ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento de portadores de hipertensão arterial sistêmica sobre a presença de sódio em alimentos industrializados

Knowledge of patients with high blood pressure about the presence of sodium in processed foods

 

Camila Colle Nascimento*, Paula Rosane Vieira Guimarães, M.Sc.**

 

*Nutricionista, Pós-graduanda em Nutrição Clínica pela Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC/SC, **Nutricionista, Docente do Curso de Nutrição da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, Nutricionista da Secretaria de Saúde de Criciúma/SC

 

Recebido 17 de abril de 2015; aceito 15 de dezembro de 2016

Endereço para correspondência: Camila Colle Nascimento, Travessa Antonio Augusto Althoff, 105 Petra Residence, apto 205 Centro 88801-018 Criciúma SC, E-mail:

milacolle@hotmail.com, Paula Rosane Vieira Guimarães: paulag@unesc.net

 

Resumo

O alto consumo de sódio pela população e sua grande utilização em produtos alimentícios reflete no aumento de casos de hipertensão arterial. A rotulagem alimentar visa melhorar a compreensão destes. O objetivo foi avaliar o conhecimento sobre a presença de sódio em alimentos industrializados com portadores de Hipertensão Arterial de um grupo HiperDia. Pesquisa classificada como descritiva, longitudinal de coorte e quantitativa-qualitativa. Participaram 41 portadores de HAS, sendo 68,30% do sexo feminino e 31,70% do sexo masculino. Média de idade foi de 64,24 ± 11,1 anos. Observou-se que 56,10% dos participantes relataram saber do alto teor de sódio dos alimentos questionados e 73,17% não sabem ler a informação nutricional. Após um mês foi realizado contato telefônico e apenas 65,85% atenderam as ligações. Destes, 37,93% estão lendo os rótulos após orientação, podendo-se concluir que a educação nutricional quanto a leitura correta de rótulos deve ser realizada, melhorando o controle da HAS.

Palavras-chave: hipertensão, condimentos, informação nutricional, sódio.

 

Abstract

The high sodium intake by the population and its wide use in food products reflects the increase in cases of hypertension. Food labeling aims to improve the understanding of these. The objective was to evaluate the knowledge of the presence of sodium in processed foods by patients with high blood pressure of a HiperDia group. This study is classified as descriptive and quantitative-qualitative, with longitudinal cohort. 41 patients participated in, being 68.30% female and 31.70% male. Average age was 64.24 ± 11.1 years old. It was observed that 56.10% of the participants reported knowing the high sodium content of foods and 73.17% could not read the nutritional information. After a month we contacted the patients by telephone and only 65.85% attended the calls. Of these, 37.93% are reading the labels after orientation, and we concluded that nutrition education for proper reading labels should be done to improve the control of hypertension.

Key-words: hypertension, condiments, nutritional facts, sodium.

 

Introdução

 

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é considerada uma Doença Crônica Não Transmissível (DCNT) e atinge diferentes grupos da nossa população, não escolhendo faixa etária ou sexo, por exemplo [1]. Segundo Cordeiro, Conti e Silva [2] a HAS pode ser definida como: “A presença de níveis tensionais sistólicos maiores que 140 mmHg e/ou diastólicos maiores que 90 mmHg ou em vigência de uso de medicação anti-hipertensiva em duas ou mais aferições com no mínimo de dois meses de intervalo”.

Estima-se que cerca de 35% da população brasileira acima dos 40 anos esteja com HAS, o que pode chegar a 17 milhões de brasileiros diagnosticados com uma doença crônica que pode ser prevenida com hábitos saudáveis [3].

Dentre seus fatores desencadeantes, podemos destacar a falta de atividade física, estresse, tabagismo, obesidade e, principalmente, alimentação inadequada [4]. Este último é facilmente observado na população atual, já que muitas pessoas possuem uma vida agitada e fazem a maioria das refeições fora de casa, consumindo assim muitos lanches e alimentos com alto teor de sódio, principal vilão do controle da pressão arterial, já que ele aumenta o volume intravascular, elevando, assim a pressão arterial, o que em longo prazo pode facilitar o desenvolvimento da HAS [5,6].

O sódio tem sido amplamente utilizado devido as suas propriedades de conservação dos alimentos, sendo encontrado em grande concentração em conservas, temperos prontos, sopas industrializadas, produtos enlatados, embutidos e defumados, produtos cada vez mais consumidos pela população em geral devido a praticidade [1,7]. Isto fez com que a quantidade diária de sal ingerida por um adulto chegasse a valores entre 10 e 12 g/dia, visto que a recomendação de ingestão para um adulto saudável não deva passar de 6 g/dia, o que equivale a 2400 mg de sódio [1,4,6,7]. Destes, pode-se considerar 4 g de sal de adição (extrínseco) e 2 g de sal intrínseco [6]. A recomendação de ingestão de sódio para portadores de HAS é a mesma para a população em geral que visa uma alimentação saudável, ou seja, 2400 mg de sódio [6].

Como as DCNT e a obesidade vêm aumentando, a educação nutricional para a população em geral se torna cada vez mais importante, visando promover escolhas alimentares saudáveis, o que pode reduzir esses números [8]. Por existirem diversos tipos de produtos industrializados, a orientação nutricional quanto à leitura correta dos rótulos se torna um componente fundamental para melhorar o controle da HAS nos portadores da mesma, pois sua grande utilização na indústria alimentícia fez com que até alimentos doces tenham a presença de sódio, devido ao seu poder de conservação e tantos outros [1,8].

Por isso a informação nutricional deve estar de acordo com o produto oferecido e dentro da resolução que regulamenta a rotulagem nutricional, a RDC 360, de 23 de dezembro de 2003 [9]. A Anvisa é o órgão responsável pela regularização da informação nutricional, assim como as outras especificações que devem estar presentes no rótulo do produto [10]. Segundo a Anvisa, alimentos industrializados com valores acima de 480 mg/sódio/porção são considerados com alto teor do mesmo, fazendo com que estes devam ser evitados na alimentação, principalmente de portadores de HAS [11].

Com isto, este trabalho teve como objetivo avaliar o conhecimento sobre a presença de sódio em alimentos industrializados com portadores de HAS de um grupo HiperDia em uma Estratégia em Saúde da Família na região carbonífera.

 

Material e métodos

 

Esta pesquisa foi classificada como descritiva, longitudinal de coorte e quantitativa-qualitativa. Aprovada pelo Comitê de Ética da UNESC sob nº 668.779.  Foi realizada em uma Equipe de Saúde da Família (ESF) localizada na cidade de Criciúma/SC. A população deste estudo foi composta de homens e mulheres portadores de hipertensão arterial que participavam do grupo HiperDia do serviço público de saúde desta ESF. A seleção da unidade de saúde ESF referida foi por conveniência, devido a facilidade de acesso da pesquisadora. Já para a seleção de amostra da população foi realizado um cálculo amostral mínimo (amostra probabilística) utilizando a fórmula de Barbetta (2008). Como não ocorriam reuniões na ESF escolhida e os medicamentos eram entregues todos os dias, a pesquisadora foi à casa dos portadores de HAS com o auxílio de uma agente de saúde. Os participantes entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram incluídos portadores de hipertensão arterial; de ambos os gêneros; participantes do grupo HiperDia da ESF selecionada; que aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a obtenção dos dados da pesquisa foi aplicado um questionário em dois momentos, uma parte para o encontro presencial e a outra para o contato telefônico. Para a obtenção de informações de peso e altura foi utilizado também o formulário existente no HiperDia. A circunferência da cintura foi coletada no dia da entrevista, sendo entregue também uma amostra do “sal de ervas” e a receita para que os participantes pudessem fazer em casa. Os dados coletados foram agrupados em uma planilha do Excel e analisados no EpiInfo 6 (estatística quantitativa).

 

Resultados

 

Quanto ao gênero, a maioria, 68,30% (28), era feminino e 31,70% (13) masculino. A idade média geral foi de 64,24 anos (± 11,1). Quando classificados por fases da vida a idade dos adultos variou de 33 a 59 anos, com idade média de 49,27 anos (± 11,97). Já a idade dos idosos variou de 60 a 82 anos, com idade média de 69,73 anos (± 10,97). A renda média ficou em 1,5 salários. Com relação a escolaridade e ocupação, os dados apresentam-se na Tabela I.

 

Tabela IDistribuição por idade, escolaridade e ocupação conforme gênero de portadores de HAS, Criciúma/SC.

 

Fonte: Dados da pesquisadora, 2014.

 

A média do IMC geral foi 30,49 kg/m² (± 04,61), classificando-se como obesidade grau I. Quando divididos, o IMC dos adultos teve como média 31,48 kg/m² (± 04,39) mantendo obesidade grau I e dos idosos 30,12 kg/m² (± 04,66) com classificação de sobrepeso. A circunferência de cintura mostrou que a 77,78% (21) das mulheres estavam classificadas com alto risco cardiovascular. Já nos homens, 53,85% (7) classificaram-se dentro dos valores limítrofes para os mesmos. As classificações de IMC podem ser observadas na Tabela II, e as classificações de Circunferência de Cintura na Tabela III.

 

Tabela IIClassificação de IMC para adultos e idosos portadores de HAS, Criciúma/SC.

 

Fonte: Dados da pesquisadora, 2014.

 

Tabela IIIClassificação de Circunferência de Cintura de acordo com o sexo, dos portadores de HAS, Criciúma/SC.

 

Fonte: Dados da pesquisadora, 2014. *Foi desconsiderado uma mulher por ser gestante.

 

O consumo médio diário de sal foi de 7,56 g (± 5,10) por pessoa, e 9,75% (4) participantes relataram não utilizar mais sal em casa.

Com relação a orientações sobre alimentação e hipertensão arterial, 58,54% (24) dos entrevistados referiram ter recebido. Destes, 36,58% (15) receberam orientações de médico e 36,58% (15) de enfermeira. Somente 17,07% (7) dos participantes receberam orientações de nutricionista. Das orientações repassadas, a mais comum foi diminuir o consumo de sal (62,5%).

Grande parte, 73,17% (30), dos participantes da pesquisa disse não saber ler a informação nutricional presente nos rótulos dos alimentos, o que dificulta o controle da ingestão se sódio extrínseco. Quando questionados sobre os alimentos com alto teor de sódio (bacon, macarrão instantâneo, sopas de pacotes,...), pode-se observar que mais da metade, 56,10% (23), dos participantes relatou saber que os alimentos questionados possuíam alto teor de Sódio.

Após um mês (30 dias) foi feito contato telefônico com os entrevistados, mas somente 65,85% (27) atenderam as chamadas. Para aqueles que não atenderam, foi ligado novamente mais 2 vezes em dias e horários diferentes. Dos que atenderam, 70,37% (19) utilizaram o sal de ervas, e afirmaram que gostaram do sabor diferente que este dá a comida, alem de diminuírem a utilização de sal. Os que não utilizaram, 29,63% (8), relataram que esqueceram de utilizar, 75% (6), ou perderam, 25% (2). Observar mais os rótulos dos alimentos foi relatado por 37,93% (11) dos participantes.

 

Discussão

 

Pode-se observar que a maior parte da população deste estudo foi composta por mulheres com hipertensão, o que também se observou no estudo realizado por Cesarino et al. [12], em que 56,87% dos portadores de hipertensão eram do sexo feminino, sendo afirmado por Pessuto e Carvalho [13] que as mulheres acima de 40 anos e que atingem a menopausa apresentam menor proteção dos hormônios femininos, podendo ser uma das justificativas do grande número de hipertensas nesse estudo. Quando comparamos com os dados do IBGE (2013), a população feminina é responsável por 24,2% dos casos de HAS [14].

O grau de escolaridade, assim como a renda, foi considerado baixo, podendo dificultar a compreensão ou leitura dos rótulos dos alimentos. Isto também foi observado no estudo de Cesarino et al. [12], que foi constituído por mais de 70% da população analfabeta ou com ensino fundamental incompleto e por 50% da população com renda inferior a dois salários mínimos e no estudo realizado por Cipullo et al. [15], 44,6% estudaram até a 7ª série, compondo a maior parte da população, e 43,2% recebiam de 3 a 5 salários mínimos.

Com relação ao estado nutricional, a média do IMC dos adultos e dos idosos foi classificada como obesidade e sobrepeso, respectivamente, o que, por si só, já são considerados fatores de risco para complicações ligadas a HAS. Para Cipullo et al. [15], o IMC acima do normal pode aumentar de 2 a 3,6 vezes o risco de desenvolvimento de HAS. Em seu estudo, observou-se que 55,4% da população apresentava IMC elevado.

Com relação a compreensão dos rótulos alimentares, a maioria deste estudo não sabe ler corretamente a informação nutricional, dado também apresentado por Souza et al. [8], no qual 46,6% dos entrevistados conseguiam compreender parcialmente os rótulos alimentares, apesar de 96,8% responderem ser muito importante a declaração nutricional [8].

O consumo de sódio foi considerado acima da recomendação, já que apresentou média de 7,56 g/dia/pessoa, visto que o recomendado atualmente é de 6 g/dia/pessoa [1,4,6,7]. Sabe-se também que o sódio em excesso ocasiona aumento da volemia e posterior aumento do débito cardíaco e da resistência periférica, podendo elevar ainda mais a pressão dos portadores de HAS, dificultando o controle da pressão arterial e aumentando os riscos de complicações ligadas a HAS [6]. Apesar de ser importante, principalmente para portadores de HAS, verificar o teor de sódio presente no alimento, eASHAShste item não era muito verificado pela população no estudo realizado por Souza et al. [8]. Hoje já existe uma estreita relação entre consumo alimentar e desenvolvimento de doenças crônicas [16]. Embora o consumo de sódio relatado pelos entrevistados esteja acima do recomendado, ainda esta abaixo da média da população brasileira, que fica em torno de 10 a 12 g/dia [6].

 

Conclusão

 

Pode-se observar que a população estudada não possui o hábito de leitura dos rótulos alimentares, porem isto pode ser alterado através da educação nutricional correta sobre como interpretar o que está escrito nas embalagens dos alimentos.

Percebeu-se com este estudo que a orientação nutricional visando a redução do uso do sal de cozinha e de temperos industrializados é possível e deve ser estimulada para a população, mesmo em idosos, visto que existe uma melhora na qualidade de vida e diminui o risco de desenvolver maiores complicações relacionadas a HAS. O sal de ervas é um produto rápido e fácil de desenvolver, o que facilitou ainda mais a aceitação desta população, já que grande parte foi composta por pessoas de baixo poder aquisitivo. Salienta-se que apesar de constituir uma amostra pequena, de não ser possível generalizar os resultados, o estudo se mostrou importante no estimulo a leitura e melhor observação dos rótulos visando o controle ou redução de complicações que envolvem a HAS deste grupo.

 

Referências

 

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