REVISÃO
O
treinamento resistido em indivíduos acometidos por acidente vascular encefálico
The resistance training in patients affected by stroke
Jéssica Aline
Magalhães*
*Programa
de Pós-Graduação Lato-Sensu da Universidade Estácio de Sá – Fisiologia e
Prescrição do Exercício Clínico
Recebido 11 de
janeiro de 2017; aceito em 14 de junho de 2017.
Endereço
para correspondência:
Jéssica Aline Magalhães, Rua Sete de Setembro 460, Vila Paulista 12701-140
Cruzeiro SP, E-mail: j.aline.magalhaes@bol.com.br
Resumo
O acidente vascular
encefálico (AVE) acomete milhões de indivíduos e se tornou uma das principais
causas de morte e incapacidade. Suas sequelas impactam no estilo de vida
afetando-a no aspecto social, profissional e muitas vezes toda a estrutura
familiar, além de levar ao estado de desuso consequentemente acompanhado de
atrofia muscular, déficit no sistema cardiorrespiratório, sedentarismo e
doenças como hipertensão, diabetes, obesidade entre outros. Dessa forma, o
presente estudo tem por finalidade reunir e apresentar resultados do
treinamento resistido (TR) no indivíduo acometido pelo AVE.
Por ser o TR um dos meios mais rápidos e seguros tanto no aspecto
cardiovascular quanto músculo esquelético, vem sendo objeto de estudo por suas
possibilidades e benefícios em diversos tipos de doenças. Por meio de revisão
sistemática de artigos foram observados pontos positivos e melhoras
significativas no aspecto motor, na prevenção de doenças coadjuvantes, no
aspecto psicológico e consequentemente na qualidade de vida. Logo, foi possível
o esclarecimento de algumas dúvidas a respeito da aplicabilidade, assim como
seus benefícios no público em questão.
Palavras-chave: treinamento
resistido, acidente vascular encefálico, espasticidade.
Abstract
The stroke affects millions of people and is a major cause of death and
disability. The consequences impact the lifestyle affecting the social and
professional life and often the whole family structure, and lead to disuse
state consequently accompanied by muscular atrophy, deficit in the
cardiorespiratory system, physical inactivity and diseases such as
hypertension, diabetes, obesity and others. Thus, this study aimed to gather
and to present the results of Resistance Training in the individuals affected
by stroke. Because of being one of the fastest and safest ways of rehabilitation
in both cardiovascular aspect and skeletal muscle, it has been the object of
study for the possibilities and benefits in various types of diseases. Through
literature review, it was observed strengths and significant improvements in
motor aspect, prevention of secondary diseases, psychological aspect and
consequently in the quality of life. Thus, it was possible to clarify some
questions about the applicability, as well as its benefits in the concerned
public.
Key-words: resistance
training, stroke, spasticity.
O avanço da
tecnologia modifica os costumes e hábitos da sociedade moderna favorecendo o
aparecimento precoce de doenças características do idoso. O acidente vascular
encefálico (AVE) ou Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma das maiores causas
de morbidade em grande parte dos países ocidentais, aproximadamente 80% dos
indivíduos acometidos sobrevivem [1]. Muitos desses sobreviventes carregam
sequelas físicas, sensoriais e cognitivas, sendo a principal causa de incapacidade
do adulto no mundo, levando à reforma precoce e a repercussões socioeconômicas
devastadoras [2], interferindo na estrutura da família devido aos cuidados
especiais que são necessários dependendo da gravidade da sequela. Para a
National Stroke Association [3], 10% deles recuperam quase na totalidade, 25%
ficam com sequelas mínimas, 40% com deficiência moderada a grave, necessitando
de cuidados especializados, 10% precisam de cuidados a longo
prazo e 15% morrem após o episódio de AVC.
A Organização Mundial
de Saúde (OMS) define o AVC como sendo um comprometimento neurológico focal (ou
global) que subitamente ocorre com sintomas persistindo para além de 24 horas,
ou levando à morte, com provável origem vascular, [4]. No cérebro, as artérias
se ramificam para transportar oxigênio e nutrientes necessários. Quando uma
dessas artérias sofre obstrução ou se rompe ocorre a redução do fluxo sanguíneo
provocando um processo de anóxia, ou hematoma no tecido cerebral caracterizando
o AVC [5].
Dentre os fatores de
risco que ampliam a probabilidade de um AVE e ataques
posteriores estão: a hipertensão, diabetes, sedentarismo, obesidade,
tabagismo, consumo de álcool e hábitos alimentares inadequados, dentre outros
[6]. Muitos deles podem ser amenizados com tratamento médico adequado, mudanças
no estilo de vida, na alimentação e com a prática do exercício físico, também
contribuindo para a prevenção de um segundo acometimento ou piora do quadro.
Dentre os diversos
tipos de exercícios físicos existentes, uma das formas de aquisição de
benefícios fisiológicos e motores mais rápidos é o treinamento resistido (TR)
que tem sido um dos meios mais completos para o aumento das
capacidades físicas de força, resistência muscular, flexibilidade e
capacidade de aceleração, promovendo melhorias no formato corporal, prevenindo
doenças crônicas tão bem, ou melhor, do que outras formas de atividade física
[7]. O mesmo tem impacto positivo não só no musculoesquelético mas também na excitação neuromotora, integridade e vitabilidade
do tecido conjuntivo e na sensação de bem-estar [8], aspecto este importante
para o público em questão devido aos déficits de autoestima e autonomia
decorrentes da dependência para realização de atividades, além de casos de
depressão. Logo, o presente estudo tem por objetivo a revisão de artigos que
discutem os resultados fisiológicos deste tipo de treinamento no indivíduo
acometido por AVE, esclarecendo dúvidas, servindo de base para estudos
posteriores.
Os artigos para a
revisão sistemática foram selecionados a partir de bases de dados como: PubMed, Trials Journal, Acta Fisiátrica, EFDeportes, Revista
Com Ciência, dentre outros. Foram considerados para esta revisão os artigos com
publicação entre os anos 1999 e 2016, que foram pesquisados utilizando
palavras-chave como Treinamento Resistido, Acidente Vascular Encefálico,
Sequelas do AVE, Espasticidade e em língua inglesa:
Resistance Training, The Stroke, Consequences, Spasticity. Os artigos relatam
estudos experimentais ou de revisão sistemática que envolvem
o TR em aparelhos de musculação ou materiais específicos para o desenvolvimento
da força. Foram inclusos alguns associados ao treinamento de marcha e aeróbio
devido à escassez de pesquisas utilizando somente o treinamento de força. Dos
20 artigos encontrados, 08 se encaixaram nos requisitos e foram selecionados.
Desses 8 artigos, os estudos de Falcão et al. [9] e Wist et al.
[10] são revisões sistemáticas. Os autores Teixeira-Salmela et
al. [11], Teixeira-Salmela et al. [12], Cramp et al. [13] e Souza [14] também
utilizaram exercícios aeróbios em seus testes. E os autores Weiss et al. [15] e Oulette et al. [16] aparelhos de musculação.
Em nenhum dos estudos foi relatado efeitos deletérios aos alunos.
Quadro
1 -
O Treinamento Resistido em indivíduos acometidos pelo AVE.
A reabilitação do
paciente com sequela de AVE envolve diversos fatores que devem ser respeitados
e etapas cumpridas desde a fisioterapia convencional até a liberação da equipe
médica para a prática de exercícios. Muitos são os benefícios da atividade
física como prevenção e reabilitação de diversas doenças inclusive o AVE que acomete a estrutura física causando limitações e
desuso, acarretando alterações nos processos metabólicos e também na saúde
mental. Para Macko, Ivey e Forrester [17], o exercício físico após o AVE é de
fundamental importância para o combate e a prevenção ao descondicionamento
cardiovascular e das doenças que acompanham a inatividade física.
Os prejuízos na
deambulação e fraqueza muscular são alterações significativas após o AVE, sendo um fator limitante para a recuperação
funcional. Estudos sugerem que a tarefa motora relacionada com a prática de
exercícios resistidos pode aumentar a competência da deambulação em maior
medida do que outros métodos [18], e os ganhos de força por meio deles são
rápidos e seguros sendo possível o controle das variáveis do movimento e da
individualidade biológica do aluno.
Algumas dúvidas em
relação a um possível aumento da espasticidade muscular presente nesses
pacientes não foram encontrados. Os autores como Falcão, Antunes e Sierra [9]
em sua revisão sistemática de artigos entre 2006 e 2007 ressalta a ausências de
efeitos sobre a espasticidade verificando melhorias em diferentes testes
motores. Teixeira-Salmela et al. [11] que, apesar de não
observarem alterações do grau de espasticidade em 13 hemiplégicos crônicos que
realizaram exercícios de fortalecimento muscular e condicionamento físico
durante 10 semanas com aquecimento por meio de exercícios aeróbicos a 70% da
frequência cardíaca obtida no teste de esforço e fortalecimento dos grandes
grupos musculares do membro inferior parético, obtiveram uma melhora de 78% na
qualidade de vida, 39% no perfil de atividade humana, 28% na velocidade da
marcha e 37% na habilidade para subir escadas. Teixeira-Salmela et al. [12] recrutaram trinta pacientes na comunidade para
participarem do programa de treinamento pré-estabelecido, musculação e
condicionamento aeróbio três vezes por semana, durante 10 semanas. Os pacientes
foram avaliados antes e após o treinamento e melhoras significativas foram
observadas também na velocidade de marcha, habilidade para subir escadas e
velocidade máxima.
Weiss et al. [15] aplicaram o Treinamento de Força concêntrico e
excêntrico usando aparelhos de musculação em 10 pacientes hemiparéticos por
sequela de AVC, sendo 4 homens e 06 mulheres, com idade variando entre 40 e 74
anos, utilizando 3 séries de 8-10 repetições a 70% de 1RM, 2 vezes na semana,
durante 12 semanas, foram observados ganhos de força de 68% no membro inferior
parético e 48% no não afetado, melhoras na flexão, extensão, abdução de
quadril, flexão/extensão de joelho, melhora na habilidade em subir escadas,
velocidade de marcha, recuperação motora (Motor Assessmet Scale) e equilíbrio
(BERG). Oulette et al. [16] utilizando um programa de
treinamento de alta intensidade com Leg Press bilateral, extensão de joelho
unilateral com os dois membros inferiores, exercícios de plantiflexão e
dorsiflexão de tornozelo e no grupo controle: exercícios bilaterais de amplitude
de movimento e flexibilidade de membros superiores com 3 séries de 08-10
repetições a 70% de 1RM 3 vezes na semana, durante 12 semanas, observaram uma
melhora significativa de uma máxima repetição no Leg Press, da extensão de
joelho bilateral, dorsiflexão e plantiflexão de tornozelo parético, na função e
incapacidade todos sem mudanças no grupo controle. Cramp et
al. [13] também ressaltaram o aumento da força concêntrica e excêntrica dos
extensores de joelho e aumento da velocidade da marcha em sua pesquisa.
Os fatores de risco
para outro acometimento ou surgimento de doenças associadas também podem ser
minimizados como foi visto na pesquisa de Souza [14] realizada com um paciente,
do sexo masculino, 44 anos de idade, vítima de um Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico (AVCI) aos 23 anos. Após o TR, houve uma diminuição significativa do
peso corporal, além da diminuição da circunferência abdominal e do quadril, o
que consequentemente levou a diminuição do Índice de Massa Corporal (IMC) e da
Relação Cintura Quadril (RCQ), dois indicadores quanto ao risco da obesidade,
além de diminuição da pressão arterial.
O TR possui efeito benéfico
neurofisiológico do sistema perceptivo motor das sequelas ocorridas,
proporcionando melhora na qualidade de vida e independência funcional e um
ganho no sistema orgânico tecido conjuntivo e inclusive na sensação de
bem-estar de uma pessoa [19]. Souza [14] verificou um aumento de 12 pontos na
dimensão saúde mental avaliadas no SF-36, melhora da saúde e autoestima e
sintomas depressivos assim como Teixeira-Salmela et
al. [11] e Oulette et al. [16].
Os autores Wist,
Clivaz, Sattelmayer [10] em sua revisão sistemática consideraram o TR
convencional a intervenção mais eficiente para a melhora simultânea da força
nos membros inferiores, a velocidade da marcha, a resistência para caminhar e o
equilíbrio em pessoas com hemiparesia em fase crônica de acidente vascular
encefálico.
Para a segurança e
sucesso do treinamento, o professor deverá estar a par do caso do aluno para
aplicar corretamente os exercícios, por meio de uma anamnese detalhada ou um
teste físico fornecido por um fisioterapeuta ou médico, assim como informações
passadas pelos mesmos em relação à fase inicial do tratamento. Uma das
ferramentas que norteiam uma avaliação física é o questionário SF-36,
instrumento que avalia, de forma genérica, o estado de saúde e qualidade de
vida do indivíduo, distribuindo 36 itens em oito domínios, os quais deverão ser
discutidos e interpretados individualmente [20].
O
controle das variáveis do exercício são de extrema importância na prescrição
do programa de treinamento, tanto na reabilitação como na prevenção. É
necessário haver uma reavaliação contínua dos objetivos e do planejamento [21].
Observar se há evolução ou regressão dos sintomas e se o treinamento está sendo
benéfico ou promovendo piora do quadro clínico. Logo, o diálogo
multidisciplinar promoverá um trabalho de condicionamento físico de maior
eficácia sobre o bem-estar e melhora das sequelas, bem como o feedback dos treinos e pós-treinos, exames de rotina e
testes, necessários para a exploração de novos ângulos, intensidades e
evolução, de maneira a recuperar sua funcionalidade.
Por meio desta
pesquisa pode-se concluir que o Treinamento Resistido em indivíduos com AVE
promove benefícios com rapidez. Em 100% dos artigos selecionados foram
observados pontos positivos e melhoras significativas tanto nos aspectos motor,
psicológico, metabólico e consequentemente na qualidade de vida.
.