Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(1):47-50
doi: 10.33233/rbfe.v17i1.2368RELATO
DE CASO
Exercício
e contraceptivo: influência no perfil lipídico e inflamatório
Exercise and contraceptive: influence on the lipid and inflammatory
profile
Larissa de Almeida
Oliveira, Ft.*, Vitor Correia da Silva**, Tainan
Almeida Soares**, Euvaldo de Almeida Rosa***,
Jefferson Petto, Ft., D.Sc.****
*Faculdade
Social da Bahia,**Acadêmicos de Fisioterapia na Universidade Salvador (UNIFACS
Feira de Santana),***Médico graduado pela Universidade Federal da Bahia, Médico
Cardiologista da Clínica São Lucas, Santo Antônio de Jesus/BA, ****Professor da
Faculdade Social da Bahia, Professor da Universidade Salvador (UNIFACS, Feira
de Santana), Professor da Faculdade Adventista da Bahia, Professor Colaborador
do Mestrado e Doutorado da EBMSP
Recebido em 12 de
dezembro de 2017; aceito em 30 de dezembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Jefferson Petto, Av. Oceânica, 2717 Ondina 40170-110 Salvador BA, E-mail:
gfpecba@bol.com.br; Larissa de Almeida Oliveira: gfpec3@hotmail.com; Vitor
Correia da Silva: gfpec6@hotmail.com; Tainan Almeida Soares:
gfpec5@hotmail.com; Euvaldo de Almeida Rosa: earosa@sanlucas.com.br
Resumo
Introdução: As pílulas são o
método contraceptivo mais utilizado no mundo, daí a importância de estudar os
possíveis efeitos colaterais desencadeados pelo seu uso prolongado. Apesar do
benefício contraceptivo, há 30 anos vêm sendo sugeridas associações que tal
método pode ter com alterações do perfil lipídico e aumento da proteína C-reativa (PCR)
plasmática. Objetivo:
Descrever como um programa de exercício físico melhorou as variáveis
metabólicas de uma mulher em uso de contraceptivo oral combinado (COC). Material e métodos: Estudo de caso,
voluntária sedentária, 24 anos, obesa. Diagnóstico de ovário policístico e
hipotireoidismo subclínico. A paciente realizou
coleta de sangue para dosagem laboratorial das variáveis: angiotensina 2, renina, enzima conversora de angiotensina (ECA),
glicemia, hemoglobina glicada, HDL, LDL-oxidada,
colesterol total, triglicerídeos, PCR e Hormônio Tireoestimulante
(TSH). A voluntária passou por três meses de manutenção dos hábitos de vida,
entretanto, sem o uso do COC. Na etapa seguinte, a voluntária foi orientada a
retomar o uso do COC, agora sendo adicionado um programa de treinamento, após o
qual foram reavaliadas as mesmas variáveis. Resultados:
Além da melhora do perfil lipídico e inflamatório, observamos que houve redução
nos níveis de TSH sanguíneo. Conclusão:
O programa de exercício físico aplicado neste estudo foi capaz de melhorar o
perfil lipídico, inflamatório e reduzir a massa corporal da amostra.
Palavras-chave: anticoncepcionais;
inflamação; exercício.
Abstract
Introduction: Pills are the most widely used contraceptive method in the world,
hence the importance of studying the possible side effects triggered by their
prolonged use. Despite the contraceptive benefit, for 30 years, associations
have been suggested that such method may have changes in lipid profile and
increase in plasma C-reactive protein (CRP). Objective: To describe how a physical exercise program improved the
metabolic variables of a woman using COC. Methods:
Case study, voluntary sedentary, 24 years old, obese. Diagnosis
of polycystic ovarian and subclinical hypothyroidism. The patient
underwent blood collection for the laboratory dosage of angiotensin 2, renin,
angiotensin converting enzyme (ACE), glycemia, glycated hemoglobin, HDL, LDL-oxidized, total cholesterol,
triglycerides, PCR and thyroid stimulating hormone (TSH). The volunteer
underwent three months of maintenance of life habits, however, without the use
of COC. In the next step, the volunteer was instructed to resume the use of
COC, now a training program was added, after which the same variables were
reassessed. Results: In addition to
the improvement of the lipid and inflammatory profile, we observed a reduction
in blood TSH levels. Conclusion: The
physical exercise program applied in this study was able to improve the lipid
profile, inflammatory and reduce the body mass of the sample.
Key-words:
contraceptives; inflammation; exercise.
As pílulas são o
método contraceptivo mais utilizado no mundo, daí a importância de estudar os
possíveis efeitos colaterais desencadeados pelo seu uso prolongado. Apesar do
benefício contraceptivo, há 30 anos vêm sendo sugeridas associações que tal
método pode ter com alterações do perfil lipídico e aumento da proteína C-reativa (PCR)
plasmática [1]. Dentre as alterações no perfil lipídico, podemos
destacar aumento nos níveis de triglicerídeos, colesterol total, lipoproteínas
de alta densidade (HDL), lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e lipoproteínas
de muito baixa densidade (VLDL) [2]. Tanto o aumento da PCR quanto as
alterações do perfil lipídico são fatores que promovem o desenvolvimento de
doenças cardiovasculares [3,1].
Na contramão dos
efeitos do contraceptivo oral combinado (COC) está o exercício físico. Estudo
realizado por Cichocki et al. [4], com 1004 indivíduos, ressalta o menor risco do
desenvolvimento de doença cardiovascular em indivíduos que praticam atividade
física, quando comparados a indivíduos que não praticam, considerando uma
retrospectiva de 10 anos [4]. Mais especificamente com a população de mulheres
que utilizam COC Petto et al. [3] apontaram num estudo
observacional que mulheres ativas em uso de COC apresentam LDL, TG e PCR menor
do que mulheres sedentárias em uso COC.
No entanto, apesar
dessas evidências, faltam estudos que analisam a relação causa efeito do
exercício sobre o perfil lipídico e inflamatório dessa população. Portanto, o
objetivo deste trabalho é descrever como um programa de exercício físico
melhorou as variáveis metabólicas de uma mulher em uso de COC.
Estudo de caso, cuja
voluntária se encontrava com 24 anos no momento da avaliação, classificada como
sedentária segundo o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), com
índice de massa corpórea (IMC) de 32 kg/m² em uso regular de COC (20 mcg etnilestradiol + 75 mcg gestodeno) há 6 anos. Diagnóstico de ovário policístico e hipotireoidismo subclínico. Procurou a clínica de cardiologia para
realização de exames de rotina.
No exame físico a
mensuração da pressão arterial (PA) foi feita com aparelhos BD, sendo esfigmomanômetro para adulto médio (calibrado pelo Inmetro)
e estetoscópio duo-sonic.
A massa corpórea foi obtida pela balança Fiziola (±
100 g) certificada pelo INMETRO já a estatura foi medida pelo estadiômetro profissional Samy (±
0,1 cm). A circunferência abdominal foi obtida por fita métrica flexível da
marca Starret (± 0,1 cm), na menor curvatura entre as
costelas e crista ilíaca. O índice de massa corporal (IMC) foi obtido de acordo
com o cálculo simples aceito pela Organização Mundial de Saúde: massa corporal
em kg, dividido pela altura em metros ao quadrado (Equação de Quetelet).
Após a avaliação
clínica foi solicitado a paciente que realizasse coleta de sangue para dosagem
laboratorial das seguintes variáveis: angiotensina 2,
renina, enzima conversora de angiotensina (ECA), glicemia, hemoglobina glicada, HDL, LDL-oxidada, colesterol total,
triglicerídeos, PCR e Hormônio Tireoestimulante
(TSH).
A PCR foi mensurada
pelo método de nefelometria com soro plasmático e
precisão de 0,1 mg/L. Os valores da glicemia, dos
triglicerídeos, colesterol total e HDL foram obtidos pelo método enzimático
colorimétrico Trinder. Já os valores da LDL e VLDL foram
calculados pela equação de Friedewald.
Após o momento
inicial, foi verificado que a paciente apresentava tanto o perfil lipídico
quanto o inflamatório alterados. Foi solicitado a paciente então que mantivesse
por três meses os hábitos de vida (não modificar sua dieta e suas atividades de
vida diárias), entretanto, sem o uso do COC. Após esse período foi feita nova
coleta das variáveis acima descritas para que se pudesse verificar se três
meses sem o uso do COC já eram suficientes para modificar as variáveis
analisadas na voluntária, como descrito na literatura [6], mesmo após seis anos
de uso contínuo.
Na terceira etapa, a
voluntária foi orientada a retomar o uso do COC, agora sendo adicionado um
programa de treinamento físico supervisionado. Tal treinamento consistia em
esteira ergométrica quatro vezes por semana durante três meses por 30 minutos
em intensidade de leve a moderada. Realizado também exercícios neuromusculares
para membros superiores e inferiores, executados em 3
séries de 15 repetições. O programa de exercícios físicos foi desenvolvido no
laboratório de fisiologia do exercício da Faculdade Social da Bahia. Após tais
procedimentos foram reavaliadas as mesmas variáveis.
A Tabela I mostra os
valores de todas as variáveis avaliadas nos três momentos de coleta do estudo.
Observamos melhora tanto do perfil lipídico, glicêmico como inflamatório (PCR)
no período sem COC e no período com COC e exercício em relação ao momento
inicial.
Tabela
I - Variáveis metabólicas e antropométricas
avaliadas em três momentos diferentes: com e sem uso de COC e um terceiro
momento com uso de COC associado a um programa de exercício
COC = Período em uso
de contraceptivo oral combinado (seis anos); SCOC = Período sem uso de
contraceptivo oral combinado; COC+EF = Retorno ao uso de contraceptivo oral
combinado associado à prática de exercício físico. Os períodos sem COC e COC
mais exercício tiveram duração de três meses
Atualmente os efeitos
deletérios do uso de COC têm sido bastante estudados [1,2,3,5],
entretanto, ainda não está sedimentado se o uso associado à prática regular de
exercício físico atenua ou reverte tais efeitos. Embora haja estudos
observacionais nesse sentido, não está estabelecida uma relação de causa e
efeito. No presente estudo foi constatado que, para a voluntária, a suspensão
e, ainda mais, a associação com exercício contribuíram para a melhora das
variáveis metabólicas avaliadas. Isso levanta a hipótese de que a prática de
exercício físico pode ser uma boa alternativa para melhorar o perfil lipídico e
inflamatório de mulheres em uso de COC.
Neste estudo, a PCR
mostrou importante redução na interrupção do COC, e redução ainda maior na
associação do uso de COC somado ao programa de exercício. Tal verificação é
digna de atenção, pois, a PCR vem sendo apontada como um dos principais
marcadores de inflamação arterial [5]. Outro dado importante encontrado, foi a redução do IMC que, apesar de suas limitações, é aceito
mundialmente como preditor de risco independente de
doenças cardíacas e metabólicas. Do início para o fim do estudo, a voluntária
migrou do estado de obesidade grau um, passou por sobrepeso na reavaliação do
terceiro mês, e concluiu o estudo como eutrófica.
Os principais mecanismos
da melhora do quadro de inflamação subclínica e aterogênese
são as mudanças funcionais positivas com relação à LDL. Esta tem seu potencial
antioxidante aumentado com o aumento do consumo de oxigênio, assim como a
função da HDL também é melhorada. Com a maior utilização dos
triglicérides durante o exercício, aumentam os níveis dessa lipoproteína
na corrente sanguínea, além de aumento na produção endotelial de óxido nítrico
[6].
A
HDL possui ação
inibidora da inflamação endotelial, da
oxidação do LDL, coagulação e
agregação plaquetária [7]. Enquanto a LDL possui uma melhora
funcional ainda não bem definida. Sugere-se que ela pode ser condicionada a um
comportamento similar ao da HDL, transportando o colesterol circulante para o
fígado, onde pode ser utilizado para compor a bile. De forma sinérgica com tal
corrente, sabe-se que o exercício resistido aumenta a capacidade de
metabolização de gorduras por aumentar a demanda basal de energia [8]. Durante
o exercício prolongado, aproximadamente 50% do volume máximo de consumo de
oxigênio (VO2máx), verifica-se aumento do fluxo
sanguíneo ao tecido adiposo. Esta resposta fisiológica estimula uma cascata
enzimática de dissociação dos triglicerídeos e a consequente liberação de seus
subprodutos (ácidos graxos e glicerol) na corrente sanguínea. A oxidação de
ácidos graxos nas mitocôndrias pode nutrir até 80% da demanda energética em tal
intensidade.
Além da melhora do
perfil lipídico e inflamatório, observamos que houve redução nos níveis de TSH
sanguíneo que, quanto mais altos, representam indiretamente o baixo nível
plasmático dos hormônios tireoideanos: triiodotironina (T3) e tiroxina (T4), responsáveis pela
regulação do metabolismo e síntese proteica no interior das células, podendo
sua baixa expressão estar relacionada também ao
desequilíbrio no metabolismo lipídico. Embora ainda de forma não bem
esclarecida na literatura, o exercício físico pode estar relacionado à
diminuição da secreção de TSH, considerando que no momento da segunda avaliação
observou-se uma queda de 53% da medida anterior deste hormônio, dado que
continuou em declínio com a retomada do uso de COC associado ao protocolo de
treinamento deste estudo. Isto sugere que o exercício aumenta a atividade dos
receptores de T3 e T4 nos tecidos, o que promove a diminuição do TSH.
Quanto ao treinamento
resistido, em intensidades acima de 60% do VO2máx,
verificam-se adaptações sistêmicas que corroboram a melhora do metabolismo
lipídico, a saber: aumento da densidade capilar e mitocondrial, aumento das
enzimas envolvidas na lipólise, estimulada pela ligação das catecolaminas e
glucagon à membrana da célula adiposa, aumento das enzimas envolvidas na
beta-oxidação dos ácidos graxos, além do já citado aumento da taxa metabólica
basal pelo ganho de massa muscular que, na boa oferta de oxigênio, será suprida
em grande parte pela oxidação de gorduras.
A cada nova janela de
investigação científica, o exercício físico tem seus efeitos positivos
evidenciados sobre alguma variável ou morbidade, de forma aguda e/ou crônica,
apesar disso os hábitos da população são crescentemente sedentários, mostrando
uma necessidade emergente de intervir culturalmente na sociedade com o objetivo
de modificar o paradigma de predominância das mortes por eventos cardiovasculares
associados aos maus hábitos.
Neste estudo um
programa de exercício físico foi capaz de melhorar o perfil lipídico,
inflamatório e reduzir a massa corporal de uma mulher em uso de contraceptivo
oral combinado. Isso sugere que o exercício físico pode ser uma intervenção
viável para diminuir o risco cardiovascular dessa população.