Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(1):60-63
doi: 10.33233/rbfe.v17i1.2369REVISÃO
Conceitos
gerais e fatores determinantes para respostas hipertróficas na musculatura
esquelética induzidas pelo treinamento de força muscular – uma revisão
narrativa
General concepts and hypertrophic responses determining factors in
skeletal muscle induced by muscle strength training - a narrative review
Henrique Stelzer Nogueira, Esp.*
*Aluno
de Mestrado Acadêmico em Engenharia Mecânica (Biomateriais
e Engenharia Biomédica) – IFSP
Recebido em 30 de
novembro de 2017; aceito em 18 de dezembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Henrique Stelzer Nogueira, Rua Segeren,
31 B Imigrantes 13825-000 Holambra SP, E-mail: stelzer.h@hotmail.com
Resumo
A hipertrofia
muscular esquelética é uma adaptação morfofisiológica dependente de balanço
proteico que é influenciado por processos bioquímicos/moleculares
complexos. O treinamento físico, especialmente o de força muscular, é uma forma
de estimular estes processos. Existe uma prática tanto empírica-leiga
quanto acadêmica de tentar hierarquizar métodos de treinos de força muscular,
como se proporcionassem graus diferentes de estímulos para hipertrofia muscular
esquelética, porém ao observar estudos publicados que envolvem comparações
entre métodos de treino de força muscular, não é possível identificar estas
diferenças que pudessem balizar os métodos como sendo de iniciantes,
intermediários e avançados, ou que proporcionem diferentes níveis de
hipertrofia muscular esquelética.
Palavras-chave: crescimento celular; hipertrofia muscular esquelética; musculação.
Abstract
Skeletal muscle hypertrophy is a protein balance dependent morphophysiological adaptation that is influenced by
complex biochemical/molecular processes. Physical training, especially muscle
strength, is one way to stimulate these processes. There is both empirical-lay
and academic practice of attempting to rank muscle strength training methods as
if they provided different degrees of stimuli for skeletal muscle hypertrophy,
but in observing published studies involving comparisons of muscle strength
training methods, it is not possible to identify these differences that could
be used to characterize the methods as beginner, intermediate and advanced, or
to provide different levels of skeletal muscle hypertrophy.
Keywords: cellular
growth; skeletal muscle hypertrophy; strength training.
Processos
bioquímicos e moleculares para indução de hipertrofia muscular esquelética
O processo de
hipertrofia muscular envolve o balanço proteico que é influenciado por
sinalizações intracelulares, que em geral envolvem hormônios, que podem
realizar ações que resultem em síntese ou degradação proteica, e assim
influenciar a modulação morfofisiológica de hipertrofia muscular esquelética
[1].
Schoenfeld [2] explica que
existem duas formas de hipertrofia muscular esquelética, sendo: 1) miofibrilar, com adição de sarcômeros
e miofibrilas em paralelo, o que gera aumento da área
seccional transversa e 2) sarcoplasmática, com adição de sarcômeros
em série, o que gera aumento no prolongamento do músculo.
Os eventos conhecidos
para que se resulte em hipertrofia muscular esquelética, são descritos a seguir
a fim de permitir uma discussão sobre propostas de métodos de treino que
poderiam ser mais ou menos eficazes para finalidade desta adaptação
morfofisiológica.
Inicialmente,
hormônios secretados após um determinado estímulo (como após uma sessão de
treino) se conectam em seus receptores das células musculares, e assim iniciam
um processo de sinalizações intracelulares, sendo os principais hormônios
envolvidos neste processo o insulin-like growth factor-1 (IGF-1), a sua variante IGF-1Ec,
conhecida como mechano growth factor (MGF), a testosterona, o growth hormone (GH) e algumas citocinas, em especial a interleucina-6 (IL-6) [1-3].
O GH tem a ação
imediata de estimular a síntese de IGF-1 [4]. O IGF-1 se liga em seu receptor
(IGF-1R), que gera sítio de ligação para o substrato receptor de insulina
(IRS), que por sua vez ativa a enzima phosphatidylinositol-3-kinase (PI3K), que
então ativa os fosfolipídios de membrana, o que forma a phosphoinositide-3,4,5-triphosphate (PIP3),
que age como local de ancoragem para duas enzimas (Akt
e a PDK-1 – phosphatidylinositol kinase-1), que então resulta na
ativação da Akt, que por sua vez ativa a mammalian target of rapamycin (mTOR) que ativa a proteína ribossômica p70S6K, e então estimula
o ribossomo a sintetizar proteínas [1-3].
Esta mesma via de
crescimento celular (PI3K/Akt/mTOR) em conjunto com a MAPK e com a via calcineurina ativam as células-satélite, que são
células-tronco miogênicas, as quais são responsáveis pela fusão muscular de
proteínas sintetizadas, assim como na criação de núcleos adicionais, o que
resulta na hipertrofia muscular esquelética [1-3].
Existe um aspecto
temporal para que cada etapa deste processo ocorra para geração de hipertrofia.
Imediatamente após uma sessão de treino, ocorre um pico de secreção de GH e
outros hormônios anabólicos, com posterior queda em alguns minutos, depois
ocorre um aumento na ativação da proteína p70S6K, com duração em média 12
horas, que faz com que haja um aumento na síntese proteica por até 48 horas e
concomitantemente ocorre ativação de células-satélite que dura em média 72
horas após a sessão de treino [3].
O exercício físico é
uma ferramenta de estímulo para o crescimento muscular [1] e estes processos
para síntese de proteínas e indução de hipertrofia muscular esquelética são
muito sensíveis ao treinamento de força, em decorrência da tensão muscular,
danos musculares e estresse metabólico [2], porém até o treinamento aeróbio
parece ativar a via PI3K/Akt/mTOR e então permitir síntese de proteínas, o que
também poderia favorecer a hipertrofia muscular esquelética [5].
A secreção dos
hormônios anabólicos citados após uma sessão de treino, não acontece de forma
aleatória ou espontânea, mas sim em decorrência de estímulos, e atualmente
sabe-se que o lactato aumentado após uma sessão de treino, é um marcador de
hipóxia tecidual, e está correlacionado com aumento na secreção destes
hormônios anabólicos [2].
Um estudo clássico de
Kraemer et al. [6], ao
submeter indivíduos a uma sessão de treino de força, dividindo os grupos quanto
às características da sessão de treino (objetivos da sessão, séries, repetições
e tempo de intervalado entre as séries), demonstrou correlação entre os níveis
de lactato pós-treino e a secreção de GH.
Com a finalidade de
aprofundar mais sobre esta correlação, Salgueiro e colaboradores [4] injetaram
doses de lactato em ratos e verificaram que esta intervenção resultou em
aumentos de GH e IGF-1 no sangue dos animais, o que sugere que o lactato isoladamente
é capaz de estimular a secreção de hormônios anabólicos, responsáveis pelo
início dos processos bioquímicos acima descritos, para indução de hipertrofia
muscular esquelética.
Desta forma, diversos
processos bioquímicos e moleculares envolvem diversos elementos que servem de
marcadores para estimar níveis de estímulo para indução de hipertrofia muscular
esquelética em decorrência do treinamento de força muscular.
Métodos
de treino de força muscular para indução de hipertrofia muscular esquelética
Na obra de Stoppani [7], existe uma escala sobre uma relação entre
número de repetições e a adaptação ao treino (força máxima,
hipertrofia muscular esquelética, resistência muscular e definição
muscular).
Para o objetivo de hipertrofia muscular esquelética, o American College of Sports Medicine (ACSM) recomenda para iniciantes e
praticantes intermediários, a utilização de carga externa entre 70 e 85% de uma
repetição máxima (% de 1RM), entre uma e três séries de cada exercício, para
uma faixa de execução de 8 a 12 repetições, com descanso entre um e dois
minutos entre as séries. Já para praticantes avançados, a ACSM recomenda
utilização de carga externa entre 70 e 100% de 1RM, entre três e seis séries de
cada exercício, para uma faixa de execução de uma a 12 repetições, com ênfase
entre seis e 12 repetições e com descanso variado conforme o foco específico,
sendo isso realizado em uma periodização própria para estas variações [8].
Ainda segundo Stoppani [7], existe uma alta diversificação de métodos de
treino de força muscular com o objetivo de hipertrofia muscular esquelética,
com sugestões de variações de treinos como: pirâmide crescente, pirâmide
decrescente, bi-set,
tri-set, drop-set,
entre outros métodos de treino tidos como avançados.
Outros métodos de
treino de força muscular que objetivam a hipertrofia muscular esquelética, que
são considerados avançados são o GVT, FST-7, rest-pause,
SST e treino com oclusão vascular adaptada [9].
Interessante dizer
que estudos revisados na obra de Fleck e Kraemer [10] demonstram que diversos métodos de treinamento
atingiram objetivos em comum (hipertrofia e força máxima), e alguns estudos
envolvendo os processos bioquímicos e moleculares e até mesmo respostas
hipertróficas ou de composição corporal são apresentados a seguir, para
discutir esta hierarquização sobre métodos de treino de força para indução de
hipertrofia muscular esquelética.
Em um estudo, Gentil et al. [11] analisaram os efeitos agudos
de vários métodos de treinamento de força no lactato sanguíneo e as
características de cargas em homens treinados sem finalidade competitiva. Os
métodos testados foram com protocolos de 10RM, 6RM, séries descendentes,
repetições forçadas, isometria funcional, oclusão vascular adaptada e super lento.
Os resultados evidenciaram que todos os métodos produziram aumentos
significativos de lactato, sem diferenças entre eles.
O estudo de Mitchell et al. [12] compararam treinos com valores
de % de 1RM diferentes (30 e 80%) e encontraram resultados idênticos para a
ativação da mTOR, o que sugere que a síntese de
proteínas pode também acontecer de forma similar, independente do % de 1RM.
Ogasawara et al. [13] compararam o exercício “supino reto” realizado em duas
condições diferentes, no primeiro momento realizaram seis semanas de
treinamento, com frequência de três vezes por semana, com três séries de 10
repetições, com 75% de 1RM e com três minutos de intervalo entre as séries,
após este período de seis semanas de treinamento, foram submetidos ao “destreinamento” por 12 meses e após isso foram submetidos a
mais seis semanas de treinamento, com frequência semanal de três vezes por
semana, com quatro séries até a falha voluntária, com 30% de 1RM e com três
minutos entre as séries. Os resultados demonstraram ganhos de hipertrofia
muscular de forma similar entre os dois protocolos de treinamento de força.
Já em um estudo para
comparar um método de treino “avançado” com características aproximadas do
método “drop-set” (conforme descrito a seguir), com
um método de treino “iniciante”, Fisher, Carlson e Steele [14], os participantes foram separados em três
grupos sendo: grupo “breakdown”
em que os participantes realizavam de oito a 12 repetições, diminuíam
cerca de 30% da carga e continuavam o exercício até a falha, para então
descansar para a série seguinte; grupo “heavy-load breakdown” em que os
participantes realizavam aproximadamente quatro repetições, diminuíam cerca de
20% da carga, continuavam o exercício até a falha e então diminuíam novamente
cerca de 20% da carga e realizavam o exercício até a falha, para então
descansar para a série seguinte; grupo “controle” em que os sujeitos realizaram
as séries de forma convencional de oito a 12 repetições sem a redução de carga para
continuação das repetições da série, como nos outros dois grupos. Após 12
semanas, os resultados demonstraram não haver diferenças significativas entre
os grupos quanto à melhora na composição corporal (ganho de massa muscular e
redução de gordura).
Recentemente em uma
revisão de Camargo et al. [17] os autores se propuseram a
verificar se o treinamento com oclusão vascular ofereceria vantagens nos ganhos
de hipertrofia muscular esquelética em uma comparação com o não uso desta
técnica, e os estudos utilizados nesta revisão não demonstraram diferenças
significativas nas comparações que envolvem os parâmetros aqui discutidos (n =
7).
Sobre outros métodos
de treino, principalmente tidos como avançados, carecem de estudos que de
alguma forma comprovem a hierarquização de respostas hipertróficas [7,9], o que
problematiza algumas práticas e discussões com afirmações convictas, porém sem
um amplo respaldo científico.
Nota-se que a
hipertrofia muscular esquelética não é sensível ao método de treino
selecionado, mas talvez seja relacionada à carga de treino (relação carga
externa x carga interna) e outros fatores que não o método de treino de força
muscular em si.