REVISÃO
Manipulação
das variáveis volume e intensidade no efeito hipotensivo pós-treinamento de
força
Manipulation of volume and intensity parameters on hypotension effect
post strength training
Mateus André Alves
Pereira*, Diogo Cardozo**, Roberto Simão***, Marcelo Nobre**
*Professor
graduado em Educação Física pela Escola de Educação física e Desportos da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ/RJ, **Doutorando em Educação
Física pela Escola de Educação física e Desportos da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, UFRJ/RJ, ***Professor adjunto da Escola de Educação Física e
Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ/RJ
Recebido em 1 de janeiro; aceito em 9 de junho de 2017.
Endereço
para correspondência:
Marcelo Nobre, Departamento de Ginástica da Escola de Educação Física e
Desportos, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Pau Brasil, 540, Ilha do
Fundão 21941-901 Rio de Janeiro RJ, E-mail: celonobre@yahoo.com.br; Mateus
Pereira: mateuspereira_2002@hotmail.com; Roberto Simão: simao@phorte.com.br;
Diogo Cardozo: dcardozoef@gmail.com
Resumo
Introdução: A hipertensão
arterial sistêmica é um fator primário para o desenvolvimento de doenças
cardíacas. O treinamento de força (TF) vem sendo considerado como auxílio no
tratamento não farmacológico através da sua resposta de hipotensão
pós-exercício (HPE). Objetivo:
Realizar uma revisão de literatura sobre o efeito da manipulação das variáveis
volume e intensidade em programas de TF. Métodos:
Foram utilizados estudos originais que constam em periódicos nacionais e
internacionais. Como critérios de exclusão foram considerados os estudos de
revisão de literatura, os que não faziam associação com HPE para volume e/ou
intensidade e estudos que não estavam disponibilizados de forma completa.
Assim, foram selecionados 22 estudos relacionados ao tema. Conclusão: Baseado nos achados dos estudos pesquisados, conclui-se
que a manipulação das variáveis volume e intensidade pode interferir na
magnitude e duração da HPE, pois intensidades moderadas a altas, entre 60% e
80% de 1RM, proporcionam maior duração da HPE após sessões de TF. Essa resposta
também é observada para o número de séries, pois os resultados mais duradouros
foram observados para a realização de múltiplas séries. Contudo, é interessante
que novas pesquisas sejam realizadas para que aspectos fisiológicos e
protocolares sejam elucidados.
Palavras-chave: hipertensão
arterial, exercícios de força, hipotensão pós-exercício.
Abstract
Introduction: Systemic arterial hypertension is a primary factor for the development
of heart disease. Strength training (ST) has been considered as aid in
non-pharmacological treatment through its post-exercise hypotension response
(PEH). Objective: To review a
literature on the effect of volume and intensity manipulation on ST programs. Methods: Original studies of national
and international journals were used. As exclusion criteria, literature review
studies were considered, those that were not associated with PEH for volume
and/or intensity and studies that were not fully available. Thus, 22 studies
related to this topic were selected. Conclusion:
Based on the findings of the studies, it was concluded that manipulation of the
volume and intensity variables may interfere with the magnitude and duration of
PEH, since it seems that moderate to high intensities, between 60% and 80% of
1RM, provide longer duration of PEH after ST sessions.
This response is also observed for the number of series, since the most
enduring results were observed for multiple series. However, it is interesting
that further researches are carried to elucidate physiological and protocol
aspects.
Key-words:
hypertension, strength training, post-exercise hypotension.
A hipertensão
arterial sistêmica (HAS) é caracterizada pela elevação anormal e sustentada dos
níveis de pressão arterial (PA) a valores iguais ou superiores de 140 mmHg para a PA sistólica (PAS) e/ou 90 mmHg para a PA
diastólica (PAD) [1]. Atualmente esta complicação é considerada como fator de
risco primário para o desencadeamento de doença arterial coronariana, infarto
agudo do miocárdio, doenças arteriais periféricas e falência renal [2,3]. Desta
forma, atitudes de intervenção são necessárias para o combate da HAS, dentre as
medidas não farmacológicas o exercício físico é indicado como medida de terapia
anti-hipertensiva, pois, o mesmo auxilia neste processo através do seu efeito
hipotensor que é caracterizado pela redução dos níveis de PA pós-exercício
abaixo dos valores observados na situação pré-exercício [5,6].
Dentre as modalidades
de exercícios físicos, o treinamento de força (TF) vem sendo recomendado como
parte integrante nos programas de exercícios destinados a saúde [1,2].
Entretanto, no TF, existem variáveis de prescrição que podem ser manipuladas
dentro do programa de treinamento, como o volume, a intensidade, o tempo de
intervalo entre as séries e exercícios, a ordem de execução dos exercícios, a
velocidade de execução, a frequência semanal, entre outras [6].
Com relação às
respostas cardiovasculares a maioria dos estudos existentes na literatura
concentra-se nas variáveis de volume e intensidade de treinamento [7-25].
Contudo, mesmo existindo pesquisas sobre o assunto ainda é incipiente na
literatura qual volume e intensidade seja mais adequado para resultar no efeito
hipotensivo após sessões de TF.
Desta forma, foi
objetivo do presente estudo realizar uma revisão de literatura de estudos e
pesquisas voltados para a resposta hipotensora do TF pela manipulação das
variáveis de volume e intensidade. Esta revisão pode auxiliar os profissionais
de Educação Física no direcionamento de volumes e intensidades que sejam
eficazes para proporcionar efeito hipotensivo.
O presente estudo
realizou uma revisão de literatura sobre o efeito hipotensivo após sessões
agudas de TF. Como critérios de inclusão foram adotados os seguintes
procedimentos: a) todos os artigos deveriam ser de pesquisas originais; b)
todos os artigos deveriam abordar o efeito hipotensivo após sessões de TF
através da manipulação das variáveis de volume e/ou intensidade; c) o
levantamento bibliográfico foi realizado através dos bancos de dados do Scielo,
Pubmed, Lilacs e Google acadêmico em revistas internacionais e nacionais. Os
termos pesquisados foram: hipotensão; variáveis metodológicas; treinamento
resistido; treinamento de força, volume e intensidade, bem como seus
respectivos termos em inglês: hypotension;
methodological variables; resistance training; strength training volume and
intensity. Como critérios de exclusão foram considerados os estudos de
revisão, estudos que não faziam associação com efeito
hipotensivo e variáveis do TF para volume e/ou intensidade e estudos que
não estavam disponibilizados de forma completa. Assim, foram selecionados 22
estudos relacionados ao tema. Tabela I.
Tabela I - Critérios utilizados na seleção dos artigos.
A maioria dos estudos
existentes do efeito do TF sobre o efeito hipotensivo concentra-se nas
variáveis de volume e intensidade de treinamento [26]. Entretanto, mesmo
existindo pesquisas sobre o assunto a literatura ainda não é clara sobre qual
volume e intensidade é mais adequado para prescrição com o foco no controle da
PA. A discussão será organizada em três tópicos: 1) influência das variáveis de
volume e intensidade no efeito hipotensivo; 2) um tópico de volume de
treinamento relacionado ao número de séries e sua influência no efeito
hipotensivo e 3) os mecanismos fisiológicos responsáveis pela hipotensão
pós-exercício.
Influência
da intensidade de treinamento na hipotensão pós-exercício
A intensidade no TF
pode ser caracterizada pelo aumento da sobrecarga pela quantidade de peso
levantado em quilogramas, ou ainda pelo intervalo de descanso. Quanto menor o
intervalo de descanso entre séries e exercícios mais intenso se torna o
treinamento. No presente estudo o foco da intensidade será direcionado para a
carga de treinamento através do percentual de repetições máximas.
Um dos primeiros
estudos a abordar esta temática é o de Polito et al. [18]. Este estudo teve como objetivo comparar o efeito
hipotensivo em indivíduos jovens experientes em TF submetidos a um protocolo
realizado com 3 séries de 6RM em um dia e, no outro
dia, os voluntários foram submetidos a 50% da carga de 6RM para realizar 3
séries com 12 repetições. Os resultados observados foram que o protocolo de 6RM
foi mais eficaz na duração do efeito hipotensivo para a (PAS), entretanto, sem
diferenças para a magnitude.
Em um protocolo de TF
similar, Simão et al. [24] verificaram que a intensidade
de treinamento (6RM vs. 12RM) exerce influência na duração, mas não na magnitude
do efeito hipotensivo. Por exemplo, os resultados desse estudo indicam que o
protocolo de 6RM foi superior ao protocolo de 12RM realizado em formato
tradicional e com similares respostas ao protocolo de 12RM realizado no formato
de circuito. Sugerindo que a intensidade do treinamento em indivíduos jovens
treinados deve ser considerada para promover resultados duradouros.
Boroujerdi et al. [27] submeteram 10 homens
fisiculturistas experientes em TF a duas sessões experimentais. Após a obtenção
das cargas de 1RM os indivíduos foram submetidos à sessão de alta intensidade (4 séries de 6 repetições com 85% de 1RM e 2 minutos de
intervalo) e na outra sessão de treinamento a de baixa intensidade (4 séries de
12 repetições com 42,5% de 1RM e 2 minutos de intervalo). A PA foi medida
durante 60 minutos em ciclos de dez minutos. Os resultados observados foram que
ambos os protocolos de treinamento proporcionaram efeito hipotensivo,
entretanto o treinamento de maior intensidade foi mais eficaz na duração do
efeito hipotensivo.
Gurjão et al. [28] analisaram duas diferentes
intensidades no TF sobre o efeito hipotensivo. Foram recrutadas para este
estudo 16 mulheres normotensas. Após oito semanas de prática de TF para
equiparação do condicionamento muscular, as voluntárias foram separadas
aleatoriamente em dois grupos. O grupo 1 (G1) realizou
o treinamento com três séries entre 6 e 8 repetições e o grupo 2 (G2) três
séries de 10 a 12 repetições. Os resultados foram similares para a PAS e PAD na
comparação entre grupos, entretanto, o efeito hipotensivo foi verificado no
grupo de treinamento de maior intensidade (G1).
Lima et al. [29] analisaram duas intensidades
distintas (40% e 70% de 1RM). Para isso, 10 homens jovens experientes em TF
foram submetidos aos protocolos de treinamento. Os resultados indicam que a
intensidade de 70% de 1RM, proporciona maior duração do efeito hipotensivo
quando comparado à intensidade de 40% de 1RM.
Com relação ao
treinamento realizado até a falha muscular, Souza et al. [30] verificaram que o TF praticado até a fadiga (três séries
de 10RM) induziu a maior redução da PA no período da manhã quando comparado ao
dia do protocolo de treinamento tradicional (três séries de 10 repetições com
60% de 10RM).
Desta forma, parece
que intensidades maiores no TF são mais eficazes para proporcionar um efeito
duradouro do efeito hipotensivo em indivíduos treinados. Em contrapartida, é
importante considerar que existem estudos demonstrando o efeito consistente de
protocolos de baixa intensidade. Por exemplo, Rezk et
al. [20] investigaram protocolos de baixa (40% de 1RM) e alta intensidade (80%
de 1RM) sobre as respostas hipotensivas e os mecanismos fisiológicos envolvidos
no efeito redutor da PA. Os autores observaram que a intensidade não
influenciou na redução da PAS, pois a mesma apresentou valores similares nas
duas intensidades investigadas. Entretanto, a PAD apresentou menores valores na
intensidade de 40% de 1RM, o que sugere que a menor intensidade influencia de
forma completa na duração do efeito hipotensivo.
Já o estudo de
Lizardo e Simões [31] submeteu 11 indivíduos treinados, do sexo masculino, a
quatro protocolos de TF distintos. Um dia a amostra realizou duas séries de 30
repetições com 30% de 1RM, na outra sessão duas séries de oito repetições com
80% de 1RM, a terceira sessão foi com quatro séries de exercícios apenas para
membros superiores com 30 repetições a 30% de 1RM e a quarta sessão foi para
realizar quatro séries de exercícios apenas para membros inferiores com 30
repetições a 30% de 1RM. Os autores verificaram que as intensidades de 30% de
1RM e a sessão que envolve maior massa muscular de membros inferiores foram
mais eficazes na duração do efeito hipotensivo.
Oliveira et al. [32] verificaram que a intensidade
correspondente a 80% de 10RM é mais eficiente para manter a PA reduzida no
período de vigília em indivíduos idosos hipertensos em comparação ao dia que
utilizavam cargas com 100% de 10RM.
Já Cardozo e Dias
[33] verificaram que a intensidade de 60% de 1RM proporciona maior duração do
efeito hipotensivo em jovens universitários experientes em TF. Entretanto, deve
ser levado em consideração o tipo de exercício, pois a intensidade de 80% de
1RM somente exerceu influência no efeito hipotensivo no exercício
multiarticular de supino reto quando comparado ao exercício uniarticular
voador.
Existem ainda na
literatura estudos que não verificaram diferenças entre os diferentes
protocolos de treinamentos com diferentes volumes e intensidades [34,35]. Ou
ainda estudos que não verificaram efeitos positivos do TF sobre a PA no período
pós-exercício [9,15,16,21].
Em resumo, o TF é uma
modalidade de treinamento que também é eficaz na redução dos níveis de PA.
Entretanto, deve ser levado em conta o nível de condicionamento físico da
amostra, para que se apliquem intensidades correspondentes que promovam
estímulos adequados. A tabela II apresenta os principais resultados dos artigos
inclusos nesta revisão dos efeitos da intensidade de treinamento sobre a HPE.
Tabela
II -
Principais resultados das pesquisas sobre
o efeito da intensidade de treinamento no efeito hipotensivo.
NT = normotensos, PAS
= pressão arterial sistólica, PAD = pressão arterial diastólica, PAM = pressão
arterial média.
Influência
do volume de treinamento na hipotensão pós-exercício
O volume de
treinamento no TF está relacionado ao número de repetições, séries, exercícios
e a frequência semanal [6]. No presente estudo, o volume de treinamento será
discutido especificamente para o número de séries e sua influência aguda no
efeito hipotensivo.
A literatura tem
apresentado resultados positivos quando se comparam as respostas de um maior
volume com o menor volume de treinamento [12,14,17,23,24].
Por exemplo, quando as análises são em comparação de séries simples com
múltiplas, o dia em que a amostra realiza o maior número de séries é observado
maior magnitude e tempo de duração do efeito hipotensivo [12,23].
Atualmente,
Figueiredo et al. [36] verificaram que realizar uma
série proporciona efeito hipotensivo, entretanto a realização de três e cinco
séries é superior ao dia de uma série. Desta forma, mesmo que ainda não
definido na literatura e com base nos estudos existentes, a manipulação de um
volume de treinamento adequado é importante para desencadear uma resposta
hipotensiva. Parece que a realização de séries múltiplas é mais eficaz para
estas respostas. A tabela III apresenta os principais resultados dos artigos
inclusos nesta revisão do efeito do número de séries sobre a HPE
Tabela
III
- Principais resultados das pesquisas
sobre o efeito do número de séries no efeito hipotensivo
NT = normotensos, HT =
hipertensos, PAS = pressão arterial sistólica, PAD = pressão arterial
diastólica, PAM = pressão arterial média.
Hipotensão
pós-exercício
Atualmente o
exercício físico é considerado um importante aliado como forma de auxílio no
tratamento não farmacológico, pois o mesmo atua influenciando na redução dos
níveis de PA após as sessões de treinamento físico [37]. Desta forma,
decréscimos de apenas três milímetros na redução da PA já reduzem os riscos de
acidente vascular encefálico e a mortalidade cardiovascular, justificando,
portanto, manter os níveis pressóricos a níveis controlados [2].
Sobre os mecanismos
fisiológicos responsáveis pelo efeito redutor da PA ainda são incipientes.
Entretanto, de acordo com alguns estudos existentes na literatura a HPE pode
ocorrer devido à redução da resistência vascular periférica e aumento da
vasodilatação [4]. Contudo, algumas pesquisas têm demonstrado que a PA é
reduzida pela redução do débito cardíaco principalmente pela queda no volume
plasmático [20]. Em longo prazo, parece que a redefinição do set point do
controle barorreflexo influencia no balanço simpático-vagal com redução da
atividade nervosa simpática e aumento da atividade parassimpática. Desta forma,
estas respostas parecem exercer uma maior influência para o controle da PA
[38].
De acordo com os
resultados observados nas pesquisas existentes nesta revisão bibliográfica,
concluímos que o TF prescrito com intensidade entre 60 e 80% de 1RM, com faixa
de repetições variando entre 6 e 12, aplicado com
múltiplas séries para grandes grupos musculares são mais eficientes para gerar
um efeito duradouro na redução da PA. Entretanto, pelo fato do TF ser norteado
por diversas outras variáveis, que ao serem combinadas podem também exercer
interferência sobre as respostas hemodinâmicas, sugerimos que novas pesquisas
inerentes ao tema sejam realizadas para que aspectos fisiológicos e
protocolares sejam elucidados para que cheguemos à prescrição segura do TF para
este fim.
Referências