REVISÃO

Depressão e disbiose

Depression and dysbiosis

 

Flávia Renata de Sousa Saraiva*, Luiza Marly Freitas de Carvalho, M.Sc.**, Liegy Agnes dos Santos Raposo Landim, M.Sc.***

 

*Curso de Nutrição, Centro Universitário Santo Agostinho, **Professor Titular do Centro Universitário Santo Agostinho, ***Mestre em alimentos e Nutrição pela UFPI, especialista em nutrição nas doenças não degenerativas pela UNESC, membro do CEP do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), docente do curso de nutrição do UNIFSA, membro do colegiado do curso de Nutrição do UNIFSA

 

Recebido 29 de novembro de 2019; aceito 15 de dezembro de 2019.

Correspondência: Liejy Agnes dos Santos Raposo Landim, Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Av. Prof. Valter Alencar, 665 São Pedro 64019-625 Teresina PI

 

Flávia Renata de Sousa Saraiva: renatasaraiva22@hotmail.com

Luiza Marly Freitas de Carvalho: lumarnahid@gmail.com

Liejy Agnes dos Santos Raposo Landim: liejyagnes@gmail.com

 

Resumo

O presente estudo tem como temática a relação entre depressão e disbiose por entender que os alimentos influenciam no funcionamento do corpo e da mente. O objetivo foi realizar uma revisão integrativa sobre disbiose e presença de transtorno depressivo. Para a seleção da amostra definiu-se critérios de artigos indexados de 2014 a 2019, publicados em periódicos nacionais e internacionais, disponibilizados na íntegra em língua portuguesa e inglesa. A coleta de dados foi realizada na base Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Lilacs, Scielo, PubMed, e Google Acadêmico, utilizando os seguintes descritores: Disbiose; Depressão; Consumo Alimentar. A busca resultou em 23 artigos após utilização dos critérios de inclusão e exclusão; restaram 6 artigos para análise, interpretação e discussão. Observou-se que nos estudos analisados pode-se perceber que há uma correlação entre disbiose e depressão. De modo que o envolvimento entre nutrientes e a depressão tem um papel fundamental na gênese da depressão. Conclui-se que a deficiência ou carência de nutrientes em decorrência dos distúrbios da microbiota leva a diminuição de serotonina, e consequentemente a quadros depressivos. A alimentação saudável torna-se primordial para o equilíbrio da flora intestinal e para o tratamento da depressão.

Palavras-chave: consumo alimentar, depressão, disbiose.

 

Abstract

The present study is the theme the relationship between depression and dysbiosis because it understands that food influences the functioning of the body and mind. The objective was to conduct an integrative review on dysbiosis and the presence of depressive disorder. For the selection of the sample, the criteria of inclusion were indexed articles from 2014 to 2019, published in national and international journals, available in Portuguese and English. The research was executed in the databases of the Virtual Health Library (VHL), Lilacs, Scielo, Pubmed, And Google Academic, using the following keywords: Dysbiosis; Depression; Food Consumption. The search resulted in 23 articles after using the inclusion and exclusion criteria, remained 6 articles for analysis, interpretation and discussion. It was noticed that in the analyzed studies there is a correlation between dysbiosis and depression. Therefore, the relation between nutrients and depression has an important function in the genesis of depression. We concluded that the deficiency or lack of nutrients as consequence of microbiota disorders leads to a decrease in serotonin, and consequently to depressive conditions. Healthy eating becomes fundamental for the balance of the intestinal flora and for treating depression.

Key-words: food intake, depression, dysbiosis.

 

Introdução

 

A depressão é uma doença mental caracterizada por um comprometimento do estado físico e psicológico do indivíduo. Seus principais sintomas são: tristeza persistente, falta de energia, irritabilidade, ansiedade, perda de interesse por atividades que normalmente geravam prazer, baixa autoestima, alteração do sono e do apetite. O sentimento de tristeza é natural em momentos adversos da vida, portanto, para ser dado o diagnóstico de depressão, os sintomas descritos acima devem estar presentes em sua maioria e ter uma duração mínima de duas semanas [1].

A depressão se apresenta como uma das principais causas de incapacitação no mundo, limitando o funcionamento físico, pessoal e social. Em ambulatórios de Atenção Primária, a prevalência de depressão foi estimada em 5% a 10% de todos os pacientes, e apenas um em cem cita a doença como motivo da consulta, e em até 50% das vezes o problema não é detectado pelos profissionais. Um Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que o número de casos de depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015: são 322 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria mulheres. No Brasil, a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população) [2].

De acordo com a Organização Mundial de Saúde a depressão caracteriza-se por episódio depressivo de no mínimo de duas semanas durante as quais há um humor deprimido ou perda de interesse pelas atividades cotidianas. Além de alterações no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa; dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões; pensamentos recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio [3].

A disbiose intestinal se caracteriza por alterações na atividade e local de distribuição da microbiota intestinal, em que ocorre predomínio das bactérias patogênicas sobre as benéficas. Esse desequilíbrio reflete no aumento da permeabilidade do intestino e na diminuição da seletividade na absorção de toxinas, bactérias, proteínas ou peptídeos, assim, contribuindo para inflamação local e sistêmica. Entre as causas da disbiose, destacam-se o estresse psicológico e fisiológico, a idade e alimentação. Esse distúrbio, cada vez mais comum, vem sendo considerado como relevante no diagnóstico de várias desordens, tais como transtornos de humor, que inclui a depressão [4].

Atualmente, existe uma corrente de investigação que tem como hipótese de trabalho o contributo da disbiose entérica para a inflamação do TGI e a influência desta no eixo cérebro-intestino. Há evidência de que qualquer perturbação no equilíbrio deste eixo produz alterações na resposta desencadeada face ao estresse e no comportamento em geral [5].

Após a globalização e o grande crescimento dos alimentos fast-food na sociedade moderna, a alimentação equilibrada e saudável se tornou cada vez mais difícil de ser realizada. Portanto a alimentação equilibrada é determinante na manutenção da saúde, melhor qualidade de vida, sem afetar o estado de humor e bem-estar do indivíduo.

Uma alimentação desregrada, com alto consumo de alimentos industrializados e exposição a toxinas que não podem ser digeridas pelo organismo pode levar a uma desordem na função intestinal, resultando assim em uma disbiose pode frente a esse contexto, surgiu o seguinte questionamento: como a disbiose intestinal estar relacionada a depressão? Assim o objetivo geral desse estudo é realizar uma revisão Integrativa sobre disbiose e presença de transtorno depressivo. E mais especificadamente investigar os fatores que determinam a ingestão alimentar em portadores de depressão, listar os alimentos mais consumidos por indivíduos em estado depressivo, correlacionar ingestão alimentar e disbiose com presença de transtorno depressivo e relacionar os alimentos e nutrientes que são associados a presença de depressão.

 

Metodologia

 

Estudo de revisão integrativa da literatura, de natureza qualitativa e exploratória, com abordagem teórica. A referida pesquisa traz como resultados informações referentes a relação entre disbiose e depressão e contribuindo para a identificação dos fatores que estão relacionados com distúrbio mental além de incentivar aos leitores a importância do cuidado em relação aos hábitos alimentares saudáveis. Esse processo permite o aprofundamento do conhecimento sobre a temática, além de apontar lacunas que precisam ser preenchidas por novos estudos.

A busca dos artigos foi realizada em cinco bases de dados eletrônicos acessados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): Medical Literature Analysis and Retrieval System on-line (Medline), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (SciELO), National Library of Medicine (PubMED) e o Google Acadêmico.

Para o levantamento dos estudos foram utilizados os descritores: “disbiose”, “depressão” , “adulto” e “consumo alimentar”, no idioma português cadastrados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e inglês, de acordo com o Medical Subject Headings (MeSH) “depression”, “dysbiosis”, e “food consumption” adaptados de acordo com a base de dados utilizada.

Três etapas foram seguidas no desenvolvimento do estudo: a primeira busca foi iniciada pelos descritores: “relação depressão” e “disbiose”, utilizando o operador booleano AND; segundo com os descritores “depressão” e “consumo alimentar” conectados pelo operador booleano AND; e por último, “disbiose” e “consumo alimentar”. A busca foi realizada no mês de março de 2019, foram selecionados inicialmente 23 artigos que abordavam os descritores, que após análise do objeto de estudo e os critérios de inclusão, restaram 6 artigos, conforme Figura 1.

 

Figura 1 - Fluxograma do processo de busca e seleção dos estudos inclusos na revisão. Teresina/PI, Brasil, 2019.

 

Fonte: Biblioteca Virtual de Saúde,2019.

 

Para selecionar a amostra, foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: ser artigo original, indexado nas bases de dados selecionadas, nos idiomas: português e inglês; publicado entre os anos de 2014 e 2019. A escolha desse período atendeu ao critério de temporalidade, em que se considerou o recorte de cinco anos, por se tratar de publicações mais atuais. Os critérios de exclusão foram publicações de tese, dissertação, monografia e artigos que não tinham aderência à temática.

Na primeira etapa foi efetuada a leitura flutuante dos textos, que possibilitou a constituição do corpus; seguiu-se com leitura exaustiva desses que, agrupados por similaridade, constituíram as categorias de análise.

 

Resultados

 

Na Tabela I encontra-se a distribuição das produções científicas segundo o período de publicação e o total de artigos.

 

Tabela I - Distribuição dos resultados referentes as produções científicas utilizadas na RI por período de publicação.


 

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

 

Na tabela II pode-se observar a distribuição dos artigos conforme o autor, ano, título, objetivo, tipo de estudo e resultados.

 

Tabela II - Distribuição das produções científicas de revisões bibliográficas publicadas no período de 2014 a 2017 segundo o autor, ano, título, objetivo, tipo de estudo e resultados.


 

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

 

Tabela III - Distribuição das produções científicas originais publicadas no período de 2017 a 2019 segundo autor, ano, título, objetivo, tipo de estudo e resultados.

 

 

A fim de uma maior compreensão sobre a importância dos alimentos para a saúde global dos indivíduos, procurou apresentar uma tabela síntese com os alimentos mais indicados ao controle e tratamento da depressão e dos distúrbios alimentares, por entender que uma alimentação saudável e balanceada contribui para diminuição de doenças crônicas, assim como para a longevidade e qualidade de vida.

 

Tabela IV - Distribuição de alimentos e seus nutrientes que combatem a depressão. Café

Cafeína, sódio, potássio, cálcio, magnésio, manganês, fósforo e cobre.

 

Fonte: [10].

 

Tabela V - Alimentos que estão associados a depressão e seus nutrientes.

 

Fonte: [8]

 

Discussão

 

Nos estudos analisados pode-se perceber que há uma correlação entre disbiose e depressão, em que a escolha de nutrientes adequados para a alimentação diária das pessoas faz a diferença em sua qualidade de vida. De modo que, o envolvimento entre nutrientes e a depressão tem um papel fundamental na gênese da depressão.

Nesse sentido, observou-se nos estudos de Sezini e Gil [1], que o tratamento e acompanhamento nutricional deveria integrar a terapia de todos os pacientes deprimidos, uma vez que minimizariam os efeitos colaterais e proporcionaria ainda uma melhora física, emocional e psicológica na saúde do indivíduo.

Corroborando esses achados, Vedovato et al. [6] realizou um estudo aprofundado sobre o eixo intestino-cérebro, em que a serotonina apresenta-se como um importante neurotransmissor envolvido na interação entre disbiose, depressão e nutrição, sendo essa neurotransmissor de grande relevância no trato gastrointestinal. Segundo esses autores, tal hormônio acomete a sensação de motilidade e secreção intestinal e atua na ativação e condução da informação ao sistema nervoso central. Uma diminuição na absorção de nutrientes pode dificultar a síntese e disponibilidade de serotonina, podendo levar a quadros depressivos.

Observa-se da análise desses dois autores, que a ingestão de bons nutrientes, assim como o tratamento nutricional deveria integrar a terapia de todos os pacientes deprimidos, pois, além de ser livre de efeitos colaterais, também propicia uma melhora global na saúde do indivíduo.

Outro trabalho que também evidencia a importância da nutrição no eixo intestino-cérebro é o estudo de Rodrigues [7] que evidenciou a influência da disbiose em algumas doenças mentais, especialmente, a depressão. Assim, esse achado afirma que as alterações nas interações cérebro-intestino estão associadas com a inflamação do intestino, síndromes de dor abdominal crônica e transtornos alimentares. Compreende-se, portanto que a modulação da função do eixo cérebro-intestino está associada a alterações específicas na resposta ao estresse e comportamento global.

O estudo de Senra [8] demonstrou que há uma relação bidirecional entre a alimentação e a depressão, em que alguns nutrimentos desempenham um papel importante na qualidade de vida e saúde das pessoas. Assim, esse estudo evidenciou que, determinados padrões alimentares podem estar implicados no desenvolvimento e prevenção da depressão, assim como os resultados de alguns estudos que descrevem a influência que os sintomas depressivos podem ter nos hábitos alimentares e noutros comportamentos relacionados com o estilo de vida.

Nesse sentido, os estudos de Senra [8], com os de Rodrigues [7] e Vedovato et al. [6] ressaltam a importância da utilização de suplementos alimentares para a possível melhoria dos sintomas de disbiose e depressão, de modo que se pode afirmar que tais estudos se mostram importantes ao revelar que a composição da microbiota humana é afetada por estados de estresse emocional, assim como os seus metabolitos também podem induzir estados de estresse.

Embora esse assunto seja de grande relevância para a sociedade, verificou-se que há poucos estudos relacionados à depressão e a disbiose, principalmente no que se diz respeito à relação disbiose com a presença de transtorno depressivo. Os estudos já realizados permitem a obtenção de informações relevantes quanto à contribuição da microbiota intestinal para o equilíbrio do organismo como um todo, não apenas para o processo digestório como se acreditava anteriormente.

Nesse sentido, há na literatura a sugestão do uso de probióticos para modulação de sintomas gastrintestinais e psíquicos. Espera-se que novos resultados sobre o papel da dieta na síntese de serotonina facilitem o tratamento para indivíduos com quadros depressivos.

 

Conclusão

 

Conclui-se que a deficiência ou carência de nutrientes em decorrência dos distúrbios da microbiota leva a diminuição de serotonina, e consequentemente a quadros depressivos. A alimentação saudável torna-se primordial para o reestabelecimento do equilíbrio da flora intestinal e para o tratamento da depressão. Dessa forma, cuidar do sistema gastrointestinal e adquirir hábitos de vida saudável, por meio da inclusão de alimentos in natura, frutas, verduras, legumes (fontes de fibras) e alimentos probióticos, mostra-se uma estratégia promissora, uma vez que, beneficia a saúde e o bem estar físico e emocional e assim entender suas inter-relações, inclusive com a depressão e disbiose.

 

Referências

 

  1. Senini AM, Gil CSG, Nutrientes e depressão. Vita et Sanitas 2014;(8).
  2. Gonçalves AMC. Prevalência de depressão e fatores associados em mulheres atendidas pela estratégia de saúde da família. Juis de Fora/MG: Universidade Federal de Juiz de Fora;2017. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000192
  3. Pereira MLA, Marques JKF, Pinheiro EF, Lima JV, Silva PV. Relação da disbiose intestinal na depressão: revisão integrativa. FJN 2018;12(4):34-45.
  4. Dash S, Clarke G, Berk M, Jacka F. The gut microbiome and diet in psychiatry: focus on depression. Curr Opin Psychiatry 2015. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000117
  5. Silvestre CMRF. O diálogo entre o cérebro e o intestino - Qual o papel dos probióticos? Revisão de literatura. Lisboa: Universidade de Lisboa; 2015. https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/26287/1/CarinaRFSilvestre.pdf
  6. Vedovato K, Trevizan AR, Zucoloto CN, Bernardi MDL, Zanoni JN, Martins JVCP. Eixo intestino-cérebro e o papel da serotonina. Arq Ciênc Saúde Unipar 2014;18(1):33-42. https://doi.org/10.25110/arqsaude.v18i1.2014.5156
  7. Rodrigues TR, Possível relação entre microbiota intestinal e depressão em humanos: uma revisão de literatura. Brasília/DF: Universidade Católica de Brasília; 2015.
  8. Senra ICR. Alimentação e Depressão. Porto: Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto; 2017.
  9. Garcia MCR, Busnello MBA. Depressão e o não comer: Revisão de literatura a partir de experiência em estágio, Evento: XVIII Jornada de Extensão, Unijuí; 2017.
  10. Grases G, Colom MA, Sanchis P, Grases F. Possible relation between consumption of different food groups and depression. BMC Psychology 2019 https://doi.org/10.1186/s40359-019-0292-1