REVISÃO
Aminoácidos
de cadeia ramificada e fadiga central
Branch chain amino acids and central fatigue
Luana Milani
Pedrotti*, Roberto Fernandes da Costa**
*Bacharel
em Nutrição pela Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves, Especialista em
Nutrição Clínica e Esportiva pelo Instituto de Pesquisas, Ensino e Gestão em
Saúde (IPGS), **Pós-doutorando em Educação Física pelo Programa de
Pós-Graduação Associado em Educação Física – UEM/UEL
Endereço
para correspondência:
Luana Milani Pedrotti, IPGS, Rua Emilio Pozza, 190, Maria Goretti Bento
Gonçalves RS E-mail: nutri.luana@yahoo.com.br, Roberto Fernandes da Costa: roberto@robertocosta.com.br
Resumo
Objetivo: Revisar na
literatura a relação da suplementação alimentar utilizando aminoácidos de
cadeia ramificada (Branch Chain Amino Acids ou BCAA) com a hipótese da fadiga
central. Metodologia: Trata-se de uma
revisão bibliográfica de caráter narrativo. Resultados:
A fadiga central é uma hipótese conhecida por muitos atletas de elite. Sabe-se
que esta ocorre quando é aumentada a disponibilidade de triptofano livre. Para
interromper ou retardar o processo de fadiga central, estudos indicam o uso de
BCAA, pois estes aumentariam a captação de triptofano na barreira
hematoencefálica, diminuindo seus níveis cerebrais e, consequentemente,
retardando a fadiga central. Conclusão:
Estudos realizados nos últimos anos buscam confirmar a hipótese de que a
suplementação alimentar com BCAA pode retardar a fadiga central, porém não há
dados clínicos suficientes para a confirmação desta teoria.
Palavras-chave: aminoácidos de
cadeia ramificada, fadiga central, suplementação alimentar.
Abstract
Objective: Providing a
review of the scientific literature about the relationship between
supplementary feeding using branched-chain
amino acids (BCAA) and the central fatigue hypothesis. Methodology: This study is a narrative literature review. Results: Central fatigue is a hypothesis
known by many elite athletes. It occurs when the availability of free
tryptophan is increasing. Studies indicate that BCAA can be used in order to
interrupt or delay this process, since they increase the uptake of tryptophan
in the hematoencephalic barrier, diminishing its
level in the brain and, accordingly, delaying central fatigue. Conclusion:
Studies in recent years aim to confirm the hypothesis that dietary
supplementation with BCAA may delay central fatigue, but there are not enough
clinical data to confirm this theory.
Key-words:
branched-chain amino acids, central fatigue, supplementary feeding.
Atualmente atletas de
elite estão sofrendo, com maior frequência, de uma síndrome chamada
overtraining, que se fundamenta em uma sobrecarga progressiva de treinamento, a
qual utiliza os períodos de descanso para a reposição energética, porém esta
recuperação não é feita de forma adequada, resultando em fadiga ou diminuição
do desempenho [1].
A fadiga pode ser
definida como declínio da manutenção de força após longos períodos de trabalho
físico. As manifestações decorrentes do exercício prolongado levam o organismo
à diminuição da capacidade funcional e redução do desempenho motor. A fadiga
periférica envolve o sistema muscular e leva à perda da força e da potência
muscular. A fadiga central está relacionada ao sistema nervoso central (SNC) e
se caracteriza pela redução do envolvimento neuronal motor durante o exercício
físico, pela hipoglicemia e alteração plasmática de aminoácidos. A extensão de
ambas as etiologias varia de acordo com o tipo e intensidade do exercício
físico realizado, assim como às condições individuais do atleta e sua nutrição
envolvendo, principalmente, carboidratos, proteínas e aminoácidos [2,3].
É conhecida a importante
relação entre proteínas, carboidratos e lipídios e a atividade física de alta
intensidade e/ou longa duração. Os carboidratos servem de matéria-prima para a
produção de glicogênio muscular que é a primeira e a principal fonte de energia
utilizada durante o exercício; as proteínas são catabolizadas para que sejam melhor absorvidas pelo tecido muscular; os lipídios são
essenciais no organismo e metabolismo, além de colaborarem com o fornecimento
de energia para o exercício e sua devida recuperação.
A fadiga central
decorrente do exercício prolongado está diretamente relacionada ao aumento de
concentração cerebral de 5-hidroxitriptamina (5-HT), noradrenalina (NA) e
dopamina (DA). Por sua vez, o triptofano e a tirosina (aminoácidos) utilizam os
mesmos transportadores da 5-HT, NA e DA. Portanto durante o exercício físico, a
competição entre os transportadores é de extrema importância no controle da
fadiga, tendo em vista que o triptofano livre e baixas concentrações
plasmáticas de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) estão associados
diretamente com a hipótese de fadiga central [4-6].
Os BCAA estão
incluídos entre os nove aminoácidos essenciais que não são sintetizados pelo
organismo humano, exigindo que os mesmos sejam ingeridos por meio de dieta. A
importância dos aminoácidos de cadeia ramificada para o desempenho em atividade
física é evidente ao verificarmos que os mesmos correspondem a 35% dos
aminoácidos essenciais presentes na musculatura e são indispensáveis para a
manutenção e reconstrução do tecido muscular [7].
Para melhorar o
rendimento e diminuir a fadiga, o homem busca recursos que aprimorem a performance, sendo a suplementação alimentar um dos
principais artifícios para alcançar este objetivo. Suplementos alimentares são
classificados como recursos ergogênicos, pois são utilizados para melhoria da performance [8].
Quando falamos de
suplementação alimentar utilizando aminoácidos, podemos pensar em BCAA, pois o
aumento do consumo de BCAA pelo músculo acarreta em aumento de triptofano no
SNC. Estudos atuais colocam em foco a função dos aminoácidos de cadeia
ramificada relacionada ao controle e manutenção da fadiga central [4].
Percebe-se que, além
da adequação da dieta, a suplementação nutricional com aminoácidos de cadeia
ramificada tem relação direta com a melhora do rendimento e da performance de atletas que realizam exercícios de alta
intensidade e/ou longa duração, com a redução da fadiga central. Para o melhor
entendimento desta relação e possíveis estudos posteriores, o objetivo desta
revisão da literatura foi identificar a relação entre a suplementação de BCAA e
a fadiga central, bem como seus resultados.
Trata-se de uma
revisão bibliográfica do tipo narrativo sobre BCAA e fadiga central. A busca
retrospectiva se limitou aos artigos originais, como estudos clínicos
randomizados e não randomizados, transversais, prospectivos, de coorte, de base
populacional, no período de 1998 a 2013, envolvendo apenas seres humanos de
ambos os sexos e todas as idades, assim como os tipos de atividades físicas.
Estudos que não se enquadram nos critérios de inclusão descritos acima foram
excluídos da revisão.
O levantamento
bibliográfico foi realizado nas bases de dados pertencentes à Literatura
Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific
Eletronic Library Online (Scielo) e PubMed.
Foram
utilizados os
seguintes descritores: “Aminoácidos de cadeia
ramificada”; “BCAA”; “fadiga
central”; “Suplementação de BCAA”;
“Benefícios do uso de BCAA”; “branched-chain
amino acids”; “central fatigue”; “Supplementary
feeding”.
Síndrome
de overtraining
A Síndrome de overtraining está configurando-se como a
consequência mais frequente em atletas de elite. É caracterizada pelo excesso
de treinamento e tem como sintomatologia a diminuição do desempenho. Atletas de
elite assumem rotinas baseadas em uma estratégia de treinamento chamada Teoria da Supercompensação, na qual são utilizados
os períodos de descanso para repor as reservas energéticas utilizadas durante o
exercício físico, porém não há um equilíbrio entre a energia gasta e a
quantidade reposta, caracterizando a supercompensação [1].
Além da diminuição do
desempenho, é observado, também, a perda de peso,
diminuição da massa muscular, diminuição da glicemia e de glicogênio,
diminuição de testosterona, aumento de catecolaminas e cortisol. O atleta pode
demonstrar sinais de irritabilidade, depressão, perda do apetite, alterações no
sono e apresenta mais propensão a adquirir infecções [1,9].
Dentre as possíveis
hipóteses etiológicas da síndrome de overtraining,
encontra-se a fadiga central. Estra hipótese se embasa no fato de que, durante
a atividade física de alta intensidade e/ou duração, o hipotálamo aumentaria a
captação de triptofano, resultando em maior síntese de serotonina, o quê, por
sua vez, seria um episódio desencadeante da fadiga central [1].
Fadiga
central
A serotonina (5-HT),
assim como a adrenalina, a noradrenalina e a dopamina são classificadas como
neurotransmissores. Estes neurotransmissores possuem grupos funcionais que
regulam importantes vias do metabolismo e são sintetizados a partir da
descarboxilação de aminoácidos aromáticos (fenilanina, tirosina e triptofano).
O triptofano é um aminoácido essencial e através deste a serotonina é obtida.
Os níveis de 5-HT cerebrais relaciona-se a alterações comportamentais, tais
como o humor, ansiedade, agressividade, sono, diminuição de apetite, fadiga,
entre outros [10,11].
O triptofano,
juntamente com outros cinco aminoácidos essenciais (leucina, isoleucina,
valina, tirosina e fenilalanina), compete na barreira hematoencefálica pelo
transporte e posterior síntese de serotonina cerebral. Entre estes cinco
aminoácidos essenciais, o que possui menor concentração plasmática é o
triptofano. Os mecanismos que aumentam a concentração de triptofano aumentam,
provavelmente, a síntese de serotonina cerebral [10].
A produção de
serotonina cerebral pode ser influenciada pela quantidade de triptofano total
no plasma, pelo transporte de triptofano livre pela barreira hematoencefálica e
pela atividade da enzima triptofano hidroxilase. Estudos indicam que a
alteração da serotonina cerebral é a causa do efeito denominado fadiga central.
A fadiga central pode estar relacionada à nutrição, a depressão, síndrome
pré-menstrual, insônia, entre outras, e pode ser um indicativo de que a
intensidade do treinamento deve ser reduzida [10,11].
Durante o exercício
de longa duração e/ou intensidade, os aminoácidos de cadeia ramificada são
captados pelo músculo esquelético para serem oxidados, com o intuito de
produzir energia para a realização do exercício físico; concomitantemente à
captação dos aminoácidos, ocorre a queda da glicemia. Com a redução de
aminoácidos de cadeia ramificada na barreira hematoencefálica, ocorre aumento
da captação do triptofano. Paralealemente, o organismo começa a utilizar os
ácidos graxos com fins energéticos. O triptofano compete pelo mesmo
transportador dos ácidos graxos e, como consequência, aumenta a disponibilidade
de triptofano livre. O resultado desta competição é a maior produção de
serotonina cerebral, que desencadeia a fadiga central precoce [10,11].
O processo da fadiga
durante o exercício físico pode estar relacionado ao nível central e fatores
periféricos que são influenciadas pela intensidade e duração do exercício, o
consumo alimentar, e o estado de treinamento do indivíduo [11].
Suplementação
e a fadiga central
A suplementação
alimentar para atletas apresenta reações positivas quanto a diminuição nos
desgastes físicos, reposição energética e, consequentemente, o aumento da performance. Esses benefícios aumentam o interesse de
atletas pela suplementação, pois além de melhorar o desempenho, a suplementação
não deixa de lado os aspectos estéticos. Sabe-se que a fadiga relaciona-se,
também, com a alimentação e as condições nutricionais do atleta, portanto
torna-se de extrema importância um controle nutricional do atleta, utilizando
de suplementação para obtenção dos resultados esperados, assim como a
diminuição da fadiga.
É conhecido que os
BCAA correspondem a aproximadamente 35% dos aminoácidos presentes em proteínas
musculares e não são produzidas pelo organismo (8). Portanto, ao pensar em
suplementação alimentar, a presença de aminoácidos se torna uma alternativa
importante.
Atualmente, o foco da
suplementação está voltado para a ingestão de BCAA antes e durante o exercício
físico como uma tentativa de compensação metabólica. Esta ingestão pode
influenciar o desempenho físico e diminuir a fadiga, pois se sabe que o consumo
de BCAA diminui níveis cerebrais de serotonina. Com isso, a suplementação com
BCAA comprovaria que a serotonina está diretamente ligada à fadiga [12].
Estudos atuais
propõem que a ingestão de BCAA durante o exercício de alta intensidade e
duração pode minimizar o aumento da razão entre as concentrações plasmáticas de
triptofano livre e aminoácidos de cadeia ramificada, pois os aminoácidos
restringem a entrada de triptofano na barreira hematoencefálica, diminuindo a
taxa de síntese de serotonina, aumentando a capacidade de realização do
exercício de alta performance, indo ao encontro da
teoria da fadiga central [4].
Como consequência
desta hipótese, o início da fadiga central seria retardado, aumentando, assim,
o desempenho do atleta [8].
Diante da hipótese da
fadiga central estar relacionada a neurotransmissores e a ingestão de
aminoácidos de cadeia ramificada, houve um grande interesse envolvendo
pesquisas na área de nutrição esportiva para a possível confirmação desta
hipótese. Porém evidenciou-se, com este estudo, que o uso de aminoácidos de
cadeia ramificada e sua relação com a fadiga central não está bem estabelecida.
Estudos a respeito deste tema não possuem conclusões decisivas que indiquem
redução na fadiga em atletas de alta performance.
Verifica-se que o relato de fadiga diminui, porém os níveis séricos dos
elementos citados anteriormente não modificam de forma a confirmar a teoria.
Observaram-se, também, relatos da diminuição da fadiga cognitiva após
exercícios de alta intensidade e/ou duração.
Percebeu-se
a
necessidade da realização de novos estudos com um maior
tamanho amostral e
critérios de inclusão, exclusão e métodos
pré-definidos de forma universal para
padronização dos dados e a possível
confirmação ou exclusão da relação
entre a
suplementação utilizando aminoácidos de cadeia
ramificada com a hipótese da
fadiga central.