REVISÃO
Efeitos
benéficos das ações excêntricas no treino resistido
Effects of eccentric actions in resistance training
Priscilla Gois
Basilio*, Ricardo Trauer Tajes**, Alfredo Domingos Torres Filho***, Leonardo
Emmanuel de Medeiros Lima****
*Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, **Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande,
Mato Grosso do Sul, ***Faculdades Integradas de Cassilândia (FIC), Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo
Recebido em 5 de agosto de 2016; aceito em 31 de janeiro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Priscilla Gois Basilio, Avenida Costa e Silva S/N, Vila Progresso, 79080000
Campo Grande MS, E-mail: priscillaedfisica@hotmail.com; Ricardo Trauer Tajes:
rtrauer@hotmail.com; Alfredo Domingos Torres Filho: alfredo_pct@globo.com; Leonardo Emmanuel de Medeiros Lima: leonardolimadocente@gmail.com
Resumo
Com o intuito de
maximizar os ganhos obtidos com o treinamento de força, tem-se discutido os
resultados que melhoram o desempenho, utilizando ações excêntricas, para obter
uma maior hipertrofia muscular. O objetivo do presente artigo é apresentar e
discutir os efeitos adaptativos provocados pelo treinamento resistido e os
mecanismos envolvidos com ênfase nas ações excêntricas. Trata-se de uma revisão
bibliográfica qualitativa narrativa. Para esta revisão foram pesquisados
artigos em inglês e português nas bases de dados eletrônicas PubMed/MedLine,
Lilacs e Scielo. A análise dos estudos encontrados foi feita de forma
descritiva, incluindo material bibliográfico do período entre 1990 a 2014.
Durante as ações excêntricas, o músculo tende a gerar tensão com o alongamento
do seu comprimento na direção em que a força aplicada pelo músculo é contraria
a direção do deslocamento. Essa ação gera maior quantidade de força quando
comparada a ações isométricas e concêntricas. Quando um músculo é alongado
contra a resistência, gera uma tensão passiva, a qual aumenta enquanto o
músculo é alongado durante o exercício. Essa tensão se junta à tensão ativa
durante a ação excêntrica (AE), resultando em uma maior produção de força do
que em uma ação concêntrica na qual tem apenas uma tensão ativa. No presente
trabalho com base na pesquisa realizada observou-se que o treinamento com AE é
mais eficaz no treinamento resistido, quando comparado às ações concêntricas e
isométricas.
Palavras-chave: treinamento
resistido, ação excêntrica, força muscular.
Abstract
In order to maximize the gains from strength training, it has been
discussed the results that improve performance using exercises that involve
eccentric actions, aiming at greater muscle hypertrophy. The objective of this
paper is to present and discuss the adaptive effects of resistance training and
the mechanisms involved with emphasis on eccentric actions. This is a narrative
literature review of articles in English and Portuguese languages from Pubmed/Medline, Lilacs e Scielo
databases from 1990 to 2014. During the eccentric actions, the muscle tends to
generate tension while stretching its length in the direction in which the
force applied by the muscle is opposite to the direction of movement. This
action generates greater amount of force compared to isometric and concentric
actions. When a muscle is stretched to a resistance barrier, the same generates
a passive tension, which increases as the muscle is stretched during exercise.
This tension joins the active tension during eccentric action, which results in
greater force production than in a concentric action where there is only one
active tension. In this paper based on the survey we observed that training
with eccentric action is most effective in resistance training, compared to the
concentric and isometric actions.
Key-words: resistance
training, eccentric action, muscle strength.
O músculo esquelético
é considerado o tecido mais presente no corpo humano e com funções essenciais,
como no metabolismo em geral e na locomoção [1]. Sabe-se que as fibras
musculares possuem o potencial de alterar suas propriedades funcionais através
de um mecanismo quantitativo, ou seja, tanto passa por uma atrofia, quanto por
uma hipertrofia. Este mecanismo básico é importante para que o músculo
esquelético tenha sua diversidade e plasticidade [2].
Na sociedade atual
tem-se atribuído grande relevância em relação ao treinamento de força, tanto
para atletas para o aprimoramento e melhora no desempenho, como para a
população em geral, visando à manutenção da saúde [3]. E sabe-se também que a
hipertrofia muscular é um dos principais objetivos da pratica do treinamento de
força.
Considerando a
plasticidade do músculo esquelético, faz-se importante compreender os
mecanismos existentes que levam o músculo esquelético a hipertrofia após sofrer
estímulos oriundos do treinamento de força, até mesmo para que os benefícios
deste tipo de estímulo possam ser maximizados e potencializados. Levando em
conta este ponto, existem diversos métodos e sistemas de treinamento de força
que levam a hipertrofia. A principal diferença entre eles está na forma como as
variáveis de treino são utilizadas para gerar as adaptações. Dentre essas
variáveis estão: intensidade, volume, períodos de descanso entre séries e
exercícios e ordem dos exercícios [4,5].
Entretanto, existe
outro fator importante que vem sendo investigado na promoção da hipertrofia
muscular: a escolha do tipo de ação muscular (concêntricas, isométricas e
excêntricas) e sua velocidade de execução [6-9].
Com a finalidade de
maximizar os ganhos obtidos com o treinamento de força, tem-se discutido os
resultados que melhoram o desempenho, utilizando ações excêntricas, com o
intuito de uma maior hipertrofia muscular. Desta forma o objetivo do presente
artigo é apresentar e discutir os efeitos adaptativos provocados pelo
treinamento resistido e os mecanismos envolvidos com ênfase nas ações
excêntricas.
Trata-se de uma
revisão bibliográfica qualitativa narrativa. Para esta revisão foram
pesquisados artigos em inglês e português nas bases de dados eletrônicas PubMed/MedLine, Lilacs e Scielo com a seguinte estratégia de
busca: treinamento resistido, ação excêntrica, força muscular, resistance training, eccentric action,
muscle strength. Buscas manuais foram feitas às referências bibliográficas
dos artigos encontrados.
A análise dos estudos
encontrados foi feita de forma descritiva, incluindo material bibliográfico do
período entre 1990 a 2014. Utilizamos estratégia de artigos cujo delineamento
do trabalho representasse pesquisas experimentais em humanos, revisões críticas
e sistemáticas, nas quais as palavras-chave utilizadas na busca aparecessem no
título ou no resumo do artigo.
Plasticidade
do músculo esquelético
O músculo esquelético
é o tecido mais presente em nosso corpo, representa até 50% da nossa massa
corporal e possui funções essenciais na locomoção, na produção de calor durante
o frio e no metabolismo geral do organismo [1].
Este músculo é
composto de vários fascículos ou feixes musculares. Cada feixe muscular é
coberto pelo sarcolema, a membrana plasmática. Dentro de cada feixe se
encontram unidades menores, denominadas miofibrilas. Neste contexto juntamente
com as miofibrilas encontra-se o núcleo, a mitocôndria e o retículo
sarcoplasmático, que envolve cada miofibrila do feixe muscular. Cada miofibrila
é composta por dois filamentos de proteínas actina e miosina, que correspondem
a 85% do conteúdo miofibrilar [10]. A disposição desses filamentos proteicos dá
ao músculo esquelético a aparência de estriado [1].
Segundo McArdle,
Katch e Katch [10], sua classificação é com base na morfologia, histoquímica e
bioquímica, função e contratilidade. Os estudiosos da área mostraram que o
músculo esquelético é dividido em quatro tipos de fibras: tipo I, tipo IIa, tipo IIx e tipo IIb. A fibra tipo I é lenta em relação
ao tempo de contração e apresenta neurônio motor pequeno. Possui alta
resistência à fadiga, usada para atividades aeróbias, possui horas de duração
máxima, com baixa produção de força, alta densidade mitocondrial, capilar e
capacidade oxidativa. Capacidade glicolítica baixa, seu principal combustível
de armazenamento é o triacilglicerol e sua cadeia pesada de miosina é a MYH7. A
fibra tipo IIa é moderadamente rápida em relação ao
tempo de contração e apresenta neurônio motor médio. Sua resistência à fadiga é
relativamente alta, é utilizada para atividades anaeróbias a
longo prazo. Sua duração máxima de uso é inferior a 30 minutos, com
média produção de força. Apresenta também alta densidade mitocondrial e
capacidade oxidativa, porém a densidade capilar é intermediária e a capacidade
glicolítica é alta. Seu principal combustível de armazenamento é o fosfato de
creatina e o glicogênio e sua cadeia pesada de miosina é a MYH2. Já a fibra
tipo IIx possui rápido tempo de contração e apresenta
neurônio motor grande. Sua resistência à fadiga é intermediária e sua
utilização é para atividades anaeróbias a curto prazo.
Sua duração máxima é menor que 5 minutos.
Possui produção de força alta, média
densidade mitocondrial e baixa densidade capilar. Apresenta capacidade
oxidativa intermediária e alta capacidade glicolítica.
Assim como nas fibras IIx, seu principal combustível de armazenamento é o fosfato
de creatina e o glicogênio. A cadeia que representa esta fibra é a MYH1. E a
fibra tipo IIb possui tempo de contração muito rápido
e seu neurônio motor é de tamanho muito grande. Possui baixa resistência à
fadiga, com tempo de duração máxima de uso de menos de 1 minuto e por isso é
utilizado em atividades anaeróbias a curto prazo. Sua
produção de força é muito alta, porém sua capacidade oxidativa, densidade
capilar e densidade mitocondrial são baixas. Apresenta alta capacidade
glicolítica e seu principal combustível de armazenamento também é o fosfato de
creatina e glicogênio. É representada pela cadeia MYH4.
Há muito tempo se
sabe que as fibras musculares possuem o potencial de alterar suas propriedades
funcionais através de um mecanismo quantitativo, isto é, ele pode tanto passar
por uma atrofia, quanto por uma hipertrofia. Este mecanismo básico é importante
para que o músculo esquelético tenha sua diversidade e plasticidade. Já sobre o
mecanismo qualitativo base da plasticidade do músculo esquelético o
entendimento progrediu de forma lenta até o final de 1980 [2].
Treinamento
de força
Na sociedade atual
tem se atribuído grande relevância, em relação ao treinamento de força, tanto a
atletas de diversas modalidades para o aprimoramento e melhora no desempenho,
como a população geral, visando à manutenção da saúde [2]. Sabe-se que a hipertrofia
muscular é um dos principais objetivos do praticante do treinamento de força.
Considerando a
plasticidade do músculo esquelético, faz-se importante compreender os
mecanismos existentes que levam o músculo esquelético a hipertrofia após sofrer
estímulos oriundos do treinamento de força, até mesmo para que os benefícios
deste tipo de estímulo possam ser maximizados e potencializados.
Existem diversos
métodos e sistemas de treinamento de força que levam a hipertrofia. A diferença
entre eles está na forma como as variáveis de treino são utilizadas para gerar
adaptações. São elas, intensidade, volume, períodos de descanso entre séries e
exercícios e ordem dos exercícios [4,5]. Entretanto, existe outro fator
importante que vem sendo investigado na promoção da hipertrofia muscular, a
escolha do tipo de ação muscular (concêntricas, isométricas e excêntricas) e
sua velocidade de execução [6-9].
Ações
musculares concêntricas e excêntricas
Inicialmente
proposta
por pesquisadores na década de 80, o termo
“ação muscular” foi originado devido
à crítica ao termo até então utilizado
“contração muscular”, por não fazer
sentido ao que ocorria de fato na musculatura esquelética, pois
contrair
resulta em encurtar, encolher, tornar mais curto, ou seja,
contração refere-se
a uma diminuição de tamanho. Neste sentido, o termo
“contração muscular” não
seria o mais adequado, pois envolve o aumento e a
manutenção do comprimento do
músculo, respectivamente [9]. De forma distinta, a palavra
“ação” refere-se a fazer
algo, mover-se, exercer-se, que neste caso parece representar melhor as
diversas variações da atividade muscular.
Existem três tipos de
ações: ação isométrica, concêntrica e excêntrica. Quando a força interna
produzida pelo músculo se iguala a resistência externa e não há movimentação
das partes corporais, temos a ação “isométrica”. Desta forma o músculo gera
tensão, mas não há alteração externa visível no comprimento muscular ou no
ângulo da articulação envolvida [9]. Um exemplo seria o ato de empurrar uma
parede. Existe força exercida, os músculos estão tensionados, porém sem
movimentação visível. Lembrando que este tipo de ação também é conhecido como
ação estática. Quando a força interna é maior que a resistência externa, há
movimentação do corpo, temos a ação concêntrica. Neste caso, a tensão gera um
visível encurtamento no músculo, com uma diminuição no seu comprimento ou no
ângulo articular [9].
Exemplo para este
tipo de ação se dá pela flexão dos cotovelos com halteres. E quando o músculo
gera tensão com visível alongamento do seu comprimento ou aumento do ângulo
articular, temos a ação excêntrica. Um exemplo correspondente a este tipo de
ação é o movimento de extensão das pernas quando fazemos o exercício de
posterior na cadeira em suspensão. Esses dois tipos de ações citadas por último
são conhecidas como ações dinâmicas.
Importância
das ações excêntricas
Durante uma ação
excêntrica (AE), ou seja, quando um músculo gera tensão e é alongado, a
mecânica da ação muscular e os mecanismos de controle de produção de força se
diferem dos utilizados nas ações musculares concêntricas e isométricas [11].
Nessa etapa, o músculo tende a gerar tensão com o alongamento do seu
comprimento na direção em que a força aplicada pelo músculo é contraria a
direção do deslocamento. Essa ação gera maior quantidade de força quando
comparada a ações isométricas e concêntricas. Isso significa que se alguém
consegue levantar um peso máximo do chão até uma cadeira (AC), essa mesma
pessoa conseguirá tirar mais peso da cadeira e colocar no chão (AE) do que o
levantado até a cadeira. Isso ocorre porque além de uma contribuição ativa dos
elementos de contração, a ação excêntrica conta com uma contribuição passiva
dos elementos responsáveis pela geração de tensão [11].
Quando um músculo é
alongado contra a resistência, esta mesma gera uma tensão passiva, a qual
aumenta enquanto o músculo é alongado durante o exercício, esta tensão junta-se a tensão ativa durante a AE, a qual resulta em uma
maior produção de força do que em uma ação concêntrica em que tem apenas uma
tensão ativa.
Uma característica
interessante das AE refere-se à atividade neuromuscular. Nas AC e AI o sinal
eletromiográfico (EMG), que representa a atividade elétrica das unidades
motoras dos músculos, apresenta uma relação direta e quase linear com a força
produzida. Já nas AE a EMG é menor para os mesmos níveis de força absolutos e
relativos, em comparação com outras ações musculares, mostrando que existe uma
menor ativação muscular durante a AE, o que afeta o custo energético total de
uma tarefa. Por exemplo, subir escadas é uma AC que gera mais cansaço do que
descer escadas que tem uma AE [9].
Segundo estudos
anteriores, a realização de exercícios de maneira localizada e com ênfase em
ações tanto concêntricas como excêntricas, tem sido utilizada com foco para
adaptação cardiovascular, indução de dano tecidual e ganho de força [12-14].
Atualmente, a
literatura apresenta vantagens do exercício resistido com ações excêntricas em
relação ao gasto de ATP, concentrações de lactato e produção de força muscular
[12].
De
outro lado,
durante o exercício resistido concêntrico, observam-se
maiores valores de
frequência cardíaca (FC) e pressão arterial (PA)
devido à maior ativação de
unidades motoras, o que resulta em maior estresse cardiovascular quando
comparado à ação excêntrica, que produz uma
menor ativação motora para produção
de força equivalente devido à estimulação
de componentes elásticos que estão
presentes nas unidades músculo-tendão [15,16].
Sabe-se que um dos
fatores que estão relacionados ao dano muscular é o estresse mecânico, o qual é
potencializado com movimentos excêntricos. Nesta situação utiliza-se um menor
número de unidades motoras comparada a exercícios concêntricos, sendo este uma
das causas de um maior dano muscular em fases excêntricas do que em fases
concêntricas. Quando relacionados os efeitos do exercício físico com as
microlesões teciduais, Armstrong [17] ressalta que a microlesão é o resultado
dos efeitos tóxicos de alguns produtos metabólicos espalhados pelas células
musculares, o que na maioria dos casos tem sua maior ênfase nas fases
excêntricas.
Gois et al. [18] compararam o efeito do
treinamento resistido para o grupo extensor do joelho realizado com ênfase concêntrica
vs excêntrica sobre a força muscular e a recuperação pós-exercício considerando
índices de variabilidade de frequência cardíaca (VFC) em jovens saudáveis.
Dividiram os homens em 4
grupos: exercício agudo
concêntrico, exercício agudo excêntrico, treinamento
concêntrico e treinamento
excêntrico. Observou-se aumento da força muscular para o
grupo treinamento
excêntrico. Como conclusão do estudo, o treinamento
resistido realizado com
ênfase em contrações excêntricas promoveu
ganho de força e aumento da modulação
vagal cardíaca durante o processo de recuperação
em relação à condição basal.
No presente trabalho,
com base na pesquisa realizada, observou-se que ações musculares excêntricas,
quando comparadas a ações musculares concêntricas e isométricas, tendem a gerar
uma maior quantidade de força, isso porque o músculo gera uma tensão passiva, a
qual aumenta enquanto o músculo é alongado. Essa tensão junta-se
à tensão ativa durante a ação excêntrica, resultando em uma maior produção de
força.
Além disso, nas ações
musculares excêntricas o estresse mecânico que ocorre é maior, desta forma,
potencializa-se o trabalho e utiliza-se um menor número de unidades motoras do
que comparada a exercícios concêntricos e isométricos, o que resulta em maior
dano muscular nas fases excêntricas.
Em conclusão podemos
afirmar que o treinamento com ação excêntrica é mais eficaz no treinamento
resistido, quando comparado às ações concêntricas e isométricas.