Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(1):80-85
ARTIGO
ORIGINAL
Perfil
de praticantes de treinamento funcional de Campo Grande/MS
Functional training practitioners’s profile of
Campo Grande/MS
Gildiney Penaves
de Alencar*, José Luiz de Oliveira Marin**, Leonardo Emmanuel Medeiros Lima***,
Cauê Vazquez La Scala Teixeira****
*Professor
de Educação Física (SESC/MS), Professor Tutor Presencial (UNOPAR CG),
Supervisor de estágio em Educação Física (SESC/MS), **Acadêmico do curso de
Educação Física da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB/MS), Estagiário na
Academia FM TRAINNER e Academia do Círculo Militar de Campo Grande/MS,
***Docente na Universidade Anhembi Morumbi no curso de Educação Física, Grupo
de Pesquisa em Performance Humana da Universidade
Anhembi Morumbi, ****Docente do curso de Educação Física da Faculdade Praia
Grande, Praia Grande SP, Aluno de Doutorado no programa de pós-graduação
interdisciplinar em Ciências da Saúde, Santos/SP
Recebido em 19 de
março de 2018; aceito em 24 de abril de 2018.
Endereço
para correspondência:
Gildiney Penaves de
Alencar, Rua Major Giovani Francisco Nadalin, 470
Bairro Oscar Salazar 79017-532 Campo Grande MS, E-mail: gildiney.gpa@gmail.com,
Leonardo Emmanuel Medeiros Lima: leonardolimadocente@gmail.com; Cauê Vazquez La Scala Teixeira: contato@caueteixeira.com.br
Resumo
O treinamento
funcional é um conceito de treinamento que tem crescido em popularidade, porém
são escassos estudos analisando o perfil do público praticante. O objetivo
deste estudo foi verificar o perfil de praticantes de treinamento funcional na
cidade de Campo Grande/MS. Trata-se de uma pesquisa descritiva e de corte
transversal. Participaram do estudo 114 pessoas, sendo 24 homens e 90 mulheres
com idade variando entre 14 e 65 anos (34,0 ± 11,9), todos praticantes de
treinamento funcional na referida cidade. Para a coleta dos dados foi utilizado
questionário semiestruturado online contendo 17 questões. Pode-se observar que
98,25% dos entrevistados não fumavam. Dos 114 sujeitos, 79,82% eram totalmente
saudáveis e 20,18% relataram pelo menos algum tipo de restrição médica. Quanto
ao tempo de prática, a maioria deles treinava em torno de 1 a 6 meses (45,61%)
com frequência semanal de 3 dias (35,97%). Em relação
ao local, o mais utilizado era a academia (75,44%) seguida dos parques
(15,49%). Dentre os motivos e objetivos, os que mais apareceram foram saúde com
80,70% das respostas, estética com 54,39% e lazer com 20,18%. Embora a maioria
dos praticantes de treinamento funcional sejam mulheres, saudáveis, com
objetivos relacionados à promoção de saúde e com perfil motivacional elevado,
há uma grande heterogeneidade quanto à idade, tempo de prática na modalidade,
prática de outras modalidades complementares, além da presença de sujeitos com
certas patologias. Esses dados, além de auxiliarem os treinadores no
desenvolvimento de programas mais específicos, podem servir como incentivo ao
desenvolvimento de pesquisas com perfis específicos de público, no intuito de
melhor elucidar os efeitos do treinamento funcional nessas populações.
Palavras-chave: exercício;
exercícios em circuitos; educação física e treinamento.
Abstract
Functional training is a training concept increasing in popularity, but
there are few studies analyzing the profile of the practicing public. The
objective of this research was to verify the profile of practitioners of
functional training in the city of Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, Brazil. This
is a descriptive and cross-sectional study. A total of 114 people participated
in the study, 24 men and 90 women, ranging from 14 to 65 years (34.0 ± 11.9),
all practicing functional training in the city. For data collection, a
semi-structured online questionnaire containing 17 questions was used. It can
be observed that 98.25% of the interviewees did not smoke and only 17.5% were
smokers. Of the 114 subjects, 79.82% were totally healthy and 20.18% reported
at least some type of medical restriction. Most of them trained around 1 to 6
months (45.61%) 3 times a week (35.97%). In relation to the place, the most
used is the gym (75.44%) followed by the parks (15.49%). Among the reasons and
objectives, the ones that appeared the most were health with 80.70% of the
answers, aesthetics with 54.39% and leisure with 20.18%. Although the majority
of functional training practitioners are women, healthy, with health promotion
objectives and with a high motivational profile, there is a great heterogeneity
regarding age, time of practice in the modality, practice of other
complementary modalities, besides the presence of subjects with certain
pathologies. These data can help the coaches in the development of more
specific programs and serve as incentive to the development of studies with
specific profiles of public, in order to better elucidate the effects of the
functional training in these populations.
Keywords: physical
exercise; circuit-based exercise; physical education and training.
A prática de
atividade física é fator determinante para a saúde da população em geral, seja
pelo aumento da aptidão física ou pela prevenção/tratamento primário ou
secundário de doenças crônicas. Neste sentido, uma modalidade que vem crescendo
em popularidade no segmento fitness, baseada no conceito de aprimoramento da
funcionalidade corporal é o Treinamento Funcional (TF) [1].
O TF teve sua origem
com os profissionais da Fisioterapia e da Reabilitação, quando simulavam,
através de exercícios, os movimentos que os pacientes realizavam em casa ou no
trabalho, no intuito de possibilitar um rápido retorno às suas funções após uma
cirurgia ou lesão e, com os sucessos obtidos, os profissionais que atuam no
desempenho físico e condicionamento geral passaram a utilizar desta metodologia
[2,3].
Monteiro e
Evangelista [2,3] relatam que o TF diz respeito a um conjunto de exercícios
realizados com o objetivo de trabalhar as habilidades utilizadas pelo
praticante em seu cotidiano e as sessões de treinamento se baseiam na
realização de movimentos integrados e multiplanares,
aplicando também movimentos similares aos do dia a dia, implicando aceleração,
estabilização e desaceleração, com o intuito de melhorar a habilidade do
movimento, aumentar o nível de força na região do tronco (core) e aperfeiçoar a
eficiência neuromuscular [3,4].
La Scala Teixeira et al. [5] apresentaram uma definição
complementar de TF, baseado na forma como vem sendo aplicado em pesquisas.
Segundo os autores, o conceito de TF está associado ao aprimoramento sinérgico,
integrado e equilibrado de diferentes capacidades físicas, no intuito de
promover autonomia, eficiência e segurança para a execução de tarefas
cotidianas, laborais e/ou esportivas. Para isso, a proposta do TF preconiza a
utilização de exercícios de força, porém não somente focando o desenvolvimento
isolado da força, mas também da coordenação motora, do equilíbrio, da potência,
da agilidade, entre outras capacidades.
Em relação ao público
atendido e benefícios que este tipo de treinamento pode proporcionar, existem
relatos na literatura de utilização do TF por população heterogênea [6-10] e os
resultados das intervenções sugerem melhora na capacidade como força, potência,
resistência, coordenação motora, agilidade, flexibilidade, estabilidade do core,
além da melhora na composição corporal.
Porém, embora as
pesquisas tenham mostrado heterogeneidade de público e de benefícios, são
escassos estudos analisando o perfil da população que procura intervenções
baseadas no conceito de TF. Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi
verificar o perfil dos praticantes de TF na cidade de Campo Grande, Mato Grosso
do Sul.
A presente pesquisa é
descritiva com caráter de corte transversal [11]. Participaram do estudo 114
pessoas, praticantes de treinamento funcional em vários locais da cidade de
Campo Grande, Mato Grosso do Sul, sendo 24 homens (21,05%) e 90 mulheres (78,95%),
com idade variando entre 14 e 65 anos (34,0 ± 11,9). Como critério de inclusão,
os sujeitos deveriam estar praticando a modalidade no momento da entrevista.
Para a coleta dos
dados foi utilizado um questionário semiestruturado, elaborado pelos próprios
autores, contendo 17 questões. O instrumento foi disponibilizado online pela
Plataforma Google Formulários através de e-mail e redes sociais, mantendo-se
aberto a resposta no período de janeiro a agosto de 2017. No questionário, os
participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e assinaram termo
de consentimento livre e esclarecido, conforme preconiza a resolução n° 466/2012
do Ministério da Saúde [12].
Os testes estatísticos
foram realizados por meio do programa Graphpad Prism 6.0 e os resultados expressos em distribuição
percentual e absoluta.
De acordo com as
análises, observou-se que 98,25% (n = 112) dos entrevistados não fumavam e
somente 1,75% (n = 2) eram tabagistas. Buscou-se também avaliar a presença de
algum tipo de doença e observou-se que 79,82% (n = 91) não relataram doenças,
enquanto 20,18% (n = 23) informaram pelo menos alguma doença ou restrição
médica.
Percebe-se que,
dentre os 23 indivíduos que possuem algum tipo de doença, 10 deles apresentaram
doença cardiovascular ou hipertensão arterial, representando 10,53% do total de
114 indivíduos.
Quando analisados os
dados sobre o tempo de prática do TF, constata-se que a maioria deles (n = 52)
treinava em torno de 1 a 6 meses (45,61%) seguidos de 33 pessoas (28,95%) que
praticavam de 1 a 2 anos, com frequência semanal bastante variável, e 41
indivíduos (35,97%) apresentavam uma frequência de treino semanal de três dias
e 26 (22,81%) praticavam cinco dias na semana.
Em relação ao local
de treinamento, verifica-se que o mais utilizado pelos participantes era a
academia, com 87 indivíduos (75,44%), seguidos de 18 pessoas que praticavam o
TF nos parques de Campo Grande (15,49%).
Dentre os motivos e
objetivos com a prática do TF, nota-se que muitos praticantes assinalaram uma
ou mais repostas, sendo os que mais apareceram foram saúde, com 92 respostas
(80,70%), estética com 62 participações (54,39%) e lazer com 23 respostas
(20,18%).
Neste estudo, além de
avaliar os aspectos envolventes na prática do TF, buscou-se avaliar também se
os participantes têm alguma experiência com outras modalidades de exercício
físico e constatou-se que 78 entrevistados (68,42%) praticam outro tipo de
exercício físico além do TF e 36 pessoas (31,58%) não têm nenhuma outra
prática. Dos 78 indivíduos que praticavam outra modalidade, verificou-se que 34
(43,59%) fazem musculação, 33 (42,31%) praticavam corrida e os demais
praticavam atividades variadas, como a zumba, natação e ciclismo.
Os participantes
também foram indagados quanto ao nível de motivação para a prática do TF e de
outras modalidades que praticam em paralelo ou que já praticaram, e
constatou-se que no TF eles têm mais motivação, como apresentado na tabela a
seguir:
Tabela
I - Nível de motivação para o treinamento
funcional e outras modalidades
Fonte: Dados da
pesquisa
Em relação à
satisfação dos resultados obtidos com a prática do TF, 94 pessoas relataram que
estavam satisfeitas (82,46%), 16 satisfeitas em partes (14,04%) e somente
quatro não estavam satisfeitas (3,51%). Para os indivíduos que responderam não
estarem satisfeitos (n = 4) ou satisfeitos em partes (n = 16), foi questionado
o motivo pelo qual ele não está satisfeito plenamente e as respostas que
apareceram não atribuíram os motivos diretamente ao TF, mas sim às questões
pessoais como “não consigo ir com
frequência” (Participante 35), “pouco
tempo de prática” (Participantes 70 e 102) e “problemas com o metabolismo”
(Participante 42).
Levando em
consideração a importância que a orientação profissional tem na prática das
atividades e exercícios físicos em geral, o questionário foi finalizado com a
uma indagação se os participantes recebiam orientação de um Profissional de
Educação Física para realizar as sessões de TF e 111 indivíduos (97,37%)
relataram que recebiam orientação e apenas três (2,63%) não realizavam as
sessões sob supervisão de um profissional habilitado.
Considerando a grande
popularização do TF vivenciada na última década e a escassez de estudos
analisando o perfil do público que procura essa forma de treinamento como
modalidade primária ou secundária de exercício físico, nosso objetivo foi
analisar o perfil de praticantes de treinamento funcional da cidade de Campo
Grande/MS. Percebeu-se grande heterogeneidade de público, representada,
principalmente, pela grande variação na idade. Verificou-se também uma maior
participação de mulheres. O estudo de Jardim e Fundão [13] observou resultados
semelhantes aos do presente, no qual as idades encontradas variaram entre 18 e
48 e 60% dos participantes eram mulheres. Com relação à ampla faixa etária, a
literatura científica apresenta resultados interessantes relacionados à
aplicação do TF em adultos jovens [9] e idosos [14], o que serve como respaldo
e incentivo para escolha dessa forma de treinamento por população variada.
Quanto à maior participação feminina, talvez as características como atividade
em grupo, variações constantes e maior dinamismo possam explicar o potencial do
TF em atrair esse público, considerando que mulheres parecem ser mais sensíveis
à monotonia do treinamento.
Corroborando esses
resultados, a motivação se mostrou maior na prática do TF em relação às outras
modalidades que os participantes realizam ou realizavam anteriormente ao
estudo, isto, provavelmente, devido às variações empregadas nas sessões e os
diferentes estímulos presentes nas sessões de TF [5,15].
No que se refere à
restrição médica ou problemas de saúde, aproximadamente 20% dos entrevistados
relataram alguma condição específica. Na pesquisa realizada por Costa e Dorst [16], quando os 26 indivíduos praticantes da
modalidade Cross Fit (modalidade que utiliza movimentos funcionais) foram
indagados quanto à restrição médica, percebeu-se que 24 afirmaram não terem
nenhuma restrição e dois não souberam responder, diferentemente de nosso
estudo. Ainda, o TF tem mostrado resultados interessantes sobre diversos
parâmetros de saúde, incluindo perfil lipídico sanguíneo [17] e pressão
arterial [18].
Os motivos e
objetivos que levam as pessoas a procurarem o TF são bastante parecidos com os
encontrados nos estudos de Jardim e Fundão [13], Santos [19] e Marin e Silva
[20], nos quais a saúde aparece em posição de destaque. Como já mencionado
anteriormente, diversos estudos prévios mostram que o TF apresenta eficácia em
contemplar benefícios à saúde geral [21], apresentando-se como mais uma opção
de treinamento físico para pessoas com objetivos de promoção/manutenção da
saúde.
Quanto ao tempo de
prática e frequência semanal, encontramos resultados muito parecidos com a
pesquisa realizada em Camburi, Espírito Santo [13],
onde “os alunos praticam três vezes por semana”, de acordo com o sugerido pelo
Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM) [22], com o tempo de prática
variando entre poucos meses e alguns anos, mostrando que esta não é apenas uma
realidade de Campo Grande/MS.
As academias se
mostraram como locais em que os indivíduos avaliados mais praticam o TF, fato
que possivelmente se explique pela segurança proporcionada por esses ambientes
[23]. Curiosamente, Thompson [1] mostra que as atividades ao ar livre parecem
ser tendências de mercado, o que pode contribuir para uma mudança nesse
panorama em médio prazo.
Quanto à satisfação
com os resultados provenientes do TF, a grande maioria dos entrevistados
relatou percepção positiva, o que pode contribuir com a adesão em longo prazo.
Importante ressaltar também que quase todos os entrevistados treinavam sob supervisão de profissional habilitado, fato que parece
ser fundamental para garantir segurança e bons resultados frente ao programa de
treinamento.
Embora a maioria dos
praticantes de treinamento funcional sejam mulheres, saudáveis, com objetivos
relacionados à promoção de saúde e com perfil motivacional elevado, há uma
grande heterogeneidade quanto à idade, tempo de prática na modalidade, prática
de outras modalidades complementares, além da presença de sujeitos com certas
patologias. Esses dados, além de auxiliarem os treinadores no desenvolvimento
de programas mais específicos, podem servir como incentivo ao desenvolvimento
de pesquisas com perfis específicos de público, no intuito de melhor elucidar
os efeitos do treinamento funcional nessas populações.