ARTIGO
ORIGINAL
Suplementação
de leucina em jogadores de futebol profissionais da categoria sub 17
Leucine supplementation in sub 17 category
professional soccer players
Cibele Sena Pereira*,
Leonardo E M Lima**, Luciana Setaro***
*Pós-graduada em nutrição pela Universidade Anhembi Morumbi, **Docente
da Universidade Anhembi Morumbi, ***Docente da Universidade Anhembi Morumbi
Artigo recebido em 26
de janeiro de 2017; aceito em 12 de agosto de 2017.
Endereço
para correspondência:
Leonardo E M Lima, Universidade Anhembi Morumbi, Rua Dr. Almeida Lima, 1.134,
03164-000 São Paulo SP, E-mail: leonardolimadocente@gmail.com; Cibele Sena
Pereira: cibelesena@gmail.com; Luciana Setaro: lusetaro@hotmail.com
Resumo
O interesse pela
leucina vem crescendo cada vez mais por seu efeito ergogênico na promoção do
anabolismo, envolvendo a síntese proteica e a degradação muscular. Por ser um
aminoácido essencial, é de suma importância sua ingestão na dieta. A leucina
desempenha três papéis importantes no nosso metabolismo: como substrato para a
síntese proteica, como substrato energético e como sinalizador metabólico. O
objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da suplementação com leucina sobre a
massa gorda. Participaram do estudo 24 jogadores de futebol profissionais da
categoria sub 17 de um clube paulista pertencente a
segunda divisão. Foram divididos em 2 grupos: 13
atletas foram suplementados com leucina e 11 com talco farmacêutico (placebo).
Foram administradas 2 cápsulas antes do treinamento e
2 cápsulas após o treinamento contendo 0,5g de leucina cada cápsula, durante 25
dias. No momento inicial, foram aferidas e avaliadas as medidas
antropométricas: peso, estatura, perímetro braquial, dobra subescapular e dobra
tricipital que foram reavaliadas após 12 dias do início da suplementação e após
o término dos 25 dias. Ao fim da pesquisa, observou-se que não houve alteração
no percentual de gordura dos grupos em questão, com valores de, respectivamente,
para os grupos placebo e suplemento de 15,92% ± 3,04; 17,74% ± 3,19. Não foram
observados efeitos ergogênicos em relação ao desempenho físico, pois não foram
realizados parâmetros de treinamento.
Palavras
chave:
aminoácido, leucina, anabolismo, massa gorda, efeitos ergogênicos.
Abstract
The interest in leucine grows increasingly for its ergogenic effect in
promoting anabolism, involving protein synthesis and muscle damage. Leucine is
an essential amino acid, extremely important in the dietary intake. Leucine
plays three major roles in our metabolism: as a substrate for protein
synthesis, as an energy substrate and as a metabolic indicator. The aim of this
study was to evaluate the effect of leucine supplementation on fat mass. This
study was performed with 24 sub 17 soccer players of a Paulista
second division club. They were divided into 2 groups: 13 athletes were
supplemented with leucine and 11 with pharmaceutical talc (placebo). The
athletes consumed 2 capsules before training and 2 capsules after training,
during 25 days. Each capsule contained 0.5g of leucine. At first, the
anthropometric measurements, weight, height, arm circumference, subscapular
fold, tríceps fold were measured, again after 12 days
of supplementation and then after 25 days. At the end of this study, it was
observed that there was no change in the percentage of fat in the groups, with
values, respectively, to supplement and placebo groups, 15.92% ± 3.04; 17.74% ±
3.19. There were no ergogenic effects on the physical performance because
training parameters were not performed.
Key-words: amino acid,
leucine, anabolism, fat mass, ergogenic effect.
A Leucina, assim como
a Valina e a Isoleucina (BCAA) são aminoácidos de cadeia ramificada e estão
entre os nove aminoácidos considerados essenciais, ou seja, nosso organismo não
consegue produzi-los. Por isso é de suma importância a
ingestão desses componentes na dieta [1]. Se 35% das proteínas musculares
correspondem a aminoácidos de cadeia ramificada, sendo a massa muscular do
corpo humano 40-45% da massa corpórea total, conclui-se que há uma grande
quantidade desses componentes presentes nos músculos [2,3]. O pool de aminoácidos de cadeia ramificada
circulantes é muito pequeno em relação ao nível encontrado nas proteínas
musculares [1].
A oxidação do BCAA
ocorre no músculo esquelético, assim como o glutamato, aspartato e alanina, em
contraste com todos os outros aminoácidos que são oxidados no fígado [4]. Nesse
contexto, a leucina destaca-se mostrando uma taxa de oxidação maior do que a
taxa da valina e da isoleucina no tecido muscular [5]. O interesse pela leucina
vem crescendo cada vez mais por seu efeito ergogênico na promoção do
anabolismo, envolvendo a síntese proteica e a degradação muscular [6,7].
Os aminoácidos
essenciais são igualmente eficientes à mistura completa dos 20 aminoácidos que
constituem nosso corpo na promoção da síntese proteica. Da mesma forma, uma
mistura de aminoácidos de cadeia ramificada é tão eficiente quando todos os
aminoácidos essenciais reunidos [8]. Segundo Vianna e colaboradores [4], o
estímulo da síntese proteica pela leucina isolada tem a mesma eficácia que o
estímulo dado pelo BCAA.
Segundo Gonçalves
[5], a suplementação de leucina isoladamente ou não, promove um papel
importante na hipertrofia, sarcopenia e recuperação muscular, principalmente em
atletas. O BCAA é facilmente utilizado como substrato na síntese de glutamina e
alanina [9]. A leucina desempenha três papéis importantes no nosso metabolismo:
como substrato para a síntese proteica; como substrato energético e como
sinalizador metabólico [10].
Efeitos terapêuticos
potenciais dos aminoácidos de cadeia ramificada são relatados, tais como a
diminuição da perda de massa magra em um quadro onde há redução da massa
corporal, auxílio no processo de cicatrização, promoção de efeitos benéficos no
tratamento de patologias renais e hepáticas e melhora no balanço proteico
muscular em idosos [1].
Há
um complexo
processo de adaptação para criar novas proteínas
envolvendo mecanismos de
sinalização, replicação do DNA e
tradução do código genético em
aminoácidos. O
volume de treinamento, intensidade, frequência, turnover proteico
e tipo de
exercício determinam essas adaptações [11].
Alterações abruptas
no metabolismo dos aminoácidos promovidas pelo exercício são extremamente
catabólicas, ocasionando um balanço proteico negativo e uma maior oxidação
desses aminoácidos. O tipo de exercício irá determinar a extensão desses
processos. Apesar de os efeitos agudos do exercício serem
catabólicos, o exercício não leva a perda muscular. Para potencializar o
crescimento muscular e a hipertrofia, atividades físicas regulares são
fundamentais. Assim, o exercício requer uma série de ajustes metabólicos do
período catabólico para o anabólico de recuperação [12].
Mecanismo
de ação da leucina
A leucina estimula a
síntese e inibe a degradação de proteínas, através de uma proteína quinase que
é ativada quando há um aumento na concentração intracelular deste aminoácido.
Essa proteína é conhecida como Alvo da Rapamicina em Mamíferos (mTOR- Mammalian Target of Rapamycin) [13].
A mTOR
promove a síntese proteica principalmente por meio de três proteínas
regulatórias chaves: a proteína quinase ribossomal S6 de 70Kda (p70S6k); a
proteína 1 ligante do fator de iniciação eucariótico 4E (4E-BP1) e o fator de
iniciação eucariótico 4G(elF4G). O fator de iniciação da tradução proteica, o elF4E, é inibido pela 4E-BP1 [5].
Quando a 4E-BP1 é
fosforilada, ocorre a liberação do elF4E que liga-se
ao elF4G, que está sob o controle da mTOR também e, ao elF4A, formando o
complexo ribossomal elF4F. Esse complexo é necessário para a continuação da
etapa de iniciação da tradução do RNA mensageiro ao ribossomo para enfim realizar
a síntese proteica [1,14].
A mTOR
também ativa a p70S6k, a qual estimula a iniciação da tradução e a elongação da
síntese proteica por diversos mecanismos. Quando a p70S6k
é ativada, fosforila e inibe o eEF2K (enzima quinase do fator de elongação 2),
acarretando na ativação da eEF2, o que promove a elongação. Esses mecanismos
permitem relacionar a resposta anabólica muscular, induzida pela ingestão de
proteínas através da capacidade que a mTOR possui de
detectar alterações nos níveis intracelulares da leucina [1,15,16].
Existe ainda outro mecanismo,
no qual a ingestão da leucina estimula a síntese proteica muscular,
independente da ativação da mTOR. Este mecanismo
ocorre através da ativação direta da elF4G. Em ratos
suplementados com leucina, observou-se um aumento na fosforilação da elF4G, tornando-a disponível para a elF4E. Dessa forma,
eleva-se a formação do complexo elF4E-elF4G,
proporcionando a síntese proteica independente da mTOR [17,18].
Nota-se que a
concentração de leucina desempenha um papel importante tanto para a disponibilidade
da elF4E quanto para a ativação do elF4G [12].
Leucina
e insulina
Segundo Wilson [19],
a leucina e a insulina possuem efeito sinérgico em relação à síntese proteica.
Esta afirmação se baseia na capacidade que a insulina tem de aumentar o fluxo
sanguíneo e de aminoácidos para proporcionar o tecido muscular esquelético.
Em ratos privados de
alimentação, a administração da leucina elevou o nível de insulina após 15 e 45
minutos [14]. A insulina sérica retorna ao valor inicial após 45 e 60 minutos.
Essa alteração rápida nos níveis de insulina circulante pode potencializar o
sistema de tradução de proteínas estimulado pela leucina, ou seja, a insulina
exerce um efeito permissivo sobre a síntese proteica induzida por este
aminoácido [1,5].
Parte da resposta da
leucina sobre a síntese proteica no músculo esquelético ocorre tanto através de
mecanismos dependentes de insulina quanto de mecanismos independentes de
insulina. Em estudos com ratos diabéticos pôde-se
observar esses mecanismos [5].
O objetivo deste
estudo consistiu na avaliação do efeito da suplementação com leucina sobre a
gordura corporal dos atletas.
O estudo contou com a
participação de 24 jogadores de futebol, profissionais da categoria sub 17. Um
grupo com 13 atletas foi suplementado com leucina (LEU) e o outro grupo (grupo
controle), contendo 11 atletas, foi suplementado com talco farmacêutico
(placebo). Foram administradas 2 cápsulas antes dos
treinamentos e 2 cápsulas após os treinamentos, durante 25 dias. Cada cápsula
continha 0,5g de leucina.
No momento inicial
foram aferidas e avaliadas as medidas antropométricas: peso, estatura, perímetro
braquial, dobra subescapular e dobra tricipital, as quais foram reavaliadas
após 12 dias do início da suplementação e após o término dos 25 dias. Os
resultados foram analisados por estatística descritiva (média,
desvio-padrão e percentual).
O projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi.
Observa-se na Tabela
I que, antes da suplementação (MI) até os 25 dias (M3) de sua ingestão, os
atletas do grupo Placebo diminuíram seu percentual de gordura em 3,2%. O mesmo
ocorreu com os atletas pertencentes ao grupo Suplemento, diminuíram seu
percentual também em 3,2%.
Se compararmos o
percentual de gordura entre os grupos, nota-se que o grupo suplementado com
leucina já possuía maior massa gorda que o grupo Placebo, 1,8%, ou seja, mesmo
os 2 grupos apresentando perda semelhante no
percentual de gordura, ainda assim o grupo Suplemento continua com 1,8% a mais
de massa gorda que o grupo Placebo.
Conclui-se que não
houve alterações entre o grupo controle e o grupo suplementado no que diz
respeito a percentual de gordura. Este resultado pode ter ocorrido devido à
falta de controle no treinamento dos atletas. Eles realizavam 4x semana
treinamento de endurance e só executavam treinamento de força próximo as
competições. Porém muitos atletas faltavam aos treinos. Na época da
suplementação com leucina, os participantes só estavam realizando treino de endurance. Na literatura pouco se fala
sobre efeitos ergogênicos da Leucina nesse tipo de treinamento.
Tabela
I - Valores de percentual de gordura (%) de
atletas futebolistas da categoria sub-17.
Momento Inicial (MI),
após doze dias de suplementação (M2) e após 25 de suplementação (M3). Grupo
Placebo (n=11) e grupo suplemento (n=13). Média ± DP, São Paulo, 2015.
Com o objetivo de
analisar efeitos ergogênicos da Leucina sobre a massa magra e massa gorda, além
do ganho de força em treinos de resistência, Ispoglou et al. [20] realizaram uma pesquisa com 26 homens saudáveis e destreinados.
Os treinos de resistência eram de 5-RM e foram realizados durante 12 semanas,
utilizando 8 máquinas de exercício padrão. Os 26
homens foram divididos em 2 grupos: o grupo L-leucina
que recebeu 4g/dia e o grupo placebo que recebeu 4g/dia de lactose. Os treinos
foram realizados 2x por semana e as bebidas eram administradas antes e após os
treinos. O grupo L-leucina obteve maior ganho de força, 40,8% em contraste com
o grupo placebo que aumentou em 31% a sua força, resultados estes obtidos com a
soma dos treinos de oito e cinco exercícios. Além disso, o estudo mostrou que
não houve diferenças entre os grupos no percentual do ganho de massa magra, ou
perda de massa gorda, assim como no presente estudo. Observou-se também que a
suplementação de 4 g/dia de leucina é eficaz para melhorar o desempenho de
força durante um programa de aumento de resistência em participantes
destreinados.
Os mesmos resultados
foram observados em um estudo com atletas de uma modalidade de endurance, 3
homens e 10 mulheres competidores canoístas participaram. Eles receberam
durante 6 semanas, 1000 cápsulas de leucina ou amido
de milho (placebo). Foram avaliados os efeitos da suplementação sobre as
características antropométricas, força, resistência e performance
durante os treinos. Concluiu-se que os dois grupos aumentaram a energia da
região superior do corpo, no entanto os suplementados apresentaram um aumento
significativo na potência dos membros superiores, no tempo de exaustão e melhor
esforço em relação ao grupo placebo. Todavia, não houve alterações na massa
gorda comparando ambos os grupos [21].
Outros estudos que
não avaliaram o percentual de gordura, mas que coletaram dados sobre os efeitos
da leucina sobre participantes que praticam exercícios de resistência foram
encontrados.
Pasiakos et al. [22] avaliaram a recuperação e a
síntese proteica muscular após exercício constante e moderado em 8 adultos
jovens. Os indivíduos pedalaram 60 minutos em bicicletas ergométricas a 60% do
VO2 máximo e receberam durante o exercício duas bebidas com 10g de
aminoácidos essenciais com teores diferentes de leucina, uma contendo 3,5 g de
leucina e a outra 1,87 g. Os jovens que receberam a bebida com 3,5 g de leucina
obtiveram um aumento de 33% na síntese proteica muscular após seu consumo.
Concluiu-se que o aumento na disponibilidade da leucina durante o exercício
estimula a reposição de proteína endógena e o anabolismo da proteína do músculo
esquelético. Durante 30 minutos dos treinos, a fosforilação da mTOR encontrava-se aumentada, retornando ao seu valor basal
210 min após os treinos, contribuindo assim com a síntese proteica.
Com o objetivo de
analisar o balanço proteico e a taxa de síntese muscular, Koopman et al. [23] suplementaram 8 jovens e 8
idosos randomicamente com apenas carboidrato (CHO) e com carboidrato acrescido
de proteína e leucina (CHO + Pro +Leu), administrados 30 minutos após
atividades diárias e um treino resistido leve. Observaram um balanço proteico
negativo nos dois grupos suplementados com CHO e positivo em ambos os grupos
suplementados com CHO + Pro + Leu. O anabolismo proteico muscular foi
notavelmente maior no grupo CHO + Pro + Leu do que no grupo CHO em ambos os
grupos.
Luiking et al. [24] realizaram um estudo duplo
cego e randomizado com idosos, no qual, logo após uma sessão de exercícios de
resistência, um grupo recebeu 20 g de whey protein + 3 g de leucina e o outro
grupo somente whey, 6 g. Durante 4 horas, a taxa de síntese de proteína
muscular pós-prandial (FSR) foi mensurada utilizando um procedimento que
consistia na infusão de L-[anel-13C6]-fenilalanina no sangue regular e
amostragem muscular. O grupo que recebeu whey + leucina apresentou níveis
maiores de FSR.
Com o intuito de
avaliar o efeito da ingestão do BCAA sobre o exercício de endurance realizado
até a exaustão, Uchida et al. [25] realizaram um estudo duplo
cego e randomizado com 17 soldados brasileiros. Eles foram divididos em 2 grupos, os que consumiram 77 mg/kg de BCAA e os que
consumiram 64 g de maltodextrina (placebo) durante os treinos. Todos os
indivíduos foram submetidos a um teste de corrida a 90% do VO2máximo
até a exaustão. Os grupos não apresentaram
diferença significativa em
relação à distância percorrida, ao tempo
até a exaustão e a percepção de
esforço
(PSE). Também não houve diferença significativa na
concentração plasmática de
glicose em ambos. Os autores concluíram que durante um treino e
corrida até a
exaustão, os suplementos utilizados no estudo não
apresentaram efeitos
ergogênicos.
Mesmo não mostrando
efeitos ergogênicos na presente pesquisa, a leucina é bastante eficaz no
estímulo da síntese proteica, recuperação muscular, anabolismo e preservação da
massa magra, de acordo com a maioria das pesquisas realizadas. Uma das vias pela
qual este aminoácido age é através da ativação da proteína quinase mTOR, que é iniciada quando há um aumento na concentração
intracelular deste aminoácido. A outra via é a ativação direta da elF4G.
Há poucos estudos
sobre o efeito da leucina sobre o percentual de massa gorda de seus
consumidores. Estudos com leucina em atletas adolescentes e em jogadores de
futebol não foram encontrados.
O consumo de
suplementos alimentares cresce a cada dia, principalmente entre os atletas.
Muitas vezes o consumo de alguns deles traz benefícios grandiosos para a
modalidade do atleta, por isso os estudos devem continuar. E em relação a leucina, há uma carência de informações a respeito do seu
efeito em atividades de endurance. Mais estudos são necessários com a leucina,
focados nesse tipo de exercício.