ARTIGO
ORIGINAL
Benefícios
da ginástica laboral em um grupo do setor administrativo do Hospital Estadual
Mário Covas
Benefits of labor gymnastics in a group of employees working in the
administrative sector of Hospital Estadual Mário Covas
Jacqueline Menezes
Cordeiro*, Fernanda Antico Benetti*, Angelica Castilho Alonso**
*Curso
de Fisioterapia, Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, São Paulo,
**Universidade São Judas Tadeu, SP
Recebido em 13 de
março de 2017; aceito em 5 de junho de 2017.
Endereço
de correspondência:
Angelica Castilho Alonso, Rua Ovídeo Pires de Campos, 333, Cerqueira Cesar,
05403-010 São Paulo SP, E-mail: angelicacastilho@msn.com
Resumo
O aumento da produção
industrial, as novas formas de administração bem como a mudança na filosofia
das empresas têm provocado um excesso de pressão decorrente do alto nível de
exigência quanto ao cumprimento das metas e ritmo de trabalho. As empresas têm
adotado a Ginástica Laboral (GL) como uma possibilidade da diminuição de
afastamentos e absenteísmos decorrentes de lesões por esforço repetitivo (LER)
e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT). A GL é composta por
exercícios realizados durante a jornada de trabalho, atuando de forma
preventiva e terapêutica nos casos de LER e DORT, sem levar o trabalhador à
fadiga. O objetivo da pesquisa foi avaliar os benefícios da GL, na qualidade de
vida, num grupo de colaboradores que trabalham no setor administrativo de um
grande hospital na região do ABC de São Paulo. O questionário SF-36 foi
utilizado como instrumento de avaliação, tendo sido aplicado pré-programa de GL
proposto e após três meses. Os resultados obtidos apontam melhora
estatisticamente significante no domínio Estado
Geral de Saúde, com p = 0,006. Houve também melhora nos domínios Dor,
Vitalidade, Aspectos Sociais e Saúde Mental, no entanto, sem resultados
estatisticamente significantes. A GL influencia positivamente o Estado Geral de
Saúde e pode ser um instrumento que os faça resgatar a satisfação pelo trabalho
e pela rotina, trazendo benefícios para o colaborador e para a empresa.
Palavras-chave: transtornos
traumáticos cumulativos, saúde do trabalhador, qualidade de vida.
Abstract
The increase in industrial production, new forms of management, as well
as the change in the philosophy of companies have caused an excess of pressure
due to the high level of exigency regarding the fulfillment of the goals and
rhythm of work. The companies have adopted the Labor Gymnastics (LG), as a
possibility of the reduction of absences and absenteeism due to repetitive
stress injuries (RSI) and work-related musculoskeletal diseases (DORT). The GL
is composed of exercises performed during the working day, acting in a
preventive and therapeutic way in the cases of RSI and DORT, without taking the
worker to the fatigue. The objective of the study was to evaluate the benefits
of GL in quality of life in a group of employees working in the administrative
sector of a large hospital in the ABC region of São Paulo. The SF-36
questionnaire was used as an evaluation tool, and the pre-program of the
proposed GL was applied and after three months. The results obtained indicate a
statistically significant improvement in the General Health Status domain, with
p = 0.006. There was also improvement in the areas of Pain, Vitality, Social
Aspects and Mental Health, however, without statistically significant results.
GL influences positively the General Health Status and can be an instrument
that makes them recover satisfaction for work and routine, bringing benefits to
the employee and the company.
Key-words: cumulative
trauma disorder, occupational health, quality of life.
O aumento da produção
industrial, as novas formas de administração e a mudança na filosofia das
empresas ocasionaram alterações comportamentais nos funcionários em relação à
necessidade do cumprimento de metas estabelecidas em um tempo reduzido por
exigência da competitividade dos empreendimentos instados no Brasil. Tais
situações podem gerar ansiedade, sofrimento, medo e insegurança, fatores que,
aliados ao cansaço, contribuem para o esgotamento físico e mental do
funcionário, podendo suscitar acidentes e desenvolvimento ou agravo de doenças
como o estresse, doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT) ou
lesões por esforços repetitivos (LER) – entende-se por LER e DORT uma síndrome
relacionada ao trabalho, caracterizada pela ocorrência de vários sintomas
concomitantes ou não, de aparecimento insidioso, em entidades
neuro-ortopédicas definidas como tenossinovites, sinovites, compressões
de nervos periféricos e síndromes miofasciais, que podem ser identificadas ou
não e, frequentemente, são causa de incapacidade laboral temporária ou
permanente [1-4].
Com
o propósito de
reduzir os índices de absenteísmo e afastamentos
provenientes de doenças
ocupacionais e aumentar a produtividade, as empresas têm adotado
a Ginástica
Laboral (GL) especialmente desde a década de 1990 – quando
qualidade de vida no
trabalho passou a ser enfatizada – como uma possibilidade de
contribuir com
condições melhores de vida no trabalho, associando as
atividades desenvolvidas
pelo funcionário às orientações de
práticas que contribuirão para a prevenção
das DORT [5,6].
Sem levar o
trabalhador à fadiga, a GL é uma modalidade que se baseia em exercícios para
flexibilidade, relaxamento, fortalecimento muscular e massagens, complementados
com atividade lúdica. Pode ser uma atividade total, que trabalha a mente e o
corpo, estimula o autoconhecimento, amplia a consciência e a autoestima e
proporciona melhor relacionamento com os outros e com o meio. Essas ações podem
favorecer tanto a empresa quanto o trabalhador, por enfatizarem a prevenção de
doenças ocupacionais, motivação para o funcionário e,
consequentemente, melhores resultados para a empresa [5,7-9].
O objetivo do estudo
foi avaliar os benefícios da GL, na qualidade de vida, num grupo de
colaboradores que trabalham no setor administrativo de um grande hospital na
região do ABC de São Paulo.
Este projeto foi
submetido ao Comitê de Ética em pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC e
aprovado sob número de parecer 72233 - CAEE
04794112.1.0000.0082.
Tratou-se de um
estudo de intervenção realizado no Hospital Estadual Mario Covas, na cidade de
Santo André/SP. Fizeram parte do estudo funcionários do setor administrativo do
hospital, que se enquadraram nos seguintes critérios de inclusão: Ambos os
sexos; que concordaram com a participação através da assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido; que não tivessem contraindicações para a
prática da GL. Critérios de exclusão mais de três faltas.
Inicialmente os
voluntários foram informados do desenvolvimento da pesquisa e assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido, sendo posteriormente orientados a
preencher o questionário de qualidade de vida SF-36.
O SF-36 é composto
por 11 questões e 36 itens que englobam oito componentes (domínios ou
dimensões), representados por capacidade funcional (dez itens), aspectos
físicos (quatro itens), dor (dois itens), estado geral da saúde (cinco itens),
vitalidade (quatro itens), aspectos sociais (dois itens), aspectos emocionais
(três itens), saúde mental (cinco itens) e uma questão comparativa sobre a
percepção atual da saúde e há um ano. O indivíduo recebe um escore em cada
domínio, que varia de 0 a 100, sendo 0 o pior escore e
100 o melhor [10].
Em seguida, os
funcionários passaram a fazer parte de um programa de GL de três meses, que
constou de breve aquecimento, exercícios de alongamento e fortalecimento e
breve relaxamento, três vezes por semana, com duração de 20 minutos.
O aquecimento - com
duração de 5 minutos - é essencial para preparar o sistema cardiorrespiratório,
melhorando seu desempenho durante as atividades físicas. Proporciona
aumento gradual da temperatura muscular e maior produção de líquido sinovial,
fatores que diminuem o risco de lesões. Foi composto por mobilização ativa
lenta, rotação de cabeça, ombros, punhos e tornozelos, caminhada nos sentidos
anterior e posterior e trotes lentos.
Com duração de 30
segundos para cada alongamento, alongamentos de músculos flexores, extensores e
inclinadores cervicais; flexores, abdutores e extensores de ombro; flexores de
cotovelo punho e dedos; extensores de dedos; flexores, extensores, abdutores e
adutores de quadril; flexores e extensores de joelho; dorsiflexores e flexores
plantares. Os mesmos foram propostos para melhora de flexibilidade e,
eventualmente, alívio de dor.
Exercícios
ativos livres,
contra a ação da gravidade, de
abdução-adução e
elevação-depressão de ombro;
flexão-extensão de cotovelo;
abdução-adução, extensão e
flexão de quadril;
agachamento com as costas na parede e elevação de
calcanhares (mantendo apenas
a região anterior dos pés em contato com o solo) foram
propostos em 3 séries de 10 ou 15 repetições para fortalecimento
muscular.
Para restabelecer a
frequência cardíaca e pressão arterial aos níveis de repouso e promover
relaxamento, os 5 minutos finais eram destinados à caminhada lenta, respiração
profunda lenta, automassagem e/ou massagem no colega com bolinha de borracha em
região de trapézio. Ao final dos três meses, os participantes preencheram
novamente o questionário SF-36 para comparação dos dados.
Análise
estatística
A análise dos
resultados foi através do teste t de student para verificar se existiu
diferença significativa, com um nível de significância p < 0,05 para todas
as variáveis.
Fizeram parte deste
estudo 28 voluntários do sexo feminino, com idades entre 18 e 52 anos, que
trabalhavam no setor administrativo do Hospital Estadual Mário Covas.
Gráfico
1 - Domínios do SF-36.
Por meio da análise
do gráfico 1, pode-se inferir que os voluntários
apresentaram melhora nos domínios Dor (p = 0,1), Estado Geral de Saúde (p =
0,006), Vitalidade (p = 0,15), Aspectos Sociais (p = 0,27) e Saúde Mental (p =
0,19) após completarem o programa de GL. Sendo assim, diferença
estatisticamente significante (p < 0,05) ocorreu apenas no domínio Estado
Geral de Saúde, com p = 0,006.
O presente estudo
avaliou a interferência da GL na Qualidade de Vida (QV) de funcionários de um
hospital Estadual.
A Organização Mundial
de Saúde (OMS) define QV como a percepção do indivíduo sobre a sua posição na
vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive e em
relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações [11]. Bortolozo
e Santana [12] afirmam que uma instituição que preza pela QV torna seus funcionários
mais confiantes, motivados, satisfeitos e altamente produtivos. Dessa forma, as
empresas têm desenvolvido inúmeras ações para inserir melhores condições no
trabalho para que a satisfação do funcionário melhore o desempenho e reduza o
índice de absenteísmo e rotatividade das equipes. Dentre as atividades
prestadas nas empresas, a GL pode promover um resultado significativo no que se
relaciona à produtividade e qualidade de vida.
De acordo com
Bergamaschi et al. [1], em um estudo que investigou os
efeitos de um programa de GL no bem-estar físico, emocional e social de
funcionários de uma empresa, foi possível encontrar resultados significativos
nesses três aspectos.
A ginástica praticada
no ambiente de trabalho pode ser do tipo Preparatória
(realizada no início da jornada de trabalho), Compensatória (realizada como
pausa ativa durante a jornada de trabalho) ou de Relaxamento (realizada
ao final da jornada de trabalho). Costa et al. [13], em
estudo para verificar qual dos três tipos de GL apresenta maior influência na
melhora da qualidade de vida, observaram ausência de diferenças
estatisticamente significantes. No presente estudo foi adotada a Compensatória.
Castoldi et al. [14], em seu estudo que analisou a
QV através do SF-36 para avaliar o estado geral de saúde em diferentes
domínios, como dor, capacidade funcional, aspectos emocionais e sociais de
participantes de um programa de GL, concluíram que esses indivíduos
apresentaram pontuação acima da média quando avaliada a QV. Os domínios
Capacidade Funcional e Aspectos Sociais mostraram-se mais elevados e Dor e
Limitação por Aspectos Físicos obtiveram menores valores.
A Associação
Internacional para o Estudo da Dor (IASP) afirma que dor é uma experiência
sensorial e emocional desagradável associada a dano tecidual real ou potencial,
ou descrito nesses termos [15]. Todas as voluntárias queixaram-se de episódios
de dor nas costas antes do início do programa de GL e relataram diminuição na
frequência e/ou intensidade ao final do mesmo (p = 0,1). Sedrez et al. [16], em estudo experimental de
avaliação dos efeitos de um programa de GL sobre a dor e QV de funcionários
administrativos de três setores distintos, obtiveram resultados de melhora na
QV e da dor nas costas. Em seu estudo, no grupo controle, em que não houve a
prática de GL, não foi observada diferença significativa em nenhuma das
variáveis analisadas, além de referirem aumento na ocorrência de dores nas
costas.
Candotti et al. [17], ao estudarem os efeitos da GL
na dor nas costas e nos hábitos posturais adotados no ambiente de trabalho,
obtiveram resultados que demonstraram diminuição da intensidade e frequência da
dor referida aos trabalhadores do grupo experimental, e mudança do hábito
postural durante o trabalho, melhorando a postura sentada.
De acordo com o
estudo de Capela et al. [18], referente à QV em pacientes
com dor, há uma correlação negativa entre esses aspectos, ansiedade e depressão,
ou seja, quanto maior a intensidade desses sintomas, pior é a QV dos
indivíduos.
Conforme os
resultados apurados nesta pesquisa, nota-se semelhanças aos estudos citados por
Ferracini et al. [19], em “Presença de sintomas
musculoesqueléticos e efeitos da ginástica laboral em funcionários do setor
administrativo de um hospital público”, na qual destaca-se a redução da dor
musculoesquelética, durante e após a jornada de trabalho, ao efetuarem a GL.
As voluntárias do
presente estudo apresentavam-se bastante motivadas durante o programa
oferecido. Espontaneamente, aumentaram ou iniciaram a prática de atividades
físicas em horários de folga, o que apresenta concordância com a conclusão de
Candotti et al. [20], que afirma que a GL pode ser
utilizada como uma ferramenta eficaz para motivar seus participantes a
realizarem atividade física regular fora do ambiente de trabalho, com
consequentes alterações benéficas na musculatura esquelética e tecidos
conectivos, colaborando também para a diminuição do risco de surgimento de
incapacidades e sintomas osteomusculares.
Ao longo deste
estudo, seis voluntárias referiram que aumentaram o consumo de alimentos
integrais, água, sucos e leite semidesnatado e diminuíram o consumo de manteiga
ou margarina e café preto. Leal et al. [21] também
verificaram que a GL influencia para um estilo de vida saudável e que contribui
de maneira significativa para adoção de hábitos alimentares mais saudáveis.
Martins [22] afirma
que em médio e longo prazo, é ideal que o trabalhador tenha prática e
consciência suficientes para realizar as atividades que compõem a GL nos
momentos em que sentir necessidade, aumentando as chances de melhorar sua QV
dentro ou fora do ambiente ocupacional. Para isso, ao final de cada sessão de
GL as atividades eram rapidamente demonstradas novamente às voluntárias e a
importância de sua prática era reforçada. Com isso, percebe-se a necessidade de
inserir motivação ao desenvolver esse tipo de atividade – bem como expõem Silva
e Martins [23] -, para que o colaborador perceba a real necessidade de
sentir-se bem ao longo de sua vida.
Assim, conforme
exposto por Epaminondas [24] e Ferracini et al. [19],
grande parte das voluntárias enfatizou a importância da continuação do programa
de GL e a contratação de um profissional específico para sua aplicação.
A maioria das
participantes adotou a GL como um momento de descontração, relaxamento e
diversão, conforme descreve Epaminondas [24], revelando também a preferência
por atividades mais dinâmicas e diversificadas.
No geral, a inserção
da GL no serviço selecionado promoveu orientação aos colaboradores da
instituição de saúde quanto à busca pela prática de atividades que podem
melhorar as condições de vida não só no trabalho, mas também na rotina diária.
Considerando que as atividades dos voluntários estão diretamente relacionadas
ao atendimento ao público, arquivamento e controle, muitos dos funcionários
enfrentam grandes dificuldades em controlar o nível de stress e sobrecargas do
dia a dia, o que compromete também a postura durante o desenvolvimento do
trabalho.
Com a GL foi
perceptível, através de relato dos funcionários, a conscientização dos mesmos
quanto ao cuidado para buscarem práticas que os auxiliam a controlar o nível de
stress e sobrecargas do dia a dia, além das melhoras apontadas pelo
questionário SF-36. Concomitantemente a orientação e conscientização
proporcionada, a GL pode ser um instrumento que os faça resgatar a satisfação
pelo trabalho e pela rotina, trazendo benefícios para o colaborador e para a
empresa.