ARTIGO ORIGINAL

Importância da higienização das mãos: pesquisa observacional em restaurante de autosserviço

Importance of hand hygiene: observational study in self-service restaurant

 

Nevilde Maria Riselo Sales, B.Sc.*, Delbia d’Arc Partridge, B.Sc.**, Patrícia Barbosa Pelegrini, D.Sc.***, Cláudia Ribeiro Borges Silva, B.Sc.****

 

*Nutricionista, Membro do Conselho de Alimentação escolar (CAE)/DF, Estagiária em pesquisa no Cenargen/EMBRAPA/DF, **Nutricionista pela Faculdade Alvorada de Educação Física e Desportos/DF, ***Biomédica pela Pontifícia Católica de Goiás, Diretora de Tecnologia e Projetos pela BioLife Brasil Ltda/GO, ****Nutricionista, Supervisora de estágios na área de nutrição em Unidade Alimentação e Nutrição (UAN) da Faculdade Alvorada de Educação Física e Desportos

 

Recebido 9 de janeiro de 2014; aceito 15 de dezembro de 2015

Endereço para correspondência: BioLife Brasil, Distrito Agroindustrial de Formosa, Quadra 01, Lotes 19 e 20 Formosa GO, E-mails: Nevilde Maria Riselo Sales, nevilderiselo@yahoo.com.br, Delbia d’Arc Partridge, delbiadarc@gmail.com, Patrícia Barbosa Pelegrini, patricia@biolifebrasil.com.br, Cláudia Ribeiro Borges Silva, julia_primas@yahoo.com.br

 

Resumo

A maior causa de doenças transmitidas por alimentos (DTA) é a contaminação por falta de higiene dos manipuladores e, em alguns casos, dos consumidores. Entre os vários locais propensos a este tipo de contaminação, os restaurantes self-service são os de maior preocupação. As mãos sujas ou mal lavadas, principalmente dos comensais que utilizam os mesmos talheres para se servirem, são o principal foco de contaminação, pondo em risco a saúde de todas as outras pessoas que se alimentam no local. Assim, foi feita uma pesquisa observacional em restaurante de autosserviço do Distrito Federal onde foi observado este comportamento de risco dos comensais durante 10 dias, divididos em dois grupos de 5 dias. No primeiro, sem cartazes sobre a importância da higienização das mãos antes de servir-se no balcão de alto atendimento e, na semana seguinte, com cartazes e folders sobre o assunto, distribuídos em locais estratégicos. Concluímos que, uma educação nutricional sobre a importância de se lavar as mãos adequadamente antes de se servir em restaurantes de autosserviço se faz necessária urgentemente, a fim de prevenir surtos de DTA.

Palavras-chave: DTA, alimentação, intoxicação alimentar, higienização das mãos.

 

Abstract

The main cause of diseases transmitted through food (DTF) is the contamination due to lack of hygiene by the handlers and, in some cases, by the consumers. Among several locations where this contamination can occur, buffet restaurants are on the first place. Dirty and not-well washed hands, especially from people who use the tableware in these restaurants, are the most concerning contamination reasons, risking the health of other consumers that eat at the same place. Hence, this study was an observational research in a self-service restaurant at the Federal District where these behavior risks were observed during 10 days, divided into two groups of 5 days. At first, no posters about the importance of hygiene of the hands were placed in the self-service area, and during the next week, posters and brochures on the subject were distributed in strategic locations of the restaurant. Therefore, it was concluded that a nutritional education about the relevance of washing hands properly before serving at a self-service restaurant is urgently needed in order to prevent DTF.

Key-words: DTF, feeding, food intoxication, hands washing.

 

Introdução

 

Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas [1], em 2012, foram servidas 11 milhões de refeições/dia, gerando um faturamento de 14,7 bilhões de reais/ano [1]. No mundo todo, as doenças transmitidas por alimentos, mais especificamente as diarreicas, são um causa importante de morbidade e mortalidade. Há, portanto, uma forte necessidade de reforçar os sistemas de vigilância de doenças transmitidas por alimentos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolve estratégias globais para reforçar a vigilância das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs) [2].

Os micro-organismos estão espalhados por todo o nosso corpo. A maior concentração está nas mãos (inclusive unhas), no nariz, na boca, nos cabelos, nas fezes, no suor e no sapato [3]. Dentre os principais transmissores das DTA, no Brasil, estão a Escherichia coli, Salmonella sp., Shigella sp.; Clostridium perfringens; Staphylococcus aureus; Bacillus cereus [4]. A maioria dos casos de DTAs aconteceu na Região Sul do Brasil, conforme verificado na Figura 1, seguido pela Região Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte [4]. Atualmente são conhecidos mais de 250 tipos de DTA, a grande maioria são infecções causadas por bactérias e suas toxinas, vírus e parasitas. Elas também podem ser causadas por toxinas naturais presentes em certos tipos de alimentos como cogumelo, algas. Os principais sintomas são: falta de apetite, náuseas, vômitos, diarreia, dores abdominais e febre. Podem ainda ocorrer afecções em diferentes órgãos do corpo como no fígado e nas terminações nervosas [4].

 

 

Figura 1 - Distribuição dos surtos conforme Região. Brasil, 2000 – 2011 [5].

 

Dentre os alimentos que causaram a grande maioria dos surtos das DTA, estão os ovos e produtos à base de ovos, alimentos mistos, doces e sobremesas, leite e derivados, carne bovina, suína e de frango, hortaliças, cereais e produtos à base de cereais, conforme dados divulgados pelo Ministério da saúde, Figura 2 [5]. Os principais locais onde ocorreram os surtos de DTA foram: residências (3746 casos); restaurantes e padarias (1296 casos); creche e escolas (657 casos) e eventos (255 casos) [5]. As tendências mundiais mais recentes, no que se refere à segurança alimentar, vão desde a produção até a distribuição dos alimentos, isto é, o acompanhamento começa com o produtor da matéria-prima e chega até o consumidor final do produto. Estes acompanhamentos têm como objetivo identificar pontos críticos onde possa ocorrer a contaminação dos mesmos [2].

 

 

Figura 2 - Classes de alimentos envolvidos nos surtos alimentares. Brasil, 2000 – 2011 [5].

 

 

Entende-se como contaminante qualquer substância, não intencional, adicionada à alimentação [6]. Estas substâncias podem ser: químicas [2] (produtos como aditivos alimentares, metais, pesticidas e toxinas [7]); físicas [2] (produtos como pedaços de vidro, pedras, ossos e plásticos [7]); biológicas [2] (micro-organismos, vírus, bactérias, fungos, parasitas e toxinas microbianas [7]) e/ou como um resultado à exposição ao meio ambiente [2].

A pele das mãos alberga duas populações de micro-organismos: a transitória e a residente. A residente é considerada de baixa virulência e é constituída principalmente por estafilococos, corinebactérias e mocrococos e colonizam as camadas mais internas da pele. A transitória é composta pelas bactérias Gram-negativas como a Escherichia coli sp., bactérias não fermentadoras como as Pseudomonas sp. além de fungos e vírus [8].

Segundo as Resoluções 275/2002 e a 216/2004 a antissepsia é definida como a operação que visa à diminuição dos microrganismos presentes na pele em níveis seguros, nas mãos, isto acontece durante a higienização com sabonete antisséptico e/ou por uso de algum agente antisséptico após a lavagem e secagem das mesmas [3,9]. Higienização das mãos é uma medida individual, simples, barata e eficaz, cujo objetivo é prevenir a propagação das doenças infecciosas removendo os micro-organismos que colonizam as camadas superficiais da pele, pois, as mãos são as principais vias de transmissão [8]. Os micro-organismos patógenos podem ser transferidos de um alimento para outro diretamente, através de utensílios contaminados, por manipuladores de alimentos, por superfícies de contato ou ainda pelo ar [8].

As mãos devem ser lavadas constantemente, os manipuladores devem lavar as mãos ao chegar ao trabalho, antes e após manipular alimentos, após qualquer interrupção do serviço, após tocar materiais contaminados, após ir ao banheiro, passar a mão no cabelo e/ou em qualquer parte do corpo/roupa [3,9]. A legislação vigente orienta que devem ser colocados cartazes de orientação sobre a maneira correta da higienização e antissepsia das mãos em locais de fácil visualização como, por exemplo, logo acima dos lavatórios [3]. A higienização correta das mãos é uma das melhores formas de evitar a contaminação dos alimentos por micróbios patogênicos. A grande maioria da população gasta apenas 10 segundos para lavá-las, quando o correto, para esfregar todas as partes, seria 20 segundos ou mais [3].

Na meta-análise feita sobre pesquisas realizadas, entre 2007/2012, sobre o tema no Brasil, mostrada na Tabela I, foi verificado que vários estudos foram feitos sobre o assunto, e que, na grande maioria dos mesmos, foi observada a falta e/ou a ineficiente higienização das mãos feita por profissionais da área da saúde, profissionais que trabalham em restaurantes e dos comensais.

 

Tabela I - Meta-análise sobre os estudos realizados no Brasil sobre a Higienização das Mãos de 2007 a 2012.

 

 

Material e métodos

 

O objetivo deste trabalho foi avaliar quantos comensais dirigiam-se ao lavatório existente próximo ao buffet de um restaurante do tipo self-service para higienização das mãos sem cartazes e/ou folders e quantos comensais seriam influenciados pelos cartazes e folders para fazerem a higienização das mãos, após a fixação dos mesmos. A contagem dos comensais foi feita em duas etapas: nos primeiros cinco dias, não havia cartazes e/ou folders sobre o assunto. Do sexto ao décimo dia, foram afixados cartazes em pontos estratégicos do restaurante e distribuídos folders aos comensais sobre a importância da higienização das mãos, porém, não foram feitas prelações orais. Dessa forma, foi realizada uma pesquisa observacional dos comensais (somente adultos) e dos manipuladores de alimentos em um restaurante self service (restaurante de autosserviço) de cardápio médio que atende, em média, 400 refeições/dia, localizado em Brasília/DF. Durante duas semanas, no período de 16/04/2012 à 27/04/2012 das 11:30 às 12:30 horas, três nutricionistas ficaram posicionadas em um ponto estratégico do restaurante, onde observaram e contaram quantos comensais, que entravam, dirigiam-se ao lavatório existente próximo ao Buffet e/ou ao toilette. Os dados numéricos foram analisados pela utilização da estatística referencial do Teste T, com nível de 1% de significância (p = 0,001). Os estudos teóricos foram realizados através de pesquisa sobre o tema em sites como o da ANVISA, do Ministério da Saúde, entre outros, usando palavras-chaves como DTAs, higienização das mãos e restaurantes de autosserviço.

 

Resultados

 

Nos primeiros 5 dias foi observado que apenas 5 comensais higienizaram as mãos antes de se servirem no balcão de autosserviço, média de um ao dia. Na segunda semana, após a fixação de cartazes e de distribuição de folders, foi observado um aumento no número de comensais que se dirigiu ao lavatório e ao toilette para fazer a higienização das mãos, no total foram 70 pessoas, média diária de 14 clientes, conforme tabela II, abaixo.

 

Tabela II - Dados coletados nos primeiros 5 dias de observação e nos 5 dias da semana seguinte.

 

 

Com base nestes dados coletados nos cinco dias, deseja-se investigar se a fixação de cartazes educativos tem influência na média de higienização das mãos pelos comensais.

 

H0: µ = 1

H1: µ > 1

 

Onde:

H0: µ da população total lavar as mãos quando não há cartaz

H1: µ da população total lavar as mãos quando há cartaz

 

Para isso submetemos os dados ao Teste T, ao nível de 1% de significância (? = 0,001) e para o qual temos um valor crítico t4;1% = 3,747.

 

O teste mostrou como resultado t = 7,92 (conforme Gráfico 1) o que corresponde a probabilidade P = 0,0007 (0,07%) de a hipótese H0 ser verdadeira. Portanto, rejeita-se H0, ou seja, a evidência amostral indica, ao nível de 1% de significância, que a fixação de cartazes educativos tem influência na média de higienização das mãos pelos comensais.

 

 

Gráfico 1 - Gráfico de Distribuição Normal do Teste T.

 

Discussão

 

Verificamos que a maioria dos clientes, por desconhecimento dos riscos de contaminação dos alimentos devido às mãos sujas, e/ou por hábitos/costumes, não lavavam as mãos antes de se servirem no buffet. Este descuido dos mesmos pode levar a uma contaminação dos alimentos servidos no balcão de autosserviço, primeiramente dos talheres que, ao entrarem em contato com os alimentos, também pode contaminá-los. Após a fixação de cartazes/folders houve um aumento significativo no número de comensais que higienizaram as mãos antes de servirem-se no balcão de autosserviço. Todavia, estudos anteriores indicam que o risco de contaminação e, consequentemente, de um surto de DTA existem, e que estão muito próximos de toda a população que utiliza este tipo de serviço.

 

Conclusão

 

Após análise dos dados coletados, conclui-se que uma educação nutricional sobre a importância de se lavar as mãos, quando feita adequadamente, apresenta resultados positivos. Esta educação se faz necessária urgentemente, não apenas para os manipuladores de alimentos, mas também, para a população em geral. Isso se deve principalmente às pessoas que, por causa de sua rotina diária, normalmente almoçam em restaurantes de autosserviço e que, por falta de conhecimento dos riscos e ou por hábito, servem-se usando talheres comuns, sem ter a preocupação de lavar as mãos antes. Higienizar as mãos é uma medida simples, mas que pode evitar surtos/casos de DTA, em restaurante/casa/trabalho.

 

Agradecimentos

 

A administradora do Restaurante La Famiglia Grill (SERPRO/DF) Srta Viviane Amaral Buani e a toda a sua equipe; ao Sr. Stanley Andreato Sales, Analista de Sistema/Especialista em Mainframe.

 

Referências

 

  1. Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas. História e Mercado: Disponível em: http://www.aberc.com.br/conteudo.asp?IDMenu=18. [citado 2013 jul 1].
  2. World Health Organization. ¿Qué está haciendo la OMS para ayudar a los países a mejorar la inocuidad de los alimentos? [citado 2013 jul 1]. Disponível em http://www.who.int/features/qa/19/es/.
  3. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Cartilha sobre Boas Práticas para Serviços de Alimentação. Resolução-RDC nº 216/2004. [citado 2013 jun 30]. Disponível em http://www.anvisa.gov.br/divulga/public/alimentos/cartilha_GICRA_final.pdf.
  4. Brasil. Portal da Saúde. Doenças transmitidas por alimentos. [citado 2013 mar 20]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1550.
  5. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Dados Epidemiológicos – DTAS, período de 2000 a 2011. [citado 2013 mai 25]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/dados_dta_periodo_2000_2011_site.pdf.
  6. World Health Organization; Food and Agriculture Organization of the United Nations. Codex Alimentarius. [citado 2013 jul 1]. Disponível em http://www.fao.org/docrep/012/i1400e/i1400e.pdf.
  7. Framegas DPDF. Impacto da contaminação de alimentos prontos a comer na Saúde Pública. Portugal: Universidade de Aveiro, Departamento de Química; 2012. 96 p.
  8. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Higienização das mãos em serviços de saúde. Brasília, 2007, 52 p.
  9. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002. 20 p.
  10. Almeida GL, Costa SRR, Gaspar A. A questão da gestão da segurança de alimentos em restaurantes comerciais do tipo self-service.: GEPROS. Gestão da Produção, Operações e Sistemas 2010;5(2):11-26.
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