,
a prática de exercício físico associado à dieta passou a ser um dos primeiros
passos na terapia anti-hiperglicemiante [10]. Apesar da falta de evidências
sobre as repercussões perinatais do exercício na gravidez normal [11] e na
gravidez complicada por diabete [12], sua prática deve ser encorajada na
maioria das gestantes [13]. De modo geral, atividade física regular melhora o desempenho
cardíaco, reduz o índice de gordura corporal e a retenção hídrica, facilita o
controle glicêmico e melhora o prognóstico perinatal [14].
Em função do aspecto
ético e de variáveis incontroláveis em estudos envolvendo seres humanos, muitas
investigações são realizadas em animais de experimentação. Nosso grupo de
pesquisa já desenvolveu diversos trabalhos relacionando prenhez, diabete e
exercício em modelos de ratas, e demonstraram que a prática de exercício de
natação em ratas com diabete grave auxiliou no controle da dislipidemia e não
prejudicou o catabolismo proteico, favorecendo a manutenção dos níveis de
proteínas totais no sangue, porém, não houve redução dos níveis glicêmicos
[15]. O exercício também não alterou o número de fetos vivos e diminuiu as
mortes embrionárias (reabsorções), melhorando, desta forma, o desempenho
reprodutivo materno. Contudo, foi observado aumento das anormalidades
esqueléticas e diminuição dos pesos placentário e fetal [16].
Em outro estudo com
ratas diabéticas (glicemia superior a 300 mg/dL), que
se exercitaram antes e durante a prenhez, houve diminuição no ganho de peso
materno e fetal e aumento na taxa de fetos classificados como pequenos para a
idade de prenhez. Entretanto, este estudo comprovou que o exercício não foi um
fator teratogênico, já que não houve aumento na frequência de malformações
fetais e apresentou melhora no perfil lipídico, mostrando que esta prática
trouxe efeitos benéficos [17].
Outro trabalho
utilizou ratas com diabete grave para obtenção de recém-nascidos classificados
como pequenos para a idade de prenhez. Pelo fato das ratas apresentarem
hiperglicemia descompensada e, consequentemente, alterações metabólicas
prejudiciais ao desenvolvimento embriofetal, a indução do diabete grave em
ratas-mães foi utilizado como modelo de restrição de crescimento intrauterino
(RCIU). Por volta dos 90 dias de vida (fase adulta), as ratas RCIU apresentaram
intolerância à glicose. A seguir, esses animais foram submetidos a um protocolo
de exercício de natação que consistiu em 15 minutos de exercício, seguidos por
15 minutos de descanso e, novamente, 15 minutos de exercício. A prole das ratas
RCIU apresentou menor peso corpóreo ao nascer quando comparado ao das mães
controle. As ratas-mães RCIU exercitadas apresentaram diminuição da adiposidade
relativa, aumento na taxa de recém-nascidos adequados para a idade de prenhez
[18], melhora no perfil lipídico e aumento na sensibilidade à insulina [19].
Embora a literatura
apresente diversos trabalhos empregando diferentes tipos, intensidades e
frequência de exercício para tratar animais diabéticos, estudos sobre os
efeitos do exercício no pâncreas de ratas prenhes precisam de mais
investigações. Sendo assim, esse trabalho de atualização teve como objetivo
agrupar esses artigos e entender os mecanismos pelos quais a prática do
exercício físico atua sobre o pâncreas endócrino de ratas prenhes.
A pesquisa foi
realizada na base de dados National
Center of Biotechnology Information (NCBI - PubMed),
no ano de 2016. Foram utilizados 10 conjuntos
de palavras-chave: 1) exercise, pregnancy, rat,
pancreas; 2) training, pregnancy, rat,
pancreas; 3) swimming, pregnancy,
rat, pancreas; 4) exercise,
pregnancy, rat, beta (β) cell;
5) training, pregnancy, rat, beta (β)
cell; 6) swimming, pregnancy, rat,
beta (β) cell; 7) exercise,
pregnancy, rat, pancreatic islet; 8) training,
pregnancy, rat, pancreatic islet; 9) training,
pregnancy, rat, pancreatic islet; 10) swimming,
pregnancy, rat, pancreatic islet.
Após a pesquisa com
as palavras-chave estabelecidas, foram encontrados 14 artigos em comum. Desses,
10 artigos foram excluídos do estudo pois apresentaram
títulos inadequados e não eram coerentes com as palavras-chave utilizadas e
quatro foram utilizados para a redação desta revisão. Os artigos descritos
tratam da utilização do exercício físico como tratamento em animais de
experimentação que sofreram restrição de crescimento intrauterino (RCIU) ou
restrição alimentar proteica.
O treinamento físico
em pacientes diabéticos e em modelos experimentais de diabete melhora a
sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose, bem como traz benefícios
específicos ao pâncreas, como aumento do conteúdo de insulina e diminuição da
expressão gênica de proteínas pró-apoptóticas [20-24]. A diminuição da glicemia
decorrente da prática de exercício acarreta em redução da glicotoxicidade nas
células β-pancreáticas, permitindo melhora da função e regeneração deste
tipo celular [22,23]. A literatura mostra que a prática de exercício vem sendo
utilizada para reparar os metabolismos de glicose e insulina e alterar a
morfologia pancreática em indivíduos que sofreram insulto pancreático em função
do Diabetes mellitus, obesidade,
RCIU, restrição alimentar [25]. Porém, os mecanismos pelos quais o exercício
exerce seu efeito nestas situações alteradas são inconclusivos.
Laker et al. [26] submeteu ratas Wistar-Kyoto à cirurgia de ligação dos
vasos uterinos bilateralmente no dia 18º de prenhez visando obter
recém-nascidos com RCIU. A prole restrita foi distribuída em três grupos: 1)
restrito sedentário (não submetidos à prática de exercício); 2) restrito
exercício precoce (submetidos à prática de exercício de cinco a nove semanas de
vida); 3) restrito exercício tardio (submetidos à prática de exercício de 20 a
24 semanas de vida). O exercício consistiu de corrida em esteira cinco
dias/semana com aumento progressivo da velocidade de 20 para 60 minutos/dia,
com velocidade de 15 metros/minuto na primeira semana e 20 metros/minuto nas
semanas seguintes. De acordo com os resultados, a prole restrita que permaneceu
sedentária apresentou menor peso corpóreo, diminuição de 60% da área de
superfície das ilhotas pancreáticas, redução de 68% na massa de células β
e maior glicemia quando comparado ao grupo controle (não restrito sedentário).
Nos grupos restritos exercitados, os autores observaram aumento da área de
superfície das ilhotas e da massa de células β, alcançando valores
similares aos encontrados no grupo controle e diminuição dos valores de HOMA-IR
(Homeostatic Model Assessment for Insulin
Resistance), que é um marcador de resistência à insulina. Isto mostra que a
prática de exercício, independentemente do momento em que foi introduzida, foi
capaz de alterar metabolica e morfologicamente o pâncreas de animais RCIU.
Pelo fato da
literatura apresentar estudos que mostram diminuição na expressão de proteínas
mitocondriais na vida adulta de animais nascidos com RCIU [27] e diminuição na
expressão de PGC-1α, Tfam e citocromo C em pacientes com resistência à
insulina e Diabetes mellitus tipo 2 [28,29], Laker et al.
[30] desenvolveram outro estudo e, utilizando os mesmos animais e grupos
experimentais do trabalho anterior, analisaram variáveis relacionadas à
biogênese mitocondrial, tais como expressão proteica de PGC-1α, Tfam e
citocromo C no músculo esquelético após a prática do exercício físico. Os
autores não encontraram influência do exercício realizado precocemente (de
cinco a nove semanas de vida) com relação à expressão proteica de PGC-1α,
que continuou diminuída neste grupo e no grupo de animais que permaneceram
sedentários. No entanto, houve aumento da atividade da enzima citrato sintase
em todos os grupos exercitados. Esta enzima é um marcador muito utilizado para
avaliação do metabolismo oxidativo durante a prática de exercício e o aumento
em sua atividade mostra que a via aeróbia estava sendo estimulada. No grupo que
realizou exercício tardio (exercício de 20 a 24 semanas de vida), foi observado
aumento na expressão dos marcadores de biogênese mitocondrial e na atividade
das enzimas mitocondriais e diminuição do peso de gordura dorsal. Os resultados
não foram positivos com relação aos marcadores de biogênese mitocondrial no
grupo de animais que realizou exercício de início precoce já que estes
marcadores não se encontravam alterados no momento em que o exercício foi
iniciado (cinco semanas de vida), mas sim, apenas na vida adulta [27-29]. Dessa
forma, a hipótese de uma reprogramação induzida pelo exercício não ocorreu,
diferente do que foi encontrado no trabalho anterior [26], em que houve
reprogramação pancreática no grupo de animais exercitados de forma precoce e
tardia, já que os metabolismos de glicose e de insulina e a morfologia
pancreática encontravam-se alterados no início da vida desses animais.
Leandro et al. [31] realizaram um estudo visando
analisar o impacto de um exercício de intensidade leve à moderada durante a
prenhez de fêmeas Wistar subnutridas (dieta pobre em proteínas). Para este
estudo, os animais foram distribuídos em quatro grupos: 1) não treinado; 2)
treinado; 3) não treinado com dieta pobre em proteínas durante a prenhez; 4)
treinado com dieta pobre em proteínas durante a prenhez. Antes da prenhez, os
grupos exercitados realizaram corrida em esteira por quatro semanas (cinco
dias/semana, 60 minutos/dia, intensidade de 65% do VO2max).
Durante a prenhez, os animais foram submetidos à corrida em intensidade mais
leve (40% do VO2max,
cinco dias/semana, 20
minutos/ dia, até 19º dia de prenhez). Os autores
observaram diminuição do peso
corpóreo e da secreção de insulina estimulada pela
glicose nas ilhotas
pancreáticas isoladas no grupo com restrição
proteica que não foi submetido à
prática de corrida quando comparado ao grupo sem
restrição. O exercício foi
capaz de normalizar a secreção de insulina nos grupos
exercitados, com ou sem
restrição alimentar. A literatura mostra que a
restrição proteica acarreta em
prejuízo nos metabolismos de glicose e insulina,
redução da massa de células
β-pancreáticas
e da biossíntese de insulina [32-35]. No trabalho de Leandro et al. [31], o tipo e intensidade de exercício empregados foram
capazes de reverter o quadro de prejuízo na secreção de insulina causado pela
restrição alimentar. Os mecanismos pelos quais o exercício atua sobre essa
variável ainda não são claros, mas os autores acreditam que essa alteração pode
estar relacionada com o aumento na massa de células β através da regulação
de vias de crescimento e sobrevivência nas ilhotas pancreáticas (vias AKT e
ERK) [36]. Além disso, os resultados podem estar associados à grande captação
de glicose pelo músculo esquelético em resposta ao exercício [37].
Portanto, observou-se
que a prática de exercício é capaz de alterar o pâncreas endócrino seja
metabolicamente ou morfologicamente. Além disso, dependendo do tipo e
intensidade de exercício empregados, o treinamento é
capaz de reverter o quadro de resistência à insulina e de ocasionar uma
reprogramação pancreática. Contudo, em vista da escassez de trabalhos sobre o
assunto, são necessários mais estudos para elucidar de forma mais precisa os
mecanismos pelos quais o exercício realiza essas alterações.