ARTIGO
ORIGINAL
Associações
entre o perímetro de cintura, perímetro de pescoço e índice de massa corporal
em crianças e adolescentes
Associations between waist perimeter, neck perimeter and body mass index
in children and adolescents
Sandra Fachineto, M.Sc.*, Giovani Macedo**
*Professora
do curso de Educação Física e de Fisioterapia da Universidade do Oeste de Santa
Catarina (Unoesc), campus de São Miguel do Oeste/SC, Laboratório de Fisiologia
do Exercício (LAFE), **Professor de Educação Física formado pela Universidade
do Oeste de Santa Catarina, campus de São Miguel do Oeste/SC
Recebido em 3 de fevereiro de 2017; aceito em 13 de junho de 2017.
Endereço
de correspondência:
Sandra Fachineto, Rua Oiapoc 1844/401 B, 89900-000 São Miguel do Oeste SC,
E-mail: sandra.fachineto@unoesc.edu.br; Giovani Macedo: macedogiovanismo05@hotmail.com
Resumo
Introdução: Medidas altas de
perímetro de cintura (PC) e índice de massa corporal (IMC) em crianças e
adolescentes estão ligadas a uma alta medida de perímetro de pescoço (PP), o
que os leva a serem indivíduos obesos, diabéticos e com doenças
cardiovasculares. Objetivo:
Objetivou-se analisar a associação entre o PP, PC e IMC em 493 crianças e
adolescentes com idade de 7 a 17 anos matriculados em escolas estaduais e
municipais de Guaraciaba/SC, Paraíso/SC e São Miguel do Oeste/SC. Métodos: Foram coletados valores de PP,
PC, peso e estatura de cada aluno. Os dados foram analisados através da
estatística descritiva (média e desvio-padrão) para caracterizar a amostra. A
relação entre as variáveis se deu através da Correlação de Pearson. Resultados: Os resultados apontaram
correlações positivas entre as variáveis e estatisticamente significativas (P ≤ 0,05) variando de
intensidade moderada a muito forte. Isso comprova a associação entre o pescoço
mais largo com valores de PC e IMC maiores para ambos os gêneros e para quase
todas as idades. Conclusão:
Conclui-se que o PP é um indicador confiável de obesidade para a amostra de
crianças e adolescentes do estudo e que mais pesquisas devem ser realizadas.
Palavras-chave: crianças,
adolescentes, obesidade.
Abstract
Introduction: High waist circumference (BW) measurements and body mass index (BMI)
in children and adolescents are linked to a high neck circumference (PP)
measurement, which leads to obesity, diabetic and cardiovascular diseases. Objective: To analyze the association
between PP, BW and BMI in 493 children and adolescents, 7 to 17 years old, of
state and municipal schools of Guaraciaba/SC,
Paraíso/SC and São Miguel do Oeste/SC. Methods: We collected values of PP, PC,
weight and height of each student. Data were analyzed through descriptive
statistics (mean and standard deviation) to characterize the sample. The
relationship between the variables was given by Pearson's correlation. Results: The results showed positive and
statistically significant correlations between the variables (P ≤ 0.05) ranging from moderate to very strong intensity. This result
confirms the association between the wider neck with higher CP and BMI values for
both genders and for almost all ages. Conclusion:
We concluded that PP is a reliable indicator of obesity for the sample of
children and adolescents in the study and that more researches should be done.
Key-words: children, adolescents,
obesity.
Quando a adiposidade
se concentra na região central do corpo, geralmente, está associada com o
desenvolvimento de várias doenças como diabetes, hipertensão, dislipidemia e
vários outros fatores de risco cardiovascular. Esse fato já é visto em crianças
e adolescentes e, como forma de prevenção, vários são os métodos utilizados
para se predizer a obesidade. Para Magalhães et al. [1], o índice de massa corporal (IMC) é o parâmetro mais
utilizado, porém esse indicador não fornece informação exata sobre a
distribuição da gordura corporal. Por esse fato, outros parâmetros têm sido
propostos para avaliar a adiposidade central destacando-se o perímetro de
cintura (PC) e o perímetro de pescoço (PP).
Pereira et al. [2] avaliaram 113 adolescentes de
14 a 17 anos em Viçosa/MG e objetivaram relacionar o PC com parâmetros
bioquímicos e clínicos (colesterol total, LDL-C, HDL-C, triglicerídeos,
insulina, pressão arterial). Os autores demonstraram que o PC é uma medida útil
para identificar adolescentes com risco metabólico e cardiovascular, pois as
adolescentes com obesidade abdominal apresentaram valores significantemente
maiores de triglicerídeos, insulina, pressão arterial sistólica e diastólica.
Em outro estudo
desenvolvido por Pedrozo et al. [3], na região de abrangência da
Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR) de São Miguel do Oeste/SC, os
autores propuseram um ponto de corte para uma amostra de 893 adolescentes de 14
a 17 anos. Após a mensuração do PC foram estabelecidos os percentis P85 e P95
para obesidade moderada e elevada, respectivamente. A partir do ponto de corte
a pesquisa mostrou que 16% dos avaliados apresentaram adiposidade central
(10,8% moderada e 5,2% elevada), sendo de 7,5% no gênero masculino (5,0%
moderada e 2,5% elevada) e 8,5% no gênero feminino (5,8% moderada e 2,7%
elevada). Os autores concluíram que é de extrema importância a
determinação de pontos de corte de PC para identificar a obesidade central,
pois quanto mais cedo essa for detectada maiores as chances de prevenir seus
riscos à saúde.
Ferretti et al. [4] afirmam que a gordura
subcutânea superior do corpo estimada pelo PP pode ter um risco metabólico mais
elevado do que a gordura visceral abdominal. Os autores avaliaram 1668 adolescentes
de escolas públicas de São Paulo e propuseram valores de corte para PP.
Identificaram em meninas e meninos sobrepeso com valores de 31,25 e 34,25 cm,
respectivamente e obesidade com 32,65 e 37,95 cm, respectivamente. Ainda, a
prevalência de adolescentes com altos valores de PP foi de 32,63% no gênero
feminino e 37,63% no masculino. Também detectaram
associação do PP elevado com peso corporal, IMC, percentual de gordura e PC.
Magalhães et al. [1], em artigo de revisão,
salientam que existem poucos estudos avaliando o PP como indicador de
adiposidade em crianças e as pesquisas realizadas com esse público já têm
demonstrado associação com fatores de risco cardiometabólicos e, por isso,
fazem-se necessários mais estudos para ampliar a utilidade do PP como um
indicador de adiposidade como também estabelecer valores de referência para
crianças numa faixa etária mais jovem.
Assim, o objetivo
geral do estudo foi analisar a associação entre o perímetro de pescoço (PP),
perímetro de cintura (PC) e índice de massa corporal (IMC) em crianças e
adolescentes de 7 a 17 anos matriculados no ensino fundamental e médio de
escolas públicas de Guaraciaba/SC, Paraíso/SC e São Miguel do Oeste/SC.
Caracterização
da pesquisa e amostra
Essa pesquisa se
caracterizou como quantitativa do tipo descritiva.
A amostra foi
composta por 493 crianças e adolescentes regularmente matriculados no ensino
fundamental e médio de escolas públicas de Guaraciaba/SC, Paraíso/SC e São
Miguel do Oeste/SC, com idade de 07 a 17 anos. No total, foram 235 meninos e
258 meninas.
Respeitando a
Resolução do Conselho Nacional de Saúde (n° 196/96) os pais ou responsáveis dos
menores de idade assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e também
os adolescentes assinaram o termo de assentimento, concordando em participar da
pesquisa.
O quadro 1 mostra o número de crianças e adolescentes que atenderam
aos critérios e participaram do estudo:
Quadro
I – Amostra do estudo.
Instrumentos
e protocolos de coleta de dados
A medida de PP foi
feita na parte inferior da proeminência da laringe (Pomo de Adão), com o
avaliado sentado ou em pé, na posição ereta, mantendo a cabeça no plano de
Frankfurt. Ao lado da face direita do avaliado, exercendo mínima pressão sobre
a pele, mediu-se o perímetro mantendo-se a fita em ângulo reto com relação ao
eixo longitudinal do pescoço [5]. Para a coleta de dados, foi usada uma fita
métrica da marca Sanny®.
Na avaliação de PC o
avaliado deveria permanecer em posição ortostática, com o abdômen relaxado. No
ponto de menor circunferência, abaixo da última costela foi colocada a fita no
plano horizontal [6]. Para a medida foi usada uma fita métrica da marca Sanny®.
O IMC foi determinado
através do cálculo da razão (divisão) entre a medida de massa corporal total em
quilogramas (peso) pela estatura (altura) em metros elevada ao quadrado. O
protocolo seguiu as recomendações da Bateria do Proesp [7]. A balança utilizada
para a coleta era da marca Wiso® e o estadiômetro da marca Alturaexata®.
Os alunos foram
avaliados em uma sala fechada e separada da sala de aula, de forma
individualizada.
Tratamento
dos dados
Os dados foram
analisados através do programa computacional SPSS, versão 13.0. Foi usada a
estatística descritiva (média e desvio-padrão) para caracterizar a amostra. A
associação entre as variáveis se deu por meio da Correlação de Pearson.
Na tabela I são
apresentadas as características dos indicadores antropométricos das crianças e
adolescentes. É notável que com o aumento da idade as variáveis, na sua
maioria, sofreram aumento gradativo de seus valores médios.
Tabela
I – Indicadores antropométricos das crianças e
adolescentes participantes do estudo, separados por idade e gênero.
Na tabela II estão os
coeficientes de correlação de Pearson para PP, PC e IMC, mostrados por idade e
gênero. Foram encontradas correlações estatisticamente significativas (P ≤ 0,05) positivas em
todas as idades, excetuando nos meninos de 8 anos
(PP-IMC; PP-PC), 10 e 11 anos (PP-PC), 16 anos (PP-IMC) e 17 anos (PP-IMC;
PP-PC). Já nas meninas não foram encontradas correlações estatisticamente
significativas apenas nas adolescentes de 17 anos (PP-IMC). As correlações
estatisticamente significativas encontradas variam de moderada a muito forte
para ambos os gêneros. Com isso pode-se afirmar que à medida que aumenta o
perímetro de pescoço (PP) aumenta o IMC e o perímetro de cintura (PC) na
maioria das faixas etárias analisadas.
Tabela
II – Coeficientes de correlação de Pearson para
o PP, PC e IMC, separados por gênero e idade.
O desenvolvimento
humano ocorre a partir da interação entre fatores biológicos e ambientais.
Durante a infância, como consequência do rápido desenvolvimento do sistema
nervoso central, é fundamental que ocorra uma grande e adequada variação dos
estímulos ambientais, proporcionando assim o desenvolvimento motor, cognitivo e
afetivo-social. Na adolescência, ocorrem mudanças biológicas associadas ao pico
de produção dos hormônios testosterona no gênero masculino e estradiol no
feminino, com grande variabilidade em relação à idade cronológica, o que
interfere no estágio de maturação biológica [8]. Confirmando, pesquisas
desenvolvidas por Prestes e Machado [9] e também por Freitas et al. [10] mostraram que ocorre um aumento gradual do peso corporal,
estatura e IMC em crianças e adolescentes avaliados em Florianópolis/SC e
também em Mirabela/MG. Os autores concluíram que o crescimento nas crianças e
adolescentes obedece a um padrão contínuo para ambos os gêneros e para todas as
idades, mas que é dependente de vários fatores entre eles a genética,
alimentação, ambiente, natureza socioeconômica e cultural. Esses resultados vão
ao encontro dos apresentados por esta pesquisa (tabela I) quando se observa um
aumento linear para peso, estatura e IMC para quase todas as idades e em ambos
os gêneros.
Outro estudo que
concorda com os resultados desta pesquisa é o de Gonçalves et al. [11] com 260 crianças e adolescentes em Viçosa/MG, os quais
identificaram que o PP e o PC são bons indicadores de fatores de risco cardiovasculares
e excesso de gordura corporal e que o PP e o PC aumentam gradualmente com a
idade.
Ao analisarmos a
correlação existente entre o PP, PC e o IMC, os resultados da tabela II são
apoiados pela pesquisa de Lou et al. [12],
realizada na China com 2847 crianças e adolescentes com idade de 7 a 12 anos,
que encontrou correlação estatisticamente significativa entre PP e IMC e PP e
PC tanto no gênero masculino quanto no feminino. Corroborando, Nafiu et al. [13] comprovaram a ligação entre um
pescoço mais largo e ocorrência de complicações por excesso de peso indicando
que essa medida isolada é melhor do que o IMC. O estudo avaliou 1102 crianças e
adolescentes de 6 a 18 anos nos Estados Unidos (EUA) e o PP foi correlacionado
significativamente com idade, IMC e PC. Os autores concluíram que o PP pode
indicar, com segurança, crianças com sobrepeso e obesidade e salientam que o PP
é uma medida simples de fácil aplicação e resultados fidedignos.
Ainda, Mazicioglu et al. [14] encontraram resultados parecidos
no que diz respeito a correlação. Os autores realizaram um estudo com 5481
crianças e adolescentes de 6 a 18 anos na Turquia. O PP foi comparado a outros
indicadores de gordura corporal e o estudo encontrou correlação positiva entre
o PP, PC e IMC.
O estudo realizado
por Silva et al. [15] em Campinas/SP com 388
crianças e adolescentes de 10 a 19 anos de ambos os gêneros buscou
correlacionar o PP com outros fatores de risco e determinar se o PP é um método
eficiente na predição desses fatores. A pesquisa avaliou IMC, perímetro de
cintura, resistência à insulina. Os resultados apontaram correlação entre o PP
e PC, e entre o PP e a resistência à insulina, sendo considerado um bom
indicador para fatores de risco também.
Recentemente, Taheri et al. [16] investigaram a relação entre
PP, PC e IMC e visaram também encontrar um ponto de corte para o PP a fim de
identificar crianças com um IMC elevado nas escolas de Ahvaz, no Irã. Os
resultados mostraram que em ambos os gêneros o PP foi significativamente
correlacionado com IMC e PC. O melhor valor de ponto de corte do PP para
identificar meninos com um IMC elevado foi 27,5-38,3 cm, e para as meninas foi
de 26,7-33,4 cm. Legitimando, Souza et al. [17], ao
avaliarem 1474 adolescentes residentes em duas cidades brasileiras do Nordeste
do Brasil, encontraram correlação positiva entre o PP, PC e o IMC. Assim, os
autores concluíram que o PP pode ser um bom indicador para identificar de forma
mais rápida e prática adolescentes com sobrepeso e obesidade.
As variáveis que não
apresentaram correlação estatisticamente significativa para algumas idades
nesta pesquisa justificam-se pelo fato de o número da amostra para a faixa
etária ser pequeno ou então devido às mudanças físicas nas crianças e nos adolescentes
nem sempre aparecerem de forma tão sensível em razão principalmente das
alterações de crescimento e composição corporal próprias do estirão do
crescimento e maturação sexual [18].
O presente estudo
encontrou correlações positivas entre perímetro de pescoço (PP), perímetro de
cintura (PC) e o índice de massa corporal (IMC) para a maioria das idades
analisadas e em ambos os gêneros. Houve uma correlação significativa positiva
variando de moderada a muito forte. Com isso pode-se afirmar que à medida que
aumenta o perímetro de pescoço (PP) aumenta o IMC e o perímetro de cintura
(PC), exceto para os meninos 9 para 10 anos, 13 para
14 anos e 15 para 16 anos, nas meninas 9 para 10 anos e 15 para 16 anos. Assim,
podemos afirmar que essas correlações positivas indicam que o PP é um indicador
confiável de obesidade para a amostra de crianças e adolescentes do estudo.
Contudo, essa pesquisa apresenta limitação quanto à determinação de ponto de
corte para o PP.
O PP demonstrou ser
um novo e importante parâmetro e, por isso, recomenda-se que mais pesquisas
sejam realizadas devido ao fato de ser uma medida simples e de fácil aplicação.