RELATO DE CASO

Contagem de carboidratos para adolescente com diabetes mellitus tipo 1: introdução do manejo nutricional

Carbohydrate count for adolescent with diabetes mellitus type 1: introduction of nutritional management

 

Gelvani Locateli*, Mariluci dos Santos Fortes**, Caroline de Maman Oldra**, Késia Zanuzo***, Márcia Fernandes Nishiyama, D.Sc.****, Eloá Angélica Koehnlein, D.Sc.****

 

*Nutricionista graduada pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus Realeza/PR, **Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus Realeza/PR, ***Nutricionista graduada pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALLE, responsável técnica pela Clínica Escola de Nutrição da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus Realeza/PR, ****Doutora em Ciências de Alimentos pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Docente na Universidade Federal da Fronteira Sul, Realeza/PR

 

Recebido 18 de maio de 2017; aceito 15 de outubro de 2018.

Correspondência: Eloá Angélica Koehnlein, Universidade Federal da Fronteira Sul, Curso de Nutrição, Rua Edmundo Gaievski, 1000 Rodovia PR 182, km 466, 85770-000 Realeza PR, Email: eloa.koehnlein@uffs.edu.br; Gelvani Locateli: gelvanilocateli@gmail.com; Mariluci dos Santos Fortes lucci.utfpr@gmail.com; Caroline de Maman Oldra: carol.dmaman@gmail.com; Késia Zanuzo : kesia.zanuzo@uffs.edu.br; Márcia Fernandes Nishiyama: marcia.nishiyama@uffs.edu.br

 

Resumo

Introdução: O Diabetes Mellitus (DM) é uma desordem metabólica caracterizada por hiperglicemia crônica, e possui importante prevalência mundial. Na DM tipo 1, ocorre a destruição das células pancreáticas responsáveis pela produção de insulina. Objetivo: Relatar o manejo nutricional de uma paciente adolescente com recente diagnóstico de DM tipo 1. Métodos: Foram avaliados os parâmetros antropométricos, dietéticos e bioquímicos da paciente, adolescente de 11 anos e 6 meses. Resultados: Esta encontrava-se eutrófica para a idade e havia iniciado o uso de análogos de insulina. A fim de otimizar o tratamento, introduziu a contagem de carboidratos com correção de bolus de insulina, adaptando o plano alimentar e lista de substituição. Ainda, foi elaborado um material educativo com dicas para correção de hipoglicemia.

Palavras-chave: diabetes mellitus, doença crônica, terapia nutricional.

 

Abstract

Introduction: Diabetes Mellitus (DM) is a metabolic disorder characterized by chronic hyperglycemia, and has a significant global prevalence. In DM type 1, the destruction of pancreatic cells is responsible for insulin production. Objective: We aimed to report the nutritional management of a adolescent patient with a recent diagnosis of DM type 1. Methods: The anthropometric, dietary and biochemical parameters of the patient were evaluated, which was an adolescent of 11 years and 6 months. Results: The adolescent was eutrophic for her age and had initiated the use of insulin analogues. In order to optimize the treatment, we introduced carbohydrate counting with insulin bolus correction, adapting the meal plan and replacement list. In addition, an educational material was developed with tips for correction of hypoglycaemia.

Key-words: diabetes mellitus, chronic disease, nutrition therapy.

 

Introdução

 

O Diabetes Mellitus (DM) se refere a uma desordem metabólica de etiologia múltipla, sendo caracterizada por hiperglicemia crônica devido a defeitos na secreção ou ação da insulina, o que pode vir a desencadear complicações macro e microvasculares, assim como outras complicações metabólicas [1], de modo que é a quinta maior causa de morte no mundo [2].

Estima-se que 387 milhões de indivíduos no mundo sejam diabéticos, com previsão de chegar a 471 milhões em 2035. Destes, em torno 80% se encontram em países em desenvolvimento. No Brasil, em 2014, estimou-se que haveria 11,9 milhões de pessoas, entre 20 e 79 anos, com esta patologia [3].

De acordo com a etiologia, o DM pode ser classificada em DM tipo 1, tipo 2, outros tipos específicos e DM gestacional. No caso desta primeira, a mesma pode ser mediada imunologicamente, em que ocorre a destruição das ilhotas de Langerhans por meio de um processo autoimune, ou de origem idiopática, sendo este tipo responsável por 5 a 10% dos casos de DM [4].

Ainda, destaca-se que a DM tipo 1 afeta comumente crianças e adolescentes, podendo acontecer em qualquer outra faixa etária, porém com menor frequência [5]. Deste modo, o presente estudo teve por objetivo relatar o manejo nutricional de uma paciente adolescente com recente diagnóstico de DM tipo 1.

 

Relato de caso

 

A paciente analisada era uma adolescente, do gênero feminino, com 11 anos e seis meses de idade, de naturalidade francesa, residente no Rio de Janeiro/RJ e estava de férias, visitando familiares no sudoeste paranaense, quando, em consulta médica, veio a receber o diagnóstico de DM tipo 1. Relatou perda rápida de peso, poliúria, polidpsia, odor cetônico e tonturas, sinais que contribuíram para o diagnóstico da paciente. Ainda, mencionou antecedentes familiares da patologia.

Os familiares da paciente procuraram o acompanhamento nutricional em uma Clínica Escola de Nutrição de uma Universidade, onde o atendimento foi realizado por uma acadêmica do curso de Nutrição, orientada por uma docente da área clínica. O motivo da consulta foi informar-se sobre os cuidados necessários no DM tipo 1, assim como para ajustar o uso de análogos da insulina, uma vez que foi iniciado o tratamento com os mesmos, sendo utilizado insulina de ação ultrarrápida, na dosagem de três Unidades Internacionais (UI) antes das principais refeições (café da manhã, almoço e jantar) e insulina de ação prolongada, fazendo uso de 20 UI pela manhã.

 

Diagnóstico nutricional

 

Na primeira consulta, no dia 4 de agosto de 2016, a paciente pesava 31,8 kg e media 142,6 cm, com Índice de Massa Corporal (IMC) de 15,8 kg/m2, observando que se encontrava eutrófica, tanto em relação a estatura para a idade, quanto ao IMC para a idade [6].

Ainda, após coletar a prega cutânea tricipital (PCT) e prega cutânea subescapular (PSE), encontrando os valores de 15 e 4, respectivamente, verificou-se um percentual de gordura corporal adequado (23,08%), de acordo com Deurenberg, Pieters e Hautvast [7]. Já, ao analisar a Área Muscular do Braço corrigida (AMBc) (12,36 cm), percebeu-se depleção muscular, uma vez que a mesma foi classificada em desnutrição grave, conforme Frisancho [8].

No que diz respeito aos exames laboratoriais que a paciente trouxe em sua consulta, observou-se que hemoglobina, hematócrito, fósforo inorgânico, frutosamina e glicemia de jejum estavam alterados em relação aos valores de referência (tabela I).

 

Tabela I - Exames laboratoriais realizados pela paciente em 16 de julho de 2016.

 

*Valores de referência de acordo com o estabelecido pelo laboratório responsável pelos exames.

 

Avaliação dietética

 

Aplicou-se um Recordatório de 24h (R24h), em que percebeu-se a realização de 5 refeições diárias, com dieta normocalórica, hipoglicídica, normoproteica e hiperlipídica, quando comparado às recomendações do Institute of Medicine [9]. Ainda, no que diz respeito às frações lipídicas, observou-se importante ingestão de ácidos graxos saturados e colesterol (tabela II), o que pode ser justificado devido ao consumo de manteiga, relacionado ao hábito alimentar da paciente.

 

Tabela II - Ingestão calórica e distribuição de macronutrientes conforme análise de Recordatório de 24h relatado pela paciente, 2016.

 

*Recomendações conforme Institute of Medicine (2002).

 

Conduta nutricional

 

O gasto energético da paciente foi calculado através das fórmulas propostas pelo Institute of Medicine [9] e o plano alimentar sugerido visava atender as necessidades energéticas da paciente, o controle glicêmico, preferindo alimentos de médio e baixo índice glicêmico e adequada oferta de fibras [2], sendo ajustado ao método de contagem de carboidratos.

Com isso, alcançou-se 1749 kcal, das quais 56,6% eram provenientes de carboidratos, e 17,72% e 25,67% de proteínas e lipídios, respectivamente, o que está de acordo com a recomendação da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) [2] para a distribuição de macronutrientes.

Foram ofertados 244,86 g de carboidratos, divididos em 6 refeições diárias, de acordo com a tabela III. No plano alimentar, havia o teor de carboidrato de cada alimento e o total destes estava disponível ao final de cada refeição. Assim, a paciente foi orientada a realizar a contagem de carboidratos, simulada durante a consulta, e dividir o total destes da refeição por 15, a fim de saber quantas UI de insulina seriam necessárias, uma vez que 1 UI de insulina ultrarrápida seria utilizada para cobrir 15 g de carboidratos. Também foi salientada a importância de medir a glicemia antes e duas horas após as refeições, com a finalidade de conhecer a relação insulina-carboidrato da paciente.

 

Tabela III - Distribuição de carboidratos entre as refeições sugeridas.

 

 

Ainda, elaborou-se uma lista de substituição com a contagem de carboidratos [10,11], de maneira a possibilitar maior autonomia a paciente, no que diz respeito às suas escolhas alimentares, sendo orientado quanto a substituição dos alimentos e como proceder na contagem de carboidratos, conforme citado anteriormente. Assim como, foi entregue uma orientação nutricional para correção do quadro de hipoglicemia, frente a relato deste por familiares que acompanhavam a paciente.

Devido à disponibilidade de diversos produtos diet no mercado, optou-se por apresentar estas opções a paciente, demonstrando como identifica-los e o que observar em sua rotulagem, por meio da utilização de embalagens destes produtos. De modo que a paciente esteja apta a escolher adequadamente os mesmos.

 

Discussão

 

Em relação aos exames laboratoriais, a glicemia ≥ 126 mg/dl é utilizada para o diagnóstico no DM [2], enquanto que a frutosamina reflete o controle glicêmico praticado nas três últimas semanas [12]. Ainda, no que diz respeito ao fósforo plasmático diminuído, destaca-se que os diabéticos descompensados são propensos a apresentar hipofosfatemia, o que geralmente está relacionado a cetoacidose diabética, sendo ocasionado por perda renal de fósforo associado a glicosúria e pelo uso de insulina durante crises hiperglicêmicas [13,14].

O uso de análogos de insulina na DM tipo 1 é essencial para o controle glicêmico, uma vez que se constitui em um tratamento de reposição insulínica, visto que o organismo não produz adequadamente este hormônio [15]. E a contagem de carboidratos com correção de bolus de insulina tem sido apontado como um dos melhores métodos de tratamento para DM tipo 1 [16-18], de maneira que propicia melhor controle glicêmico, segundo Yamada et al. [18] e Fu et al. [19].

A adesão ao tratamento é de suma importância e parece estar relacionado a aceitação da doença, sensibilização e conscientização para o autocuidado [20], de modo que atividades educativas em saúde apresentam bons resultados para a mesma, ao passo que esclarece aspectos da doença e do tratamento [21].

Ainda, destaca-se que esta patologia influencia diretamente a qualidade de vida dos pacientes, assim como fatores aspectos sociodemográficos, psicossociais e familiares. Assim, é de suma importância o acompanhamento destes pacientes por equipe multiprofissional capacitada para instruir pacientes e familiares na autogestão e monitorização da DM [22-24].

 

Referências

 

  1. Ferreira LT, Saviolli IH, Valenti VE, Abreu LC. Diabetes melito: hiperglicemia crônica e suas complicações. Arq Bras Cien Saude 2011;36(3):182-8. https://doi.org/10.7322/abcs.v36i3.59 
  2. SBD. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2015-2016. Sociedade Brasileira de Diabetes 2015-2016. http://www.diabetes.org.br/sbdonline/images/docs/DIRETRIZES-SBD-2015-2016.pdf
  3. International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas. 6a ed. Brussels: International Diabetes Federation; 2014.
  4. Maraschin JF, Murussi N, Witter V, Silveiro SP. Classificação do diabete melito. Arq Bras Cardiol 2010;95(2):40-7. https://doi.org/10.1590/s0066-782x2010001200025 
  5. Santos MCD. Alterações na qualidade de vida de portadores de Diabetes Mellitus tipo I. [TCC]. Brasília: Universidade de Brasília e Universidade Estadual de Goiás, Curso de Licenciatura em Biologia a Distância; 2011.
  6. OMS. WHO Child Growth Standarts; 2007. http://www.who.int/childgrowth/en/.
  7. Deurenberg P, Pieters JJL. Hautvast JGAJ. The assessment of the body fat percentage by skinfold thickness measurements in childhood and young adolescence. Brit J Nutr 1990;63:293-303. https://doi.org/10.1079/bjn19900116 
  8. Frisancho AR. Anthropometric standards for the assessment of growth and nutritional status. Michigan: The University of Michigan Press; 1990.
  9. Institute of Medicine. Dietary Reference Intakes: applications in dietary assessment. Washington DC: The National Academy Press, 2002.
  10. Brasil. Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
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  13. Ferreira ILA, Gut AL, Stefano LM. Padronização de condutas em terapia intensiva. Botucatu: Clínica Médica; 2011.
  14. Neto DL, Pires AC. Crises hiperglicêmicas agudas no diabetes mellitus. Aspectos atuais. Rev Bras Med 2010;8(3):246-53.
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