Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(1):113-118
doi: 10.33233/rbfe.v17i2.2328ARTIGO
ORIGINAL
Análise
longitudinal do músculo sóleo de ratos submetidos à
remobilização por subida em escada
Longitudinal analysis of the soleus muscle of rats submitted to
remobilization by stair climbing
Vinícius Baretta*, Thiago Fernando Mattjie,
Ft.**, Tatiane Kamada Errero*,
Giovanni Bernardino*, Lucinéia de Fátima Chasko
Ribeiro, D.Sc.***, Rose
Meire Costa Brancalhão, D.Sc.****,
Gladson Ricardo Flor Bertolini*****
*Acadêmico
(a) do curso de graduação em Fisioterapia da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste), **Unioeste,
***Professora da graduação em Fisioterapia e do Mestrado em Biociências e Saúde
da Unioeste, ****Professora do Mestrado em
Biociências e Saúde da Unioeste, *****Professor da
graduação em Fisioterapia e do Mestrado em Biociências e Saúde da Unioeste
Recebido em 16 de
maio de 2018; aceito em 30 de junho de 2018.
Endereço
de correspondência:
Gladson Ricardo Flor Bertolini, Rua Universitária,
2069, Jardim Universitário, 85819-110 Cascavel PR, E-mail:
gladson_ricardo@yahoo.com.br; Thiago Fernando Mattjie:
thiago.mattjie@hotmail.com; Tatiane Kamada Errero: tatiane.kamada@hotmail.com; Giovanni Bernardino:
giovanni.bernardino@hotmail.com; Lucinéia de Fátima Chasko
Ribeiro: lucineia.cr@gmail.com; Rose Meire Costa Brancalhão:
rosecb@gmail.com; Rose Meire Costa Brancalhão: rosecb@gmail.com
Resumo
Exercícios de
fortalecimento muscular e alongamentos são amplamente utilizados para se
descobrir um melhor protocolo pós-imobilização. O objetivo desta pesquisa foi
verificar a interferência de protocolos de exercícios com subida de escada, no
comprimento muscular e quantidade de sarcômeros em
série ao longo do músculo sóleo de ratos submetidos à
imobilização. Para tanto, foram utilizados 32 ratos machos, distribuídos em:
GA: animais somente imobilizados e eutanasiados; GB:
ratos imobilizados e com remobilização livre; GC: remobilizados com subida em
escada sem peso, e realizadas 40 repetições e GD: remobilizados com subida,
semelhante à GC, porém foram realizadas 60 repetições. Os animais foram
imobilizados com o músculo sóleo esquerdo em
encurtamento, e após imobilização, aos grupos GC e GD foi aplicado o protocolo
acima descrito. Após 24 horas do término do experimento, os animais foram
anestesiados e eutanasiados, e o músculo sóleo esquerdo dissecado e processado para estudo
histológico longitudinal. As comparações foram realizadas com ANOVA
unidirecional e pós-teste de Tukey, com nível de
significância de 5%. A partir destas análises pode ser constatado que o
protocolo de subida em escada com menos repetições foi o mais efetivo na
remobilização.
Palavras-chave: imobilização;
exercício; sistema musculoesquelético.
Abstract
Muscle strengthening exercises and stretching are widely used to discover
a better post-immobilization protocol. The objective of this research was to
verify the interference of exercise protocols with stair climbing, muscular
length and quantity of sarcomeres in series along the soleus muscle of rats
submitted to immobilization. For this, 32 male rats were used, distributed in:
GA: animals only immobilized and euthanized; GB: immobilized rats and with free
remobilization; GC: remobilized with ascending ladder without weight, and
performed 40 repetitions and GD: remobilized with rise, similar to GC, however,
60 repetitions were performed. The animals were immobilized with the left
soleus muscle in shortening, and after immobilization, the protocol described
above was applied to the GC and GD groups. After 24 hours at the end of the
experiment, the animals were anesthetized and euthanized, and the left soleus
muscle was dissected and processed for longitudinal histological study. The
comparisons were performed with one-way ANOVA and Tukey's
post-test, with a significance level of 5%. From these analyzes it can be
verified that the stair climbing protocol with less repetitions was the most
effective in remobilization.
Keywords:
immobilization; exercise; musculoskeletal system.
O músculo é o mais
mutável dentre os tecidos biológicos e responde às demandas normais ou
alteradas com adaptações morfológicas e funcionais, estas adaptações ocorrem
tanto para os estímulos positivos, que fortalecem o músculo, como também à
falta destes [1-3].
Tais adaptações
também afetam a regulação da quantidade de sarcômeros
em série. Quando os músculos permanecem imobilizados em posição alongada há um
aumento da quantidade de sarcômeros em série, atrofia
moderada ou ausente, e quando imobilizadas em posição encurtada, há uma diminuição
da quantidade de sarcômeros em série, e perda da
extensibilidade do tecido, essas mudanças já ocorrem após duas semanas de
imobilização [4,5]; alterações no tecido conjuntivo são observadas nos músculos
imobilizados, havendo aumento do tecido conectivo, levando a uma maior rigidez
do tecido [6,7].
Mesmo
conhecendo-se
todos os efeitos lesivos da imobilização, ela é um
tratamento frequentemente
utilizado para lesões do sistema musculoesquelético
[8,9], os processos de
recuperação do músculo imobilizado e os
métodos de remobilização não são,
ainda, bem esclarecidos, sendo fonte para várias pesquisas. A
forma mais comum
de remobilização é por meio do exercício
físico [10,11]. São estudados vários
tipos de procedimentos visando identificar a contribuição
mais efetiva na
recuperação da musculatura debilitada devido à
imobilização, utilizando
exercícios de fortalecimento muscular e alongamentos [5], assim
denota-se a
importância em se estudar a contribuição destes
exercícios para a recuperação
do tecido muscular debilitado pela imobilização
prolongada. No presente estudo hipotetizou-se que efeitos deletérios produzidos pela
imobilização em posição de encurtamento do músculo sóleo,
com relação aos sarcômeros em série, poderiam ser
amenizados com o uso de exercícios físicos. Por isso, este estudo teve como
objetivo verificar a interferência de protocolos de exercícios com escada, no
comprimento muscular e quantidade de sarcômeros em
série ao longo do músculo sóleo.
Para o presente estudo,
foram utilizados 32 ratos machos, da linhagem Wistar,
com idade de 10 semanas, os quais foram obtidos no Biotério da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Os animais
foram agrupados e mantidos em gaiolas plásticas de polipropileno, com acesso a
água e ração ad libitum, temperatura ambiente controlada em 25ºC e fotoperíodo claro/escuro de 12 horas. O estudo foi
conduzido segundo as Normas Internacionais de Ética na Experimentação Animal,
sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Uso de Animais da Unioeste.
No início do
experimento os animais foram pesados e identificados. Em seguida, separados em 4 grupos:
GA (controle total –
n=8): os animais desse grupo foram apenas submetidos à imobilização e eutanasiados após a retirada da imobilização;
GB (controle com
remobilização livre – n=8): neste grupo os animais foram imobilizados e
remobilizados de forma livre, sem nenhuma intervenção de tratamento;
GC (remobilização com
exercício de escada, 40 repetições – n=8): neste grupo os animais foram
imobilizados e remobilizados com exercícios de fortalecimento muscular, feitos
por meio de subida em uma escada; com série de 40 repetições.
GD (remobilização com
exercício de escada, 60 repetições – n=8): os animais foram imobilizados e
remobilizados com exercícios de fortalecimento muscular, semelhante à GC, porém
foram realizadas 60 repetições.
Protocolo
de imobilização
Para realizar o
procedimento de imobilização, os animais foram previamente anestesiados com
cloridrato de quetamina (50 mg/kg)
e xilazina (15 mg/kg). O aparato de imobilização
visava obter o encurtamento do músculo sóleo
esquerdo. A articulação tibiotársica foi imobilizada
em máxima flexão plantar com gesso, baseado em modelo proposto na literatura
[12]. Os animais eram observados diariamente, devido à possibilidade de ocorrer
danos no aparato de imobilização, e permaneceram com o membro pélvico esquerdo
imobilizado por um período de duas semanas.
Protocolo
de exercício
O protocolo de
exercício foi realizado em uma escada com as seguintes dimensões: 1,10m de
altura, largura de 25cm. Na extremidade superior da
escada foi colocada uma caixa preta, preenchida com cepilho e ração, para
estimular a subida dos animais. Os grupos GC e GD realizaram treinamento de
subida, por uma semana prévia à imobilização, para adaptação; e posteriormente
foi aplicado o protocolo que consistia em duas séries de 20 repetições,
(totalizando 40 repetições), em GC, e três séries de 20 repetições,
(totalizando 60 repetições), em GD [13].
Confecção
de lâminas histológicas
Após 24 horas do
término do experimento, os animais foram anestesiados e os músculos sóleos esquerdos dissecados e gotejados com solução
fisiológica de NaCl (0,9%);
os animais foram, então, submetidos a eutanásia por decapitação em guilhotina.
Posteriormente, os músculos foram posicionados sobre papel-alumínio, no
comprimento de repouso, e avaliado o maior comprimento, por meio de paquímetro.
Posteriormente, imersos em solução de formol (10%) por 3h, após este período o
mesmo foi seccionado longitudinalmente, e a parte lateral colocada em ácido
nítrico (30%) para hidrólise do tecido conjuntivo, permanecendo neste por 72h,
sendo, em seguida, armazenados em solução de glicerol (50%).
Para a confecção das
lâminas histológicas, as fibras musculares foram isoladas com uso de pinças com
pontas finas, colocando-se o músculo em uma placa de Petri e visualização com
auxílio de lupa. Após a retirada das fibras, estas foram montadas em lâmina
histológica contendo verniz; e protegidas com uma lamínula para posterior
observação em microscópio de luz.
Para a análise
longitudinal, foi realizada a quantificação do número de sarcômeros
ao longo de 300 µm, em uma fibra muscular. Em todas as lâminas foram analisadas
cinco fibras, por meio da contagem de sarcômeros em
seis campos distintos de 50 µm, totalizando os 300 µm por fibra. Para realizar
a análise, utilizou-se microscópio de luz comum (Olympus), com objetiva de 10
vezes, as imagens foram digitalizadas e posteriormente, a partir de regra de
três simples, estimou-se a quantidade de sarcômeros
em série ao longo de uma fibra muscular; em seguida, realizou-se a estimativa
do comprimento de cada sarcômero, dividindo a
quantidade encontrada na fibra pelo comprimento da mesma.
Análise
estatística
Inicialmente a
normalidade foi avaliada por meio do teste de Shapiro-Wilk,
constatada a normalidade dos mesmos, os dados foram apresentados por média e
desvio-padrão, com comparações entre grupos por ANOVA unidirecional, com
pós-teste de Tukey, em todos os casos o nível de
significância foi de 5%. Para os cálculos foi utilizado o programa Bioestat 5.0.
Os resultados apontam
que não houve diferenças para o comprimento muscular, mas houve para as outras
variáveis. GC apresentou maior número de sarcômeros
em 300 µm ao comparar com GA e GB, mas não se refletiu na estimativa de sarcômeros ao longo da fibra muscular. Com relação ao
tamanho dos sarcômeros, GA apresentou valores
significativamente maiores ao comparar com GC e GD (tabela I).
Tabela
I - Resultado referente às variáveis analisadas
em todos os grupos
(*) Diferença
significativa nos grupos GA e GB quando comparados ao GC; (**) Diferença
significativa nos grupos GC e GD quando comparados ao GA
Os dados apontam que
GA foi o grupo que apresentou menor quantidade de sarcômeros
em série em 300 µm, porém apresenta seus sarcômeros
em maior tamanho, quando comparado aos outros grupos. Tendo em vista que a
imobilização do músculo foi em encurtamento, esse ajuste provavelmente
aconteceu para que ocorresse sobreposição ideal dos filamentos de actina e miosina, o que permitiria um bom desenvolvimento
de tensão durante as contrações [14], ainda, segundo os autores, essa adaptação
do número de sarcômeros é necessária, uma vez que os
filamentos de miosina e actina possuem comprimento
constante, sendo assim, a maneira de causar sobreposição ótima dessas
estruturas é alterando o número dos sarcômeros. O que
pode explicar o efeito inverso de GA, ocorrer em GC, em que se tem uma maior
quantidade de sarcômeros em 300 µm, porém, com um
menor tamanho, sugere-se que essa mudança seja proveniente do protocolo de
subida em escada, em que a musculatura necessitou adaptar-se para tolerar os
exercícios realizados. O mesmo ocorreu em GD, porém com uma leve diminuição na
contagem de sarcômeros.
Não houve nenhuma
diferença significativa envolvendo os dois grupos submetidos à realização de
exercícios (GC e GD), porém os resultados foram mais expressivos, quando comparados
a GA, no grupo que realizou o protocolo com a subida em escada com menor número
de repetições, pois apresenta um maior número de sarcômeros
em 300 µm.
Lima et al. [14] citam que o curto período de
imobilização utilizado em seu estudo, de apenas uma semana, foi suficiente para
causar adaptações morfométricas e mecânicas, em
relação à quantidade de sarcômeros em série ao longo
da fibra muscular, baseado nisso, pode-se dizer que o mesmo vale para o
presente estudo, visto que o protocolo utilizado foi de maior tempo.
A atrofia muscular
causada pela imobilização é alvo de vários estudos, sendo mostrado, por meio de
análise transversal de músculos de ratos submetidos à imobilização por
diferentes períodos, que esta pode causar, além de alterações longitudinais
[5], também na área de secção transversa do músculo [11,15,16],
que está associada ao aumento da área de tecido conjuntivo presente em seu
envoltório [6].
Salienta-se que o
estudo da imobilização, e de protocolos para uma melhor reabilitação, envolve
não só o tecido muscular mas todo o aparelho locomotor
(sistemas articular e ósseo), portanto, para a elaboração de protocolos
eficientes, em remobilização, todos os tecidos afetados devem ser
criteriosamente analisados [17]. Desta forma, Lima et
al. [14], discutem a importância do conhecimento das propriedades elásticas de
um tecido para os profissionais de reabilitação, pois, segundo os autores, este
conhecimento auxilia no diagnóstico, tratamento e prevenção de lesões
esportivas e ortopédicas.
Assim, vê-se que são
necessários mais estudos que envolvam a imobilização, com aplicação de
diferentes protocolos e análise dos diferentes tecidos que envolvam o sistema
musculoesquelético, para que, a partir disso, sejam elaboradas melhores formas
de tratamento na prática clínica reabilitativa.
Conclui-se que o
protocolo mais leve de remobilização com subida em escada teve efeito
significativo e positivo no músculo sóleo de ratos,
considerando-se a quantidade de sarcômeros em série
aumentada, em relação aos grupos que não foram remobilizados ou fizeram apenas
remobilização livre.
Ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento do
estudo por meio de bolsas de iniciação científica (PIBIC).