Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(1):98-103
doi: 10.33233/rbfe.v17i2.2466ARTIGO
ORIGINAL
Relação
entre as variáveis antropométricas e o envelhecimento nas medidas de capacidade
cardiorrespiratória
Relationship between anthropometric variables and age in the
cardiorespiratory capacity
Júlio Stancati
Filho*, Marcos Maurício
Serra, Ft., M.Sc.**, Cristiane
Utimura Fuku, Ft.***, Sérgio Ayama, Ft., M.Sc.****, Alexandre Sabbag Silva, Ft.,
M.Sc.*****, Cristina Prota, Ft., M.Sc.******,
Angelica Castilho Alonso, Ft., D.Sc.*******
*Médico
especialista em Medicina Esportiva, **Profissional da Educação Física, docente
da FMU, ***Unisant’Anna,
****Docente da Unisant’Anna e UNINOVE, *****Docente
do Mackenzie, ******Docente da FAM e UNG, ******Profissional da Educação
Física, Pesquisadora do Laboratório do Estudo do Movimento do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP, *******Docente
do Programa de Pós-graduação em Ciências do Envelhecimento da USJT, São
Paulo/SP
Recebido em 19 de
março de 2018; aceito em 30 de maio de 2018.
Endereço
para correspondência:
Angélica Castilho Alonso, Rua Ovídeo Pires de Campos, 333 Cerqueira Cesar
05403-010 São Paulo SP, E-mail: angelicacastilho@msn.com, Júlio Stancati Filho: juliostancati@globo.com, Marcos Maurício
Serra: marcosmserra@uol.com.br; Cristiane Utimura Fuku: cris_fuku@hotmail.com, Sérgio Ayama:
yoshio.sp@terra.com.br, Alexandre Sabbag Silva:
alexandre.sabbag@hotmail.com; Cristina Prota: cristinaprota@hotmail.com
Resumo
Com o aumento do
índice de obesidade mundial, surge o interesse se os fatores antropométricos e
a idade exercem influência na aptidão física dos indivíduos sedentários. O
objetivo do estudo foi correlacionar a massa corpórea, estatura, índice de
massa corpórea (IMC) e a idade com as medidas de capacidade cardiorrespiratória
VO2máx, VO2la, pulso máx e FC repouso. Participaram do estudo 90 indivíduos que
realizaram os testes cardiorrespiratórios em esteira ergométrica com
subsequente execução de eletrocardiograma de repouso. Foi determinado o consumo
de oxigênio (VO2), por medida direta, através de uma válvula
respiratória de oxigênio e gás carbônico interligados a um
sistema metabólico. Para análise estatística foi realizado a correlação
de Spearman. A idade, a massa corpórea e o IMC,
correlacionaram-se de forma negativa com o VO2máx;
a massa corpórea e o IMC também se correlacionaram negativamente com o VO2la;
o pulso máx correlacionou-se de forma positiva com a
massa corpórea, a estatura e o IMC; e a FC rep correlacionou negativamente com
a idade. Quanto maior a massa corpórea e o IMC menor a capacidade
cardiorrespiratória (VO2máx, VO2la,
pulso máx). Com o aumento da idade há uma queda no VO2máx e na FC de repouso. E quanto maior a
estatura maior o pulso máx.
Palavras-chave: antropometria,
exercício, obesidade, consumo de oxigênio, avaliação de desempenho
profissional.
Abstract
With the increase in the world obesity index, the interest arises if the
anthropometric factors and the age exert an influence on the physical fitness
of the sedentary individuals. The aim of the study was to correlate body mass,
height, body mass index (BMI) and age with measures of cardiorespiratory
capacity VO2max, VO2la, max pulse and HR rest. The study
included 90 individuals who underwent cardiorespiratory tests on a treadmill
with subsequent execution of resting electrocardiogram. The oxygen consumption
(VO2), by direct measurement, was determined through a respiratory
valve of oxygen and carbon dioxide interconnected to a metabolic system.
Statistical analysis was performed by Spearman correlation. Age, body mass and
BMI were negatively correlated with VO2max; body mass and BMI also
correlated negatively with VO2la; the max pulse correlated
positively with body mass, height and BMI; and HR rep correlated negatively
with age. The higher the body mass and the BMI lower cardiorespiratory capacity
(VO2max, VO2la, max pulse). As the age increases, there
is a decrease in VO2max and resting HR. And higher the height the
higher is the max heart rate.
Key-words:
anthropometry, physical activity, obesity, oxygen consumption, professional
performance evaluation
A prevalência da
obesidade tem aumentado nos países de alta e baixa renda e em todas as faixas
etárias. Nos países desenvolvidos atinge a população menos privilegiada, nos em
desenvolvimento ocorre na de alta renda e no Brasil a população mais atingida é
a de menor renda [1,2].
Atualmente a
obesidade deixou de ser um problema particular para se tornar um importante
problema de saúde pública, pois o excesso de gordura em adultos tem-se
associado à maior ocorrência de diabetes mellitus, hipertensão, aumento do
triglicerídeo e do colesterol. Vários fatores podem estar associados a este
problema, mesmo sendo resultado do desequilíbrio entre a oferta e o gasto energético,
o peso corporal elevado pode ser determinado também por fatores demográficos,
socioeconômicos, genéticos, psicológicos, ambientais e individuais [3].
Indivíduos com IMC
mais elevado apresentam uma probabilidade maior de serem menos ativos na atividade
física, por isso é necessário o incentivo da prática de atividade física como
uma maneira de prevenção ao excesso de peso e a instalação da obesidade [4].
A execução de uma
atividade física impõe ao organismo adaptações cardiovasculares e respiratórias
através de mecanismos fisiológicos e metabólicos, permitindo assim uma melhor
distribuição de oxigênio pelos tecidos em atividade [5].
O débito cardíaco
(DC) aumenta até seu valor máximo, e está relacionado com o VO2
(portanto, à carga de trabalho) nas variações desde o repouso até o valor
máximo. Os grandes aumentos durante o exercício são induzidos através de
aumentos no volume de ejeção e na frequência cardíaca [6].
Durante o exercício,
a pressão sistólica aumenta em resultado do aumento do DC e da resistência
vascular entre os tecidos metabolicamente menos ativos. Embora o aumento na
pressão sistólica possa ser bem alto, ocorre um aumento apenas moderado na
pressão média (Pmédia) e uma modificação pequena, ou
nula, na pressão diastólica. Isso se deve a queda na resistência periférica que
se manifesta em virtude da vasodilatação das arteríolas que fornecem sangue aos
músculos esqueléticos ativos, assim drenando mais sangue das artérias e através
das arteríolas para os capilares musculares, minimizando as alterações da
pressão diastólica [6].
Em relação à função
cardiorrespiratória, a melhor medida global é representada pela capacidade do
corpo em transportar e utilizar o O2. Utilizando como exemplo os
indivíduos destreinados do estudo de Foss [6], o O2
consumido durante o exercício máximo é dez vezes maior que aquele encontrado
durante o repouso. Esse aumento é conseguido por uma elevação no débito
cardíaco, induzido por um aumento no volume de ejeção e na frequência cardíaca,
além de ser observado também um aumento na difusão de O2 arterial e
venoso misto.
A prática de
exercícios físicos associados a outros fatores como uma boa alimentação é
essencial para a manutenção de uma vida saudável. A atividade física impõe
adaptações fisiológicas ao organismo, e como o índice de obesidade tem
aumentado, surge o interesse em ter conhecimento se os fatores antropométricos,
e a idade, exercem influência na aptidão física dos indivíduos sedentários.
Este estudo teve como
objetivo correlacionar o consumo máximo de oxigênio (VO2máx),
o consumo de oxigênio no limiar anaeróbico (VO2la), o pulso máximo
de oxigênio e a frequência cardíaca em repouso de indivíduos com as variáveis
antropométricas e a idade.
Trata-se de um estudo
transversal, submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo
- Escola Paulista de Medicina, aprovado sob o número 1156/2000 e de acordo com
a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde que estabelece normas para pesquisa
envolvendo seres humanos.
Participaram deste
estudo 90 voluntários, não praticantes de atividade física, do gênero
masculino, moradores de São Paulo, com idade entre 19-61 anos.
Procedimentos
Antes de iniciar os
testes, os avaliados foram submetidos ao interrogatório de anamnese e como
critério de inclusão os sujeitos deveriam ser sedentários, não possuir nenhuma
doença cardiopulmonar e não apresentar nenhum problema articular que impedisse
ou dificultasse a realização dos testes.
Todos os
participantes que aceitaram participar da pesquisa assinaram um termo de
consentimento para realizar os procedimentos no qual foram obtidos os dados
referentes a este estudo.
No início do teste
foram registradas as variáveis antropométricas: estatura (cm) no estadiômetro a massa corpórea (kg), auferido em balança
mecânica, com os voluntários trajando shorts e descalços. O (IMC) foi calculado
pela equação = massa corporal/altura2 (kg/m2). Os
voluntários apresentaram uma distribuição de IMC entre eutróficos
(20 ≤ IMC < 25 kg/m2), sobrepesados (25 ≤ IMC <
30) e indivíduos obesos (IMC ≥ 30 kg/m2).
Todos avaliados
passaram por testes cardiorrespiratórios realizados em uma esteira rolante
computadorizada Lifestride – modelo7500-USA,
anteriormente foi feito um eletrocardiograma de repouso em aparelho EP3 Dixtal/Brasil. Os registros eletrocardiográficos foram
auferidos, continuamente, em três derivações, CM5, AVF e V2 através do sistema
computadorizado de ergometria ERGO-S, Dixtal-Brasil, com registro de frequência cardíaca e
traçado eletrocardiográfico ao final de cada estágio, anotando-se a frequência
Os avaliados foram submetidos a um interrogatório e anamnese prévios, com subsequente
mensuração de dados antropométricos (massa corporal, estatura e índice de massa
corporal).
Foram realizados em
todos os indivíduos testes cardiorrespiratórios em esteira rolante com
subsequente execução de eletrocardiograma de repouso. Após, os pacientes foram
monitorados com sistema eletrocardiográfico digital, continuamente, em três
derivações, CM5, AVF e V2 por sistema computadorizado de ergometria, com
registro automático de frequência cardíaca e traçado eletrocardiográfico ao
final de cada estágio, tomando o cuidado de se anotar a frequência cardíaca a
cada minuto durante o teste, desde a fase pré-exercício
até seis minutos após a sua interrupção.
Simultaneamente foi
determinado o consumo de oxigênio (VO2), por medida direta, utilizando
uma válvula respiratória de oxigênio e gás carbônico
interligados a um sistema metabólico. O protocolo utilizado na
realização do teste iniciou com o avaliado em repouso por 2 minutos e após esse
tempo o incremento de carga foi dado a cada minuto, quilômetro a quilômetro,
com exceção da primeira carga, em que o avaliado permaneceu por 3 minutos. Com
variação da carga inicial de exercício entre 3 a 5 km/h. Ao final dos 2 minutos
de repouso e os 3 de carga inicial a velocidade foi
aumentada, de 1 em 1 km/h, a cada minuto até o exercício ser interrompido por
exaustão ou pelos critérios da American Heart Association.
Análise
estatística
Os dados coletados
foram armazenados no programa SPSS20. Em seguida foi feito o teste de normalidade
Komorov-Smirrnov e, como os dados não apresentaram
distribuição normal, foi utilizado o teste de correlação de Spearman
e adotado um nível de significância de 0,05 (a = 5%).
As características
dos 90 indivíduos participantes da pesquisa estão descritas na Tabela I
(mínimo, máximo, mediana e média).
Tabela
I - Caracterização das variáveis quantitativas
do estudo no grupo
IMC = Índice de Massa
Corporal; VO2máx = consumo máximo de
oxigênio; VO2la = consumo de oxigênio no limiar anaeróbico; bpm-batimentos por minuto; FC = frequência cardíaca em
repouso
As seguintes
variáveis se correlacionaram de forma negativa com o VO2máx:
idade, massa corpórea e IMC. A massa corpórea e o IMC também se correlacionaram
negativamente com o consumo de oxigênio anaeróbico. O pulso máximo de oxigênio
correlacionou-se positivamente com a massa corpórea a estatura e o IMC e a
frequência cardíaca de repouso se correlacionou negativamente com a idade.
Os coeficientes de
correlação das variáveis antropométricas e idade em relação à capacidade
cardiorrespiratória estão descritos na tabela II.
Tabela
II -
Correlação entre as variáveis
antropométricas, idade e capacidade cardiorrespiratória
r = Correlação de Spearman p ≥ 0,05; IMC = Índice de Massa Corporal; VO2máx = consumo máximo de oxigênio; VO2la
= consumo de oxigênio no limiar anaeróbico; FC = frequência cardíaca
O VO2máx
é o índice que melhor representa quantitativa e qualitativamente a capacidade
funcional do sistema cardiorrespiratório durante a atividade física. E o VO2la tem sido amplamente utilizado tanto no
diagnóstico de aptidão física como na prescrição de treinamento de indivíduos
sedentários e atletas. Na prática esses são dois dos índices de limitação
funcional, obtidos por meio do teste de ergoespirometria,
que são mais utilizados na determinação da capacidade funcional [7,8].
Assim a correlação
dessas capacidades cardiorrespiratórias com variáveis antropométricas e idade
torna-se interessante para ter conhecimento da real capacidade funcional de um
indivíduo de acordo com suas características físicas.
Em relação à idade, o
resultado mostrou que quanto maior a idade menor o VO2máx
e FC rep. Segundo Nóbrega et al. [9],
essa diminuição no VO2máx ocorre devido a alterações
cardiovasculares decorrentes do aumento da idade fisiológica (diminuição da do
volume sistólico máximo e diminuição do débito cardíaco máximo) e corresponde FCmáx,a 0,4 a 0,5 ml.kg-1.min-1.ano-1
(i.e., 1% por ano no adulto).
Segundo Wiebe et al. [10], também houve o declínio do
pico de VO2máx relacionado a idade em seu trabalho, chegando a um
valor de 0,51 ml/kg-1.min-1.ano-1. E ainda de
acordo com Paterson [10], a idade explicou 8 a 37% da variação deste parâmetro
fisiológico em um estudo realizado com 289 homens e mulheres de 55 a 86 anos de
idade, e ainda estabeleceu um valor mínimo do VO2máx
compatível com uma vida independente aos 85 anos, de 18 ml.kg-1.min-1
para homens e 15 ml.kg-1.min-1 para mulheres.
Esses resultados são
importantes, devido ao percentual de aumento de idosos em cerca de 200% entre
1996 e 2025 nos países em desenvolvimento, e o Brasil seguir essa tendência
mundial de aumento da população idosa, podendo chegar em 2025 com uma
estimativa de aumento de mais de 33 milhões de idosos, tornando-se o sexto país
com maior percentual populacional de idosos no mundo [11].
Outro percentual que vem aumentando muito
nos últimos tempos é o da obesidade, que, segundo Terres et al. [3], deixou de ser um problema particular, para se tornar um
importante problema de saúde pública da atualidade. As consequências da
obesidade têm sido relatadas em diversos trabalhos, sendo citada no resultado
deste, nas alterações cardiorrespiratórias relacionadas ao IMC e à massa
corpórea. A massa corpórea e o IMC por estarem diretamente relacionados
apresentaram os mesmos resultados, quanto maior a massa e o IMC, menor é o VO2máx e o VO2la, e maior o pulso máx.
O estudo de Orsi et al. [13] confirma o resultado obtido
neste trabalho, que o VO2máx e o VO2 la
é menor em indivíduos com IMC e massa corpórea maior. Concluiu-se após avaliar
90 mulheres com idade entre 40 e 60 anos, selecionadas de acordo com o IMC (30 eutróficas, 30 sobrepeso e 30 obesas) que as mulheres
obesas apresentaram valores VO2máx
(25,8±5,0 ml/kg/min) significativamente menores (p < 0,001) do que os grupos eutróficas (33,8 ± 4,1 ml/kg/min) e sobrepeso (29,9 ± 6,1
ml/kg/min).
As mulheres obesas
apresentaram valores de VO2máx
significativamente menores que os outros grupos, indicando que não possuem uma
boa aptidão física. A medida de VO2máx é a
variável que melhor expressa o desempenho físico. E para elas obterem valores
elevados de consumo de oxigênio é necessária uma perfeita integração dos
sistemas neuromuscular, esquelético, cardiovascular e respiratório [13].
Uma das explicações
para o aumento do pulso máx com o aumento da massa
corpórea e o IMC é que de acordo com Capitão e Tello
[14] a obesidade causa aumento do volume sistólico (VS) e Barros Neto et al. [15] relataram que o pulso máx só fica reduzido se houver uma condição negativa no
volume sistólico, sendo assim diretamente proporcional, se houve aumento do VS,
em consequência o pulso máx também aumenta.
E em relação à
estatura, quanto maior o indivíduo, maior o pulso máx. Para o resultado obtido
com essa variável antropométrica, não foram encontrados dados científicos que
explicassem tal resultado.
Quanto maior a massa
corpórea e o IMC menor a capacidade cardiorrespiratória (VO2máx,
VO2la, pulso máx). Com o aumento da idade
há uma queda no VO2máx e na FC de repouso.
E quanto maior a estatura maior o pulso máx.