EDITORIAL

O treinamento físico é uma forma de biohacking?

 

Prof. Esp. Henrique Stelzer Nogueira*

 

*Aluno de Mestrado Acadêmico em Engenharia Mecânica (Biomateriais e Engenharia Biomédica) – IFSP

 

E-mail: stelzer.h@hotmail.com

 

O termo biohacking é recente, oriundo da junção da ética hacker com interferências biológicas, estimuladas pelo movimento “do-it-your-self” (DIY) originalmente de cunho punk, portanto o biohacking é resultado de uma proposta biopunk [1]. Estas interferências podem ser menos ou mais invasivas e podem resultar em trans-humanismo (melhoria ou transformação da condição humana através de tecnologias).

Com a redução de custos de equipamentos e de sequenciamento de DNA, o acesso a este tipo de atividade permite que amadores possam tornar o biohacking em uma espécie de hobby, algo similar à cultura de banda de garagem, ou seja, biohackers amadores podem desenvolver suas atividades em quartos ou garagens de casa, e até mesmo realizar encontros para troca de informações e experiências com outros adeptos, como exemplo o DIYbio, um grupo de biohackers que realizam encontros nos Estados Unidos e no Reino Unido e que até 2010 contava com cerca de 800 leitores de seu boletim de notícias [2], sendo possível obter mais informações sobre esta comunidade através do site <www.diybio.org> [2,3].

Além disso, a mídia ao propagar o DIYbio, de forma a favorecer o popularismo deste movimento, cria a imagem de que a biologia é “fácil de engenheirar”, e que faz com que este movimento cresça [3].

Não é possível acabar com este movimento, inclusive a sua manutenção é importante para trabalhos de inovação, algo similar ao que aconteceu com a Apple ou com a Google, que surgiram em um dormitório ou em garagem [2]. Este acesso aberto à biologia é uma condição promissora para a biotecnologia do futuro, que pode ajudar a crescer a indústria ecologicamente correta, produção de remédios mais baratos, desenvolvimento de biocombustíveis, entre outros, [3,4], inclusive contribuindo para soluções mais baratas para aquisição de equipamentos, ferramentas e materiais comuns em laboratórios [4].

Exemplos de como o DIYbio avança, são os de alunos que estão criando bactérias projetadas (modificadas) para detectar arsênico na água, ou identificar e destruir células cancerígenas no corpo [4].

Além disso, esta democratização da ciência permite que pessoas possam realizar experimentos práticos relacionados à rotina diária, ou envolvendo testes de produtos comercializados para diversas finalidades, como, por exemplo, testar eficácia e qualidade de suplementos alimentares [5].

Apesar disso, existe uma discussão sobre regulamentações e segurança de algumas práticas, como a estimulação elétrica transcraniana utilizada como tentativa de melhorar o desempenho cognitivo, e que algumas pessoas acabam reportando formigamento, dor de cabeça, tonturas, vermelhidão e queimaduras na pele. Outra prática é a de consumir suplementos alimentares (nootrópicos) que supostamente melhoram o desempenho cognitivo, porém não existem estudos que possam sustentar que estas práticas de fato fazem o que prometem, de forma segura, entre outros [6].

Como toda novidade, o termo biohacking gera interesse comercial em diversas áreas, inclusive sobre o treinamento físico, o que é facilmente encontrado através de buscas pela internet. É importante dizer que no meio científico não existem publicações que associem o treinamento físico como uma forma de “hackear” o corpo humano, o que é totalmente compreensível, uma vez que como podemos ver nas explicações aqui já colocadas, para que exista biohacking, é necessário modificar a natureza do organismo, fazer com que ele produza algo que ele não foi criado para produzir, inclusive que conflite com aspectos evolutivos. Portanto, não parece que aumentar a força muscular, a resistência cardiorrespiratória, entre outras capacidades físicas, através do treinamento físico, seja algo que modifique a natureza humana, ou que transcenda a espécie humana como a conhecemos, ou que possa interferir na evolução da espécie humana.

 

Referências

 

  1. Keulartz J, van de Belt H. DIY-bio – economic, epistemological and ethical implications and ambivalences. Life Science, Society and Policy 2016;12(7):1-19.
  2. Nash D B. Beware biohacking? Biotechnology Healthcare 2010:7.
  3. Bennett G, Gilman N, Stavrianakis A, Rabinow P. From synthetic biology to biohacking: are we prepared? Nature Biotechnology 2009;27(12):1109-11.
  4. Landrain T, Meyer M, Perez AM, Sussan R. Do-it-yourself biology: challenges and promises for an open science and technology movement. Systems and Synthetic Biology 2013;7(3):115-26.
  5. Penders B. DIY biology Bart Penders relishes an account of ‘biohackers’ who experiment beyond the confines of the lab. Nature 2011;472:167.
  6. Wexler A. The social context of “do-it-yourself” brain stimulation: neurohackers, biohackers, and lifehackers. Frontiers in Human Neuroscience 2017;11:1-6.