ARTIGO ORIGINAL

Aplicativo móvel para avaliação de comportamento alimentar: desenvolvimento, usabilidade e aceitabilidade

Mobile app for assessment of eating behavior: development, usability and acceptability

    

Regina da Silva Santos, D.Sc.*, Liejy Agnes dos Santos Raposo Landim, M.Sc.**, João Lucas de Jesus Almeida***, Rafaella Sayuri Pereira Sato****

     

*Nutricionista, Doutora em Biociências/ UERJ, Mestre Nutrição Básica Experimental/ UFPE, Coordenadora do Curso de Bacharelado em Nutrição do Centro Universitário Santo Agostinhos – UNIFSA, Teresina/PI, **Nutricionista, Doutoranda em Alimentos e Nutrição/UFPI, Mestre em Alimentos e Nutrição/UFPI, docente do Curso de Bacharelado em Nutrição do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, ***Analista de Sistemas, Graduado pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão/ UNIFACEMA, Caxias/MA, ****Discente do curso Bacharelado em Nutrição pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA

 

Recebido 30 de novembro de 2019; aceito 8 de dezembro de 2019

Correspondência: Liejy Agnes dos Santos Raposo Landim, Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Av. Prof. Valter Alencar, 665 São Pedro 64019-625 Teresina PI

 

Regina da Silva Santos: santosregina@hotmail.com

Liejy Agnes dos Santos Raposo Landim: liejyagnes@gmail.com

João Lucas de Jesus Almeida: jldejesus@gmail.com

Rafaella Sayuri Pereira Sato: rafasayurisato@gmail.com

 

Resumo

O desenvolvimento de dispositivos móveis na saúde está em crescente expansão e o uso de tecnologias de informação e comunicação são oportunidade para ações estratégicas para promoção da mudança de comportamento alimentar. Assim, buscou-se com esta pesquisa descrever o desenvolvimento e avaliação do protótipo de aplicativo móvel sobre estratégias comportamentais baseado nas premissas do Comer Intuitivo para auxiliar nutricionistas na identificação do padrão alimentar. É uma pesquisa aplicada na modalidade de produção tecnológica. A construção do aplicativo se deu em quatro etapas: modelagem, projeto de navegação, design abstrato da interface e implementação. A etapa de modelagem foi respaldada pela revisão sistemática a partir da qual selecionou-se a ferramenta Comer Intuitivo para compor o escopo do aplicativo móvel. Para o desenvolvimento do aplicativo utilizou-se a plataforma Node.js, etapa executada por um analista de sistemas. Na fase de testes o produto foi avaliado quanto aos aspectos de funcionalidade, confiabilidade, eficiência, usabilidade, manutenibilidade e portabilidade. O aplicativo móvel NutriCogni possui 4 telas que integram exercícios para análise do comportamento alimentar. Participaram da etapa de avaliação 16 especialistas, sendo 8 da área de computação e 8 nutricionistas. O aplicativo foi avaliado com percentual de concordância variando de 62,5% a 100%. O NutriCogni é promissora ferramenta para prática clínica do profissional nutricionista. O protótipo do aplicativo pode ser utilizado em diferentes contextos do aconselhamento nutricional com foco na Nutrição Comportamental.

Palavras-chave: mobile health, comportamento alimentar, nutrição.

 

Abstract

The delopmet of mobile devices in health is in increasing expansion and the use of information and communication technologies are opportunities for strategic actions to promote food behavior change. Tha aim of this research was to describe the development and evaluation of mobile app prototype on behavioral strategies based on Intuitive Eating assumptions to assist nutritionists in identifying dietary patterns. This is a an applied research in technological production modality. The app was built in four steps: modeling, navigation design, abstract design of interface and implementation. The modeling step was supported by the systematic review from which it was selected the Intuitive Eating approach to compose the scope of the mobile app. For the development of the app was used the platform Node.js, step performed by a systems analyst. In testing phase the product was evaluated for functionality, reliability, efficiency, usability, maintainability and portability aspects. The NutriCogni mobile app has 4 screens that integrate exercises to analyze eating behavior. In evaluation stage, 16 experts were invited, 8 of them were information technology specialists and the other 8 nutritionists, to evaluate the app. The app was evaluated with agreement percentage ranging from 62.5% (nutritionists) to 100% (information technology specialists). The NutriCogni is a promising approach for the clinical practice of the nutritionist. The mobile app prototype can be used in different contexts of nutritional counseling focusing on Behavioral Nutrition.

Key-words: mobile health, food behavior, nutrition.

 

Introdução

 

A aplicação para dispositivos móveis na saúde está em crescente expansão. Esta área é conhecida como mobile health (mHealth) e visa melhorar a prestação de serviços de saúde, facilitar consultas médicas, diagnóstico e acompanhamento dos pacientes. Assim, essa tecnologia tem potencial para transformar a prestação de serviços de saúde em todo o mundo através das suas inúmeras funcionalidades e utilizações [1].

Paralelamente ao avanço da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) na saúde, pesquisadores da ciência da Nutrição ampliam seus estudos em uma abordagem de aconselhamento nutricional mais voltada para a promoção da mudança do comportamento alimentar do paciente. Esta linha de estudo conhecida como Nutrição Comportamental (NC), propõe que, além das funções fisiológicas da alimentação, sejam valorizados os aspectos emocionais e culturais das escolhas do indivíduo em relação à comida. Estes profissionais passam a utilizar ferramentas e estratégias dentro de uma abordagem biopsicossocial, respeitando-se a história do indivíduo e valendo-se de uma comunicação responsável e inclusiva, onde mensagens consistentes que validem o prazer de comer e o equilíbrio promovam o comportamento saudável, ao mesmo tempo em que reforçam a motivação do indivíduo e sua autoaceitação [2].

A NC engloba ferramentas do Comer intuitivo (CI) ou Intuitive Eating. Esta é uma abordagem baseada em evidências que considera que o reconhecimento de sugestões internas de fome e saciedade facilita a tomada de decisões conscientes relacionadas à alimentação. Assim, a mudança de comportamento alimentar é mais efetiva a partir do desenvolvimento de habilidades de distinção de sensações físicas e emocionais em detrimento à prática de dietas [3].

Sendo assim, buscou-se neste estudo unir as áreas de mHealth e NC no desenvolvimento de um protótipo de aplicativo para dispositivo móvel baseado em teorias e evidências voltados a ajudar o nutricionista a identificar o padrão alimentar de seus pacientes de modo a incluir intervenções mais personalizadas nos seus aconselhamentos.

 

Metodologia

 

O estudo é uma pesquisa aplicada na modalidade de produção tecnológica com fins de desenvolver protótipo de aplicativo multimídia de baixo custo para auxiliar nutricionistas no processo de mudança de comportamento alimentar de seus pacientes.

Foi realizado levantamento sobre estudos recentes que avaliaram a aplicação e a eficácia das principais técnicas comportamentais utilizadas por nutricionistas com a intenção de apreender o que existe de publicação científica sobre o tema. A pesquisa foi realizada na base de dados BVS, os critérios de inclusão foram: estudos primários, relatos de experiência e estudos de caso publicados no período 2015 a 2019, disponíveis na íntegra. Foram excluídos estudos não pertinentes ao tema e pesquisas de revisão bibliográfica ou sistemática. Os descritores utilizados foram: “Intuitive Eating”, “obesity”, “feeding behavior”. Sete artigos foram incluídos. A partir da revisão sistemática da literatura selecionou-se a ferramenta Comer Intuitivo para compor o escopo do aplicativo móvel.

O processo de construção do aplicativo obedeceu a quatro etapas (modelagem, projeto de navegação, projeto de interface abstrata, implementação) conforme estudo validado por Saboia [4]. Na modelagem definiu-se o modelo conceitual, o conteúdo e a forma de apresentação. Depois disso, seguiu-se ao projeto de navegação, no qual o conteúdo foi estruturado em menus, índices e roteiros para facilitar a utilização por parte do usuário. Na etapa do projeto de interface abstrata, foi definida a aparência do sistema, levando-se em conta a harmonia com o conteúdo. Em seguida, implementou-se o projeto para a plataforma de programação do aplicativo o Node.js, etapa executada por um analista de sistemas. O Node.js é uma plataforma de aplicação que utiliza a linguagem Javascript para a programação de sistemas. Tem como diferencial um processo eficiente na execução e consumo de recursos por utilizar código server-side, ou seja, as operações são feitas no servidor e não no cliente e isso gera fluxo de execução mais eficiente [5].

A avaliação do protótipo por usuários nutricionistas e analistas de sistemas foi uma etapa importante para a análise do aplicativo em relação à funcionalidade, confiabilidade, usabilidade e eficiência. No caso dos especialistas em computação adicionou-se questões relacionadas à manutenibilidade e portabilidade. Os questionários foram adaptados a partir de estudos realizados por Tibes [6] para avaliação de aplicativos para dispositivos móveis. O aplicativo foi validado obedecendo a Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT ISO/IEC 25062:2011 [7] que recomenda amostragem mínima de 8 participantes na etapa dos testes. A norma contém requisitos e avaliação da qualidade de produto de software e destina-se à elaboração de relatórios das medidas obtidas em teste de usabilidade: eficácia, eficiência e satisfação em um contexto de uso especificado. Neste estudo foram selecionados usando critério de conveniência 16 avaliadores, sendo 8 especialistas em nutrição e 8 especialistas em computação.

O modelo foi apresentado e disponibilizado para uso dos avaliadores no período de outubro a novembro de 2019. Após o período de avaliação, foi disponibilizado questionário on-line utilizando a Escala Likert com pontuação de 1 a 5, variando de discordo totalmente a concordo totalmente.

O estudo foi primeiramente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA) e aprovado no dia 10 de dezembro de 2018, sob número do parecer: 3.071.012.

 

Resultados

 

Os resultados deste estudo referem-se ao desenvolvimento do protótipo do aplicativo NUTRICOGNI como ferramenta de avaliação de comportamento alimentar e de intervenção para auxílio de tomada de decisão dos nutricionistas.

 

Modelagem

 

O processo de construção do aplicativo iniciou-se a partir da definição do modelo conceitual a partir da realização de levantamento de pesquisas recentes a fim de se conhecer e definir a eficácia das abordagens da NC no processo de mudança de comportamento alimentar. O levantamento permitiu verificar que a abordagem sobre o Comer Intuitivo (CI) possui evidências científicas e técnicas amplamente testadas com resultados positivos das intervenções. Dessa forma, optou-se pela intervenção central do NutriCogni com ferramentas baseadas na abordagem do CI.

O CI baseia-se em três pilares: permissão incondicional para comer, comer para atender a necessidades fisiológicas e não emocionais e basear-se nos sinais internos de fome e saciedade, para determinar o que, quanto e quando comer [2]. A partir desses pilares o CI propõe dez princípios que devem ser seguidos no processo de resgate da fome biológica e das escolhas alimentares sem culpa (Figura 1). A sistematização dos princípios gerou exercícios que são propostos durante o aconselhamento nutricional para a conduzir o processo de mudança de comportamento alimentar. O protótipo do aplicativo utiliza os exercícios: Histórico de Dietas, Diário Alimentar e Sinais de Saciedade.

 

 

Fonte: adaptado de Tribole e Resch [3].

Figura 1 - Fluxograma do comer intuitivo.

 

Tribole e Resch [3] recomendam que os nutricionistas durante a abordagem CI aconselhem o paciente a preencher um gráfico com a história de peso e dietas como ferramenta ilustrativa e eficaz para autoavaliação sobre efeitos das dietas já submetidas. É uma atividade de sensibilização e reflexão que ajuda o paciente a se conscientizar que dietas restritivas não funcionam a longo prazo.

O diário alimentar tem como funções, além de acompanhar a quantidade de alimentos ingeridos, associar a ingestão alimentar a sentimentos, pessoas, local e situações em relação à refeição. O usuário também adiciona informações sobre fome e saciedade e se houve episódios de compulsão ou restrição.

A atividade Sinais de saciedade é um exercício de autoavaliação que tem como objetivo ajudar o paciente a reconhecer e entender melhor os sinais internos de fome e saciedade.

Cabe ao Nutricionista a análise dos dados e a tomada de decisão em relação a melhor intervenção a partir resultados dos exercícios propostos. No aconselhamento nutricional, metas de mudança de comportamento podem ser sugeridas e combinadas.

 

Projeto de navegação

 

Nesta etapa elaborou-se cartões informativos, com conceitos, orientações, textos e a forma de organização. A estrutura navegacional da aplicação foi decidida pelos pesquisadores em conjunto com o analista de sistemas, responsável pela programação e elaboração do layout conforme as orientações previstas na fase anterior.

 

Interface abstrata

 

Nesta etapa o programador sugeriu modelos de aparência para o aplicativo e construiu protótipos de tela para definição do modelo padrão utilizado em todo o aplicativo, bem como a combinação de cores e imagens. Utilizou-se as linguagens computacionais compiladas no React.

 

Implementação

 

Na etapa final do NutriCogni foi realizada a programação do protótipo. Um grupo de colaboradores, analistas de sistemas participou da implementação de modo a alcançar os resultados esperados em termos de conteúdo, design e interação.

A escolha foi por uma interface simples mas amigável, com acesso facilitado às funcionalidades. Inicialmente o usuário é conduzido à página inicial que diferencia o acesso do Nutricionista ou do usuário. Dependendo do caso é encaminhado para a respectiva tela para o login (Figura 2).

 

 

Fonte: Dados da Pesquisa, 2019

Figura 2 - Visão geral da página inicial, tela de entrada do nutricionista e do usuário e tela de cadastro do aplicativo NutriCogni. Teresina/PI, 2019.

 

O aplicativo recebeu o nome de NutriCogni para retratar a convergência dos termos Nutrição e Cognição. Após se identificar, o usuário é encaminhado para a lista de exercícios. Cabe ao nutricionista ativar qual a atividade o paciente deve fazer durante determinado período. Essa funcionalidade foi programada porque os exercícios são precedidos de consultas e explicações específicas por parte do nutricionista com abordagem comportamental e tem objetivos a serem alcançados.

Após a escolha da atividade, abrem-se as telas das atividades (Figura 3). O histórico de dietas faz um resgate das dietas já realizadas pelo paciente, assim o aplicativo permite que esta etapa seja preenchida quantas vezes forem necessárias. O Diário Alimentar associa refeições, horários e quantidades com sentimentos, lugares e companhia. A ideia é dar a maior quantidade de informações possíveis de modo que o nutricionista possa identificar padrões de comportamento e proceder às intervenções necessárias. Em cada exercício um relatório com as repostas é expedido no próprio aplicativo, ao qual o nutricionista terá acesso a qualquer momento. O aplicativo também emite notificações para lembrar ao usuário do exercício proposto. Esta é uma maneira de manter a motivação e autoeficácia do paciente.

 

 

Fonte: Dados da Pesquisa, 2019

Figura 3 - Telas histórico de dietas e diário alimentar. Teresina/PI, 2019.

 

Participaram da fase de validação da qualidade técnica do sistema, 8 especialistas de computação. A média de idade destes foi de 25 anos. Todos eram do sexo masculino (100%) e com graduação na área (50%), os demais 25% tinham especialização e 25% mestrado. A Escala Likert utilizada nos formulários permite respostas entre 1 (Discordo fortemente) a 5 (Concordo Fortemente). A pontuação 3 foi indicada em caso de dúvidas ou imprecisão. Foram consideradas adequadas pontuações iguais ou superiores a 4.

A pontuação média de todas as respostas dos profissionais da área de computação variou entre 4 e 4,8. Assim, o sistema foi considerado adequado por 100% dos avaliadores (Tabela I).

 

Tabela I - Média de todas as respostas obtidas para cada Analista de Sistemas, n=8. Teresina/PI, 2019.

 

Fonte: Dados Pesquisa, 2019

 

Também detalhou-se as diferentes respostas dos avaliadores para uma mesma questão. As médias variaram de 3,6 a 4,7 (Tabela II). Para evidenciar a concordância ou divergência entre as respostas, calculou-se o desvio padrão.

 

Tabela II - Média e Desvio Padrão das respostas dos Analistas de Sistemas para cada questão. Teresina/PI, 2019.

 

Fonte: Dados Pesquisa, 2019. Adaptado de Tibes (2015) [6]

 

Cada parâmetro foi analisado separadamente para análise das variações entre as respostas dos avaliadores.

 

Funcionalidade

 

O critério avalia se o aplicativo tem conjunto adequado de funções para os objetivos propostos. Como a média das respostas de todos os avaliadores para este quesito foi de 4,2 a funcionalidade foi considerada adequada. A maior oscilação entre as respostas dos especialistas foi quanto a segurança de acesso através de senhas, com desvio padrão de 0,8.

 

Confiabilidade

 

Este é importante atributo de qualidade do software. A média geral para as perguntas desta característica foi de 3,7. Isso sugere que, para os especialistas de computação, o aplicativo está suscetível à ocorrência de erros provocados por falhas.

 

Usabilidade

 

Refere-se à capacidade de o software ser facilmente compreendido e operado pelo usuário final. Sendo assim, a média de 4,8 para as respostas deste quesito apontam que o aplicativo foi considerado adequado. A maior variação nas respostas foi quanto a oferta de ajuda no próprio software. O que aponta para importância de reforço neste ponto.

 

Eficiência

 

Com a média geral de 4,2 para as questões referentes à esta característica, os avaliadores consideraram compatíveis o tempo de execução e os recursos com o nível de desempenho do aplicativo.

 

Manutenibilidade

 

Nas perguntas que se referem a esse critério, a média geral foi de 4, portanto, os especialistas em computação julgaram que o aplicativo tem a facilidade de ser modificado com a inclusão de melhorias para a correção de falhas ou mesmo implementação de novas funcionalidades.

 

Portabilidade

 

Como as respostas dos avaliadores tiveram média geral de 4,4, isso indica que, segundo os testes, o NutriCogni é capaz de adaptar-se com facilidade em outros ambientes como por exemplo novas versões ou mesmo sistemas diferentes.

 

A qualidade técnica e funcional do NutriCogni também foi avaliada por 8 nutricionistas que julgaram o sistema nos quesitos funcionalidade, confiabilidade, usabilidade e eficiência. Quanto ao perfil, a maioria dos avaliadores tinham idade entre 23 e 27 anos (75%), a maioria era do sexo feminino (87,5%). Entre os profissionais 50% possuíam graduação e 50% eram especialistas.

O formulário de avaliação também permitia respostas de 1 a 5 e pontuações iguais ou superiores a 4 foram consideradas adequadas. A partir do cálculo da média de todas as respostas por avaliador, as pontuações variaram entre 2 a 4,8. Nessa perspectiva, verificou-se que para 62,5% dos Nutricionistas o NutriCogni foi considerado adequado.

 

Tabela III - Média de todas as respostas obtidas para cada Nutricionista, n=8. Teresina/PI, 2019.

 

Fonte: Dados Pesquisa, 2019

 

Para reforçar a análise das respostas, calculou-se a média e o desvio padrão das respostas dos Nutricionistas para uma mesma questão (Tabela IV).

 

Tabela IV - Média e Desvio Padrão das respostas dos Nutricionistas para cada questão. Teresina/PI, 2019.

 

Fonte: Dados Pesquisa, 2019. Adaptado de Tibes CM (2015)

 

Para melhor entender os valores obtidos, uma análise de cada parâmetro foi realizada e está detalhada a seguir.

 

Funcionalidade

 

Este parâmetro avalia se, através dos exercícios propostos com base na fundamentação científica do Comer Intuitivo, o NutriCogni alcança a finalidade estabelecida. Tomando como base que a média das repostas de todos os avaliadores para este quesito foi de 4,1 a funcionalidade foi considerada adequada para todos os avaliadores. O desvio padrão acima de 1 para as três primeiras perguntas manifesta maior variação nas respostas o que pode indicar que nutricionistas-juízes consideraram que as funções do protótipo para identificação de padrão alimentar, avaliação de adesão ao tratamento e ferramentas de motivação devem ser repensadas para reforço da funcionalidade do aplicativo.

 

Confiabilidade

 

As perguntas avaliam critérios relativos a imprecisões do sistema. A média de 3,9 das respostas obtidas neste item indica que a confiabilidade é um ponto que deve ser potencializado, especialmente no que se refere às falhas e à informação de entrada de dados inválidos. Essa percepção é corroborada ao analisar o desvio padrão acima de 1 nas perguntas do referido tópico.

 

Usabilidade

 

A facilidade de uso obteve a média geral de 4,3, o que aponta adequação deste parâmetro. Desvio padrão acima de 1, pode sugerir a necessidade de otimizar ferramentas que permitam acesso mais simplificado.

 

Eficiência

 

A média geral de rendimento do software foi de 3,9. Com o desvio padrão acima de 1 para todas as perguntas. O resultado aponta para a importância de aperfeiçoamento no tempo de execução e recursos do software.

 

Discussão

 

As ferramentas da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) são importantes instrumentos para auxiliar na tomada de decisões em saúde por prevenir erros, facilitar respostas, e dar retorno sobre a evolução do paciente [8]. O NutriCogni é um aplicativo desenvolvido para auxiliar o nutricionista durante tratamento nutricional que tenha como foco a mudança de comportamento alimentar do paciente a longo prazo.

Quando submetido aos testes de qualidade técnica e funcional, por profissionais da saúde e tecnologia, o aplicativo foi avaliado como um dispositivo capaz de incentivar a adesão ao tratamento ao mesmo tempo em que compila informações necessárias para a tomada de decisão por parte dos profissionais. Destacam-se os resultados positivos relacionados às respostas dos nutricionistas quanto a funcionalidade do sistema, a qual foi considerada adequada pelos avaliadores

Dessa forma, a implementação de aplicativos para dispositivos móveis desponta como ferramenta promissora, uma vez que promove o acesso agilizado, disponibilidade em tempo integral, rapidez no processamento, baixo custo e retorno facilitado [9].

Baldo et al. [10] desenvolveram aplicativo para avaliação de consumo alimentar de pacientes diabéticos. O aplicativo foi avaliado por pesquisadores da área de nutrição que tiveram aceitação satisfatória do aplicativo, principalmente quanto à sua utilização, por permitir maior praticidade, facilidade e agilidade na realização da coleta de dados, frente aos métodos tradicionais de papel.

Aplicativos para avaliação de composição corporal também são desenvolvidos. Correia et al. [11] criaram um aplicativo para avaliar o estado nutricional de pacientes hospitalizados. Especialistas avaliaram o sistema como confiável e de fácil utilização na prática clínica.

Além da funcionalidade, requisitos de caráter técnico, de facilidade de uso e eficiência também foram avaliados na etapa de testes do NutriCogni. O ponto mais controverso foi quanto à confiabilidade do sistema que foi considerado inadequado pelos juízes. Este parâmetro refere-se às falhas que podem levar a erros de execução. Como próxima etapa da pesquisa sugere-se a correção e melhoria desse e demais critérios analisados.

Pesquisadores australianos, desenvolveram 4 aplicativos interligados com o objetivo de promover mudanças de hábitos alimentares e de atividade física. Depois de testes com grupos populacionais entre 18 e 35 anos, concluíram que os aplicativos para smartphone podem ser um meio inovador para promover a intervenção de mudança de comportamento de saúde individual em massa, mas os pesquisadores alertam que as pesquisas devem levar em consideração a população-alvo, as tecnologias disponíveis, os aplicativos comerciais existentes e a possibilidade de seu uso ser irregular e de curta duração [12].

Vale ressaltar que a Nutrição Comportamental ainda é uma abordagem científica recente utilizada principalmente por nutricionistas recém-formados que questionam as formas tradicionais de tratamento e buscam uma atuação mais centrada no paciente incluindo, além dos aspectos fisiológicos, os sociais e emocionais da alimentação [13]. O perfil dos nutricionistas que participaram da avaliação do NutriCogni confirma esta percepção, uma vez que a maioria tinha até 27 anos de idade e metade dos pesquisados possui apenas a graduação o que revela que estes profissionais estão no início de suas carreiras. Ainda sobre o estudo de Sarraceni [13], a pesquisa realizada com 32 nutricionistas brasileiros, concluiu que os profissionais que adotam a NC acreditam que esta seja a melhor abordagem para trabalhar com os pacientes e que estes alcançam seus objetivos de forma mais eficiente.

Dentre as técnicas mais estudadas na NC está o Comer Intuitivo. A premissa fundamental por trás da alimentação intuitiva é que, se for ouvido, o corpo intrinsecamente "conhece" a quantidade e o tipo de alimento que deve comer para manter a saúde nutricional e um peso apropriado. Este conceito é por vezes referido como "sabedoria corporal" [14]. Estudo de Tylka et al. [15] realizado nos EUA, com 190 homens e 192 mulheres, analisou como o comer intuitivo e o comer restritivo se correlacionam com a manutenção, ganho ou perda de peso. Os pesquisadores concluíram que a alimentação intuitiva foi associada à maior estabilidade de peso, enquanto que o controle rígido foi relacionado à maior instabilidade.

Para avaliar a eficácia das intervenções embasadas na ferramenta do CI no processo de mudança de comportamento alimentar de adultos realizou-se revisão sistemática da literatura recente sobre o tema. O resultado apontou que as intervenções tradicionais de promoção de uma alimentação saudável e controle de peso podem ser mais eficazes se incluírem componentes do CI como treinamento de habilidades de regulação da fome e saciedade e emoções associadas à comida. Assim, decidiu-se que o escopo científico do NutriCogni seria composto por exercícios que estimulem o paciente a se engajar em uma abordagem diferente e na qual ele é o protagonista de suas escolhas e decisões.

A NC incentiva mudanças técnicas e de comunicação em que o nutricionista deixa o modelo de atuação como prescritor de dietas, para o modelo de conselheiro nutricional, focando-se em desenvolver relação significativa com o paciente que se torna parte do processo do tratamento [2].

Durante a elaboração da revisão sistemática e do desenvolvimento do aplicativo, percebeu-se carência de publicações brasileiras sobre o desenvolvimento de aplicativos voltados para a mudança de comportamento alimentar. Espera-se que o aplicativo NutriCogni contribua para o meio científico como incentivo para que outros pesquisadores despertem para a necessidade de buscar novas ferramentas na área de TIC voltadas para a ciência da Nutrição.

Diante do oneroso e demorado processo de desenvolvimento de um aplicativo como o NutriCogni algumas limitações das etapas de construção e validação devem ser destacadas, como a impossibilidade de implementação de outras ferramentas que aumentem a eficácia do aplicativo e também a de acatar algumas sugestões dos analistas de sistemas e nutricionistas.

Sugere-se o incremento de novos exercícios, a melhoria no design com a inclusão botões que tornem o processo mais lúdico e visual. Recomendam-se também testes com pacientes e a avaliação de parâmetros como a adesão ao tratamento após a utilização do aplicativo.

 

Conclusão

 

O processo de adesão do paciente à terapia nutricional requer mais do que um nutricionista preparado e empático. Ao utilizar ferramentas de apoio, o profissional pode aproximar-se do paciente e entender suas dificuldades e limitações, o que reforça a motivação e facilita o processo de mudança de comportamento alimentar. A partir do desenvolvimento do protótipo de aplicativo de celular NutriCogni presume-se sua aplicação em diferentes contextos da abordagem com foco na NC. O nutricionista pode utilizar o sistema como ferramenta para otimizar atendimentos, uma vez que os relatórios gerados sistematizam informações. A avaliação do aplicativo desenvolvido com relação à usabilidade, funcionalidade, confiabilidade e eficiência aponta para uma possível incorporação dessa ferramenta na prática do profissional nutricionista. Espera-se que esta pesquisa forneça suporte para novos trabalhos neste campo e que os nutricionistas despertem para a necessidade de ampliar sua forma de atuação.

 

Agradecimentos

 

Agradecemos ao Centro Universitário Santo Agostinho e à colaboradora Iara Lima dos Santos, importante parceira na pesquisa. Este estudo foi realizado com financiamento próprio.

 

Referências

 

  1. Barra DCC, Paim SMS, Sasso GTMD, Colla GW. Métodos para desenvolvimento de aplicativos móveis em saúde: revisão integrativa da literatura. Texto & Contexto Enfermagem 2017;26(4). https://doi.org/10.1590/0104-07072017002260017 
  2. Alvarenga M, Antonaccio C, Timerman F, Figueiredo M. Nutrição comportamental. 2 ed. Barueri: Manole, 2019.
  3. Tribole E, Resch E. Intuitive eating: A revolutionary program that works. 2 ed. New York: St. Martin’s Griffin; 2012; 277p.
  4. Saboia DM. Construção e validação de aplicativo educativo para prevenção da incontinência urinária em mulheres após o parto. [Dissertação]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, Programa de pós-graduação em Enfermagem; 2017. 107p.
  5. Pereira CR. Aplicações web real-time com Node.js. Casa do Código; 2014.
  6. Tibes CM. Aplicativo móvel para prevenção e classificação de úlceras por pressão. [Dissertação] São Paulo: Universidade Federal de São Carlos, Programa de pós-graduação em Enfermagem; 2015. 118p.
  7. Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT NBR ISO/IEC 25062:2011. Engenharia de Software - Requisitos e avaliação de qualidade de produto de software (SQuaRe) - Formato comum da Indústria (FCI) para relatórios de teste de usabilidade; 2011.
  8. Curioni, CC, Brito, FDSB, Boccolini, CS. O uso de tecnologias de informação e comunicação na área da nutrição. Jornal Brasileiro de Telessaúde 2013;2(3):103-11. https://doi.org/10.12957/jbrastele.2013.8630 
  9. Guillén S, Sanna, A, Ngo J, Meneu T, Del Hoyo E, Demeester M. New technologies for promoting a healthy diet and active living. Rev Nutr 2009;6:107-10. https://doi.org/10.1111/j.1753-4887.2009.00171.x 
  10. Baldo C, Zanchim MC, Kirsten VR, De Marchi ACB. Diabetes Food Control – Um aplicativo móvel para avaliação do consumo alimentar de pacientes diabéticos. Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde 2015;9(3). https://doi.org/10.29397/reciis.v9i3.1000 
  11. Correia, RD, Chiari, NS, Alves, D, Navarro, AM. Nutrimobile: um sistema de avaliação do estado nutricional de pacientes hospitalizados para dispositivos móveis. Revista Brasileira de Inovação Tecnológica em Saúde 2013:3(3). https://doi.org/10.18816/r-bits.v3i3.3552 
  12. Hebden L, Cook A, van der Ploeg HP, Allman-Farinelli M. Development of smartphone applications for nutrition and physical activity behavior change. JMIR research protocols 2012;1(2):e9. https://doi.org/10.2196/resprot.2205 
  13. Sarraceni A. Percepção dos profissionais a respeito da prática clínica embasada na nutrição comportamental, SP. [Monografia]. Araçatuba: Centro Universitário Toledo; 2018.
  14. Van Dyke N, Drinkwater EJ. Review article relationships between intuitive eating and health indicators: literature review. Public Health Nutrition 2014;17:8:1757-66. https://doi.org/10.1017/s1368980013002139 
  15. Tylka TL, Calogero RM, Daníelsdóttir S. Intuitive eating is connected to self-reported weight stability in community women and men. Eating disorders 2019:1-9. https://doi.org/10.1080/10640266.2019.1580126