ARTIGO ORIGINAL

Variação de teor de compostos fenólicos totais em diferentes tipos de café processados

Values of total phenolic compounds in different types of processed coffee

 

Alice Virginia Araujo Braga*, Suzana Furquim de Almeida Fael*, Laise Cedraz Pinto, D.Sc.**

 

*Graduada em Nutrição, Centro Universitário Estácio da Bahia, **Professora adjunta da Universidade Federal da Bahia

 

recebido, aceito 15 de janeiro de 2017

Endereço para correspondência: Laise Cedraz Pinto, Universidade Federal da Bahia, Escola de Nutrição, Departamento de Ciência de alimentos, Avenida Araújo Pinho, 32 Canela 40110-150 Salvador BA, E-mail: lcedraz@hotmail.com, Alice Virginia Araujo Braga: alicebraga20@hotmail.com, Suzana Furquim de Almeida Fael: suzanafael@hotmail.com

 

Resumo

O café apresenta varios componentes como os compostos fenólicos que são responsáveis por diferentes ações biológicas, incluindo as propriedades antioxidantes. Considerando que a quantidade de fenólicos em cafés comercializados pode variar conforme o cultivo dos grãos, variedades e processo tecnológico empregado, o objetivo deste estudo foi quantificar os compostos fenólicos totais presentes em diferentes marcas e tipos de café comercializados em Salvador/BA. As amostras foram compostas por café moído de três marcas diferentes (A, B e C) dos tipos: tradicional, descafeinado e solúvel. Os fenólicos totais foram determinados por redução do Folin-ciocalteu e o ácido tânico foi utilizado como padrão analítico. Dentre as amostras do tipo tradicional e solúvel, a marca C apresentou uma maior quantidade de compostos fenólicos (5995,1 mg% e 19703,4 mg%, respectivamente). Dentre as amostras do tipo descafeinado, a marca B apresentou uma maior quantidade desses compostos (3570,0 mg%). As amostras do tipo descafeinado e solúvel apresentaram, respectivamente, menor e maior teor de fenólicos quando comparadas às dos outros tipos. As amostras de café analisadas apresentaram riqueza em compostos fenólicos totais e o processo tecnológico empregado para obtenção dos diferentes tipos influencia na composição final do produto, especialmente relacionado às perdas ou concentração destes compostos.

Palavras-chave: compostos fenólicos, café, taninos.

 

Abstract

Coffee has various components such as phenolic compounds which are responsible for different biological actions, including the antioxidant properties. The amount of phenolics in marketed cafes can be variable according to the cultivation of grain, varieties and technological process used. The aim of this study was to quantify the total phenolic compounds present in different brands and types of coffee sold in Salvador, Bahia. The samples were composed of three different marks of ground coffee (A, B, C) types: traditional, decaffeinated and soluble. Total phenolics were determined by a Folin-Ciocalteu reagent and tannic acid was used as an analytical standard. Among the traditional and soluble samples, C showed a greater amount of phenolic compound (5995.1 mg% and 19703,4 mg%, respectively). Among the decaffeinated samples, B showed a greater amount of these compounds (3570.0 mg%). Samples decaffeinated and soluble types showed, respectively, lower and higher phenolic content when compared to other types. The coffee samples analyzed showed richness in phenolic compounds and the technological process used in the grains influences the final composition, especially related to losses or concentration of these compounds.

Key-words: Phenolic compounds; coffee; tannins.

 

Introdução

 

A demanda mundial de café continua mostrando um crescimento significativo, com potencial expansão. Os mercados mais experientes, como a União Europeia estão relativamente estabilizados, enquanto os emergentes, mais precisamente na África e na Ásia, registraram um aumento relevante. Em 2015, a Bahia obteve um volume de produção entre 2,3 a 2,4 milhões de sacas anuais e em 2014, o estado tornou-se o quarto produtor nacional de café [1-3].

Recentemente, uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Indústrias do Café (ABIC) demonstrou que 94% dos indivíduos com mais de 15 anos bebem café, e desses, 95% o consomem diariamente. Dentre os que não tomam café, o principal motivo indicado está associado a questões de saúde (33%) e recomendação médica (22%) [4,5].

Muitos estudos epidemiológicos na última década comprovam a existência de uma correlação inversa entre o consumo de café e o risco de diabetes tipo 2, danos ao fígado e doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson [6]. Sendo assim, os efeitos do café na saúde humana têm sido enfatizados na comunidade médica e em pesquisas internacionais. Dentre estas pesquisas se destaca a avaliação da composição química dos grãos do café, na qual varia em razão das condições em que os grãos foram produzidos e processados. Tal composição depende de fatores genéticos, ambientais e condições de manejo pré e pós-colheita dos grãos [7,8].

O café ingerido, sobretudo pelo seu efeito estimulante e propriedades sensoriais, possui uma composição química bem diversificada e complexa. O grão de café é rico em sais minerais (3% a 5%), a infusão do café possui cafeína e ácidos clorogênicos cujos fazem parte do grupo dos fenólicos, niacina, sais minerais e centenas de compostos voláteis responsáveis pelo aroma e o sabor. Do ponto de vista alimentício, todos esses componentes fazem do café uma bebida saudável e rica em propriedades nutricionais. A partir dos ácidos clorogênicos, que são mais abundantes que a cafeína no café (7% a 9%), durante o processo adequado de torra, são formados inúmeros isômeros derivados do ácido quínico e do ácido cafeíco. Estes componentes são responsáveis por diferentes ações biológicas [9-12].

Os compostos fenólicos, tais como cumarinas, flavonóides e taninos, possuem propriedades oxirredutoras, conforme a oxidação de suas funções fenóis e efeitos biológicos no controle de níveis de colesterol, osteoporose e eventos carcinogênicos, bem como no aumento da capacidade antioxidante. No café, além dos fenólicos conhecidos como ácidos clorogênicos também são encontrados os ácidos proto-caféicos, ácido caféico e acido gálico. A relação entre a concentração de compostos com atividade antioxidante em alimentos e a sua real capacidade antioxidante no organismo não está completamente esclarecida. Porém, é fato que o consumo continuado de alimentos ricos em carotenóides e compostos fenólicos geralmente está associado à prevenção de vários tipos de doenças degenerativas [9-12,13].

Considerando a importância da ingestão habitual de fenólicos na dieta humana e que o teor destes compostos pode apresentar variação quanto às condições de produção e efeitos do processamento de alimentos, o objetivo do presente estudo foi quantificar os compostos fenólicos totais presentes em diferentes marcas e tipos de café comercializados em Salvador/BA

 

Figura 1 - Fluxograma para obtenção dos extratos das amostras de café.

 

Material e métodos

 

As amostras foram compostas por cafés de três marcas diferentes com apresentação dos tipos café moído, café moído descafeinado e café solúvel, cada marca. As amostras foram codificadas quanto à marca: A, B e C e subdivididas em relação ao tipo de café: tradicional, solúvel e descafeinado. Os extratos aquosos e metanólicos das amostras foram feitos em triplicata e obtidos segundo a figura 1.

Os fenólicos totais foram determinados pelo método proposto por Adolpho Lutz (14), com algumas modificações. Foram adicionados junto às alíquotas das amostras 1 mL de carbonato de sódio + 0,5 mL de reagente Folin-Ciocalteaur e avolumados para um total de 10 mL, seguidos de incubação em Banho-Maria a 55ºC/2h. A leitura foi realizada a 760nm em espectrofotômetro UV/VIS. O ácido tânico foi utilizado como padrão e uma curva analítica de 0 a 40ppm foi utilizada. Os resultados foram expressos em miligramas de ácido tânico equivalente (ATE) em 100 g da amostra (mg%).

 

Resultados

 

A tabela I apresenta os valores da média e desvio padrão dos compostos fenólicos totais quantificados nas amostras analisadas.

 

Tabela ICompostos fenólicos totais (mg%) expressos em ácido tânico equivalente das amostras de café do tipo tradicional, solúvel e descafeinado.

 

ATE = ácido tânico equivalente. mg%: miligramas de ácido tânico em 100g da amostra. Marcas A, B e C = diferentes marcas de café moído. Tradicional, solúvel e descafeinado = diferentes tipos de café.

 

Os extratos aquosos apresentaram um maior teor de fenólicos totais extraídos, exceto para a amostra A do tipo descafeinado.

Entre as amostras do tipo tradicional e solúvel, a marca C apresentou maior teor de compostos fenólicos (5995,1 mg% e 19703,4 mg%, respectivamente), já para as amostras do tipo descafeinado, a marca B apresentou uma maior quantidade desses compostos (3570,0 mg%).

Em relação ao tipo de café, os solúveis apresentaram um maior teor de fenólicos, variando de 18497,7 mg% a 19703,4 mg%. O tipo descafeinado apresentou menores valores (152,4 mg% a 3570,0 mg%).

 

Discussão

 

Segundo Andreo e Jorge [15], a água extrai com eficiência os compostos fenólicos com atividade antioxidante devido à sua polaridade, o que pode ter contribuído para uma melhor extração das amostras aquosas do presente estudo.

Rodrigues [16] em um estudo comparativo de safras de café observou que baixos teores de compostos fenólicos totais podem ser associados a ponto de torração utilizado e a maturação dos grãos de café, uma vez que a autora também evidencia que safras de cafés que possuem maior quantidade de frutos verdes, tendem a possuir maior teor de fenólicos. Rodarte et al. [17] afirmam que o ponto de torração é um fator importante para concentrações de compostos fenólicos nos grãos de café cujas torrações mais escuras tendem a degradar mais esses compostos quando comparados a torrações mais claras.

Em relação ao tipo de café do presente estudo, os solúveis apresentaram um maior teor de fenólicos. Isto possivelmente se deve ao processo de secagem ao qual este tipo de café é submetido. O café pode passar por dois tipos de secagem: atomização ou spray dried, onde o produto é obtido através de processo no qual o extrato de café, no estado líquido, é pulverizado em atmosfera aquecida e, consequente à evaporação da água, formar partículas secas [18] e a liofilização ou freeze dried que é o modo mais avançado de desidratação e muitas vezes empregado para obtenção do café solúvel. Neste ultimo, o produto retém o aroma devido às baixas temperaturas e há ausência de ar secante durante o processo [18]. Ao final de ambos os processos, o café ainda pode ser submetido à aglomeração onde o produto final é fundido para formar partículas maiores (grânulos) [19]. Como o café solúvel é feito por um processo de desidratação, é provável que o conteúdo de fenólicos apresente-se maior por haver concentração dos constituintes totais.

Marcucci e Benassi [20] observaram que cafés solúveis que passaram por processo de liofilização possuíam valores de ácidos clorogênicos e trigonelinas maiores, quando comparados a solúveis que passaram por outros processos de secagem. Os autores destacam que essa variação pode ser atribuída principalmente à matéria prima e a torração ao qual o café foi submetido.

O tipo descafeinado apresentou menores teores quando comparado aos outros tipos de café avaliados no presente estudo. Lima et al. [21] observaram que o processo de descafeinação causou a perda de 5% dos compostos fenólicos totais das suas amostras. Esta perda pode estar associada à diferença entre os teores encontrados especialmente nas amostras dos tipos descafeinado e tradicional do presente estudo.

O processo de descafeinação ou extração da cafeína é realizado antes do processo de torrefação, nos grãos crus inteiros. A maioria dos processos de extração da cafeína utiliza solventes, como diclorometano, clorofórmio, álcool, acetona, água e outros [22]. Esta extração pode favorecer a perda de parte dos compostos fenólicos carreados no processo.

Abrahão et al. [8] demonstraram que o processo de descafeinação com diclorometano causa grande alteração nos teores de compostos fenólicos, tal mudança pode interferir significativamente nas propriedades funcionais da bebida do café.

Abrahão et al. [23] avaliaram diferentes amostras de café quanto ao teor de compostos fenólicos e identificaram que as amostras consideradas de marca inferior, quando comparadas em relação ao preço, tendem a possuir maior quantidade de compostos fenólicos, contudo esses mesmos compostos se degradam mais rapidamente quando comparados a outras amostras que passaram pela mesma torração a 180ºC por 10 minutos. Neste presente estudo também foi observado que a marca com menor preço comercial (marca C) (dados não mostrados) foi a que apresentou maior quantidade de compostos fenólicos extraídos.

O consumo habitual de compostos fenólicos na dieta alimentar pode trazer benefícios quanto à redução dos radicais livres no organismo humano (24). Radicais livres são espécies reativas de oxigênio que se formam no organismo humano durante o metabolismo celular e, quando em determinadas concentrações, podem levar a um desequilíbrio denominado de estresse oxidativo. Os antioxidantes obtidos da dieta, tais como os compostos fenólicos podem inibir os processos de oxidação, pois são capazes de interceptar os radicais livres gerados pelo metabolismo celular ou por fontes exógenas, evitando a formação de lesões e perda da integridade celular. Esses compostos têm a capacidade de doar átomos de hidrogênio e, portanto, inibem as reações em cadeia provocadas pelos radicais livres [24,25].

Estima-se que uma caneca (200 mL) de Coffea arabica (arábica) contém 70 a 200 mg de ácidos clorogênicos e de Coffea canephora (robusta) contém 70 a 300 mg. Consumidores de café ingerem, diariamente, 0,5 a 1 g de ácidos clorogênicos e os abstêmios da bebida ingerem, usualmente, menos que 100 mg. O café por ser uma das maiores fontes de ácidos clorogênicos da dieta humana, consegue isoladamente suprir mais de 70% das necessidades dessas substâncias [9].

 

Conclusão

 

As amostras de café analisadas apresentaram riqueza em compostos fenólicos totais. Tanta a marca e o tipo do café apresentaram diferenças quanto aos teores encontrados. De acordo com as marcas analisadas, o tipo solúvel apresentou maiores teores de compostos fenólicos enquanto o tipo descafeinado apresentou menores teores.

Fatores como o tipo do grão usado, produção, colheita e processamento até o produto final podem contribuir para as variações do conteúdo de constituintes bioativos, especialmente os compostos fenólicos, e consequentemente caracterizarem amostras com melhor potencial funcional à saúde humana, tendo em vista as propriedades biológicas já inerentes aos polifenóis.

Demais estudos voltados para identificação destes fenólicos constituintes em cada amostra, além da comprovação de suas atividades biológicas poderão melhor caracterizar as diferentes marcas de café quanto às suas propriedades funcionais.

 

Agradecimentos

 

Ao Centro Universitário Estácio da Bahia.

 

Referências

 

  1. Organização Internacional do Café. Relatório mensal sobre o mercado de café; 2015.
  2. Companhia Nacional de Abastecimento. Acomp. da safra bras. Café;2:1-59.
  3. Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária. Bahia na vanguarda da produção de cafés especiais no Brasil, Brasília, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; 2014.
  4. Teixeira. Café faz bem à saúde? Instituto do Cérebro de Brasília. Brasília; 2008.
  5. Sebrae. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Café gourmet e orgânico: Estudos de mercado SEBRAE/ESPM 2008. Relatório completo. Série Mercado; 2007.
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