ARTIGO
ORIGINAL
Efeito
da crioterapia no senso de posição articular em adultas saudáveis
Effect of cryotherapy on joint position sense in healthy adult
Karla de Cássia da
Silva Vieira, Ft.*, Lana Brandl, Ft.*, Patrícia Fanhani, Ft.*, Priscila Regina
Vigo, Ft.*, Rosiane Livi, Ft.*, Fernando Amâncio Aragão, D.Sc.**,
Gladson Ricardo Flor Bertolini***
*Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), **Docente do curso de Fisioterapia da
UNIOESTE, ***Docente do curso de Fisioterapia e Mestrado em Biociências e Saúde
(UNIOESTE)
Recebido em 26 de
janeiro de 2017; aceito em 8 de março de 2017.
Endereço
para correspondência:
Gladson Ricardo Flor Bertolini, Rua Universitária, 2069, Jardim Universitário,
85819-110 Cascavel PR, E-mail: gladson_ricardo@yahoo.com.br; Karla de Cássia da
Silva Vieira: karlacsv@hotmail.com; Lana Brandl: lana_bran@yahoo.com.br;
Priscila Regina Vigo: pri.vigo@hotmail.com; Rosiane Livi:
rosiane.livi@hotmail.com; Fernando Amâncio Aragão: feraaragao@gmail.com
Resumo
A propriocepção é
definida como a capacidade de perceber a posição e o movimento dos segmentos
corpóreos, sendo fundamental no equilíbrio postural e da cinestesia. O
equilíbrio pode ser influenciado por diferentes fatores, dentre os quais a
crioterapia, que pode causar redução da atividade do fuso muscular, da junção
neuromuscular e dos nervos periféricos. Como resultado, os receptores
periféricos tornam-se menos excitáveis e a resposta do fuso muscular ao
alongamento diminui, podendo alterar, assim, a propriocepção. Objetivo: Avaliar a propriocepção de
estudantes universitárias sadias, antes e após crioterapia na articulação do
joelho. Material e métodos: A amostra
foi composta por 24 estudantes, dividida em grupo controle (GC) e grupo
experimental (GE). O GE submetido à crioterapia por meio de sacos plásticos com
gelo e água posicionados sobre a patela e na região poplítea do joelho
dominante, durante 30 minutos. As participantes foram avaliadas pré e
pós-crioterapia por meio do teste Tativo, a partir do qual foram obtidas as
médias e erros a partir do ângulo de 30° pré-determinado. Resultados e conclusão: A crioterapia aplicada em 30 minutos não
teve influência sobre o senso de posição articular do joelho de adultas
saudáveis.
Palavras-chave: propriocepção,
cinestesia, crioterapia, modalidades de fisioterapia.
Abstract
The proprioception is defined as the ability to sense the position and
movement of body segments, being instrumental in postural balance and
kinesthesia. The balance can be influenced by different factors, among which
cryotherapy, which can cause reduction in muscle spindle, neuromuscular
junction and peripheral nerve activity. As a result, the peripheral receptors
become less excitable and response of the muscle spindle stretch decreases, and
can change proprioception. Objective:
To evaluate proprioception in healthy university students before and after
cryotherapy in the knee joint. Methods:
The sample consisted of 24 students, divided into control group (CG) and
experimental group (EG). Being EG subjected to the cryotherapy through plastic
bags with ice and water positioned over the patella and the popliteal region of
the knee dominant, for 30 minutes. The participants were evaluated by pre-and post cryotherapy by Tative test,
from which the average was obtained and errors from the 30° angle
predetermined. Results and conclusion:
Cryotherapy applied in 30 minutes had no influence on the joint position sense
of the knee healthy adult.
Key-words:
proprioception, kinesthesis, cryotherapy, physical therapy modalities.
Propriocepção é o
termo usado para descrever todas as aferências neurais originadas dos
mecanoceptores das articulações, músculos, tendões e tecidos profundos que são
transmitidas em forma de impulso neural codificado para os vários níveis do
SNC, para que as informações a respeito das condições dinâmicas ou estáticas,
equilíbrio ou desequilíbrio e relações biomecânicas de estresse/distensão
possam ser verificadas [1].
Há vários tipos de
receptores proprioceptivos nos tecidos conectivos de articulações, como as
terminações de Rufini, as terminações de Golgi, os corpúsculos de Pacini e
também terminações nervosas livres. Eles respondem a mudanças de ângulo,
direção e velocidade de movimento de uma articulação [2]. Desse modo, a
propriocepção torna-se fundamental no equilíbrio postural e na cinestesia [3].
Alguns fatores podem
influenciar diretamente a estabilidade, tais como progressão da idade, fraqueza
muscular, movimentos respiratórios, respostas visuais e também tem sido
estudado o efeito da crioterapia [4].
O termo crioterapia é
utilizado para descrever a aplicação de modalidades de frio que têm uma
variação de temperatura de 0°C a 18,3°C. O efeito fisiológico do frio é a
redução da atividade do fuso muscular, junção neuromuscular e nervos
periféricos. Como resultado, a percepção da dor e a contratilidade do músculo
diminuem, os receptores periféricos tornam-se menos excitáveis e a resposta do
fuso muscular ao alongamento diminui [5].
A crioterapia é um dos fatores que podem
influenciar a propriocepção. A diminuição da temperatura altera a atividade do
fuso muscular, junção neuromuscular e nervos periféricos [6]. Além de a dor e a
contratilidade do músculo diminuírem, os receptores
periféricos tornam-se menos excitáveis e a resposta do fuso muscular ao
alongamento diminui [7,8].
Neste contexto,
surgiram estudos como de Khanmohammadi [9] e Dover e Power [10] referentes à
influência da crioterapia sobre a propriocepção. Contudo, os resultados
encontrados são contraditórios para a mesma articulação. Deste modo, o presente
projeto se justifica por avaliar a propriocepção antes e após a crioterapia e
comparar com a literatura presente. O objetivo do presente estudo foi avaliar a
propriocepção, de acordo com o senso de posição articular, de estudantes
universitárias sadias, antes e após crioterapia na articulação do joelho.
O estudo
constituiu-se em um ensaio clínico randomizado, com amostra composta por 24
estudantes do sexo feminino da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), convidadas de forma verbal. As participantes foram distribuídas em
grupo controle (GC) e grupo experimental (GE), mediante sorteio e submetidas à
avaliação de triagem para identificação de possíveis fatores de não inclusão.
Foram incluídas no
estudo: estudantes maiores de 18 anos e que possuíssem IMC entre 18 e 25 kg/m².
Não foram incluídas as estudantes que relataram qualquer acometimento crônico
de ordem musculoesquelética nos membros inferiores ou agudo ocorrido nos
últimos dois meses; diabéticas; usuárias de drogas que afetem o sistema nervoso
central ou o equilíbrio, tais como os sedativos ou ansiolíticos; com história
de cirurgia nos membros inferiores; que estivessem participando de qualquer
programa de reabilitação para membros inferiores; que apresentassem sinais e
sintomas de doenças dermatológicas no membro estudado. Foram excluídas as
voluntárias incapazes de tolerar a sessão de crioterapia pelo período de meia
hora.
A pesquisa
desenvolvida no Laboratório de Pesquisa do Equilíbrio e Movimento (LAPEM), da
clínica de fisioterapia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE),
consistiu em avaliar de forma ativa, o senso de posição articular (Tativo) do
joelho dominante das participantes, pré e pós-crioterapia por meio de
cinemetria. Os testes foram desenvolvidos em ambiente preparado para coletas de
filmagem, em plano bidimensional, utilizando-se uma câmera de vídeo (Panasonic®
NV GS180 3CCD) com frequência de amostragem de 30Hz
conectada ao software VirtualDub
1.8.8 (build 30091/release). A câmera
foi posicionada perpendicularmente ao eixo da articulação do joelho, a uma
distância fixa e que permitia o enquadramento completo do movimento de
flexo-extensão.
Inicialmente, durante
o protocolo de coleta de dados, as voluntárias permaneceram sentadas em uma
mesa, de forma que seus pés pudessem se mover livremente. A seguir, três
marcadores de isopor (3 cm diâmetro) foram fixados no
trocânter maior do fêmur, côndilo lateral do fêmur e maléolo lateral do membro
inferior dominante. Uma pequena almofada foi posicionada sob a fossa poplítea,
no intuito de facilitar os movimentos, e concomitantemente um flexímetro, da
marca Sammy®, foi ajustado na região do tornozelo a fim de guiar as variações
de angulação. Subsequentemente foram ministradas às voluntárias orientações
referentes aos testes e posicionamentos esperados durante a execução da
mensuração, e as mesmas deveriam manter a coluna ereta durante toda a filmagem.
As participantes permaneceram com os olhos vendados, intencionando-se remover
as informações visuais e receberam um sinalizador luminoso, o qual foi acionado
e desligado ao toque do botão, este sincronismo luminoso objetivou informar a
voluntária e ao avaliador o momento em que o ângulo esperado era atingido,
ponto no qual foi avaliada a posição articular.
O teste ativo pré-crioterapia foi utilizado para determinar a referência da posição articular e familiarizar o sujeito com esta posição. Para a realização deste teste, a articulação foi posicionada inicialmente a 90°; em seguida, um único avaliador fixava o flexímetro logo acima do tornozelo do membro inferior dominante da voluntária, levando o membro da mesma até o ângulo pré-determinado de 60° e mantendo por 10 segundos, conforme figura 1. Uma vez atingida a posição referida, um sinal luminoso foi disparado por um segundo avaliador, posicionado próximo ao local onde o teste estava sendo executado. O tempo foi cronometrado por um terceiro avaliador, responsável pela captura das imagens, e foi respeitado para que as voluntárias pudessem se familiarizar com a posição articular que deveria ser executada nos testes subsequentes.
Figura
1 - Demonstração do posicionamento da
voluntária, durante avaliação.
Uma vez tendo
completado a familiarização ao teste, o avaliador retornava o membro para
posição inicial passivamente. Foi então solicitado à voluntária que realizasse
o mesmo movimento ativamente, cessando ao encontrar posição que acreditasse ser
60º, ativando o sinalizador luminoso. Cada participante realizou três
tentativas, admitindo-se as médias dos ângulos mantidos após a familiarização.
Ao final do teste, o
grupo experimental (GE) foi submetido à crioterapia por um período de 30
minutos. As voluntárias foram solicitadas a sentar-se com extensão do joelho
avaliado. Dois sacos plásticos contendo 800 gramas de gelo e 200 ml de água
foram dispostos na articulação do joelho, sendo um sobre a patela e outro
abaixo da região poplítea, sem quaisquer fixações.
O grupo controle (GC)
procedeu igualmente os testes, sendo posicionados da mesma forma que o GE
durante os 30 minutos, porém sem aplicação de crioterapia.
O Tativo
pós-crioterapia foi realizado imediatamente após o tratamento com o GE, e sem o
tratamento com o GC, seguindo os parâmetros descritos no teste pré.
Terminada a coleta,
os vídeos foram salvos e armazenados em um computador, sendo cada vídeo
desentrelaçado em quadros (60 frames).
Os quadros correspondentes ao início do teste e ao momento em que o sinalizador
luminoso foi acionado, tanto no procedimento de familiarização quanto na
reprodução do ângulo, foram editados no software
Kinovea®, objetivando-se identificar o ângulo de início e o ângulo alcançado
pelo movimento, respectivamente.
As médias dos testes
e os erros (valor alcançado pelo teste subtraído do valor da familiarização) de
cada voluntária foram avaliados por meio dos testes de Kolmogorov-Smirnov para
verificar a distribuição normal; teste t de student pareado para comparações intra-grupos e teste t de student não pareado para
comparações intergrupos. Para os procedimentos estatísticos
adotou-se α < 0,05.
Da amostra de 24
mulheres, houve perdas de dados por problemas técnicos no local de
armazenamento, tornando alguns vídeos inviáveis para a análise. Os dados
avaliados foram de uma amostra final de 8 voluntárias
do GE e 7 voluntárias do GC.
A análise realizada
demonstrou distribuição normal para ambos os grupos, mediante teste de
Kolmogorov-Smirnov (? < 0,05).
As médias da
angulação dos joelhos das participantes após familiarização, representadas no
gráfico 1, demonstram valores entre 45 e 60 para o
grupo controle, e valores entre 45 e 65 graus para grupo experimental.
G1 = Grupo Controle
(GC); G2 = Grupo Experimental (GE). AV1 =avaliação pré-intervenção (AV pré);
AV2 = Avaliação pós-intervenção (AV pós).
Figura
2 - Gráfico representativo para os valores
obtidos nos diferentes grupos, nas diferentes avaliações.
Os valores de erro
entre o pré e pós-teste estão representados na tabela I e não foram
identificadas diferenças significativas (p > 0,05). Os erros do grupo
experimental e controle, analisados intragrupos (pelo teste t pareado) e
intergrupos (teste t não pareado) também não identificaram diferenças
significativas entre os momentos pré e pós-teste.
Tabela
I – Avaliação intragrupos e intergrupos das
médias e erros, de acordo com os grupos de avaliação (GC – grupo controle; GE –
grupo experimental) e os momentos avaliados (pré e pós).
Comparando os valores
dos erros entre as avaliações iniciais (vistos na tabela I), não foram
encontradas diferenças, assim como quando comparados os erros entre os testes
pós-intervenção. As igualdades ocorreram tanto entre as avaliações para o mesmo
grupo, como entre os grupos, nos diferentes momentos de avaliação.
As
informações de
mecanoreceptores unem-se às informações do fuso
muscular e de receptores
cutâneos para serem interpretadas pelo cérebro visando
estimar a posição
angular articular. Logo, a remoção de um dos receptores
é compensada por outros
na estimativa da posição, porém há
redução da capacidade de adaptação ou da
qualidade da resposta [2]. Deste modo, o gelo poderia influenciar nesta
capacidade, visto que produz efeitos fisiológicos que reduzem a
atividade dos
receptores periféricos, elevando o seu limiar de disparo, ou
seja, aumenta seu
período refratário e diminui a estimulação
aferente, alterando o senso de
posição articular interpretado pelo sistema nervoso
central [5].
Para o resfriamento
articular do joelho, foram utilizados sacos de plástico contendo gelo e água.
Warren et al. [11] e Carvalho et al. [12] afirmam que esta modalidade
de crioterapia permite atingir menores temperaturas, quando comparada a outras
formas. A técnica foi aplicada sem a utilização de interface entre o gelo e a
pele, visto que esta prática poderia impedir a eficácia da mesma [13].
Contrariando a teoria
de que o frio pode afetar o senso de posição articular, que era
esperada para este estudo, os resultados mostraram que não houve diferença
entre o senso de posição articular ativo antes e depois da aplicação de
crioterapia durante 30 minutos no joelho de adultas saudáveis no que se refere
ao ângulo estudado e ao tipo de teste (ativo) empregado, bem como não há
diferença entre os grupos crioterapia e experimental quanto ao senso de posição
articular. Contudo, acredita-se que a grande perda amostral do estudo pode ter
gerado um viés nos resultados. De qualquer forma, esses dados corroboram os
achados do estudo de Khanmohammadi [9], em que a imersão em gelo durante 15
minutos em água a uma temperatura de 6 °C não alterou
significativamente o senso de posição articular do tornozelo durante a flexão
plantar e dorsiflexão, antes e depois da aplicação da técnica.
Dover e Power [10]
observaram que 30 minutos de crioterapia não alterou significativamente o senso
de posição articular no ombro de indivíduos saudáveis, quando comparado antes e
imediatamente após o tratamento, não confirmando a hipótese de que a
crioterapia prejudica o senso de posição articular e confirmando os achados
desta pesquisa.
Por outro lado, os
resultados de Uchio et al. [14], em um estudo sobre a
influência da crioterapia na frouxidão, rigidez e senso de posição articular do
joelho de adultas saudáveis, confirmaram que após 15 minutos de resfriamento da
articulação do joelho, a capacidade de reproduzir com precisão o ângulo alvo
foi diminuída. Bem como Ribeiro et al. [7]
observaram que a crioterapia reduz a propriocepção, mas pode ser restaurada com
exercícios de baixa intensidade.
De acordo com os
resultados, sugere-se que a crioterapia não teria influência sobre o senso de
posição articular do joelho de adultas saudáveis, demonstrando, desta forma,
que a técnica pode ser utilizada como modalidade terapêutica na prática clínica
da reabilitação sem prejudicar o senso se posição articular da população
estuda. Contudo, em virtude da grande variabilidade de metodologias e
resultados contraditórios encontrados na literatura, sugerem-se novos estudos.
Não houve influência
da crioterapia sobre o senso de posição articular do joelho de adultas
saudáveis.