ARTIGO ORIGINAL

Edulcorantes em pó que utilizam veículo lactose: alternativa de adoçantes de mesa para indivíduos intolerantes

Powder sweeteners using lactose: alternative of table sweeteners for intolerant individuals

 

Franciele Bellini*, Márcia Keller Alves, M.Sc.**

 

*Acadêmica do Curso de Bacharelado em Nutrição, Faculdade Nossa Senhora de Fátima de Caxias do Sul **Nutricionista, Professora do Curso de Bacharelado em Nutrição, Faculdade Nossa Senhora de Fátima de Caxias do Sul

 

Recebido 15 de maio de 2017; aceito 15 de fevereiro de 2018

Endereço para correspondência: Márcia Keller Alves, Associação Cultural e Científica Virvi Ramos, Faculdade Nossa Senhora de Fátima, Rua Alexandre Fleming, 454 Madureira 95041-520 Caxias do Sul RS E-mail: marcia.alves@fatimaeducacao.com.br; Franciele Bellini: bellinifranciele@gmail.com

 

Resumo

Os adoçantes de mesa em pó podem conter em sua composição o veículo lactose. Apesar da pequena quantidade por sachê, portadores de intolerância à ingestão de dissacarídeos podem desenvolver os sintomas característicos desta condição, como náuseas, inchaço abdominal, e desconforto gástrico. Assim, o objetivo do presente trabalho foi analisar o teor de lactose em edulcorantes de mesa em pó. Tratou-se de um estudo descritivo experimental para o qual foram adquiridas cinco marcas de adoçantes em pó, comercializadas no município de Caxias do Sul. Destas marcas, uma amostra contém sucralose, duas aspartame, três stévia. Todas as marcas utilizavam como veículo a lactose. As análises químicas foram realizadas em duplicata no Laboratório de Ciências da Faculdade Nossa Senhora de Fátima, seguindo o protocolo do Instituto Adolfo Lutz e os resultados foram apresentados através de média e desvio-padrão. Os resultados obtidos mostraram que todas as amostras analisadas se encontraram em conformidade com a legislação pertinente para Alimentos para Fins Especiais, não excedendo 0,5 g do nutriente (lactose) por 100 g ou 100 ml do produto final a ser consumido. Portanto, os edulcorantes em pó analisados podem ser considerados alternativa de adoçantes para indivíduos intolerantes à lactose.

Palavras-chave: edulcorantes, lactose, intolerância a lactose, dieta com restrição de carboidratos.

 

Abstract

The powdered sweeteners may contain lactose in their composition. Despite the small amount per sachet, patients with intolerance to disaccharide ingestion may develop the characteristic symptoms of this condition, such as nausea, abdominal bloating and gastric discomfort. Thus, the objective of the present study was to analyze the lactose content in powdered tabletop sweeteners. This experimental descriptive study analyzed five brands of powdered sweeteners commercialized in the city of Caxias do Sul/RS. Of these brands, one sample contains sucralose, two aspartame and three stevia. All brands used lactose as a vehicle. The chemical analyzes were performed in duplicate in the Laboratory of Sciences of the Faculdade Fátima, following the protocol of the Adolfo Lutz Institute and the results were presented through means and standard deviation. The results showed that all the analyzed samples were in compliance with the pertinent legislation of Food for Special Purposes, not exceeding 0.5 g of the nutrient (lactose) per 100 g or 100 ml of the final product to be consumed. Therefore, powdered sweeteners analyzed may be considered as an alternative to sweeteners for lactose intolerant individuals.

Key-words: sweetening agents, lactose, lactose intolerance, diet, carbohydrate-restricted.

 

Introdução

 

A substância, diferente dos açúcares, que confere sabor doce aos alimentos é denominada edulcorante [1]. Os edulcorantes são utilizados no desenvolvimento de produtos com reduzido teor ou ausência de açúcar. São substâncias orgânicas, não-glicídicas, capazes de conferir sabor doce que resulta em valores mínimos ou ausência de calorias [2]. Neste contexto, o adoçante de mesa é o produto formulado para conferir sabor doce aos alimentos e bebidas, constituído de edulcorante(s) previsto(s) em Regulamento Técnico específico [3].

Os adoçantes comerciais estão relacionados como “Alimentos para dietas com restrição de outros monossacarídeos e/ou dissacarídeos”, na Portaria 29, de 13 de janeiro de 1998, da Secretaria de Vigência Sanitária, e são utilizados por pessoas que ou são portadores de intolerância à ingestão de dissacarídeos ou não são capazes de metabolizar corretamente carboidratos [4]. Os adoçantes de mesa podem conter em sua composição o veículo lactose [3], no entanto, de modo a atender às necessidades de portadores de intolerância à ingestão de dissacarídeos, podem conter no máximo 0,5 g de lactose por 100 g ou 100 ml do produto final a ser consumido [4].

A intolerância à lactose é uma condição na qual a pessoa apresenta sintomas digestivos como inchaço, diarreia e flatulência após comer ou beber leite ou derivados. Muitas pessoas com intolerância à lactose conseguem comer ou beber alguma quantidade de lactose sem apresentar sintomas digestivos. A quantidade de lactose que irá causar os variados sintomas varia de indivíduo para indivíduo, dependendo da dose de lactose ingerida, o grau de deficiência de lactase e a forma de alimento consumido [5].

Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar o teor de lactose em edulcorantes em pó, de modo a verificar a possibilidade de seu uso por portadores de intolerância à lactose.

 

Material e métodos

 

Tratou-se de um estudo experimental no qual foi analisado o teor de lactose de cinco marcas de adoçantes de mesa em pó, comercializadas no município de Caxias do Sul/RS. Destas marcas, uma amostra contém sucralose, duas aspartame, três stévia.

As análises foram realizadas no Laboratório de Ciências da Faculdade Nossa Senhora de Fátima, em Caxias do Sul. Para análise do teor de lactose, foi seguido o protocolo de análise de glicídios redutores em lactose, preconizado pelo Instituto Adolfo Lutz [6].

Previamente à análise, as amostras foram preparadas no laboratório, conforme instrução do fabricante, contida na embalagem. Os produtos (pó) foram diluídos em 100 ml água destilada e 10 ml da amostra foram transferidas para um balão volumétrico de 100 ml e adicionado 50 ml de água, 2 ml de sulfato de zinco a 30%, e 2 ml de ferrocianeto de potássio a 15%, deixando sedimentar durante 5 minutos e completando o volume com água. Esse filtrado foi transferido para uma bureta de 25 ml e, adicionado as gotas, para um balão de fundo chato de 300 ml contendo 10 ml de cada solução de Fehling, adicionado de 40 ml de água, aquecido até a ebulição e, sob titulação, até atingir uma coloração azul à incolor. Toda análise foi feita em duplicata. De modo a garantir o anonimato das marcas analisadas, usou-se a letra “A” seguida de um número ordinal sequencial, de 1 a 6.

Os resultados foram apresentados de forma descritiva, através das médias e desvio-padrão obtidos nas análises. Além do teor de lactose, foram analisadas as embalagens de modo a avaliar a conformidade quanto à legislação vigente: Portaria SVS/MS n.º 28/29 [4], Decreto de Lei nº 986/69 [7], Anexo II da Res. nº 23 [8], Resoluções RDC nº 359 [9] e 360 [10], Lei nº 10.674 [11].

 

Resultados

 

Para avaliar o teor de lactose nos edulcorantes, foram utilizadas cinco marcas comerciais de adoçantes de mesa em pó, apresentadas na Tabela I.

 

Tabela I - Características descritivas de quatro marcas de adoçantes de mesa em pó.

 

 

Nos rótulos das amostras foram analisadas a informação nutricional, o peso e a validade, valor energético e quantidade de carboidrato conforme apresentados na Tabela II. Os valores de outros macronutrientes (proteína e gordura) bem como fibra alimentar e sódio não foram incluídos na tabela pois a quantidade que os edulcorantes contêm destes nutrientes não é significativa.

 

Tabela II - Características e composição nutricional de quatro marcas de adoçantes de mesa em pó.

 

VE = valor energético; HC = carboidratos.

 

O veículo utilizado em cada amostra, os edulcorantes que as compõe e os aditivos presentes estão descritos na Tabela III.

 

Tabela III - Descrição da composição de quatro marcas de adoçantes de mesa em pó.

 

 

A Tabela IV apresenta o check list aplicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para análise de rotulagem de alimentos para fins especiais.

 

Tabela IV - Check list da Anvisa para análise de rotulagem de alimentos para fins especiais.

 

*(N) para os não conformes, em (S) para conformes e (-) não se enquadra; *De acordo com a Resolução RDC 27 – ANVISA de 06/08/2010 esses produtos são isentos de registro no MS.

 

Discussão

 

A intolerância a lactose é uma afecção da mucosa intestinal que incapacita de digerir a lactose devido a deficiência de uma enzima denominada lactase [12]. Os indivíduos intolerantes à lactose devem ficar atentos à presença da substância em produtos não lácteos, que utilizam o dissacarídeo como veículo. Entre estes produtos, encontram-se os adoçantes de mesa, que usam a lactose de modo a diluir e dar volume aos mesmos.

Das marcas analisadas 100% estavam abaixo do limite 0,5 g de lactose por 100 g ou 100 ml do produto final a ser consumido. Uma vez que os sintomas de intolerância à lactose podem variar de pessoa a pessoa, de acordo com o tipo de alimento ou ainda de acordo com a quantidade de lactose presente no mesmo, o estudo mostra que os níveis de lactose presente nos adoçantes se igualam àqueles denominados “zero lactose” pela legislação vigente para alimentos para fins especiais [4]. Deste modo, o produto pode ser consumido com segurança conforme instrução de diluição da embalagem, quantidade essa analisada. Para consumo maior do que o descrito na embalagem faz-se necessária nova análise.

O novo regulamento técnico referente a alimentos para fins especiais considera alimentos isentos de lactose aqueles que contêm quantidade de lactose igual ou menor a 100 mg por 100 g ou ml do alimento pronto para o consumo. Quando a quantidade de lactose for superior à estabelecida, os rótulos dos alimentos deverão indicar a presença da substância [13]. Uma vez que a lei sancionada no dia 05 de julho de 2016 (acrescentando o art. 19-A no Decreto-Lei nº 986) entra em vigor após 180 dias de sua publicação oficial e que as amostras foram adquiridas anteriormente à nova legislação e ao prazo de adequação, os autores do presente estudo avaliam que as amostras continuam em conformidade com a legislação vigente no momento da aquisição. Porém, a partir de janeiro de 2018, para serem consideradas isentas de lactose deverão ter o teor de lactose abaixo de 100 ml por 100 g (ou ml) do alimento pronto para o consumo.

No que se refere a rotulagem das marcas analisadas, 100% estavam em conformidade com a RDC 360 [10], que trata do Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados. Assim, apresentam em suas embalagens as declarações obrigatórias, tais como valor energético e nutrientes, bem como informação nutricional complementar.

Do mesmo modo, as marcas analisadas respeitavam o Regulamento Técnico Para Rotulagem de Alimentos Embalados (RDC 259) [9]. Assim, estavam presentes as informações obrigatórias, como denominação de venda do produto, lista de ingredientes, conteúdo líquido, identificação de origem, identificação do lote, prazo de validade. Segundo esta legislação, os aditivos alimentares devem ser declarados fazendo parte da lista de ingredientes, o que também estava em conformidade. No que diz respeito à instrução de preparo e uso do produto, previstos também nesta Resolução, todas as marcas estavam de acordo. No que se refere aos itens da Portaria SVS/MS nº 29/98 [4] Lei n.º 10.674/2003 [10] e Lei n.º 986/69 [7] e Anexo II da Res. n.º 23/00 [8] todas as marcas estavam de acordo.

Uma limitação do estudo foi a obtenção do valor real de lactose naqueles produtos que apresentaram teor de glicídios redutores em lactose abaixo de 0,15 g.100 ml-1, uma vez que é o filtrado preparado com a amostra o reagente titulante utilizado. Deste modo, após o preparo existe uma quantidade máxima de reagente titulante (50 ml), e que, para estes produtos era insuficiente para a completa reação. Portanto, os valores apresentados como resultado (0,136 g.100 ml-1), são os valores máximos possíveis de serem obtidos através deste método.

 

Referências

 

  1. Brasil. SVS/MS Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitário. Portaria nº540 de 27 de outubro de 1997. Regulamento técnico: Aditivos alimentares: definições, classificação e emprego. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, de 28 de out. de 1997. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/391619/PORTARIA_540_1997.pdf/3c55fd22-d503-4570-a98b-30e63d85bdad.
  2. Nachtigall AM, Zambiazi RC. Geleias de hibisco com reduzido valor calórico: características sensoriais. Boletim CEPPA, Curitiba PR 2006;24(1):47-58.
  3. Brasil. Anvisa. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 271, de 22 de Setembro de 2005. Regulamento técnico para açúcares e produtos para adoçar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 23 de set. 2005.. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/394219/RDC_271_2005.pdf/33a232aa-65b1-490a-b2fe-a839b34ad070
  4. Brasil. Anvisa. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 29/28, de 13 de janeiro de 1998. Uso de aditivos para alimentos com Informação Nutricional Complementar e Alimentos para Fins Especiais. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 15 de janeiro. 1998. Disponível em: www.anvisa.gov.br/alimentos/informes/14_080405.htm
  5. Heyman MB. Lactose Intolerance in Infants, Children. American Academy of Pediatrics 2006;118(3).
  6. Instituto Adolfo Lutz. Métodos físico-químicos para análise de alimentos /coordenadores Odair Zenebon, Neus Sadocco Pascuet e Paulo Tiglea. São Paulo: Instituto Adolfo Lutz; 2008. p.1020.
  7. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-Lei Nº 986, de 21 de outubro de 1969. Normas básicas sobre alimentos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0986.htm
  8. Brasil. Anvisa. Agência de Vigilância Sanitária. Resolução nº 23, de 15 de março de 2000. Dispõe sobre o manual de procedimentos básicos para registro e dispensa da obrigatoriedade de registro de produtos pertinentes à área de alimentos. Diário Oficial da União. Poder Executivo, de 16 de março de 2000. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33916/396299/Microsoft%2BWord%2B-%2BRESOLU%25C3%2587%25C3%2583O%2BN%25C2%25BA%2B23%252C%2BDE%2B15%2BDE%2BMAR%25C3%2587O%2BDE%2B2000.pdf/77903bf6-f758-41cc-8c4c-d440802434e1
  9. Brasil. Anvisa. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução - RDC Nº 359 de 23 de Dezembro de 2003. Dispõem sobre as porções de alimentos embalados para fins de rotulagem nutricional. Ministério da Saúde, de 23 de Dezembro de 2003. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/2568070/res0359_23_12_2003.pdf/76676765-a107-40d9-bb34-5f05ae897bf3
  10. Brasil. Anvisa. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução - RDC Nº 360, de 23 de Dezembro de 2003. Dispõem sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados. Ministério da Saúde, de 23 de Dezembro de 2003. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/2568070/res0360_23_12_2003.pdf/5d4fc713-9c66-4512-b3c1-afee57e7d9bc
  11. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n° 10.674, de 16 de maio de 2003. Obriga a que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como medida preventiva e de controle da doença celíaca. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.674.htm
  12. Frye RE. Lactose intolerance. Clínica Fellow, Departamento de Neurologia, Hospital de Criança de Boston, Escola Médica Harvard;2002.
  13. Brasil. Anvisa. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC N°136, de 8 de fevereiro de 2017. Regulamento técnico para rotulagem de alimentos embalados, e suas atualizações. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de fevereiro de 2017. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2955920/RDC_136_2017_.pdf/535da2bb-67f6-47a6-a2f1-befe2e4a8576