REVISÃO
Doença
hepática gordurosa não alcoólica, hormônios e exercício físico: uma abordagem fisiológica
Non-alcoholic fatty liver disease, hormones and exercise: a
physiological approach
Waldecir Paula Lima, D.Sc.*, Ana Laura Rolim Vieira**
*Professor
Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
(IFSP), Professor e Orientador do Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Biomateriais – EM (IFSP), Grupo de Estudos/Pós-graduação em
Fisiologia do Exercício – Faculdade de Educação Física de Sorocaba (FEFISO),
**Especialista em Fisiologia do Exercício – Faculdade de Educação Física de
Sorocaba (FEFISO)
Recebido em 9 de setembro de 2017; aceito em 30 de outubro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Waldecir Paula Lima, Instituto Federal de São Paulo,
Rua Pedro Vicente, 625, Canindé, 01109-010 São Paulo SP, E-mail:
waldecir@ifsp.edu.br; Ana Laura Rolim Vieira:
personalanalaura@gmail.com
Resumo
Postula-se que a
doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), reconhecida como a principal
causa das patologias hepáticas crônicas em adultos e crianças e que engloba um espectro de lesões hepáticas
(com ou sem fibrose) como a esteatose, a esteato-hepatite (EHNA), a cirrose e o carcinoma hepatocelular, apresente vasta relação com diversas
alterações do metabolismo hepático e, em adição, com os mais frequentes fatores
de risco associados a esta patologia, como a obesidade, a diabetes mellitus
tipo 2 e a dislipidemia. É importante ressaltar que muitas destas alterações
metabólicas são gerenciadas por ações inadequadas de diversos hormônios, como
insulina, adiponectina, leptina, glucagon, peptídeo
semelhante ao glucagon ou Glucagon-Like Peptide-1
(GLP-1), grelina, irisina,
hormônio de crescimento ou Growth Hormone
(GH) e de Fator de Crescimento semelhante à Insulina ou Insulin-like
Growth Factor-1 (IGF-1), entre outros. No entanto, a
literatura é consistente em apontar o exercício físico agudo e crônico
(moderado e intenso, de força e resistência muscular, resistidos e não resistidos,
com predomínio do metabolismo aeróbio e com alta participação do metabolismo
anaeróbio, entre outros aspectos) como uma potente estratégia não farmacológica
no combate a estes fatores de riscos associados, como também na regulação das
ações hormonais associadas, sugerindo uma investigação mais aprofundada da
relação direta entre DHGNA e exercício físico. Assim sendo, o objetivo desta
revisão foi discorrer sobre os aspectos fisiopatológicos e as possíveis
adaptações que a prática do exercício físico pode promover nos portadores de
DHGNA, enfatizando o papel do controle endócrino.
Palavras-chave: treinamento de
força, treinamento de moderada e alta intensidade, fígado gorduroso.
Abstract
It is postulated that non-alcoholic fatty liver disease (NAFLD), recognized
as the main cause of chronic liver disease in adults and children, encompasses
a spectrum of hepatic lesions (with or without fibrosis) such as steatosis,
steatohepatitis (NASH), cirrhosis and hepatocellular carcinoma, has a wide
relation with several alterations in hepatic metabolism and, in addition, with
the most frequent risk factors associated with this pathology, such as obesity,
diabetes mellitus type 2 and dyslipidemia. It is
important to emphasize that many of these metabolic changes are managed by
inappropriate actions of several hormones, such as insulin, adiponectin,
leptin, glucagon, Glucagon-Like Peptide-1 (GLP-1), ghrelin, irisin,
Growth Hormone (GH) and Insulin-like Growth Factor-1 (IGF-1), among others.
However, the literature is consistent in pointing the acute and chronic
physical exercise (moderate and intense, muscular strength and endurance,
resisted and unresisting, with predominance of aerobic metabolism and with high
participation of anaerobic metabolism, among other aspects) as a potent
non-pharmacological strategy in combating these associated risk factors, as
well as in the regulation of associated hormonal actions, suggesting a more
detailed investigation of the direct relationship between NAFLD and physical
exercise. Therefore, the objective of this review was to discuss the
pathophysiological aspects and the possible adaptations that physical exercise
can promote in patients with NAFLD, emphasizing the role of endocrine control.
Key-words: strength
training, moderate and high intensity training, fatty liver.
Nos dias atuais,
existe uma crescente preocupação com questões relacionadas à qualidade de vida,
oriundas de um movimento dentro das ciências biológicas, no sentido de
valorizar, entre outros, parâmetros relacionados ao controle de sintomas, a
diminuição da mortalidade e aumento da expectativa de vida. Mesmo com a
compreensão de que o termo “qualidade de vida” abarca diversos outros aspectos
[1], é fato que ter uma boa saúde representa um destacado alicerce para que um
indivíduo apresente uma boa qualidade de vida.
Na contramão da busca de uma melhor
qualidade de vida observa-se, na sociedade contemporânea, um crescente número
de indivíduos acometidos por diversas patologias, principalmente as de
característica crônicas não transmissíveis. Segundo dados publicados pelo
Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) [2], cerca de 40% da população adulta brasileira, o
equivalente a 57,4 milhões de pessoas, possui pelo menos uma doença crônica não
transmissível (DCNT). Ademais, os dados publicados neste estudo indicam ainda
que as DCNT são responsáveis por mais de 72% das causas de mortes no Brasil.
Neste contexto, é
imprescindível atentar para a grande participação (prevalência e incidência) da
obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e dislipidemia,
também considerados importantes e os mais frequentes fatores de risco para
outra patologia que vem crescendo na população: a Doença Hepática Gordurosa Não
Alcoólica (DHGNA).
Segundo Hafeez e Ahmed [3], a DHGNA foi pela primeira vez
reconhecida em 1930, aceita clinicamente em 1950 e, apenas em 1980,
caracterizada histopatologicamente. Objetivamente, a
DHGNA é definida pela infiltração gordurosa hepática na ausência de ingestão de
álcool. Segundo Salgado Júnior et al. [4], a
prevalência de DHGNA cresce com o aumento da obesidade e do diabetes mellitus
tipo 2, além de ser reconhecida como a principal causa de doença hepática
crônica. Estima-se que cerca de 20% a 30% da população do mundo ocidental,
mesmo sem ter consciência do diagnóstico, apresente DHGNA.
Estudos atualizados e
consistentes [5-8] apontam que a prática aguda e crônica de variados tipos de
exercício físico contribui substancialmente para combate a obesidade, dislipidemia
e diabetes mellitus tipo 2.
Considerando que
estas patologias representam os principais fatores de riscos para o
desenvolvimento da DHGNA, há de se questionar se o exercício físico, nas suas
mais variadas formas, poderia ser utilizado como uma estratégia não
farmacológica na prevenção e tratamento de portadores de DHGNA.
Portanto, o objetivo
deste estudo é discorrer sobre os aspectos fisiopatológicos e as possíveis
adaptações que a prática do exercício físico pode promover nos portadores de
DHGNA, enfatizando o papel do controle endócrino.
Para tanto este
estudo, caracterizado por uma pesquisa bibliográfica, utilizou-se de um
levantamento feito nas seguintes bases de dados especializadas em Ciências
Biomédicas e da Saúde: Pubmed, Medline,
Lilacs e Scielo. Os artigos
utilizados foram selecionados de acordo com sua relevância.
Doença hepática
gordurosa não alcoólica (DHGNA): Características gerais e Fisiopatologia
A doença hepática
gordurosa não alcoólica (DHGNA), denominada em inglês como non-alcoholic fatty
liver disease (NAFLD) é
definida, segundo Ciocca et al. [9], pela infiltração gordurosa hepática em mais de 5% dos
hepatócitos, na ausência de ingestão de álcool ou outras drogas, assim como na
ausência de doenças virais, autoimunes e outros tipos de doenças hepáticas.
Tiniakos et al. [10] relatam que a DHGNA é reconhecida como a principal causa
da doença hepática crônica em adultos e crianças, englobando um espectro de
lesões hepáticas variando de esteatose até esteato-hepatite com ou sem fibrose. Vale salientar que a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), também conhecida por
nonalcoholic steatohepatitis (NASH), representa a forma
inflamatória que pode levar à fibrose avançada, cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC).
A Sociedade Brasileira
de Hepatologia (SBH) aponta que, enquanto uma esteatose
isolada é benigna na imensa maioria dos casos, a EHNA pode evoluir, no prazo de
duas décadas, para cirrose em até 20% dos pacientes. Assim sendo, a EHNA é
considerada, hoje, uma importante causa de cirrose criptogênica.
Entende-se por
cirrose criptogênica aquele tipo de cirrose hepática
de etiologia desconhecida ou não identificada, caracterizada por um diagnóstico
de exclusão. A apresentação clínica deste tipo de cirrose varia desde um achado
diagnóstico simples até situações mais complexas, como hipertensão portal e
CHC. Portanto, estes pacientes podem apresentar, como causas subjacentes, o
surgimento de EHNA prévia não identificada, algumas hepatites virais, hábitos
alcoólicos ocultos ou hepatite autoimune silenciosa [11,12].
Ressalta-se, ainda,
que em atualizado consenso publicado no ano de 2016, intitulado Nonalcoholic Fatty Liver Disease Brazilian
Society of Hepatology Consensus [13], a SBH relata resumidamente,
entre outros, os seguintes conceitos e recomendações:
a. A DHGNA caracteriza-se por uma condição clínica
multifatorial e de amplo espectro clínico-histológico, que inclui a esteatose, a esteato-hepatite
(EHNA), a cirrose e o carcinoma hepatocelular. Ocorre
pela infiltração de lípides no fígado (esteatose), podendo ser diagnosticada por métodos de
imagem. Ademais, pode estar relacionada a alterações necro-inflamatórias
e a fibrose (EHNA) - diagnosticada por biópsia hepática, podendo evoluir para
cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC). Ocorre em
indivíduos sem histórico significativo de abuso de álcool, que não têm outras
doenças hepáticas relacionadas à esteatose, e, na
maioria dos casos, está associada à síndrome metabólica;
b. Os fatores de risco mais frequentes para o DHGNA são
obesidade, diabetes tipo II e dislipidemia. Contudo, esta condição também pode
estar associada ao uso de medicamentos, esteroides anabolizantes, toxinas
ambientais e outras doenças como apneia do sono, hipertireoidismo e síndrome do
ovário policístico;
c. A taxa de mortalidade em pacientes com EHNA é maior do
que na população normal. As doenças cardiovasculares são as causas mais comuns,
seguida por complicações de cirrose e CHC;
d. O consumo significativo de bebidas alcoólicas (mais de
140g/semana para homens e 70 g/semana para as mulheres) deve ser um critério de
exclusão a ser considerado para identificar o DHGNA;
e. Alguns estudos sugerem que o consumo moderado de álcool
(<20 g / dia ou <140 g / semana) pode ter um efeito benéfico no fígado,
como o de melhorar a resistência à insulina e as alterações infamatórias. No
entanto, na ausência de ensaios clínicos controlados, o consumo de álcool deve
ser evitado por pacientes com DHGNA.
Corroborando o já
descrito, Jansen [14] é enfático em afirmar que o
fígado gorduroso não alcoólico (FGNA) é caracterizado por apresentar esteatose sem inflamação ou fibrose. É uma condição benigna
e reversível. No entanto, em 20% dos casos, a histologia do fígado mostra necro-inflamação e algum grau de fibrose pericelular, caracterizando a EHNA. Desta forma, o FGNA
pode ser considerado como uma lesão precursora da EHNA. Isto
posto, considera-se que tanto o FGNA como a EHNA são patologias
inseridas dentro do grupo de DHGNA. Jansen [14],
ainda aponta que o FGNA é altamente prevalente entre os indivíduos com diabetes
mellitus tipo 2, dislipidemias e obesidade (Índice de
Massa Corporal (IMC) maior que 30 kg/m2), sobretudo com
predominância visceral.
A transição da FGNA
para EHNA não está claramente determinada. Em ambas as condições, algumas
enzimas hepáticas podem ser alteradas e a concentração de gordura do fígado,
diagnosticada por ultrassonografia, pode estar semelhante. Contudo, como já
apontado, a inflamação e a fibrose (diagnosticada por biópsia hepática – [15]) são
características da EHNA.
Conforme mostra a
figura 1, na fisiopatologia da EHNA podem ser reconhecidas duas etapas
distintas, a primeira, caracterizada pelo acúmulo de gordura no fígado, é
considerada como o "primeiro golpe". A gordura, por si só, não é
tóxica e seu acúmulo é, até certo ponto, considerado uma resposta fisiológica.
Em muitas espécies, a gordura no fígado constitui uma fonte de energia
rapidamente mobilizável. No entanto, a gordura no fígado não é inócua e, seu
excesso, pode ser altamente deletério. Além de prejudicar a regeneração
hepática, a gordura torna o fígado vulnerável a endotoxinas
e a lesão de reperfusão isquêmica [16].
Em adição, Basaranoglu & Neuschwander-Tetri
[17] citam que o aumento de gordura no fígado está diretamente relacionado à
resistência causada nos hepatócitos em relação à ação da insulina. Neste
sentido, Perisco et al. [18], em recente estudo, mostra que esta resistência à ação da
insulina, dentre outros efeitos, colabora substancialmente para que os pacientes
com DHGNA apresentem uma alteração significativa na ação da enzima óxido
nítrico sintase do endotélio ou endothelial nitric oxide synthase
(eNOS), gerando uma disfunção endotelial que pode
contribuir para um maior risco de doenças cardiovasculares.
1ª etapa: Os FFAs (Free Fat Acid ou Ácidos Graxos Livres) são captados pelos
hepatócitos que são metabolizados via peroxissomal ou
mitocondrial, resultando em oxidação ou armazenamento sob a forma de triacilglicerol. A síntese de VLDL (Very Low Density Lipoprotein ou Lipoproteína de Baixíssima Densidade)
representa um passo determinante na exportação deste triacilglicerol
hepático, via corrente sanguínea. Na EHNA esta síntese e exportação são
diminuídas. Em adição, a resistência à insulina tem destacado papel como
condição inicial para o acúmulo de ácidos graxos no hepatócito, uma vez que
favorece a lipogênese e inibe a lipólise, até mesmo no fígado, aumentando
excessivamente o aporte de ácidos graxos nesse órgão.
2ª etapa: A oxidação
contínua e supérflua dos FFAs nos hepatócitos promove
um aumento na síntese de ROS (Reactive Oxygen Species
ou Espécies Reativas de Oxigênio), resultando em stress oxidativo. Algumas citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α (Tumour Necrosis Factor Alpha ou Fator de Necrose Tumoral do tipo Alfa)
produzido tanto nos adipócitos como nas células de Kupffer,
também colabora com o aumento do stress oxidativo hepático. Estes eventos
metabólicos resultam na síntese do TGF-β (Transforming Growth Factor Beta
ou Fator de Transformação do Crescimento do tipo Beta), fator que estimula as
células estreladas hepáticas (ou Hepatic Stellate Cells - HSCs) a produzir colágeno e, com isto, causar fibrose
hepática, além de promover a conversão dessas células em miofibroblastos,
fato que facilita uma maior síntese de colágeno com consequente aumento da
resistência vascular intra-hepática e hipertensão portal. Ademais, as quimiocinas, a partir do início do processo inflamatório,
atraem monócitos e neutrófilos, gerando mais stress oxidativo nos hepatócitos,
além de danos e apoptose hepatocelular como resultado
final.
Fonte: Adaptado de Jansen [14].
Figura
1 - Do acúmulo de gordura até a lesão hepática.
A figura 2 aborda,
mais especificamente, os mecanismos para o desenvolvimento do fígado gorduroso
relacionados com a resistência à insulina.
Segundo Harrison
& Day [19], no que tange a resistência à insulina, ocorre o aumento da
atividade da Lipase Hormônio Sensível (ou Hormone-sensitive Lipase) do tecido adiposo que resulta
em aumento da lipólise associado a uma grande liberação de Ácidos Graxos Não
Esterificados (ou Non-esterified
Fatty Acid – NEFA) para
o fígado. Nos hepatócitos, os NEFAs são
preferencialmente esterificados em triacilgliceróis.
Adicionalmente, a hiperinsulinemia aumenta a
expressão da proteína de ligação do elemento regulador do esterol (também
denominada de Sterol Regulatory Element-binding Protein –
SREBP), resultando em um aumento da lipogênese “de novo” (ou de novo Lipogenesis – DNL) e uma redução da oxidação dos ácidos
gordos. A proteína de ligação ao elemento de resposta de carboidrato (ou Carbohydrate Response Element-binding
Protein – ChREBP)
é induzida por hiperglicemia e conduz a aumentos adicionais na DNL. Em
conjunto, pode ocorrer uma diminuição do transporte lipídico, oriundo de lípides hepáticos, em função da síntese alterada da apolipoproteína B, resultando na diminuição da produção de
lipoproteína de baixíssima densidade (ou Very low density lipoproteins – VLDL).
Fonte: Adaptado de
Harrison & Day [19].
Figura
2 - Mecanismos para o desenvolvimento de fígado
gordo relacionados com a resistência à insulina.
A figura 1 aponta,
ainda, que a síntese das ROS e o surgimento da inflamação representam a segunda
etapa. Quando em abundância, a partir do aumento da ingestão lipídica, os
ácidos graxos presentes no fígado contribuem para a síntese de triacilglicerol e o consequente acúmulo lipídico hepático.
Além disso, um aumento exacerbado na oxidação mitocondrial dos ácidos graxos
contribui para a geração das ROS [20]. Ressalta-se que alguns ácidos graxos são
considerados “ligantes” de alguns fatores de expressão gênica conhecidos como
Receptores Ativados por Proliferadores de Peroxisomas
do tipo Alfa (também denominados de Peroxisomal Proliferator-activated Receptor Alpha – PPAR-α),
estimulando o aumento da oxidação mitocondrial e a expressão de variados Citocromos P450, em especial os Cyp2E1 e Cyp4A. Segundo Chalasani et al. [21], estes
citocromos estão elevados nos portadores de EHNA.
Contudo, em função do PPAR-α estar diretamente ligado ao aumento do turnover lipídico hepático inibindo o acúmulo de gordura
nos hepatócitos, fica evidente a existência da relação inversamente
proporcional entre a atividade do PPAR-α e o desenvolvimento da EHNA [22].
Embora a produção de
ROS e o estresse oxidativo possam estabelecer o cenário para o desenvolvimento
de EHNA, a inflamação é um fator adicional importante na transição de FGNA para
EHNA. Em adição, os ácidos graxos também podem desempenhar um papel-chave neste
mecanismo, uma vez que alteram diretamente a ação do Fator Nuclear kappa Beta (Nuclear Factor kappa Beta – NFkB) e do Inibidor de kappa Beta (Inhibitor of kappa Beta – IkB), fatores envolvidos na cascata de inflamação [23].
Além disso, cabe resaltar que a hipertrofia do tecido adiposo otimiza a expressão de algumas citocinas
inflamatórias, como o TNF-α e a Interleucina-6 (IL-6), mostrando que a
obesidade é uma condição pró-inflamatória e que pessoas com sobrepeso e
obesidade aumentam a exposição hepática às citocinas
produzidas nos seus respectivos tecidos adiposos [24].
Outrossim, estas citocinas reduzem a atividade da c-Jun
N-terminal quinase (ou c-Jun N-terminal kinases
– JNKs), o que inativa o substrato de receptor de
insulina (ou insulin receptor substrate-1 – IRS-1), com
consequente resistência à insulina [25].
Assim, a resistência
à insulina poder ser visualizada tanto como causa como consequência da EHNA.
Doença
hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA): Alguns hormônios relacionados
Petta et al. [26], em recente estudo denominado Pathophysiology of Non Alcoholic Fatty Liver Disease, relatam, entre
outras, a relação de alguns hormônios com a DHGNA. Além da insulina, amplamente
elucidada neste estudo, destacam-se os hormônios adiponectina,
leptina, glucagon, peptídeo semelhante ao glucagon ou Glucagon-Like Peptide-1 (GLP-1), grelina, irisina (Figura 3), hormônio de crescimento ou Growth Hormone (GH)
e de Fator de Crescimento semelhante à Insulina ou Insulin-like Growth Factor-1 (IGF-1).
O fígado gorduroso é
considerado o principal componente hepático da síndrome metabólica. A
resistência sistêmica à insulina reduz a síntese de adiponectina
e aumenta as concentrações de leptina, enquanto que a lipólise do tecido
adiposo não é suprimida (mostrado na figura com o símbolo "//").
Portanto, apesar da concentração elevada de insulina circulante, a concentração
plasmática de FFA é aumentada, sobretudo, em função do destacado aumento dos
níveis de glucagon em pacientes com DHGNA. Com relação insulina/glucagon
estando alterada, ocorre aumento da lipogênese “de novo” (DNL), glicogenólise e gliconeogênese
hepática, aumentando assim a produção de glicose e a resistência à insulina
hepática. Ademais, vários hormônios secretados pelo trato gastrointestinal
regulam o metabolismo da glicose, dos lipídios e a ingestão de alimentos,
podendo, assim, estar implicados no desenvolvimento de DHGNA. A secreção prejudicada
do peptídeo semelhante ao glucagon ou Glucagon-Like Peptide-1 (GLP-1) e os níveis diminuídos de
receptores deste hormônio no fígado, são características apresentadas por
indivíduos com DHGNA, prejudicando ainda mais o metabolismo da glicose e dos lípidos hepáticos. A grelina
modula o apetite e a secreção de insulina. Contudo, é importante ressaltar que
um aumento na proporção entre grelina acilada (ativa) e desacilada
(inativa), resultaria em propriedades anti-inflamatórias. O fígado, como órgão endócrino,
secreta várias hepatocinas, incluindo a SeP, que aumentam a resistência à
insulina, promovem o estresse oxidativo e aumentam a produção de partículas
pequenas de LDL (que induzem a aterosclerose). Quanto às adipocinas,
o tecido adiposo secreta leptina e adiponectina,
importantes hormônios envolvidos na modulação da
inflamação, na oxidação de
ácidos graxos e gasto energético e na
alteração da secreção e da
resistência à
insulina. As miocinas também podem afetar o
metabolismo da glicose e dos lipídios. Neste grupo de hormônios, destaca-se a irisina, cuja secreção é estimulada pelo exercício e
apresenta, como principal função, a indução a termogênese. Contudo, o seu
papel, no contexto das DHGNA, ainda não foi completamente elucidado. As SelenoProteínas do tipo P (SeP), preferencialmente produzidas pelo fígado, são
lançadas para o plasma com a função de transportar selênio. Embora existam
evidências que as SeP, entre
outras funções, protejam os astrócitos e o endotélio
vascular contra danos oxidativos, estudos apontam que
as SeP promovem aumento da resistência a insulina.
WAT: White Adipose Tissue
ou Tecido Adiposo Branco; BAT: Brown
Adipose Tissue ou Tecido Adiposo Marrim; FFA: Free Fatty Acids ou Ácidos Graxos
Livres DNL: de novo Lipogenesis
ou Lipogênese “de novo”; GLP-1: Glucagon-Like Peptide-1 ou Peptídeo semelhante ao glucagon;
VLDL: Very low density lipoproteins ou
Lipoproteína de baixíssima densidade; LDL: Low density lipoproteins
ou Lipoproteína de baixa densidade; SeP:
Selenoprotein P ou SelenoProteína
do tipo P.
Fonte: adaptado de Petta et al. [26].
Figura 3 - Os principais agentes metabólicos e as
principais vias patogênicas envolvidas na DHGNA.
Segundo Petta et al. [26], a adiponectina
é um hormônio produzido, prioritariamente, pelos adipócitos. Sua expressão é
determinada, principalmente, pelo tamanho e pela sensibilidade à insulina dos
adipócitos, porém os adipócitos maiores, aqueles mais resistentes à insulina,
os menos produtivos. É considerada uma adipocitocina
"protetora", envolvida na regulação do metabolismo de glicose e
lipídios, bem como na inflamação, inibindo a produção de NFkB
e TNF-α pelos macrófagos. Suas concentrações séricas estão inversamente
relacionadas à resistência à insulina, à obesidade e as DGHNA/EHNA.
Petta et al. [26] apontam que a leptina é um hormônio secretado,
principalmente, pelo tecido adiposo, com um papel crítico na regulação do peso
corporal e da massa gorda. A leptina provoca perda de peso, aumento do gasto
energético e oxidação de ácidos graxos, reduzindo o apetite e a síntese de triacilglicerol, neutralizando a ação lipogênica
da insulina. Altos níveis de leptina estão associados à diminuição da secreção
de insulina, aumento da gliconeogênese e diminuição
da captação de glicose, levando à hiperglicemia e, em última instância,
contribuindo para o aumento da resistência à insulina. Em adição, a leptina
pode afetar negativamente o sistema cardiovascular, exercendo atividades
aterogênicas, trombóticas e angiogênicas. Além disto,
a leptina pode exercer atividade pró-inflamatória pela diminuição do
relaxamento vascular relacionado ao óxido nítrico (em função do aumento do
estresse oxidativo e do aumento da expressão da endotelina),
potenciando o efeito da angiotensina II, que, por sua vez, aumenta a síntese da
própria leptina e de algumas citocinas
pró-inflamatórias (TNF-α e IL-6). Estas características poderiam explicar
o motivo de a hiperleptinemia ser observada em muitas
doenças inflamatórias crônicas, como a aterosclerose. Polyzos
et al. [27], em recente revisão
sistemática, citam que os níveis de leptina circulantes são maiores nos
pacientes com DHGNA do que nos controle, corroborando a evidência mencionada
acima de dano mediado por inflamação relacionado com a leptina e seu respectivo
envolvimento potencial na patogênese da EHNA.
Outro hormônio
elencado no estudo de Petta et al. [26] é o Glucagon, produzido e secretado pelas células alfa
das Ilhotas de Langerhans do pâncreas. Wewer Albrechtsen et al. [28], citam que a secreção de
glucagon é aumentada, não só no diabetes, mas também em vários estados
resistentes à insulina, incluindo DHGNA. Estes mesmos autores ainda relatam
que, em algumas situações metabólicas, o papel do glucagon é oposto ao da
insulina, estimulando a liberação de glicose por meio da ativação da glicogenólise hepática e estimulando a gliconeogênese
pela inibição da glicólise. Em adição, o glucagon também regula o metabolismo
dos ácidos graxos por meio da estimulação da lipólise periférica e da inibição
da malonil-CoA, otimizando a
oxidação dos ácidos graxos. Uma vez estimulando a lipólise e oxidação lipídica
e reduzindo a lipogênese, o glucagon foi proposto como uma opção terapêutica
para a EHNA [29], embora o impacto deste hormônio na DHGNA ainda não esteja bem
elucidado. Em recente estudo, Junker et al. [30] evidenciaram que os pacientes
com DHGNA apresentam hiperglucagonemia em jejum,
independente de seu status de tolerância à glicose. Segundo estes autores, este
fato sugere que a DHGNA pode estar envolvido no desenvolvimento de hiperglucagonemia em portadores de diabetes mellitus tipo
II.
O Peptídeo semelhante
ao glucagon ou Glucagon-Like Peptide-1 (GLP-1) caracteriza-se como um hormônio
do tipo incretina produzido, principalmente, pelas
células L do intestino em resposta à ingestão de alimentos. Segundo Holst
[31], o GLP-1 tem um papel importante na regulação do
metabolismo da glicose, uma vez que potencia a secreção
de insulina e inibe a
liberação de glucagon (conforme apontado na Figura 1).
Campbell & Drucker
[32] ressaltam que o hormônio GLP-1 exerce o seu efeito por meio
da ligação com
seus receptores (GLP-1R), que são principalmente expressos no
pâncreas e
cérebro, mas também no coração,
fígado, cólon e rim. Em adição, estes
autores
apontam outros efeitos do GLP-1, que incluem a supressão central
do apetite, a
indução da saciedade e retardando o esvaziamento
gástrico. Em consonância com
estes dados, os autores sugerem um efeito protetor direto do GLP-1
sobre o
sistema cardiovascular. Svegliati-Baroni et al. [33] demonstraram que, em fígados
humanos de indivíduos com NASH, tanto a expressão como o conteúdo proteico do
GLP-1R foram diminuídos em relação aos indivíduos sem NASH. Em função disto,
diversos outros estudos [34-37] apontam que, em indivíduos com esteatose hepática, a utilização de “exenatida”
(substância sintética classificada como agonista do receptor do GLP-1 – GLP-1A)
pode melhorar as funções enzimáticas e, até mesmo, o padrão morfológico
hepático, diminuindo a esteatose. Entre os mecanismos
que levam à melhora das funções e morfologia hepática estão a
perda de peso, redução do fluxo de FFA para o fígado, redução da DNL e das
atividades anti-inflamatórias, mencionadas na Figura 1. Portanto, esses achados
qualificam GLP-1RA como um potencial candidato para o tratamento da DHGNA.
Segundo Kim et al. [38], a grelina
é um hormônio peptídico produzido principalmente no estômago, com um papel
fundamental na liberação do hormônio de crescimento (por meio da ativação do
receptor secretagogo GHS-R1a) e no controle da
ingestão de alimentos, induzindo o apetite e controlando o gasto de energia. De
acordo com o apontado por Ezquerro et al. [39], as moléculas de grelina se
apresentam de duas formas endógenas principais: forma acetilada (forma
biologicamente ativa) e forma desacetilada (não se
liga aos receptores da grelina). A Grelina acetilada é secretada antes de uma refeição e
desaparece mais rapidamente do plasma, após a refeição, do que grelina total, apresentando um tempo de eliminação estimado
em torno de 30 minutos [26]. Diversos estudos relatam que a enzima grelina aciltransferase-O ou Ghrelin O-acyltransferase
(GOAT), responsável pela acetilação do hormônio grelina,
está relacionada com o metabolismo da glicose, a resistência à insulina e a
disfunção do metabolismo lipídico [40], além de também estar relacionada com o
processo inflamatório [41]. A GOAT é expressa em vários órgãos, principalmente
no trato gastrointestinal, mas também no sistema nervoso central, pâncreas,
coração, rim, músculo, língua, testículo, timo e tecido adiposo, mas não no
fígado. Segundo Ghigo et al. [42], o hormônio grelina também tem
várias outras ações fisiológicas, incluindo efeitos sobre as funções
pancreáticas exócrinas e endócrinas, o metabolismo de carboidratos, o sistema
cardiovascular, a secreção gástrica, a motilidade estomacal e o sono. Zhang e Fan [41], ainda apontam que a grelina,
especialmente a acetilada, exerce importante atividade anti-inflamatória em
função de promover a supressão da NFkB, reduzindo, assim,
a produção de citocinas pró-inflamatórias como IL-1,
IL-6 e TNF-α. Segundo os autores, estas propriedades anti-inflamatórias
indicam o sistema grelina-GOAT como um novo alvo
promissor para o tratamento da EHNA.
Outro hormônio que
merece destaque é uma miocina recentemente
identificada, codificada pelo gene FNDC5, denominada de irisina
[43]. A irisina apresenta importante função na
regulação da homeostase e do metabolismo energético, promovendo interações
entre o músculo esquelético e outros tecidos (Figura 01). Segundo Stanford et al. [44], a irisina parece
induzir a diferenciação de adipócitos branco em marrons, principalmente por
estimular o aumento da expressão e atividade da proteína desacopladora
do tipo 1 (Uncoupling protein 1 -
UCP1), resultando em um aumento na produção de calor. Portanto, a circulação da
irisina pode aumentar o gasto energético total, reduzindo
assim a obesidade e a resistência à insulina. Segundo Polyzos
et al. [45], a secreção de irisina
foi ligeiramente mais elevada em pacientes com DHGNA e significativamente maior
em pacientes com EHNA que apresentaram inflamação portal, em comparação com
aqueles pacientes sem inflamação portal. Os dados sobre o aumento da
concentração sérica de irisina e sua relação com
distúrbios metabólicos, dieta e exercício merecem uma investigação mais
aprofundada. Os mecanismos subjacentes aos efeitos metabólicos protetores da irisina não são bem compreendidos e parecem estar
relacionados, principalmente, com um maior gasto de energia (calor) e não com
atividades anti-inflamatórias, tais como a inativação de NFkB.
Segundo Marino e Jornayvaz [46], a concentração insuficiente de Hormônio de
Crescimento (Growth Hormone – GH)
e de Fator de Crescimento semelhante à Insulina (Insulin-like Growth Factor-1 – IGF-1) tem sido
recentemente associada com uma maior incidência das DHGNA, podendo progredir
para a EHNA e, até mesmo, chegar à cirrose hepática. Os autores ainda citam que
as DHGNA são mais comuns em pacientes hipopituitarianos
quando comparados aos indivíduos controles, além dos pacientes com deficiência
do GH apresentarem maior susceptibilidade para desenvolver estas patologias
hepáticas. Chishima et al.
[47], em estudo recente realizado com 222 japoneses portadores
de DHGNA e 55 portadores do vírus da Hepatite-C (VHC), relatam
que uma
alteração da concentração de GH associada a
uma diminuição do IGF-1 e da proteína
de ligação ao IGF tipo 3 (ou IGF-binding protein 3 - IGFBP-3)
podem contribuir para a progressão do DHGNA. Portanto, o eixo GH/IGF-1 pode ser
importante no desenvolvimento de DHGNA, embora esta relação não tenha sido
observada em pacientes com doenças hepáticas crônicas relacionadas ao VHC.
Corroborando estes resultados, Xu et al. [48] verificaram, em um estudo transversal desenvolvido com
7.146 participantes divididos em 2 grupos (1.667: grupo portadores de DHGNA e
5.479: grupo controle), que a baixa concentração plasmática de GH estava
significativamente associada a DHGNA, sugerindo que o GH pode desempenhar um
papel importante no diagnóstico e no processo fisiopatológico desta patologia.
Ademais, Dichtel et al. [49], em recente publicação também caracterizada por um estudo
transversal retrospectivo desenvolvido com 142 participantes que foram biopsiados, apontam que os níveis baixos de IGF-1 no plasma
estão associados ao aumento da gravidade histológica do DHGNA, excluindo-se os
indivíduos com cirrose. Em adição, os autores indicam que outras investigações
seriam justificadas para determinar os efeitos diferenciais de GH e IGF-1 sobre
o desenvolvimento e progressão da DHGNA, que poderiam elucidar de forma mais
abrangente os aspectos fisiopatológicos além de identificar alvos terapêuticos.
Doença
hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA): relação com o exercício físico
Os tratamentos
farmacológicos para DHGNA, mais precisamente para a EHNA, são limitados.
Acredita-se que as intervenções no estilo de vida sejam eficazes na redução das
características desta patologia, embora os efeitos do exercício físico regular,
independente da mudança na dieta, não estejam totalmente estabelecidos.
Contudo, vale lembrar que a literatura acadêmica indica, principalmente nos
últimos anos, diversos estudos que apontam o exercício físico, realizado de
diversas formas, como uma boa estratégia para a prevenção e tratamento das
DHGNA.
Em recente
publicação, Houghton et al. [50] relatam, a partir de um ensaio controlado randomizado,
que um programa de 12 semanas que contemplou exercícios cardiorrespiratórios e
de força, reduziu significativamente o conteúdo de triacilglicerol
hepático, gordura visceral e triacilglicerol
plasmático nos pacientes com EHNA, embora este mesmo programa de exercícios não
tenha promovido alteração nos marcadores circulantes de inflamação e de fibrose
neste grupo. Portanto, segundo os autores, os profissionais da área da saúde
devem considerar o exercício físico como parte de uma estratégia para
tratamento da EHNA.
Preocupados com
possíveis respostas diferentes relacionadas aos mais variados tipos de
exercícios crônicos, Oh et al. [51] propuseram, recentemente, um
estudo com 61 homens obesos portadores de DHGNA, comparando os efeitos de 12
semanas de treinamento em três grupos distintos quanto aos tipos destes
treinamentos: de força, intervalado de alta intensidade e contínuo de
intensidade moderada. Os três grupos foram igualmente eficazes na redução do
teor de gordura hepática. Contudo, a rigidez hepática diminuiu apenas no grupo
que treinou intervalado de alta intensidade (-16,8%). Esta alteração da
rigidez, segundo os autores, foi associada à função fagocítica
das células de Kupffer restauradas (+ 17,8%) e a
diminuição dos níveis de inflamação, marcadas pela leptina (-13,2%) e ferritina (-14,1%). Portanto, o exercício físico,
independente do tipo, parece exercer um efeito benéfico em portadores de DHGNA.
Baseados em uma
revisão sistemática, que utilizou trabalhos oriundos do Ovid-Medline,
PubMed, EMBASE e Cochrane e
teve, como critério de inclusão, a inserção de estudos randomizados e estudos
de coorte prospectivos em adultos portadores de NAFLD com idade superior a 18
anos, e que também investigou os efeitos de pelo menos 8 semanas de treinamento
somente ou em combinação com dieta e que foram publicados no período entre 2010
e 2016, Golabi et
al. [52] relatam que não houve diferença entre as intervenções dos
exercícios cardiorrespiratório e resistido em pacientes com DHGNA. Ademais,
embora tenha sido apontado que a combinação de um programa de exercícios com
intervenções na dieta potencialize a melhoria do controle glicêmico, da
sensibilidade à insulina e da redução do triacilglicerol
intra-hepático, o exercício executado isoladamente promoveu diminuição
significativa do conteúdo de lipídios hepáticos.
Objetivando
identificar respostas diferenciadas pelos mais diversos tipos de exercício, Linden et al. [53]
verificaram que a acumulação de 15 minutos ao dia de exercícios vigorosos,
durante 12 semanas, teve eficácia semelhante a aplicação de 60 minutos ao dia
de exercícios moderados, como estratégia não farmacológica utilizada no
tratamento de DHGNA em ratos tipo Otsuka Long-Evans Tokushima Fatty (OLETF), um modelo poligênico caracterizado pela
obesidade e hiperfagia apresentados. Esses achados
podem ter importantes implicações na saúde, à medida que os esforços caminham
no sentido da adequação na prescrição de programas de treinamento para
pacientes com DHGNA.
Em recente estudo de
revisão, Brouwers et al. [54] indicam, na figura 04, algumas vias relacionadas ao
metabolismo lipídico hepático, sobretudo em portadores de DHGNA, e alguns
possíveis efeitos promovidos pelo exercício físico.
O tecido adiposo
libera NEFA no plasma por meio do processo de lipólise. Em adição, o aumento
dos NEFAs plasmáticos também pode ser oriundo de um
estado de jejum prolongado ou pós-prandial. A gordura proveniente das refeições
é transportada pelos quilomícrons. O tecido adiposo e
o músculo esquelético absorvem os ácidos graxos oriundos do complexo quilomicron-TAG, por meio da ação da enzima lípase
Lipoproteica (LPL), enquanto os quilomicrons
remanescentes são absorvidos pelo fígado. No entanto, quando a disponibilidade
de gordura na dieta é muito alta, os ácidos graxos liberados acabam no pool de NEFA plasmático por meio do spillover (efeito
de transbordamento) do quilomicron-TAG, enfatizando
que esses NEFAs também podem ser absorvidos pelo
fígado. Além disso, a hiperinsulinemia aumenta a
captação de glicose hepática, ativando a DNL por meio da SREBP-1 e das enzimas Acetil-CoA Carboxilase (ou Acetyl-CoA carboxylase –
ACC) e Ácido Graxo Sintase (ou Fatty acid synthase
– FAS). Para compensar o aumento da síntese e libertação de gordura hepática, a
secreção de TAG via VLDL e a oxidação mitocondrial de TAG hepático são ativados. Existem evidências de que o treinamento físico
diminui a liberação de NEFA em jejum, muito provavelmente, por promover
diminuição da lipólise no tecido adiposo. Além disso, os
exercícios agudo e crônico aumentam a captação de NEFA pelo músculo
esquelético e, como consequência, reduzem a disponibilidade desses ácidos
graxos para o fígado. Este fato decorre em função da maior atividade da LPL no
músculo esquelético, promovida pelo exercício físico e pela adaptação ao
treinamento. Em associação, o treinamento físico reduz a concentração
plasmática de insulina - hormônio-chave para a ativação da DNL – sugerindo que
este mesmo treinamento físico pode diminuir a atividade da DNL, principalmente
por diminuir a atividade das enzimas ACC e FAS. Além disso, o treinamento
físico promove uma diminuição no conteúdo das Lipoproteínas de Densidade
Moderada (ou Intermediate-density lipoprotein –
IDL), aumentado a PGC-1α e o conteúdo de proteínas mitocondriais (usadas
como marcadores da função mitocondrial), destacando-se a Citocromo
c (ou Cytochrome
c - Cyt c), a β-Hidroxiacetil-CoA
desidrogenase (ou β-Hydroxyacyl-CoA dehydrogenase
- β-HAD) e a Citrato sintase
(ou Citrate synthase -
CS). O treinamento físico também reduz a secreção hepática de VLDL-TAG,
possivelmente em função do menor acúmulo de TAG no fígado. Para enfatizar os
efeitos promovidos pelo treinamento físico, os círculos vermelhos representam
inibição e os círculos verdes representam estimulação de vias metabólicas
promovidas pela prática do exercício.
Fonte: adaptado de Brouwers et al. [54].
Figura
4 - Metabolismo lipídico hepático e o efeito do
treinamento físico.
Importante ressaltar
que os diversos hormônios que estão associados às DHGNA apresentam grande relação
com a prática do exercício e do treinamento físico.
Golbidi e Laher [55] apontam que, em geral, as sessões agudas de
exercício com intensidade leve ou moderada em indivíduos saudáveis e magros não
afetam os níveis de adiponectina, embora um efeito
positivo tenha sido relatado com o exercício crônico. No que tange aos
indivíduos inativos e com proeminência abdominal (obesidade visceral), a
prática de exercício aeróbio agudo e crônico de curto prazo (uma semana),
parece induzir ao aumento significativo da concentração plasmática de adponectina.
Evidencias sugerem
que, embora o exercício agudo, de curto prazo, não afete os níveis de leptina,
o exercício com maior volume (pelo menos 60 min) está associado ao aumento do
gasto energético que pode levar à diminuição da leptina [55]. Oh et al. [51] apontam que um programa de 12
semanas composto por exercícios de alta intensidade promoveu diminuição de
13,2% na concentração sérica de leptina em obesos com DHGNA.
O exercício aumenta a
demanda de glicose na periferia (músculo), o que leva a um aumento da produção
endógena de glicose. No entanto, uma vez que a glicose é imediatamente
utilizada pelo músculo para sintetizar ATP, as concentrações de glicose ficam
geralmente estáveis e, portanto, não há estímulo para um aumento da secreção de
insulina. Aliás, diversos estudos, como os de Szewieczek
et al. [56], Trefts
et al. [57] e Dela [58] relatam uma
diminuição significativa da secreção de insulina durante a prática do
exercício. Por outro lado, destaca-se o efeito do exercício na otimização da ação da insulina. Passos et al. [59], em estudo com ratos, apontam que o exercício físico
modulou positivamente a sinalização da insulina em portadores de EHNA,
diminuindo a resistência à ação do hormônio.
Segundo Trefts et al. [60], o
exercício físico induz o aumento da secreção de glucagon, resultando em maior glicogenólise e gluconeogênese
hepáticas. Entretanto, Coggan et al. [61] apontam que, durante o exercício vigoroso
(aproximadamente 80% do VO2máx), a maior liberação de glicose é
otimizada, principalmente, em função do aumento das catecolaminas, enquanto as
alterações glicêmicas oriundas pela ação do glucagon são menos intensas.
Diversos estudos
atualizados, como os de Hallworth et
al. [62], Hazell et
al. [63] e Hazell et al. [64], relatam que
grupos heterogênios de indivíduos apresentam
concentrações plasmáticas aumentadas dos hormônios incretinas,
principalmente o GLP-1, durante e após a prática do exercício físico. Em
pacientes diabéticos (grupo de risco para EHNA), Lee et al. [65] mostram níveis mais elevados de GLP-1 após exercício de
alta intensidade quando comparado ao exercício de baixa intensidade.
Existem resultados
contraditórios sobre o efeito do exercício físico nas concentrações plasmáticas
de grelina. Douglas et al. [66], em relevante meta-análise, relatam que em indivíduos
magros, o exercício agudo moderado suprime transitoriamente as sensações de
apetite, diminuindo a secreção de grelina acetilada.
O mesmo estudo mostrou que indivíduos com sobrepeso/obesidade apresentam uma
moderada redução na secreção de grelina acetilada
após a prática do exercício agudo. Burns et al. [67] e
Schmidt et al. [68] apontam que
exercícios com curta duração de corrida e de ciclismo, não alteram a grelina plasmática total. No entanto, Rosenkilde
et al. [69], em estudo que apresentou uma
amostra de 64 homens sedentários com excesso de peso e sem patologias
cardiovasculares e metabólicas, divididos em 3 grupos: controle, exercícios com
moderado volume/30 minutos e exercícios com alto volume/60 minutos, durante 12
semanas, verificaram que em ambos os grupos que realizaram os exercícios, a grelina plasmática aumentou, em relação ao término do
exercício agudo, após o treinamento. Do ponto de vista clínico, isso parece
mais razoável, pois o exercício aumenta o apetite estando associado a um
aumento dos níveis de grelina (forma total ou
acetilada). Portanto, mais estudos são necessários para abordar os diferentes
tipos de exercícios, bem como suas principais variáveis (volume, intensidade,
duração e frequência) relacionadas à resposta do hormônio grelina.
Embora recentemente
identificado, a literatura acadêmica apresenta diversos estudos no sentido da
relação entre a concentração plasmática de irisina e
a prática dos mais diversos tipos de exercício físico. Os relatos, em algumas
situações, são contraditórios. Qiu et al. [70], em recente meta-análise, apontam que o exercício crônico
(treinamento) promove adaptações que resultam em significativa diminuição da irisina circulante. Por outro lado, Reisi
et al. [71], utilizando o modelo animal,
apresentam resultados que demonstraram um aumento significativo nos níveis de irisina após 8 semanas de treinamento de força. Relacionado
ao treinamento de endurance,
Miyamoto-Mikami et al. [70] verificaram, a partir de um estudo realizado com 53
sujeitos jovens e idosos que fizeram 8 semanas de treinamento com carga entre
60 e 70% do VO2pico, que a concentração sérica de irisina foi significativamente aumentada no grupo de idosos
após o período de intervenção. Os autores observaram uma correlação entre o
aumento do hormônio irisina e a diminuição da gordura
visceral abdominal (importante fator de risco associado à DHGNA) nos idosos. O
grupo constituído por adultos jovens não apresentou qualquer diferença
importante. No que tange aos exercícios agudos, Tsuchiya
et al. [72], em estudo com humanos,
verificaram que o grupo que praticou o exercício resistido apresentou um
aumento significativo da concentração plasmática de irisina
quando comparado ao grupo que realizou apenas o exercício de endurance e ao grupo que realizou os exercícios resistido e
de endurance
combinados.
Em estudo clássico, Buckler [73] relata aumento na concentração plasmática de
GH em indivíduos praticantes de exercício agudo. Além das funções específicas
relacionadas ao metabolismo lipídico hepático, a literatura evidencia que o GH
tem a importante função, também no fígado, de estimular a síntese do IGF-1
[74]. Portanto, durante a prática do exercício, com o aumento na concentração
plasmática de GH, ocorre um consequente aumento da concentração plasmática de
IGF-1. Em pacientes com DHGNA, este aumento de GH/IGF-1 é extremamente
benéfico, atuando, inclusive, no controle das transaminases hepáticas [75]. Botezelli et al. [76]
sugerem que o exercício crônico é uma ferramenta importante na prevenção e no
tratamento da EHNA, da resistência à insulina e da regulação das concentrações
de lipídios circulantes. Além do importante efeito sobre o hepatócito no que
tange ao aumento da oxidação lipídica promovendo redução na concentração de TAG
armazenada, o exercício também propicia um aumento na sensibilidade à insulina
e na síntese e secreção do IGF-1, que são potentes ativadores da regeneração
hepática e do anabolismo.
O objetivo desta
pesquisa bibliográfica foi o de elucidar os aspectos fisiopatológicos e as
possíveis adaptações que a prática do exercício físico pode promover nos
portadores de DHGNA, enfatizando o papel do controle endócrino.
Embora já existam
alguns estudos abordando a relação entre DHGNA, exercício físico e ação
hormonal, a literatura ainda carece de mais pesquisas, sobretudo no que
concerne aos aspectos de volume, intensidade, duração e frequência dos
exercícios agudos e crônicos a serem prescritos, além de maiores informações
acerca das especificidades dos exercícios de força e cardiorrespiratório para a
população portadora de DHGNA.
De todo modo, baseado
na literatura atual, o exercício físico parece exercer um importante papel como
modulador dos processos metabólicos hepáticos, principalmente por auxiliar no
controle da síntese e secreção de vários hormônios que estão associados a este
metabolismo. Conclui-se então, que a prática do exercício físico pode abolir,
mesmo que parcialmente, alguns dos efeitos deletérios promovidos por alguns
tipos de DHGNA aos seus portadores.