Asfalto e mortadela
DOI:
https://doi.org/10.33233/nb.v14i3.218Resumo
Já se conhece o efeito domino do asfaltamento na floresta amazônica, como no caso da BR-319 que liga Manaus ao Rondônia, em andamento há 40 anos e sem conclusão prevista. O efeito perverso, neste caso como em inúmeros outros casos estudados há 50 anos, é que a abertura de estradas desencadeia uma serie incontrolável de fenômenos como migrações de populações, grilagem e principalmente desmatamento, tornando o projeto inicial, baseado em evidências desenvolvimentistas, em enorme buraco financeiro e ambiental.
A bioantropóloga americana Barbara Piperata (Universidade do Ohio, Estados Unidos) estudou o "efeito mortadela" que é para a nutrição o que o asfalto é para a floresta.
A alimentação da população dos ribeirinhos da Floresta Nacional de Caxiuanã/PA é baseada em pescada e mandioca e, às vezes, animais de caça local. Com o programa Bolsa Família, esta população teve acesso maior a alimentos comprados, como arroz e feijão, e também biscoitos, mortadela e outros produtos transformados, comprados nas distantes cidades da vizinhança.
A antropóloga, que ficou 2 anos na região, constatou o aumento de peso entre as mulheres da comunidade após o Bolsa Família, apesar da diminuição da ingestão total de carboidratos. Isso se explicaria pela menor necessidade de cultivar a mandioca (a metade dos lares abandonaram esta cultura tradicional), e consequentemente pela diminuição da atividade física. Observou também uma diminuição das medidas musculares dos braços, confirmando a queda do esforço físico necessário a manutenção da roça.
O Bolsa Família não é o único fator responsável desta situação, porque, no mesmo período, tive melhoras dos salários, das aposentadorias, acesso a bens de consumo como geladeiras e televisores. Mas a distribuição de recursos sem educação não protege da insegurança alimentar nem da deficiência nutricional, bem como a política de construção de rodovias, programada para facilitar a comunicação, acaba destruindo a floresta.
Referências
Piperata BA, Spence JE, da Gloria P, Hubbe M. The nutrition transition in Amazonia: Rapid economic change and its impact on growth and development in Ribeirinhos. American Journal of Physical Anthropology 2011;146:1-13.
Piperata BA, Ivanova SA, da Gloria P, Veiga G, Polsky A, Spence JE, Murrieta RSS. Nutrition in transition: dietary patterns of rural Amazonian women during a period of economic change. American Journal of Human Biology 2011;23:458-69.