ARTIGO ORIGINAL

Comparação de boas práticas em estabelecimentos com e sem nutricionista

Comparison of good practices in companies with and without nutritionist

 

Larissa Fernanda Volpini-Rapina, M.Sc.*, Tainara Costa-Singh, M.Sc.*, Jéssica Aparecida dos Santos**

 

*Nutricionista, Mestre e Doutoranda em Engenharia e Ciência de Alimentos UNESP São José do Rio Preto e docente do Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva – IMES, Catanduva/SP, **Nutricionista graduada pelo Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva – IMES, Catanduva/SP

 

Recebido 20 de maio de 2014; aceito 15 de dezembro de 2015

Endereço para correspondência: Larissa Fernanda Volpini Rapina, Rua Venezuela, 206 Vila Amêndola 15800-390 Catanduva SP, Email: lrvolpini@ig.com.br, tay_costa@yahoo.com.br

 

Resumo

Elaboração de um questionário de boas práticas de manipulação e aplicação em funcionários de unidades produtoras de alimentos com e sem responsável técnico no local, visando comparar e avaliar os resultados. O questionário foi composto por 10 questões de múltipla escolha elaboradas com base no Manual de Boas Práticas de Manipulação de Alimentos, onde os entrevistados optaram por uma das alternativas. Através da análise dos resultados submetidos aos cálculos de média, desvio-padrão e Análise de Variância (ANOVA), pôde-se verificar uma relevante diferença entre as unidades produtoras de alimentos no uso das boas práticas de manipulação, onde são dificilmente seguidas pelos funcionários de locais que não tem responsável técnico. A presença do responsável técnico é fundamental na garantia da produção de alimentos seguros em termos de higiene. A falta de responsável técnico e treinamento dos manipuladores resultam em práticas errôneas que colocam em risco a saúde da população.

Palavras-chave: segurança alimentar, manipuladores, responsável técnico.

 

Abstract

Development of a questionnaire for the best manufacturing practices and implementation staff in food -producing units with and without technical manager on site, in order to compare and evaluate the results. The questionnaire consisted of 10 questions of multiple-choice prepared based on Good Practice Handbook of Food Handling, where respondents chose one of the alternatives. The analysis of the results submitted to the calculations of mean, standard deviation and analysis of variance (ANOVA), it was verified a significant difference between the units producing food in the use of good manufacturing practices , which are hardly followed by local officials who do not have technical responsibility. The presence of the responsible technician is critical in ensuring safe food production in terms of hygiene. The lack of technical responsibility and training of handlers result in erroneous practices that put people's health at risk.

Key-words: food security, handlers, technical manager.

 

Introdução

 

O alimento é essencial, tanto para o crescimento como para a manutenção da vida, mas não podemos esquecer que também pode ser responsável por doenças [1]. As mudanças nos hábitos de vida da população atingiram diretamente os hábitos alimentares. Fatores como a correria do dia a dia, o aumento do índice de emprego junto com a crescente profissionalização das mulheres causando o distanciamento de atividades tradicionalmente desenvolvidas no lar somente pelo sexo feminino, a elevação do nível de vida com o aumento das atividades fora de casa, entre outros fatores causaram o crescimento da frequência da utilização de serviços de unidades produtoras de alimentos [2].

No Brasil de acordo com a última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) realizada pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2008/2009 os gastos dos brasileiros com alimentação fora de casa foram de 31,1% das suas despesas, enquanto na penúltima pesquisa em 2002/2003 foram constatados 24,1% confirmando o aumento da alimentação fora de casa no país [3].

Uma refeição não deve ser somente aparentemente saudável, saborosa, completa e agradável ao paladar, alimentar-se é uma necessidade básica atuando diretamente na manutenção, prevenção ou recuperação da saúde, portanto, é imprescindível que ela seja segura em termos de higiene afim de que não seja uma ameaça à saúde do consumidor. O número de casos de doenças transmitidas por alimentos cresce juntamente com o aumento da frequência das refeições realizadas fora de casa [4].

A análise do risco de contaminação da alimentação permite detectar com maior exatidão onde é necessário agir, identificando qual etapa da produção interfere na segurança do alimento. Atualmente, uma das grandes preocupações com o alimento diz respeito à sua qualidade; por isso, é indispensável conhecer as condições higiênico-sanitárias na sua produção. Dentre os componentes que podem afetar essa condição, sem dúvida, encontra-se o manipulador de alimentos. Diversos estudos salientam a importância do seu treinamento na prevenção de enfermidades transmitidas por alimentos [5].

O consumo de alimentos contaminados por microrganismos patogênicos pode levar o indivíduo a um quadro infeccioso, variando de um leve desconforto a reações intensas e até mesmo à morte [6].

A detecção e a rápida correção das falhas no processamento de alimentos, bem como a adoção de medidas preventivas, são as principais estratégias para o controle de qualidade [7]. Para isso, devem-se manter medidas para a higienização completa e eficaz, capazes de garantir refeições seguras. Essas medidas compreendem três aspectos principais: o ambiente, o alimento e o manipulador de alimento [8].

Ao reconhecer os riscos que as doenças de origem alimentar oferecem à saúde e a importância de ser oferecida a população uma alimentação com qualidade higiênico sanitária, diminuindo, assim, o risco de transmissão de doenças pela contaminação do alimento, o presente trabalho teve como objetivo elaborar e aplicar um questionário de boas práticas de manipulação em unidades produtoras de alimentos com e sem profissional nutricionista.

 

Material e métodos

 

O questionário foi elaborado de acordo com os pontos mais falhos e ao mesmo tempo importantes em relação à higiene na manipulação de alimentos. O mesmo é composto por questões relacionadas à higiene pessoal e boas práticas de manipulação elaboradas, conforme demonstrado no quadro 1. O questionário elaborado e aplicado apresentou 10 questões de múltipla escolha, onde os entrevistados optaram por uma das alternativas.

 

Quadro 1 - Questionário de avaliação de higiene aplicado aos manipuladores de alimentos.

 

O estudo foi desenvolvido em oito unidades produtoras de alimentos, atuantes no segmento de restaurante que se diferenciaram pela presença ou não do profissional nutricionista ou outro responsável técnico capacitado sendo que quatro unidades foram classificadas como com nutricionista responsável técnico e quatro unidades como sem profissional nutricionista.

O questionário foi aplicado aos responsáveis pela produção das refeições, totalizando 50 funcionários, 25 funcionários nas unidades com nutricionista e 25 funcionários de unidades que não havia esse profissional.

Todas as unidades produtoras de alimentos tiveram a autorização assinada por algum responsável da empresa para que a coleta dos dados fosse realizada. Todos os funcionários dos estabelecimentos produtores de alimentos participantes do presente estudo receberam uma cópia do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Após a coleta de dados, os resultados da análise foram submetidos aos cálculos de média, desvio-padrão e Análise de Variância (ANOVA), sendo posteriormente aplicado o teste T de Student com 5% de significância para comparação das médias das duas amostras, utilizando como ferramenta o programa estatístico SPSS (Statistics 18).

 

Resultados e discussão

 

Em relação aos erros encontrados em locais com a presença do profissional nutricionista, podemos destacar que na metade das questões não houve erro nas respostas dos manipuladores, enquanto que nos locais sem nutricionista ou outro profissional da área de alimentos nenhuma das questões obteve erros zero, conforme demonstrado na Tabela I.

 

Tabela I - Número de erros por questão em locais com e sem nutricionista.

 

A menor quantidade de erros encontrados para os locais sem nutricionista foram 2 para a questão 10 que referia-se ao uso de escovas para unhas, com um máximo de 25 erros na questão 9 relacionada a utilização de luvas descartáveis, enquanto que nos locais com nutricionista são constatados 8 erros no mínimo na questão 8 relacionada com utilização de máscaras e 25 erros para a questão 9 que se refere ao uso de luvas descartáveis, destacando-se que nessa questão houve o máximo de erros, pois foram avaliados 25 manipuladores e todos erraram a questão.

O trabalho realizado por Mello et al. [9] sobre o conhecimento dos manipuladores de alimentos sobre boas práticas nos restaurantes públicos populares do estado do Rio de Janeiro sugere supervisão reforçada durante a produção das refeições e desenvolvimento de um programa de capacitação contínuo para os manipuladores de alimentos.

De acordo com Figura 1 observa-se uma grande diferença em relação aos erros, entre locais com e sem nutricionista, onde nas questões 2, 4, 5, 6 e 7 não foi identificado nenhum erro pelos manipuladores de locais que têm a presença de um nutricionista, ao contrário do que é mostrado nos locais sem a presença do profissional nutricionista, onde nenhuma questão obteve zero erros.

No estudo de Andreotti et al. [10] pode-se notar que os manipuladores de alimentos de locais sem nutricionista ou responsável técnico, por não serem treinados para o desempenho de suas funções, ignoram os princípios das boas práticas de manipulação.

De acordo com Mello et al. [9] no estudo realizado em restaurantes comerciais, 94,2% manipuladores avaliados, mesmo com conhecimento em relação à contaminação dos alimentos pelas mãos, possuíam uma baixa frequência da higienização das mãos, além do uso de adornos (aneis) e esmalte nas unhas ser comum.

 

Figura 1 - Quantidade de erros de cada questão.

 

Os locais que têm a presença constante do profissional nutricionista como responsável técnico obtiveram um mínimo de 17 acertos na questão 8 que se questionava sobre o uso de máscaras, e um máximo de 25 acertos nas questões 2, 4, 5, 6, e 7 que abordavam assuntos como utilização de uniforme e higiene em relação aos alimentos, conforme demonstrado na Tabela II.

 

Tabela II - Número de acertos por questão em locais com e sem nutricionista.

 

Nos locais sem a presença do profissional nutricionista, destaca-se a questão 9 relacionada com o uso de luvas descartáveis com zero acertos, seguidos de cinco acertos na questão 8, com um máximo de 23 acertos na questão 10 e 17 acertos na questão 4 que tem como questionamento o uso de uniforme.

A utilização de indicadores de qualidade como ferramenta para uma alimentação saudável e segura, sem muitas variações de custo e de cardápio, maior controle dos processos com redução do desperdício, caracterizam as Unidades de Alimentação e Nutrição, pois estas unidades possuem um nutricionista como responsável técnico [11].

De acordo com a Figura 2 podemos verificar uma grande diferença em relação aos acertos entre as questões abordadas. Uma grande divergência nos acertos na questão 1 que se refere aos treinamentos aplicados aos manipuladores de alimentos, onde Carvalho e Barbosa [12], afirmam que a presença do nutricionista na capacitação e supervisão dos manipuladores de alimentos leva a práticas e produção de alimentos saudáveis e seguros. Além dos resultados destacados na questão 1, há ainda uma discrepância elevada de acertos nas questões 6, 8 e 9.

 

Figura 2 - Quantidade de acertos de cada questão.

 

Os locais que tem o cardápio elaborado por nutricionista, em especial àqueles com presença diária do profissional, apresentaram maior oferta de alimentos e técnicas de preparo, monitoramento da qualidade da oferta alimentar de modo a contribuir para o atendimento das necessidades nutricionais, bem como formação de hábitos alimentares saudáveis [13].

De acordo com a Tabela III, as estatísticas de média e desvio padrão demonstram que o profissional nutricionista faz diferença nas unidades produtoras de alimentos em relação à capacitação dos manipuladores de alimentos, pois houve diferenças estatísticas tanto para os acertos quanto para os erros.

 

Tabela III - Médias (desvio padrão) dos acertos e erros por indivíduos em locais com e sem nutricionista.

 

Letras diferentes na mesma linha indicam médias estatisticamente diferentes pelo teste T de Student (p 0,05).

 

Nos locais com nutricionista as médias dos acertos foram de 9,28, sendo este valor próximo ao valor máximo que seria 10 e em relação aos erros o mesmo pôde ser verificado, porém inversamente, sendo que o valor mínimo seria de zero e a média encontrada nos locais com a presença de nutricionista foi de 0,72. Já nos locais sem a presença do profissional nutricionista os valores encontrados foram 5, tanto para os erros quanto para os acertos.

Quando se fala de higiene de manipuladores de alimentos acredita-se que uma média intermediária não seja o suficiente para uma higiene adequada.

Novamente podemos confirmar que houve diferença estatística para os acertos e erros quando comparamos locais com e sem o profissional nutricionista como responsável técnico.

A média de acertos e erros por questão (Tabela IV) demonstra que através da pesquisa e análise dos resultados pôde-se verificar que as boas práticas de manipulação são dificilmente seguidas pelos funcionários de locais que não tem nutricionista ou outro profissional da área de alimentos.

 

Tabela IV - Médias (desvio padrão) dos acertos e erros por questão em locais com e sem nutricionista.

 

Letras diferentes na mesma linha indicam médias estatisticamente diferentes pelo teste T de Student (p 0,05).

 

Panetta [14] ressaltou que, dentre as estratégias estabelecidas pela Food and Agricultural Organization (FAO) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a segurança alimentar, destaca- se a capacitação dos recursos humanos, em especial dos manipuladores de alimentos. Os manipuladores possuem fundamental importância na higiene e sanidade da alimentação servida, visto que a eles cabe o manuseio, tornando- se fonte potencial de contaminação, caso ocorram falhas no processo de preparo [6].

Oliveira et al. [15] afirmaram que a educação e o treinamento dos manipuladores são as melhores ferramentas para assegurar a qualidade da alimentação.

 

Conclusão

 

Através do estudo realizado pode-se concluir que a presença do nutricionista em unidades produtoras de alimentos é fundamental para a produção de alimentos de qualidade e seguros em termo de higiene visando não somente a manutenção de características sensoriais do produto, mas a garantia da saúde do consumidor e consequentemente o sucesso da empresa.

 

Referências

 

  1. Silva C, Germano MIS, Gemano PML. Avaliação das condições higiênico-sanitárias da merenda escolar. Hig Aliment 2000;14:24-31.
  2. Leal D. Crescimento da Alimentação Fora do Domicílio. Segurança Alimentar e Nutricional. Campinas: [s.n.], 2010. [citado 2014 fev 26]. Disponível em: http://www.unicamp.br/nepa/arquivo_san/volume_17_1_2010/san_vol_17_1_Daniele%5B123-132%5D.pdf.
  3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares-POF 2008-2009. Rio de Janeiro, 2010.
  4. Zandonadi RP, Botelho RBA, Sávio KEO, Akutsu RC, Araújo WMC. Atitudes de Risco do Consumidor de Auto-Serviço. Rev Nutr 2007;20:19-26.
  5. Vergara PVG, Revuelta CC, Majem LS. Evaluación de la eficacia de los cursos de formación sanitária dirigidos a los manipuladores de alimentos del área sanitaria de Gandía, Valencia. Rev Esp Salud Pública 2003;74:299-307.
  6. Lagaggio VRA, Flores ML, Sagabinazi SD. Avaliação microbiológica da superfície de mãos dos funcionários do restaurante universitário da Universidade Federal de Santa Maria. Hig Aliment 2002;16:107-10.
  7. Almeida RCC, Kuaye AY, Serrano AM, Almeida PF. Avaliação e controle de qualidade microbiológica de mãos de manipuladores de alimentos. Rev Saude Publica 1995;29:290-4.
  8. Oliveira MN, Brasil ALD, Taddei JAAC. Avaliação das condições higiênico-sanitárias das cozinhas de creches públicas e filantrópicas. Cienc Saude Colet 2008;13:1051-60.
  9. Mello AG, Gama MP, Marin VA, Colares LGT. Conhecimento dos manipuladores de alimentos sobre boas práticas nos restaurantes públicos populares do Estado do Rio de Janeiro. Braz J Food Technol 2010;13:60-8.
  10. Andreotti A, Baleroni FH, Paroschi VHB, Panza SGA. Importância do treinamento para manipuladores de alimentos em relação à higiene pessoal. Iniciação Científica Cesumar 2003;05:29-33.
  11. Bello M, Spinelli MGN. Utilização de indicadores de qualidade em unidades de alimentação e nutrição e em restaurantes comerciais. VII Jornada de Iniciação Científica 2011:1-15.
  12. Carvalho ACS, Barbosa NP. Condições Higiênico-Sanitárias de uma Rede de Supermercados da Cidade de Goiânia. Nutrição em Pauta 2013;120:21-5.
  13. Paiva PYU, Santos DAC, Santos LCC, Souza BSR, Cruz CLJT, Spinelli MGN et al. Importância do Nutricionista na qualidade de refeições escolares: Estudo comparativo de cardápios de escolas particulares de ensino infantil no município de São Paulo. Rev Univap 2012;18:23-30.
  14. Panetta JC. O manipulador: fator de segurança e qualidade dos alimentos. Hig Aliment 1998;12:8-10.
  15. Oliveira AM, Gonçalves AM, Shinohara NKS, Stamford TLM. Manipuladores de alimentos: um fator de risco. Hig Aliment 2003;17:12-9.