REVISÃO

Efeitos psicológicos e metabólicos da restrição alimentar no transtorno de compulsão alimentar

Psychological and metabolic effects of food restriction in binge eating disorders

 

Julie Soihet*, Aline David Silva, D.Sc.**

 

*Nutricionista, Faculdade Gaúcha, **Nutricionista, Professora do Centro Universitário São Camilo

 

Recebido 4 de outubro de 2018; aceito 15 de abril de 2019.

Correspondência: Julie Soihet, Rua Barão do Bananal, 604/24 Vila Pompéia São Paulo SP, E-mail: juliesoihet@gmail.com; Aline David Silva: alinedavids@hotmail.com 

 

Resumo

Esta revisão aborda os principais malefícios da prática de dietas restritivas, enfatizando seus possíveis efeitos psicológicos, metabólicos e no Transtorno de Compulsão Alimentar. Atualmente, a prática de dietas restritivas tornou-se algo comum e rotineiro para aqueles que desejam, principalmente, emagrecer ou alcançar um corpo esteticamente “ideal”. Porém, diversos estudos indicam a ineficácia da realização de dietas, visto que podem gerar diversos danos psicológicos, ganho de peso, diminuição do metabolismo basal e, possivelmente, desenvolvimento de transtornos alimentares. O principal objetivo dessa revisão é analisar as consequências da restrição alimentar a fim de conscientizar a população e diminuir o número crescente de indivíduos com excessiva preocupação em relação a alimentação. Foi realizada uma revisão em publicações dos últimos 30 anos. Entende-se que a obsessão pela magreza, os comportamentos alimentares inadequados, a restrição auto imposta e a distorção da imagem corporal são prejudiciais á saúde e, muitas vezes, são decorrentes das práticas de dieta. A restrição alimentar é um grande carreador dos transtornos alimentar, bem como da má relação do indivíduo com o alimento e consigo mesmo.

Palavras-chave: dietas, transtornos alimentares.

 

Abstract

This review points out the results of restrictive diets, emphasizing their possible psychological and metabolic effects as well as the development of the Binge Eating Disorder. Currently, the practice of restrictive diets has become common and routine for those who wish, mainly, to lose weight or achieve and aesthetically “ideal” body. However, several studies indicate the inefficacy of diets, since they can cause several psychological damages, weight gain, decreased in basal metabolism and possibly the development of eating disorders. The main objective of this review was to analyze the consequences of food restriction in order to raise awareness among the population and reduce the growing number of individuals with excessive dietary concerns. The obsession with thinness, inadequate eating behaviors, self-imposed restraint and distortion of body image are detrimental to health and are often due to dietary practices. Food restriction is a major carrier of eating disorders and promotes a bad relation of the individual with the food and himself. 

Key-words: diets, eating disorders.

 

Introdução

 

É de senso comum que o modelo sociocultural atual explica os altos índices de distúrbios da imagem, insatisfação corporal e o aumento das taxas de transtornos alimentares na sociedade. Os padrões de beleza impostos enfatizam exageradamente a magreza e a mídia tornou-se um dos mais poderosos veículos dos ideais socioculturais [1].

O ato de fazer dieta refere-se a diversas estratégias e comportamentos para, principalmente, perda de peso. Dentre essas ferramentas, a exagerada restrição alimentar ganha espaço privilegiado, visto que essa é a principal forma de emagrecimento para os indivíduos. A insatisfação corporal leva a uma busca incessante pela perda e controle de peso, acarretando em altos índices de práticas de dietas que, por sua vez, podem trazer consequências prejudiciais ao organismo humano [2]. Diariamente, na mídia, surgem novas dietas da moda prometendo resultados milagrosos e imediatos como a low-carb, jejum intermitente, dieta paleolítica, dieta a base de shakes, dieta ortomolecular, entre outras. Todas costumam ser extremamente restritivas, visto que ocorre diminuição exacerbada do valor energético, porção e/ou exclusão de algum grupo alimentar (carboidratos, por exemplo). Além disso, é comum que indivíduos realizem tais dietas sem auxílio profissional, o que pode acarretar em danos mais severos [3].

A adoção de dietas restritivas pode trazer malefícios psicológicos, metabólicos e também no surgimento de transtornos alimentares. Os indivíduos praticantes de dietas preocupam-se de modo compulsivo com os alimentos que consomem, são mais vulneráveis a comer descontroladamente após muito tempo de restrição e tendem a possuir problemas emocionais como ansiedade e depressão. Ainda, existe enorme relação entre indivíduos que restringem a sua alimentação e indivíduos diagnosticados com transtornos alimentares [4].

O objetivo geral deste artigo é analisar as consequências psicológicas e metabólicas, bem como o possível surgimento do Transtorno de Compulsão Alimentar, provenientes da prática de dietas restritivas. Especificamente, pretende-se conscientizar a população de seus malefícios e incentivar o aumento das pesquisas e estudos nessa área.

 

Métodologia

 

Estudo foi realizado por meio de revisão em livros acadêmicos e artigos originais e de revisão, na língua inglesa e portuguesa, publicados desde o ano de 1988 até 2019, na base de dados Scielo e Pubmed.

Os descritores utilizados foram: dieta, transtorno alimentar, transtorno da compulsão alimentar, dietas da moda, comportamento alimentar, restrição calórica e imagem corporal. Foram separados 92 artigos, porém foram utilizadas apenas 37 referências, que continham informações realmente relevantes para esta revisão. Dentre elas estão artigos de revisão, estudo de caso-controle, estudos prospectivos e um estudo de coorte.

O desenvolvimento foi separado em três principais sub-itens: efeitos psicológicos da restrição alimentar, efeitos metabólicos da restrição alimentar e efeitos da restrição alimentar no transtorno de compulsão alimentar periódica.

 

Resultados e discussão

 

Atualmente, a prevalência de dietas para emagrecimento é tão comum que pode até ser considerada como uma forma normal de se alimentar. A popularidade das dietas, principalmente entre mulheres, costuma ser reflexo de um descontentamento com a própria imagem, sentimento bastante comum entre grande parcela da população. Apesar de sua fama, as evidências de que as dietas não são efetivas para a perda de peso estão cada vez mais presentes, bem como o estudo de seus malefícios. Sabe-se que a prática de dietas restritivas pode contribuir para distúrbios emocionais e cognitivos, além da possível aparição de transtornos alimentares [5].

É importante ressaltar que pacientes obesos que participam de tratamentos para perda de peso realmente emagrecem temporariamente, mas também experienciam deprivações fisiológicas. Por outro lado, indivíduos que comem de forma restrita são aqueles que tentam controlar o próprio peso através de dietas com restrição exagerada. Seria esperado que os últimos também perdessem peso como resultado da restrição calórica auto imposta, porém, estudos longitudinais afirmam que isso não acontece [6].

A influência dos fatores socioculturais é de extrema importância quando se analisa o motivo da alta prevalência de dietas restritivas nos dias de hoje. Os padrões de beleza trazem o ideal da magreza e valorizam o corpo esbelto, o que pressiona os indivíduos, principalmente as mulheres, a buscarem comportamentos exagerados para o alcance de tal ideal. O controle excessivo da ingestão alimentar é um possível desencadeador de transtornos alimentares [7].

A teoria de que pessoas obesas devem comer menos e praticar mais exercícios ainda é considerada como a principal ferramenta para perda de peso. Nos dias atuais, existe uma enorme variedade de documentos que comprovam a falha dessa teoria. Sabe-se que o reganho de peso costuma ser a regra e estudos apontam que 50% dos praticantes de dieta de peso normal também são vítimas do ‘efeito sanfona [8]. As pessoas submetem-se a dietas com a expectativa de que isso as ajudará a conquistar melhorias em sua saúde, aparência e auto-estima, mas, na realidade, já existem constatações dos efeitos contrários [9].

A perda de peso e a fome auto imposta resultam em um aumento da preocupação em relação à comida, ao ato de comer e ao peso. Esses fatores dominam a cabeça do indivíduo e contribuem para a formação de pensamentos dicotômicos que, por sua vez, envolve a rígida discriminação dos alimentos em bons ou ruins. O indivíduo que faz dieta luta diariamente com a comida necessitando, portanto, controlar os sinais de fome visto que pequenas porções dos “bons” alimentos não suprem suas necessidades. Esses sinais são, normalmente, distorcidos e ignorados. O controle que o indivíduo impõe sobre a sua cognição é muito rígido e, qualquer situação que perturbe o seu auto controle pode desencadear um excesso na quantidade de comida ingerida. Portanto, a autoimposição de controle cognitivo dos indivíduos que fazem dieta é o que pode gerar uma compulsão alimentar futuramente [10].

Um estudo de coorte com 8203 adolescentes do sexo feminino e 6769 do sexo masculino (todos entre 9 e 14 anos) praticantes e não praticantes de dietas para perda de peso foi realizado a fim de entender a associação das dietas com a mudança de peso corporal. O estudo, com duração de 3 anos, utilizou questionários que avaliavam a realização de dietas para o controle de peso, compulsão alimentar e ingestão dietética. A compulsão alimentar foi mais comum entre as meninas, mas, em ambos os sexos, estava associada com a realização de dietas para controle do peso. Durante os três anos de acompanhamento, os adolescentes que realizavam dietas ganharam mais peso do que os que não as faziam. O estudo, portanto, concluiu que a realização de dietas é ineficiente e pode promover ganho de peso [11].

As intervenções para perda de peso que se baseiam em restrições calóricas/dieta não apresentam sucesso a longo prazo. Em indivíduos com IMC < 35 kg/m2, por exemplo, os resultados de perda de peso costumam ser eficazes por apenas dois anos. É comum que o indivíduo retorne ao peso inicial em um período de 3-5 anos após a realização da restrição [12]. Isso pode ser explicado pela grande quantidade de compensações alimentares que são feitas por indivíduos que costumam restringir muito a alimentação, já que restrições calóricas são normalmente seguidas por compulsões que acabam cancelando as restrições iniciais e, consequentemente, a perda de peso [6].

De acordo com Mann et al. [13], é possível chegar a duas principais conclusões sobre as dietas. Primeiramente, sabe-se que a realização de dietas leva á perda de peso à curto prazo. Mas, em segundo lugar, essas perdas não se mantêm ao longo do tempo. Ao analisar diversos estudos realizados entre 1970 a 1990, os autores perceberam que, na grande maioria dos programas para perda de peso, os participantes perderam de 5-10% do peso corporal. Porém, nota-se que as análises não acompanham o paciente a longo prazo e não discutem se houve ou não reganho do peso, o que é questionável.

 

Efeitos psicológicos da restrição alimentar

 

O ato de fazer dieta pode ser definido como uma restrição da quantidade de alimento ingerido com a intenção de reduzir ou manter a forma ou peso corporal. Para isso, se torna necessário ignorar os sinais internos de fome e a atração desencadeada pela comida para que seja possível comer menos do que o usual. Em outras palavras, fazer dieta pode levar a uma série de efeitos psicológicos negativos que incluem perturbações no afeto, auto estima, cognição e comportamento alimentar [6].

O principal incentivo para a realização de dietas restritivas é a incessante busca pelo aperfeiçoamento pessoal pois acredita-se que as mesmas trarão melhorias na saúde, aparência e bem-estar. Apesar desse ideal ser bastante enraizado na sociedade, sabe-se que as dietas podem acarretar diversos malefícios como danos psicológicos. Um dos principais exemplos dessa constatação é o estudo realizado durante a Segunda Guerra Mundial que submeteu homens de peso normal à uma dieta restrita para que, ao final do experimento, fossem capazes de perder 76% do seu peso inicial. O objetivo desse estudo foi analisar os efeitos da fome no corpo humano. Como resultado, diversas reações psicológicas foram notadas nos homens como: foco excessivo em comida (busca por receitas, fotos de comidas penduradas nas paredes e mudança de planos de carreira para profissões ligadas a comida), irritação, tristeza, brigas com colegas e namoradas, apatia, letargia e perda de interesse sexual. Quando foram liberados para comer o que quisessem os homens, que antes comiam de forma normal e saudável, descontrolaram-se e se tornaram obsessivos pela comida, se alimentando de forma exacerbada e anormal [9].

Os efeitos psicológicos das dietas vêm sido analisados em diversos estudos clínicos. A baixa ingestão calórica e os jejuns prolongados têm sido relacionados ao aumento da depressão, ansiedade, nervosismo, fraqueza e irritabilidade. Borkoles et al. [12] estudaram o efeito de uma intervenção não-dietética em mulheres com obesidade mórbida e na prémenopausa. Constataram que um estilo de vida saudável através de uma intervenção não restritiva trouxe importantes benefícios psicológicos como melhoria do bem-estar e da autoestima, diminuição do estresse, aumento da autonomia e controle sobre si própria.

Estudos transversais têm mostrado que indivíduos que se submetem a restrição alimentar possuem maiores níveis de afeto negativo e baixa autoestima quando comparados a não praticantes de dietas [14]. Há hipóteses de que os efeitos psicológicos negativos das dietas aparecem em decorrência das repetidas tentativas fracassadas em perder peso e que, ao longo do tempo, podem desencadear depressão. Um estudo realizado com adolescentes do sexo feminino teve como objetivo, através de questionários e medidas de peso e altura, analisar a relação entre restrição dietética e insatisfação com o corpo. A conclusão foi que dietas restritivas e insatisfação corporal estão fortemente relacionados e que, indivíduos com maiores níveis de restrição alimentar possuem maiores chances de possuírem depressão, baixa autoestima e de comer transtornado [15].

Humanos e animais tendem a ficar mais acordados, alertas e irritados quando estão com fome. Após se alimentar, é comum que fiquem mais calmos, letárgicos e sonolentos, acarretando em efeitos positivos no humor. Comer uma refeição irá alterar o humor e as emoções, diminuindo a irritabilidade e aumentando os níveis de afeto positivo. Porém, isso irá depender do tamanho da refeição e da sua composição, visto que é necessário que esses fatores estejam de encontro com a alimentação habitual do indivíduo, suas expectativas e necessidades. Refeições muito pequenas e não comuns podem afetar o humor de forma negativa [16].

Outro estudo realizado com 170 adolescentes e crianças do sexo feminino, utilizou diversas escalas para analisar a presença de dietas restritivas, auto estima e satisfação corporal, além da medição de peso e altura. Constatou-se que, as meninas que realizavam dietas mais restritivas possuíam maior baixo auto estima e descontentamento com sua imagem corporal, peso e regiões específicas do corpo. Para as mesmas, o corpo ideal era muito mais magro do que consideravam ser e até mais magro do que as não praticantes de dieta [17].

Quando comparados indivíduos praticantes e não praticantes de dieta, algumas diferenças marcantes são notadas. Em situações de ansiedade e estresse, os não praticantes de dieta costumam comer menos enquanto os que restringem a alimentação tendem a comer muito mais nas mesmas ocasiões. Além disso, indivíduos com depressão tendem a ganhar peso se forem praticantes de dieta enquanto o oposto tende a perder. Existem diversas análises que correlacionam a prática de dietas com o aparecimento dos transtornos alimentares. Talvez a dieta seja o transtorno que devemos nos preocupar em curar [10].

 

Efeitos metabólicos da restrição alimentar

 

Cada vez mais estudam-se os efeitos das dietas e restrições alimentares no organismo humano. Desde os anos 1990, mais de 15 estudos prospectivos foram realizados e trouxeram como conclusão a comprovação da associação das dietas com o ganho de peso futuro e obesidade [18]. O efeito sanfona, ou ciclamento de peso, é um processo de enorme importância clínica visto que diversos estudos em humanos e ratos sugerem um aumento do risco de morbidades (como doenças cardiovasculares) e mortalidade, que podem ser associados as flutuações de peso ao longo da vida [19].

O efeito sanfona pode ser descrito como um fenômeno onde ocorrem repetidas perdas e ganhos de peso, experiência muito comum entre praticantes de dieta. A maioria dos estudos analisa apenas a perda de peso durante a restrição alimentar, mas não acompanha o indivíduo ao longo dos anos que sucedem o início da dieta, não obtendo, portanto, os dados do reganho posterior de peso [20].

Um estudo realizado por Steen et al. [21] com adolescentes lutadores em um acampamento, durante dois verões seguidos, comparou o gasto energético basal (GEB) de lutadores que ciclavam o peso ao longo do tempo, com aqueles que não. Os adolescentes que variavam muito o peso ao longo da vida possuíam GEB 14% menor do que os que mantinham o peso.

Em outro estudo, 30 macacos foram estudados durante 11 anos a fim de analisar o gasto energético durante uma moderada restrição calórica. Como resultado, os macacos obtiveram significante diminuição no gasto energético total concluindo que dietas restritivas a longo prazo podem reduzir a taxa metabólica, independente de mudanças na massa muscular [22].

Weiss et al. [23] analisou durante 3 anos indivíduos com modesta perda de peso. Na amostra de 1310 indivíduos, 33% reganharam todo o peso perdido durante 1 ano. Pesquisadores acreditam que o reganho de peso é causado pela diferença de consumo energético que ocorre durante a restrição calórica, associando uma diminuição no gasto energético à um aumento da vontade de comer. A vontade de comer durante um período de restrição alimentar causa uma resposta hiperfágica quando o acesso ao alimento é permitido, ou seja, ocorre aumento anormal do apetite que, normalmente, leva á uma ingestão alimentar excessiva. Paralelamente, quando finaliza-se um período de dieta e restrição calórica, ocorre a utilização dos lipídios antes suprimidos, auxiliando também um reganho de peso rápido e eficiente [24].

O tecido adiposo é metabolicamente ativo e é responsável pela produção de leptina, citocinas e adiponectina, o que demonstra as consequências metabólicas do reganho do mesmo após a prática de dietas [25]. Pesquisadores encontraram associações entre o ciclamento de peso e um excesso de enzimas lipogênicas, bem como altos níveis de triglicerídeos e colesterol em animais. Em humanos, constatou-se aumento de risco de ataque cardíaco e acidente vascular cerebral. O estudo de Lowa foi realizado entre 1986 e 1992 a fim de associar a variação de peso com incidência de doenças em mulheres. O estudo sugeriu que as mudanças de peso estão associadas a maior risco de desenvolver doenças crônicas [26].

Blair et al. [27], em uma análise de 3 anos e 8 meses, concluiu que a variação de peso está associada a aumento do risco cardiovascular em homens. Além disso, o reganho de peso decorrente da prática de dietas pode levar a um aumento do risco de desenvolver hipertensão e diminuições clínicas de HDL-colesterol em mulheres [28]. Nos dias de hoje, existem estudos que afirmam que as variações de peso ao longo da vida podem ser mais prejudiciais à saúde do que simplesmente manter-se com sobrepeso ou obeso, podendo até levar a depressão [29] .

 

Efeitos da restrição alimentar no transtorno de compulsão alimentar

 

De acordo com o DSM-V [30], o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA) se dá por episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um episódio de compulsão alimentar é caracterizado por uma ingestão, em um período determinado, de uma quantidade de alimento definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria no mesmo período sob circunstâncias semelhantes, associado a uma sensação de falta de controle sobre a ingestão durante o episódio. Os principais aspectos notados durante os episódios são: comer mais rapidamente do que o normal, comer até sentir-se desconfortavelmente cheio, comer grandes quantidades de alimento na ausência da sensação física de fome, comer sozinho por vergonha do quanto se está comendo e sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito culpado em seguida. Pacientes com TCA não possuem comportamento compensatório inapropriado como na Bulimia Nervosa.

Acredita-se que pacientes com TCA tendem a ser praticantes de dieta que, por sua vez, acaba sendo causa e consequência das compulsões alimentares [10]. DerMarderosian et al. [31] afirmam que o histórico alimentar do indivíduo deve ser investigado pois é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. É importante analisar o recordatório alimentar, tamanho das porções, restrições alimentares, comer seletivo, hábitos e rituais na hora da alimentação, contagem de calories/gordura/carboidratos e quantidade de bebidas não calóricas ingeridas. Tais fatores podem determinar uma relação disfuncional com o alimento e com o corpo, o que possivelmente indicaria a presença de um comer transtornado.

Existem alguns gatilhos importantes para a ocorrência de episódios de compulsão alimentar e sabe-se que a privação calórica recorrente da prática de dietas é um deles [32]. Em um estudo de coorte, 100 indivíduos com sobrepeso e obesidade foram submetidos a restrição calórica (500-700 kcal/dia) por 12-15 semanas. Ao final do estudo, apesar da perda de peso, concluiu-se que intervenções que incluem restrição energética são gatilho para o desenvolvimento de compulsão alimentar, aumentando a suscetibilidade que o indivíduo possui de reganhar o peso [33].

Indivíduos obesos e não obesos praticantes de dietas foram submetidos a um estudo para analisar comportamentos compulsivos. Ambos os grupos precisaram passar por um teste de aceitabilidade de sorvetes, mas apenas uma parte do grupo foi forçada a quebrar sua dieta com um milk-shake antes da realização do teste. Notou-se que os grupos que transgrediram suas dietas antes do teste comeram bem mais durante o mesmo do que os que não precisaram consumir o milk-shake. Os pesquisadores viram isso como uma compensação para a privação calórica realizada anteriormente. Em suas opiniões, o estresse acumulado entre o desejo fisiológico de comer e a resistência intencional do indivíduo fazem com que, uma vez que a restrição alimentar seja quebrada, a autoimposição também se descontrole [34].

Dietas restritivas costumam ser um dos principais fatores de risco para os transtornos alimentares. Um grupo de 98 adultos com TCA foi estudado a fim de entender a relação entre a restrição e a compulsão. Dentre os participantes, 65% afirmam que as dietas precedem os episódios de compulsão alimentar, enquanto 35% relatam o oposto [35]. Stice et al. [36] analisou uma amostra de 496 adolescentes durante 5 anos em um estudo descrito como uma investigação da saúde mental e física dos jovens. Através de escalas e questionários, os pesquisadores obtiveram resultados que sugerem que a restrição calórica para controle de peso é um fator de risco potente e consistente para um transtorno de compulsão alimentar futuro.

O Transtorno de Compulsão Alimentar se dá por diversos fatores como preocupação excessiva com o formato do corpo e peso, prática de dietas, histórico de depressão, abuso de drogas, bullying na infância, abuso sexual, entre outros [37]. É de extrema importância que mais estudos sejam feitos a fim de sustentar a teoria de que a dieta é um importante fator de risco para o TCA.

 

Conclusão

 

A propagação das informações sobre os malefícios das dietas é de extrema importância para a sociedade atual, visto que atualmente a busca pela magreza através da restrição alimentar vem tomando espaço. Através da revisão bibliográfica acima, pode-se notar que existem diversas evidências que sugerem os efeitos psicológicos, metabólicos e no Transtorno de Compulsão Alimentar das dietas restritivas.

Apesar do grande número de pesquisas citados, é importante compreender que seus resultados ainda não estão completamente elucidados, surgindo, portanto, a necessidade de mais conteúdo bibliográfico sobre o assunto.

A obsessão pela magreza, comportamentos alimentares inadequados, restrição auto imposta e distorção de imagem corporal são muito comuns nos dias de hoje e devem ser extinguidos pouco a pouco das preocupações dos indivíduos que, por sua vez, possuem o dever de compreender o prejuízo para a saúde que as dietas podem acarretar.

 

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