REVISÃO
Influência
dos polifenois do chá verde na obesidade
Influence of green tea polyphenols in obesity
Greice Carniel
Furlanetto Arraes*, Cláudia Funchal, D.Sc.**
*Engenheira
de Alimentos, Nutricionista, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Biociências e Reabilitação do Centro Universitário Metodista - IPA, Porto
Alegre/RS, **Farmacêutica-Bioquímica, Mestre e Doutora
em Ciências Biológicas, Docente do Programa de Pós-Graduação em Biociências e
Reabilitação do Centro Universitário Metodista - IPA, Porto Alegre/RS
Recebido 26 de maio
de 206; aceito 15 de dezembro de 2016.
Endereço
para correspondência:
Dr. Cláudia Funchal, Centro Universitário Metodista – IPA, Rua Cel. Joaquim
Pedro Salgado, 80, 90420-060 Porto Alegre RS, E-mail:
claudia.funchal@metodistadosul.edu.br; csfunchal@yahoo.com.br; Greice Carniel
Furlanetto Arraes: grecf@hotmail.com
Resumo
Objetivo: O chá verde é rico
em polifenois e sua utilização parece estar associada à redução da gordura
corporal. O objetivo do estudo foi revisar a influência dos polifenois do chá
verde na obesidade. Fonte de dados:
Este artigo de revisão baseou-se em artigos selecionados por sua relevância, e
provenientes de bases de dados como Science Direct, Pubmed, Bireme e Portal da
Capes publicados entre 1992 e 2015. A busca contemplou as seguintes
palavras-chave: polifenois, Camellia
sinensis, perda de peso, obesidade. Síntese
dos dados: O chá verde é uma bebida rica em polifenois, principalmente as
catequinas, tendo como principal componente a epigalocatequina galato. Entre
uma variedade de efeitos benéficos à saúde atribuídos ao consumo do chá verde,
grande atenção tem sido dada aos seus efeitos anti-obesidade
por promover aumento da oxidação de ácidos graxos, estimulação da lipólise e
melhora da termogênese. Entretanto, os mecanismos de como o chá verde atua na
redução de gordura corporal não estão completamente esclarecidos. Conclusão: O chá verde, aliado a um
plano alimentar equilibrado, além da prática de atividade física, pode
contribuir para melhora da obesidade.
Palavras-chave: polifenois,
Camellia sinensis, perda de peso, obesidade.
Abstract
Objective: Green tea is
rich in polyphenols and their use seems to be associated with reduced body fat.
The aim of this study was to review the influence of green tea polyphenols in
obesity. Data Source: This literature
review was based on papers selected for their relevance and from databases such
as Science Direct, Pubmed, Bireme and Portal da
Capes, published between 1992 and 2015. The search included the following key
words: Polyphenols, Camellia sinensis, weight loss, obesity. Data synthesis: Green tea is a rich polyphenols drink, particularly
in catechins, being the main component the
epigallocatechin gallate. From a variety of
beneficial health effects attributed to the intake of green tea, great
attention has been given to its anti-obesity effects by promoting increased
oxidation of fatty acids, stimulation of lipolysis and enhances of
thermogenesis. However, the mechanisms of how green tea functions to reduce
body fat are not completely understood. Conclusion:
Green tea, combined with a balanced food plan, in addition to physical
activity, can contribute to improvement of obesity.
Key-words: polyphenols, Camellia sinensis,
weight loss, obesity.
Considerada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como epidemia global e um dos maiores
desafios da saúde pública do século XXI, a obesidade é uma doença crônica com
múltiplas causas, sendo que os fatores ambientais, como o consumo excessivo de
alimentos e o sedentarismo, são apontados como os principais fatores associados
com a gênese da doença 1,2]. A obesidade é um dos fatores de risco mais
importantes para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), com destaque para
as cardiovasculares e diabetes tipo 2 [3,4].
As tendências de
transição nutricional ocorridas nos últimos anos direcionam para uma dieta mais
ocidentalizada, a qual, somada à diminuição da atividade física, converge para
o aumento no número de casos de obesidade a nível mundial. O padrão de consumo
alimentar atual está baseado na ingestão excessiva de alimentos de alta
densidade energética, ricos em carboidratos simples, gordura saturada, sódio e
conservantes, e pobres em fibras e micronutrientes [4,5].
É fundamental o papel
da dieta e dos alimentos na manutenção da saúde e na redução do risco de DCNT
[6]. Durante os últimos anos, as investigações científicas propuseram variadas
dietas para prevenir desordens que ameaçam a vida, incluindo obesidade,
hipercolesterolemia e diabetes. Estas desordens são também fatores de risco
para a síndrome metabólica, juntamente com a hipertensão e dislipidemias. Entre
as estratégias de tratamento, estão às mudanças no estilo de vida, alimentação
adequada e muitas vezes tratamentos farmacológicos [7]. Com relação à
alimentação, uma ferramenta promissora é o uso de alimentos funcionais, que por
conterem compostos biologicamente ativos em sua composição, quando
acrescentados a uma dieta usual auxiliam na manutenção da saúde e reduzem o
risco de doenças [8,9].
Os compostos
bioativos presentes nos alimentos de origem vegetal podem atuar de diferentes
formas, tanto no que se refere aos alvos fisiológicos como aos seus mecanismos
de ação. A ação antioxidante, comum nestes compostos, deve-se ao potencial de
óxido-redução de algumas moléculas, à capacidade destas moléculas em competir
por sítios ativos e receptores nas diversas estruturas celulares ou, ainda, à
modulação da expressão de genes codificadores de proteínas envolvidas em
mecanismos intracelulares de defesa contra processos oxidativos degenerativos
de estruturas celulares [6].
Os polifenois são
compostos que possuem conhecidas propriedades antioxidantes e estão
naturalmente presentes em plantas. Além de atuarem como antioxidantes, possuem
ainda propriedades anti-inflamatórias, anti-cancerígenas,
anti-envelhecimento e anti-obesidade [10,11]. Os efeitos anti-obesidade
dos polifenois vem sendo pesquisados. Estudos celulares in vitro e in vivo
demonstraram que os compostos polifenólicos reduzem a viabilidade dos
adipócitos e a proliferação de pré-adipócitos, suprimem a diferenciação dos
adipócitos e o acúmulo de triglicerídeos, estimulam a lipólise e a β-oxidação
de ácidos graxos, e reduzem a inflamação. Simultaneamente, os polifenois
modulam vias de sinalização que regulam a adipogênese [12].
Os polifenois podem
ser divididos em diferentes grupos conforme o número de anéis fenólicos e pelos
elementos estruturais que ligam estes anéis uns aos outros, existindo desta
forma, diversas subclasses como ácidos fenólicos, estilbenos, lignanas e
flavonoides [13]. Os flavonoides por sua vez, podem ser classificados de acordo
com o grau de oxidação das suas estruturas químicas em antocianinas, flavonois,
flavanois (também denominado de flavan-3-ois ou catequinas), flavonas,
flavanonas e isoflavonas [14].
As catequinas são,
portanto, monômeros pertencentes ao grupo dos flavanois [6] e estão presentes
de forma abundante no chá verde, sendo que deste grupo se destaca a
epigalocatequina-3-galato (EGCG), por ser o composto mais biologicamente ativo
e por possuir efeitos anti-obesidade [15]. Estes
efeitos incluem aumento do gasto de energia e metabolismo, redução do peso e
gordura corporal, aumento da oxidação lipídica, melhora da atividade insulínica
e aumento da atividade do sistema nervoso simpático pela inibição de
catecol-O-metil transferase, a enzima responsável pela quebra de noradrenalina
[16].
Objetivos
Este trabalho tem por
objetivo revisar a influência dos polifenois presentes no chá verde na
obesidade.
Métodologia
Foi realizado uma revisão bibliográfica mediante busca de
artigos publicados entre 1992 e 2016. A consulta baseou-se em bases de dados
como Science Direct, PubMed, Bireme e Portal da Capes,
buscando através das seguintes palavras, isoladamente ou relacionadas entre si:
compostos polifenólicos, catequinas, epigalocatequina galato, Camellia sinensis, perda de peso.
A busca de dados foi
limitada na língua inglesa e portuguesa e os artigos analisados foram
selecionados por apresentarem grande pertinência ao tema. Foram também
utilizados livros e sites institucionais e públicos.
Chá
verde
O chá proveniente das
folhas da planta Camellia sinensis
pode ser classificado em três tipos dependendo do grau de fermentação: chá
verde, amplamente consumido em países da Ásia, não sofre fermentação durante
seu processamento, mantendo desta forma a cor original das suas folhas; chá oolong, muito consumido na China, é parcialmente
fermentado, resultando em uma chá verde-preto; e chá
preto, muito popular na América do Norte e Europa, é mais fermentado do que o
chá oolong, possuindo assim uma coloração mais escura e sabor característico
[17-19].
O chá verde é uma das
bebidas mais consumidas no mundo todo [17]. As folhas da planta contém uma
variedade de fitoquímicos [8]. Alguns fatores como o clima, estação do ano,
processo empregado na horticultura, tipo e idade da planta, podem influenciar
na composição das folhas do chá. Em geral, 30% do peso seco das folhas é composto por componentes polifenólicos, incluindo
flavanois, flavonoides e ácidos fenólicos. A maioria dos polifenois presentes
no chá verde se apresenta como flavanois, e dentre estes, as catequinas são
predominantes [20].
As principais
catequinas do chá verde são a epigalocatequina-3-galato (EGCG),
epigalocatequina (EGC), epicatequina-3-galato (ECG) e epicatequina (EC),
podendo ser epimerizadas durante o tratamento térmico a catequinas (C),
galocatequinas (GC), galato de catequina (GC) e galato de galocatequina galato
(GCC) [21,22].
Dentre as catequinas
do chá verde, a EGCG é a mais abundante, constituindo cerca de um terço do seu
peso seco total e a esta são atribuídas importantes
propriedades contra o câncer, obesidade, diabetes e inflamações [18,19]. Este
componente é considerado o maior componente bioativo para redução de peso,
tendo como efeito a diminuição da diferenciação e proliferação dos adipócitos
durante a lipogênese [23].
Em 100 ml de chá
verde preparado por infusão o teor de EGCG varia entre 2,31 mg
e 203,20 mg, tendo uma média de 77,81 mg [24]. Estudo estimou que uma xícara de
240 ml de chá verde, contém cerca de 200 mg de EGCG, o
maior constituinte polifenólico do chá verde [25]. O chá verde descafeinado
apresentou quantidade inferior de EGCG, uma média de 26,05 mg/100ml,
assim como bebidas prontas contendo chá verde na composição, que possuem uma
média de 3,96 mg/100ml [24].
O chá verde também
contém de 2 a 4% de cafeína, o que equivale a aproximadamente 10 a 80 mg de cafeína por xícara [26]. Uma quantidade considerável
se comparada ao café que possui uma média de 61 g de cafeína em uma xícara de
60 ml [27].
Obesidade
A obesidade é
definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a presença de gordura
corporal em excesso que representa riscos à saúde, e o índice de massa corporal
(IMC) é a forma mais comum de classificação da obesidade [28]. Indivíduos com
IMC igual ou maior que 30 são classificados como obesos [29]. No entanto, esta
classificação não indica o tipo e o local da gordura no corpo. Indivíduos com
excesso de gordura corporal em regiões abdominais, determinado pela medida de
circunferência de cintura, possuem um risco elevado de complicações à saúde
resultantes da obesidade [28].
As causas da
obesidade podem ser complexas, variando de alterações genéticas a fatores
ambientais, e as consequências podem ser múltiplas para a saúde, incluindo
diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão
e diversos tipos de câncer [29,30]. A obesidade e suas comorbidades associadas
são as principais causas da morbidade e mortalidade humana [31].
O estado de obesidade
ocorre quando a ingestão calórica se sobrepõe ao gasto de energia e consequentemente
as calorias em excesso são estocadas no tecido adiposo [32]. O tecido adiposo
não é apenas um reservatório de energia, regulador térmico, ou uma camada de
proteção para importantes órgãos, mas também é um órgão endócrino
metabolicamente ativo. Esta função endócrina contribui significativamente para
a homeostase energética global e a sensibilidade à insulina sistêmica através
da secreção de adipocinas e citocinas [33,34].
O tecido adiposo
compreende o tecido adiposo branco (TAB) e o tecido adiposo marrom (TAM). O TAB
armazena energia como triacilglicerois; enquanto o TAM
utiliza os triacilglicerois estocados para gerar energia na forma de calor
[35]. A expansão da massa gorda na obesidade ocorre via hipertrofia e/ou
hiperplasia dos adipócitos presentes no tecido adiposo. A hiperplasia resulta
principalmente da proliferação e subsequente diferenciação dos pré-adipócitos,
enquanto a hipertrofia resulta do excesso de estoque lipídico dentro dos
adipócitos [36,37].
Além de conter
adipócitos e pré-adipócitos, o tecido adiposo contém células imunes como
macrófagos e linfócitos que ajudam a manter as funções metabólicas normais do
tecido adiposo [36,37]. Normalmente uma inflamação de baixo grau é encontrada
no tecido adiposo de pessoas obesas, particularmente pela elevação dos níveis
de interleucina IL-6 e TNF-α (Figura 1), e essa inflamação é caracterizada
por mudanças nas células imunes, dando origem a adipocinas alteradas, que por
sua vez induzem resistência à insulina [33]. Além disso, IL-6 e TNF-α são
conhecidos por desempenhar um papel crucial no metabolismo de lipídios pela
estimulação dos adipócitos no tecido adiposo branco, aumentando assim a
liberação de ácidos graxos não esterificados, através dos processos lipolíticos
e conduzindo a elevados níveis de ácidos graxos séricos [38].
Figura
1 - Ação dos polifenois do chá verde nos
adipócitos. A obesidade está associada a uma inflamação de baixo grau nos
adipócitos, contendo células imunes como macrófagos e elevação nos níveis de
IL-6 e TNF-α. A ingestão de polifenois do chá verde reduz a inflamação dos
adipócitos, através da redução de citocinas inflamatórias como IL-6 e TNF-α.
Os polifenois do chá verde promovem a oxidação dos ácidos graxos e lipólise,
reduzindo a proliferação de adipócitos, reduzem a adipôgenese, diminuindo a
proliferação dos adipócitos.
A obesidade, além de
estar associada a uma inflamação de baixo grau (Figura 1), se caracteriza por
um aumento nos níveis de alguns hormônios circulantes e nutrientes, como a
leptina, glicose e ácidos graxos livres, dentre outras alterações metabólicas
[39]. As condições de obesidade também estão associadas a aumento dos níveis de
estresse oxidativo. Fatores como hiperglicemia, altos níveis de ácidos graxos
livres, triacliglicerol, hiperleptinemia e inadequadas defesas antioxidantes
são os principais fatores do aumento do estresse oxidativo [40]. Uma dieta com
mais gordura e carboidrato do que frutas e vegetais, em geral tendem a
inadequadas defesas antioxidantes. Além disso, as concentrações de vitaminas,
minerais, enzimas e atividade antioxidante são reduzidas na obesidade [41,42].
Chá
verde e obesidade
Estudos realizados em
ratos e camundongos confirmaram os efeitos benéficos da EGCG ou extrato de chá
verde sobre os parâmetros relacionados com a obesidade. Incluindo redução do
peso corporal, massa adiposa, lipídios totais, colesterol e triglicerídeos no
fígado e no plasma, além de redução da resistência à insulina [43-49].
O uso a longo prazo de chá verde, chá preto e EGCG isolada (1
mg/kg por dia) em ratos alimentados com dieta de alto teor lipídico melhorou a
tolerância a glicose após 16 semanas. Tanto o chá verde quanto o preto
reduziram a gordura corporal, enquanto o chá verde e a EGCG aumentaram a massa
magra [16].
Resultados
semelhantes foram encontrados em estudos realizados com humanos [50-57]. O
consumo de chá verde, nas formas de EGCG ou extrato de chá verde, com ou sem
cafeína, por indivíduos obesos, reduziu o peso corporal, IMC, circunferência da
cintura e do quadril, gordura corporal total e gordura abdominal visceral e
subcutânea [12].
Estudo randomizado,
duplo-cego, controlado com uso de placebo concluiu que o extrato de chá verde
com alta dose de EGCG (856,8 mg) tomado diariamente
por 12 semanas foi capaz de reduzir o peso, IMC e circunferência da cintura em
mulheres obesas. O mesmo estudo apresentou uma redução dos níveis de grelina e
aumento de adiponectina, hormônios relacionados à obesidade (Tabela I). Neste
estudo, a dose de cafeína do extrato de chá verde foi muito baixa (menos de
1,05 mg/dia), o que mostra que a redução de peso
parece ter acontecido inteiramente devido aos efeitos de EGCG [58]. Estudos
prévios executados com menores concentrações de EGCG (360 mg/dia)
se mostraram menos efetivos com relação a redução das medidas antropométricas.
Demonstrando que o efeito da EGCG na redução de peso pode ser dose-dependente
[54].
Tabela
I - Síntese dos principais estudos associando o
uso dos polifenois do chá verde e a influência na obesidade.
EGCG =
Epigalocatequina galato; ECG = Epicatequina galato; EGC = Epigalocatequina; EC
= Epicatequina; GCG = Galocatequina galato; GC = Galocatequina.
O impacto da ingestão
do chá no perfil lipídico, como colesterol total (CT), lipoproteína de baixa
densidade (LDL), lipoproteína de alta densidade (HDL), triglicerídeos, e
sensibilidade à insulina parece ser inconsistente, mostrando melhoria ou nenhum
efeito [12]. Em um estudo duplo-cego, 56 obesos hipertensos receberam um
suplemento diário de 1 cápsula contendo 379 mg de
extrato de chá verde ou um placebo correspondente, por 3 meses. Após este
período, houve uma redução significativa na pressão sistólica e diastólica,
glicemia em jejum, proteína C-reativa e resistência a
insulina, no grupo que tomou a suplementação. Além disso, a suplementação
contribuiu para reduções significativas no colesterol total, LDL e
triglicerídeos, e aumento no HDL [50] (Tabela I). Por outro lado, estudo
realizado com 88 obesos que receberam suplementação de 2
cápsulas diárias de 400 mg de extrato de chá verde por um período de 8 semanas,
inferior ao estudo anterior não demonstrou diferenças significativas nos níveis
de glicemia, resistência a insulina, LDL, HDL, colesterol total e pressão
sistólica. O estudo apenas encontrou uma modesta redução nas pressões
diastólicas dos voluntários [59].
Evidência
epidemiológica demonstrou que indivíduos que consumiam chás habitualmente por
mais de 10 anos apresentaram 19,6% de gordura corporal a menos do que os
indivíduos que não possuíam o hábito de ingerir a bebida. Destes indivíduos,
mais de 90% tinham por hábito consumir chá verde, o que sugere que os
componentes do chá verde são os responsáveis pela redução de peso [60].
A perda de peso
geralmente ocorre por uma redução da ingestão alimentar
ou por um aumento do gasto energético. Estudo randomizado realizado com 60
indivíduos obesos e sedentários, alimentados com dieta tailandesa por 12
semanas demonstrou diferença significativa de perda de peso nos indivíduos que
consumiram chá verde. A redução de peso ocorreu devido a um aumento do gasto
energético pela 8ª semana do estudo, de 88,9 kcal/dia [61] (Tabela I). Em outro
estudo realizado com indivíduos caucasianos, foi encontrado um aumento do gasto
energético em 78,6 kcal/dia, levemente inferior e as razões para isto seria o
fato do chá verde usado conter menos cafeína do que no estudo anterior e também
o fato de os caucasianos consumirem mais cafeína que os tailandeses, o que leva
a uma maior tolerância para chá ou café [62].
Portanto, o chá verde
parece possuir propriedades termogênicas e promover a oxidação lipídica (Figura
1), além de conter em sua composição a cafeína [63]. O uso da cafeína também
pode contribuir para mudanças em medidas antropométricas através do aumento do
gasto energético ou aumento da termogênese64. Entretanto, estudos têm
demonstrado que a ação da EGCG tem efeito independente da presença de cafeína
[63].
Adultos japoneses com
sobrepeso e obesidade que ingeriram por 12 semanas uma bebida contendo extrato
de chá verde descafeinado (548 mg de catequinas e 0 mg
de cafeína) apresentaram peso corporal, circunferência da cintura e gordura
visceral significantemente mais baixos do que os indivíduos que consumiram uma
bebida placebo (0 mg de catequinas e 0 mg de cafeína). Com isso, o estudo
mostra que o consumo diário de uma bebida enriquecida com catequinas, mesmo que
sem cafeína, pode ser útil para combater a obesidade [65].
Em homens saudáveis
suplementados com extrato de chá verde contendo 270 mg
de EGCG e 150 mg de cafeína, o gasto energético aumentou significativamente em
4% comparado com os que ingeriram somente cafeína, e a oxidação de gordura foi
de 41% em comparação a 33% da cafeína isolada. O estudo demonstra que o efeito
termogênico e a oxidação de gordura não podem ser explicados com base apenas no
conteúdo de cafeína presente no chá verde, visto que o tratamento com a mesma
quantidade de cafeína isolada não conseguiu alterar de forma significativa o
gasto energético [62]. A combinação de cafeína com catequinas pode ser capaz de
fornecer benefícios adicionais ou até mesmo sinérgicos à catequinas isoladas
[66].
Em um estudo
realizado com japoneses, o consumo habitual de café foi associado a uma
diminuição da resistência a insulina e da glicemia em jejum, e
surpreendentemente o consumo de chá verde foi associado a uma maior resistência
a insulina e insulina em jejum entre a população estudada [67]. Rebello et al. [68] não encontrou associação entre
o consumo de chá verde e a resistência a insulina entre uma população
multiétnica asiática. No entanto, diferentes resultados foram encontrados em
estudos in vitro e in vivo, nos quais o consumo de chá
verde e seus componentes foram relacionados a uma diminuição do nível de
glicemia de jejum e aumento da sensibilidade a
insulina [69,70].
Estudo investigou os
efeitos de um suplemento dietético composto por cafeína, ácido linoleico
conjugado (CLA), chá verde e aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) na
composição corporal, perfil lipídico, glicose, insulina, adiponectina, leptina
e proteína C-reativa no sangue em homens e mulheres com sobrepeso e obesidade.
Após 8 semanas de tratamento, os parâmetros avaliados
não apresentaram mudanças significativas [71] (Tabela I). Este resultado diverge
de estudos recentes que reportaram uma melhoria na composição corporal com o
consumo de suplementos dietéticos compostos por ingredientes variados [72,73].
Nem todos os estudos
realizados com seres humanos obtiveram resultados positivos com relação à medidas relacionadas à obesidade. Hill et al. [53] relataram que após 12 semanas, não houve diferença
significativa em peso corporal, IMC, circunferência de cintura e gordura
abdominal entre o grupo placebo e o grupo de mulheres, praticantes de exercício
físico, pós-menopausa, com obesidade ou sobrepeso, que recebeu suplementação de
EGCG (300 mg). De forma similar, Hsu et al. [54] em um
estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo demonstraram que, em
mulheres obesas, não houve diferença estatística em percentual de peso
corporal, IMC e circunferência de cintura, entre o grupo placebo e o grupo que
recebeu suplementação de extrato de chá verde (400 mg) após 12 semanas de
tratamento.
As discrepâncias
entre os estudos clínicos podem ser devido às variedades nos delineamentos de
estudos, períodos dos estudos (24 h - 24 semanas), idade e sexo dos
participantes, etnia, formulação do suplemento de chá verde (EGCG, GTC, GTE),
presença ou ausência de fatores de controle de peso, como cafeína, exercício
físico, dieta de baixo teor calórico, entre outros aspectos [12].
Possíveis
mecanismos de ação envolvidos na redução da gordura corporal
Os mecanismos de como
o chá e a EGCG reduzem gordura corporal não estão completamente elucidados.
Estudo demonstrou que a ingestão de chá aumenta a expressão de genes envolvidos
no metabolismo de ácidos graxos no fígado, além de alterar genes existentes no
tecido adiposo, enquanto a EGCG melhora marcadores de termogênese [16].
A homeostase no
tecido adiposo é um balanço entre a adipogênese e a lipólise. As catequinas do
chá verde, mais especificamente a EGCG, parece diminuir
a adipogênese nos adipócitos 3T3-L1 [74,75] e prevenir a diferenciação destes
pela inibição das enzimas lipogênicas [76]. A EGCG também inibe a proliferação
dos pré-adipócitos, assim prevenindo o acúmulo de triglicerídeos [77]. No
entanto, o efeito das catequinas na lipólise do tecido
adiposo não estão totalmente esclarecidos [78].
A lipólise dos
adipócitos é um processo complexo que envolve diversos hormônios e sinais
bioquímicos [79]. Existem três enzimas lipolíticas que desempenham um papel
crítico na lipólise de tecidos adiposos: lipase de triacilglicerol do
adipócito, lipase hormônio-sensível e monoacilglicerol lipase [80]. Em pessoas
obesas, a expressão de lipase de triacilglicerol e lipase hormônio-sensível é
reduzida em tecidos adiposos se comparado com indivíduos eutróficos [81,82].
Consequentemente, o aumento da lipólise previne a obesidade [83]. Além disso,
as catecolaminas, adrenalina e noradrenalina, atuam através dos β-adrenoreceptores,
aumentando a produção de adenosina 3',5'-cíclica
monofosfato (cAMP), assim ativando a proteína quinase A (PKA) e conduzindo a
fosforilação da lipase hormônio-sensível e lipólise [84].
As catequinas
aumentam a expressão de genes que codificam as proteínas lipolíticas nos
adipócitos. Células adiposas (3T3-L1) de ratos foram estimuladas com catequinas
do chá verde na presença ou ausência de noradrenalina. Na presença de
noradrenalina promoveram a liberação de glicerol e ácidos graxos livres,
fosforilação da proteína lipase hormônio-sensível e aumentaram a lipólise
(Figura 1), porém as catequinas sozinhas não obtiveram o mesmo efeito. O mesmo
estudo demonstrou aumento do mRNA de proteína de
lipase hormônio sensível e lipase de triacilglicerol do adipócito. Estes
resultados demonstram que as catequinas de chá verde aumentam a lipólise, na
presença de noradrenalina através de uma via dependente de PKA, em adipócitos
3T3-L1, proporcionando um mecanismo potencial pelo qual as catequinas podem
reduzir a gordura corporal [78] (Tabela I).
A EGCG previne a
degradação de catecolaminas via inibição da atividade da enzima
catecol-o-metiltransferase (COMT). Devido ao importante papel do sistema
nervoso simpático e seu neurotransmissor noradrenalina
no controle da termogênese e na oxidação de gorduras, pode-se compreender que
as catequinas, pela inibição da COMT, aumentem o efeito da noradrenalina,
potencializando a oxidação de gorduras pela ativação da termogênese [62].
Estudo demonstrou
ainda melhora nos perfis lipídicos, com redução de colesterol total e LDL após
o período de tratamento [58]. O mecanismo de redução da EGCG nos perfis
lipídicos do plasma pode ser atribuído pela interrupção da absorção lipídica
através da competição por enzimas envolvidas na digestão e absorção [85,86].
O chá verde também
parece regular positivamente as atividades de enzimas endógenas antioxidantes
como a catalase, superóxido dismutase, e/ou glutationa peroxidase. Obesos com síndrome
metabólica receberam um dos três tratamentos por 8
semanas: chá verde (4 copos/dia), controle (4 copos de água/dia) ou extrato de
chá verde (2 cápsulas/dia). Tanto a bebida quanto o extrato de chá verde,
aumentaram significativamente a capacidade antioxidante do plasma e a
glutationa total no sangue. Sendo a glutationa um constituinte essencial do
sistema de defesa antioxidante endógeno. Assim, os resultados suportam a
hipótese de que o chá verde pode providenciar proteção antioxidante na síndrome
metabólica [87] (Tabela I).
Na literatura, a
maioria dos estudos sobre chá verde utilizam as folhas, os extratos ou seus
derivados (catequinas), mas não o chá verde fervido, que é uma bebida muito
popular no Norte da África. Este chá é caracterizado pela cocção das folhas
secas em água fervente por um período variável, não excedendo 60 minutos.
Snoussi et al. [88] realizaram a cocção do chá em
diferentes tempos (15, 30 e 60 minutos) e compararam com o chá verde por
infusão, deixado em água quente por 3 minutos. O chá verde fervido por 15
minutos apresentou uma alta quantidade de compostos fenólicos, 4,5 vezes mais
do que no chá verde por infusão, e estes valores declinaram de acordo com o
aumento do tempo de cocção (30 e 60 minutos). O mesmo estudo mostrou que os
níveis de mRNA do GLUT4 em adipócitos mesentéricos
aumentaram em resposta a administração crônica de chá verde fervido. Portanto,
a melhora intraperitoneal de tolerância à glicose em ratos tratados com este
tipo de chá poderia ser atrelada a uma maior utilização de glicose por
adipócitos. O que está de acordo com demais estudos, os quais as catequinas do
chá verde aumentaram a expressão do GLUT4 e promoveram a absorção de glicose em
adipócitos e músculo [89,90].
Os efeitos da
ingestão de chá verde na redução da gordura corporal podem ainda estar
associados a um cruzamento entre as vias lipolíticas e inflamatórias. Após 8 semanas de suplementação de extrato de chá verde
descafeinado rico em EGCG (50 mg/kg/dia), os níveis de TNF-α, IL-10 e adiponectina
aumentaram em camundongos com alterações metabólicas induzidas por dieta rica
em lipídios [91] (Tabela I). A IL 10 é conhecida por possuir propriedades
anti-inflamatórias e é secretada por ativação dos monócitos/macrófagos e
linfócitos [92]. Embora o aumento dos níveis de TNF-α esteja relacionado a
desordens inflamatórias, essa citocina também participa de diversas funções
celulares que não estão associadas a processos inflamatórios. No estudo, como o
aumento dos níveis de TNF-α esteve acompanhado por aumento dos níveis de
citocinas anti-inflamatórias como adiponectina e IL-10, conclui-se que esse
efeito não está atrelado a processos inflamatórios e sim a regulação do
metabolismo, já que somado a isso os camundongos que receberam a suplementação apresentaram
redução de peso, comparados aos que receberam um suplemento placebo [91].
O desencadeamento da
resposta inflamatória induzida pela obesidade envolve alguns mecanismos, como a
via de sinalização do fator de transcrição fator nuclear kappa B (NF-kB),
o qual aumenta a expressão de diversos genes envolvidos na resposta
inflamatória e, consequentemente, está ligado à formação de diferentes DCNT. A
EGCG tem ação anti-inflamatória, inibindo in
vitro a ativação do fator de transcrição NF-kB ao
mesmo tempo que inibe a degradação do IKB-α induzida pela ativação
celular mediada pelo TNF-α. O mecanismo de ação anti-inflamatório da EGCG
parece estar relacionado à diminuição da atividade da proteína IKK, envolvida
na fosforilação do IKB-α. Como consequência desse efeito sobre a via de
sinalização do NF-kB, as catequinas
diminuem a expressão gênica da enzima COX-2. Dentro do contexto inflamatório,
as proteínas quinases JNK e p38 são ativadas por citocinas pró-inflamatórias
como TNF-α e IL-1α. A EGCG atua na via das proteíno-quinases ativadas
por mitógenos (MAP quinase), inibindo a fosforilação da proteína p38 e
reduzindo a expressão gênica da proteína JNK [6].
Estudos reportaram
que o estado de obesidade altera o número e o perfil de células imunes presentes
no tecido adiposo branco e na corrente sanguínea [93,94], além de estar
associado ao aumento dos níveis de espécies reativas de oxigênio (ROS), que
contribuem para um maior estresse oxidativo [40]. Ratos alimentados por dieta
de cafeteria a base de chocolate, leite condensado, amendoim e biscoito de
amido de milho por 8 semanas, apresentaram como
resposta à dieta aumento da produção de ROS e diminuição da IL-10. Após
tratamento com chá verde por sonda, os linfócitos retirados para análise
revelaram uma diminuição da produção de ROS e dos níveis de citocinas
pró-inflamatórias IL-2, IL-6, IL-1α, TNF-α (Figura 1), além de uma
redução no nível de RNAm de TRL4 e aumento de IL-10.
Os autores concluíram que o tratamento com chá verde pode dirigir os linfócitos
a um microambiente mais anti-inflamatório que pró-inflamatório [95].
Recentemente, um novo
tecido adiposo foi descoberto e identificado como um potencial alvo para o
tratamento da obesidade, o tecido do tipo tecido adiposo marrom. Os adipócitos
deste possuem mais mitocôndrias que os adipócitos brancos [96]. A combinação de
exercício com a ingestão de extrato de chá verde descafeinado (77 mg/g peso) em ratos, alterou a expressão de genes de uma
maneira que sugere a conversão de tecido adiposo branco em tecido do tipo
adiposo marrom [97].
Diante dos resultados
apresentados, pode-se perceber que a administração dos polifenois do chá verde,
sob a forma de suplemento ou chá, se mostra eficaz na redução do peso corporal
na maioria dos estudos, contribuindo para a melhora do quadro de obesidade. Os
efeitos benéficos do chá verde e seus componentes não se limitam apenas a
redução de peso, mas também a redução da resistência insulínica, glicemia em
jejum e melhora do perfil lipídico.
O mecanismo pelo qual
o chá verde pode reduzir o percentual de gordura corporal ainda não está
completamente elucidado, porém existem diversas hipóteses, que incluem o
aumento da expressão dos genes envolvidos no metabolismo de ácidos graxos, inibição
da atividade da enzima catecol-o-metiltransferase, aumento da oxidação de
gorduras, melhora dos marcadores de termogênese, aumento do gasto energético,
estimulação da lipólise, regulação de atividades de enzimas endógenas
antioxidantes, diminuição da produção de ROS e dos níveis de inflamação do
tecido adiposo. No entanto, não há um consenso quanto à dose, duração do
tratamento e ao modo de administração ideais deste tipo de chá/suplemento,
visto que os estudos variam bastante nesses quesitos. Finalmente, com o
objetivo de obter redução de gordura corporal torna-se importante aliar o
consumo do chá verde a um plano alimentar equilibrado, além da prática
frequente de atividade física, consideradas condutas favoráveis para melhora da
obesidade.
Ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade
em pesquisa da Profa. Dra. Cláudia Funchal.