REVISÃO

Vitamina E no tratamento da esteatose hepática não alcóolica: uma revisão integrativa

Vitamin E in the treatment of non-alcoholic liver steatosis: an integrative review

 

Monique da Silva Rocha*, Luana Rafaela Liarte da Silva*, Thaís Rodrigues Nogueira**, Betânia de Jesus e Silva de Almendra Freitas, D.Sc.***

 

*Graduanda em Nutrição, Departamento de Nutrição, Universidade Federal do Piauí - UFPI, **Mestranda em Alimentos e Nutrição, Departamento de Nutrição, UFPI, ***Professora, Departamento de Nutrição, UFPI

 

Recebido 8 de março de 2020; aceito 30 de março de 2020.

Correspondência: Thaís Rodrigues Nogueira, Departamento de Nutrição, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, s/n, Ininga 64049-550 Teresina PI Brasil  

 

Monique da Silva Rocha: monique.srocha1@hotmail.com

Luana Rafaela Liarte da Silva: luanaliarte12@gmail.com

Thaís Rodrigues Nogueira: thaisnogueiranutri@gmail.com

Betânia de Jesus e Silva de Almendra Freitas: betaniafreitas2004@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: A Doença Hepática Gordurosa Não-Alcoólica (DHGNA) é definida pelo acúmulo de gordura nos hepatócitos na ausência de ingestão alcoólica e tem sido apontada como a principal causa de doença hepática crônica. A vitamina E, nesse contexto, é evidenciada como nutriente potencial para redução de danos hepáticos na DHGNA. Objetivo: Investigar por meio da revisão da literatura científica o papel da vitamina E no tratamento da DHGNA. Metodologia: Trata-se de revisão integrativa realizada pela busca de artigos publicados nas bases de dados PubMed e Medline, nos idiomas Português e Inglês, entre 2010 e 2019. Resultados: Dentre os estudos compilados, 71,4% (n=5) demonstraram que a utilização da vitamina E como terapia antioxidante, foi eficaz para a redução da progressão do NASH; e 28,6% (n=2) dos artigos, apontou para a melhora do quadro clínico inflamatório entre os pacientes. Conclusão: Apesar dos achados, não foi possível fundamentar os efeitos benéficos ou prejudiciais na relação da vitamina E e a DHGNA, o que aponta para a necessidade de realização de mais estudos que investiguem doses diferentes e com maior tempo de intervenção e acompanhamento.

Palavras-chave: antioxidantes, doença hepática, vitaminas.

 

Abstract

Introduction: Non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD) is defined by the accumulation of fat in hepatocytes in the absence of alcoholic intake and has been identified as the main cause of chronic liver disease. In this context, vitamin E is evidenced as a potential nutrient for reducing liver damage in NAFLD. Objective: To investigate through the review of scientific literature the role of vitamin E in the treatment of NAFLD. Methodology: This is an integrative review carried out by searching for articles published in the PubMed and Medline databases, in Portuguese and English, between 2010 and 2019. Results: Among the studies compiled, 71.4% (n = 5) demonstrated that the use of vitamin E as an antioxidant therapy was effective in reducing the progression of NASH; and 28.6% (n = 2) of the articles, pointed to the improvement of the inflammatory clinical picture among the patients. Conclusion: Despite the findings, it was not possible to substantiate the beneficial or detrimental effects on the relationship between vitamin E and NAFLD, which points to the need for further studies to investigate different doses and with longer interventions and follow-up.

Keywords: antioxidants, liver disease, vitamins.

 

Introdução

 

Nos últimos anos, a prevalência da Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA) aumentou consideravelmente tanto nos países em desenvolvimento, como nos desenvolvidos. A prevalência mundial variou de 3% a 45% na população geral e aumentou em indivíduos com obesidade e diabetes. Nos Estados Unidos, cerca de 75 a 100 milhões de pessoas sofrem de DHGNA e na China, a prevalência de DHGNA era entre 6,19% e 38,24% [1].

O aumento no número de casos da doença tem sido relacionado a instalação do microambiente inflamatório, definido por mecanismos complexos e característicos da patogênese da DHGNA, como: o acúmulo de gordura, a resistência à insulina e a inflamação. De modo complementar, relata-se ainda espécies reativas de oxigênio (EROs) quando ativadas, que induzem o estresse oxidativo e contribuem para progressão da doença [2].

O estresse oxidativo instaura-se pela geração aumentada de ERO, bem como por defeitos nos mecanismos de defesa redox que envolvem glutationa (GSH), catalase ou superóxido dismutase (SOD), e induz vários eventos relacionados não apenas à progressão da NASH, como à carcinogênese, danos ao DNA, remodelação tecidual e alterações na expressão gênica [3].

Nesse contexto, os estudos apontam para atuação de antioxidantes intra-hepáticos, a exemplo do β-caroteno, vitamina C e especialmente a vitamina E, que participa da desativação das EROs, e consequentemente, reduz os processos oxidativos [2]. Além disso, a terapia antioxidante que considera a utilização de vitamina E, minimiza processos tumorigênicos, inflamatórios e principalmente os mecanismos patofisiológicos envolvidos na NASH [4].

Muitas lesões hepáticas características da DHGNA são limitadas devido as potentes propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes da vitamina E. Estruturalmente o nutriente é composto por oito isoformas: quatro tocoferóis (alfa, beta, gama e delta) de cadeia lateral saturada e quatro tocotrienóis (alfa, beta, gama e delta), de cadeia lateral insaturada. Na relação com a DHGNA, a literatura aponta que cadeias laterais não saturadas demonstram mais eficiência na penetração de tecidos com camadas de gordura saturada, a exemplo dos hepáticos. Logo, a vitamina E na sua isoforma tocotrienol pode ter melhor desempenho na DHGNA [5].

Desta forma, o presente estudo objetivou investigar na literatura o conhecimento atual sobre o papel da vitamina E no tratamento da DHGNA. Este estudo justifica-se pelo crescente número de pessoas com DHGNA, e por contribuir para o aumento do conhecimento sobre a participação funcional da vitamina E na terapia de pacientes acometidos com essa patologia, bem como, a sintomatologia e surgimento de comorbidades associadas.

 

Metodologia

 

Fonte e Seleção dos dados

 

Este estudo constitui uma revisão integrativa da literatura realizada no período de outubro a novembro de 2019, e conduzida utilizando as seguintes etapas: escolha do tema, definição dos critérios de elegibilidade, caracterização dos estudos, análise dos resultados (identificando semelhanças e conflitos), apresentação e discussão dos achados da revisão [6].

A busca foi direcionada por consulta as bases de dados PubMed e Medline, considerando publicações entre os anos de 2009 a 2019, nos idiomas português e inglês. A questão norteadora foi definida com o propósito de responder a pergunta: “Qual o papel da vitamina E no tratamento de pacientes com DHGNA?".

Utilizaram-se como descritores do Medical Subject Heading (MeSH): Vitamin E, Antioxidants, Fatty Liver, Non-AlcoholicNutrition Therapy, e dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Vitamina E, Antioxidantes, Esteatose hepática não alcóolica, Terapia Nutricional.

Os critérios de elegibilidade consideraram pesquisas originais do tipo transversal, caso-controle, caso-comparativo, coorte, longitudinal, prospectivo, realizadas em humanos adultos. Foram definidos como inelegíveis os estudos de revisão de literatura, meta-análise e sistemáticas, dissertações, teses, editoriais, diretrizes clínicas, bem como, pesquisas que tangenciavam a temática proposta.

 

Caracterizações dos estudos

 

A pesquisa bibliográfica identificou artigos potencialmente relevantes nas bases de periódicos investigadas. A busca preliminar resultou em 219 artigos, sendo que destes apenas 29 artigos foram selecionados para leitura na integra. Os motivos mais comuns para exclusão foram: estudos realizados em população não adultas, artigos de revisão, estudos associados a polimorfismo, experimentais realizados em animais e pesquisas que abordavam outras vitaminas antioxidantes. Por fim, foram incluídos 7 artigos para análise na revisão integrativa. O processo de seleção dos artigos, de acordo com a base de dados, está apresentado esquematicamente abaixo (Figura 1).

 

 

Figura 1 - Fluxograma de identificação, seleção e inclusão dos estudos. Teresina, 2019.

 

Resultados

 

O levantamento bibliográfico recuperou 219 resultados e mediante a aplicação dos critérios de elegibilidade e inelegibilidade previamente definidos, 211 foram excluídos após a leitura prévia dos títulos, resumo e/ou integral dos artigos. Os 7 artigos restantes compuseram o corpus de análise da presente revisão. Os artigos selecionados caracterizam-se como estudos de intervenção e em todos buscou-se avaliar os efeitos da administração da Vitamina E no tratamento da Esteatose Hepática Não Alcóolica.

No Quadro 1 estão sintetizadas as principais informações dos estudos selecionados que incluem: Autor e ano; desenho metodológico; caracterização da amostra (tamanho, população e idade); intervenção e principais resultados/conclusões.

Na presente revisão integrativa, analisou-se sete artigos que atenderam aos critérios de inclusão previamente estabelecidos e, a seguir, constam compiladas as principais informações dos estudos avaliados. Os artigos avaliados foram desenvolvidos em clínicas gerais, centros médicos e instituto de atendimento terciário. Quanto ao tipo de delineamento de pesquisa, evidenciou-se, na amostra: um estudo piloto, duplo-cego, controlado e randomizado, dois estudos prospectivo, randomizado, duplo-cego, um estudo transversal, e quatro estudos prospectivo e randomizado. O quadro 1 abaixo detalha as informações resgatadas nos sete artigos selecionados.

 

Quadro 1 - Principais características e desfechos referentes aos estudos compilados. Teresina, 2019. (ver anexo em PDF)

 

Discussão

 

No estudo de Pervez et al. [5] foi observado que a suplementação com δ-Tocotrienol mostrou-se eficaz na melhora dos níveis de amino transferase e dos marcadores de estresse inflamatório e oxidativo em pacientes com DHGNA, porém não melhorou a esteatose hepática no exame ultrassonográfico. 

Orlandi [13] verificou que alguns estudos analisados, demonstraram melhora significativamente estatística no escore de atividade inflamatória da EHNA e diminuição das transaminases hepáticas, enquanto outros ensaios não apresentaram diferenças estatísticas entre o grupo controle. As divergências de estudo podem ter surgido devido às desigualdades entre os critérios de inclusão e ao menor número de pacientes atribuídos a cada tratamento.

Nos trabalhos de Hoofnagle et al. [9] e Anushiravani et al. [7] em terapia com vitamina E, verificou-se melhorias nos níveis séricos de amino transferase e diminuições dos valores de ALT, sem exercer efeitos colaterais específicos, onde, geralmente estão associadas à melhora histológica na atividade da doença.

Aller et al. [14] demonstraram que o tratamento com silimarina associada à vitamina E e à dieta hipocalórica melhora o teste hepático da função e o teste não invasivo de DHGNA, e essa alteração também está presente em pacientes sem perda de 5% de peso. A modificação do estilo de vida continua sendo um tratamento válido para esses pacientes.

Resultados positivos também foram encontrados no estudo de Pietu et al. [11], no qual, a combinação de UDCA com vitamina E melhorou significativamente os testes de função hepática a longo prazo e foi muito bem tolerada. Em trabalhos em que houve combinação de vitamina E e pioglitazona de Sanyal et al. [12] a vitamina E foi superior ao placebo no tratamento da esteato-hepatite não alcoólica e não houve benefício da pioglitazona sobre o placebo no desfecho primário, porém, benefícios significativos da pioglitazona foram observados em alguns dos desfechos secundários.

No estudo de Kim et al. [15] onde uma coorte retrospectiva foi construída com a recuperação de 526 pacientes com DHGNA. Para avaliar o efeito da vitamina E, a correspondência do escore de propensão foi usada pela comparação de covariáveis entre pacientes controle (n = 250) e pacientes que receberam vitamina E (n = 85). Os autores verificaram que o tratamento a curto prazo com vitamina E melhora significativamente os níveis das enzimas hepáticas em pacientes com DHGNA.

Semelhantemente, outras literaturas, a exemplo do estudo de Presa et al. [16] observou que a vitamina E teve destaque no tratamento da DHGNA, e Viana et al. [17], demonstrou que a sua ingestão foi correlacionada com o estado nutricional e o status oxidativo de pacientes hepáticos transplantados.

 

Conclusão

 

Concluiu-se que a maioria dos estudos demonstra correlação entre a melhora dos marcadores de progressão da DHGNA e o tratamento pela administração de vitamina E nesses pacientes. Além disso, foi possível observar mudanças positivas nos níveis séricos de alanina aminotransferase e de características histológicas de inflamação lobular e lesão hepatocelular.

Apesar destes achados, não é possível fundamentar os potenciais efeitos benéficos ou prejudiciais na relação da vitamina E e a DHGNA a médio e longo prazo, o que aponta para a necessidade de realização de mais estudos que investiguem doses diferentes e com maior tempo de intervenção e acompanhamento.

 

Referências

 

  1. Wei J et al. Association between dietary vitamin C intake and non-alcoholic fatty liver disease: a cross-sectional study among middle-aged and older adults Plos One 2016;1(1):1-10. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0147985
  2. Mazidi M, Huybrechts I, Kengne AP. Associations between serum lipophilic antioxidants levels and nonalcoholic fatty liver disease are moderated by adiposity. Eur J Clin Nutr 2019;73(7):1088-90. https://doi.org/10.1038/s41430-019-0413-1
  3. Simas LAW, Granzoti RO, Porsch L. Estresse oxidativo e o seu impacto no envelhecimento: uma revisão bibliografica. Braz J Nat Sci 2019;2(2):80-5. https://doi.org/10.31415/bjns.v2i2.53
  4. Uchida D, Takaki A, Adachi T, Okada H. Beneficial and paradoxical roles of anti-oxidative nutritional support for non-alcoholic fatty liver disease. Nutrients 2018;10(8):977-91. https://doi.org/10.3390/nu10080977
  5. Pervez MA, Khan DA, Ijaz A, Khan S. Effects of delta-tocotrienol supplementation on liver enzymes, inflammation, oxidative stress and hepatic steatosis in patients with nonalcoholic fatty liver disease. Turk J Gastroenterol 2018;29(2):170-6. https://doi.org/10.5152/tjg.2018.17297
  6. Mowbray PK, Wilkinson A, Tse HHM. An integrative review of employee voice: identifying a common conceptualization and research agenda. Int J Manage Rev 2014;16(3):1-19. https://doi.org/10.1111/ijmr.12045
  7. Anushiravani A, Haddadi N, Pourfarmanbar M, Mohammadkarimi V. Treatment options for nonalcoholic fatty liver disease: a double-blinded randomized placebo-controlled trial. Eur J Gastroenterol Hepatol 2019;31(5):613-7. https://doi.org/10.3410/f.726337644.793518074
  8. Ivancovsky-Wajcman D, Fliss-Isakov N, Salomone F, Webb M, Shibolet O, Kariv R et al. Dietary vitamin E and C intake is inversely associated with the severity of nonalcoholic fatty liver disease. Digestive and Liver Disease 2019;51(12):1698-705. https://doi.org/10.1016/j.dld.2019.06.005
  9. Hoofnagle JH, Van Natta ML, Kleiner DE, Clark JM, Kowdley KV, Loomba R et al. Vitamin E and changes in serum alanine aminotransferase levels in patients with non-alcoholic steatohepatitis. Aliment Pharmacol Ther 2013;38(2):134-43. https://doi.org/10.1111/apt.12352
  10. Yoshio S, Yuji N, Saiyu T, Kyoko S, Yutaka I, Hiroyoshi, T. et al. Long-term (≥ 2 year) efficacy of vitamin E for non-alcoholic steatohepatitis. Hepatogastroenterology 2013;60(126):1445-50.
  11. Pietu F, Guillaud O, Walter T, Vallin M, Hervieu V, Scoazec JY et al. Ursodeoxycholic acid with vitamin e in patients with nonalcoholic steatohepatitis: Long-term results. Clin Res Hepatol Gastroenterol 2012;36(2):146-55. https://doi.org/10.1016/j.clinre.2011.10.011
  12. Sanyal AJ, Chalasani N, Kowdley KV, McCullough A, Diehl AM, Bass NM et al. Pioglitazone, vitamin E, or placebo for nonalcoholic steatohepatitis. N Engl J Med 2010;362:1675-85. https://doi.org/10.1056/nejmoa0907929
  13. Orlandi MWA. Efeitos da suplementação de vitamina E e Vitamina C na doença hepática gordurosa não alcoólica. International Journal of Nutrology 2018;11(S01):S24-S327. https://doi.org/10.1055/s-0038-1674645
  14. Aller R, Laserna C, Rojo MÁ, Mora N, García Sánchez C, Pina M et al. Role of the PNPLA3 polymorphism rs738409 on silymarin + vitamin E response in subjects with non-alcoholic fatty liver disease. Rev Esp Enferm Dig 2018;110(10): 634-640. https://doi.org/10.17235/reed.2018.5602/2018
  15. Kim GH, Chung JW, Lee JH, Ok KS, Jang ES, Kim J et al. Effect of vitamin E in nonalcoholic fatty liver disease with metabolic syndrome: A propensity score-matched cohort study. Clin Mol Hepatol 2015;21(4):379-86. https://doi.org/10.3350/cmh.2015.21.4.379
  16. Presa N, Clugston RD, Lingrell S, Kelly SE, Alfred H, Merrill Jr, Jana S et al. Vitamin E alleviates non-alcoholic fatty liver disease in phosphatidylethanolamine N-methyltransferase deficient mice. Biochim Biophys Acta Mol Basis Dis 2019;1865(1):14-25. https://doi.org/10.1016/j.bbadis.2018.10.010
  17. Viana ACC, Maia FMM, Carvalho NSC, Morais SR, Bezerra NA, Mendonça PS et al. Correlação entre avaliação nutricional e estresse oxidativo em candidatos ao transplante hepático. Einstein (São Paulo) 2020;18:1-6. https://doi.org/10.31744/einstein_journal/2020ao403