Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(1):130-137
doi: 10.33233/rbfe.v17i2.2468REVISÃO
Cafeína
e desempenho físico: metabolismo e mecanismos de ação
Caffeine and exercise: metabolism and action mechanisms
Jean Carlos
Silvestre*, Rodrigo Gianoni**, Paulo Eduardo Pereira***
*Universidade
Metropolitana de Santos, Santos/SP, Universidade Católica de Santos, Santos/SP,
**Grupo de Estudos e Pesquisas em Fisiologia do Exercício, Universidade Federal
de São Paulo, Santos/SP, Faculdade Peruíbe, Peruíbe/SP, ***Faculdade Praia
Grande, Praia Grande/SP, Universidade Metropolitana de Santos, Santos/SP, Grupo
de Estudos e Pesquisas em Fisiologia do Exercício, Universidade Federal de São
Paulo, Santos/SP
Recebido em 23 de
maio de 2017; aceito em 28 de junho de 2018.
Endereço
para correspondência:
Paulo Eduardo Pereira, Universidade Federal de São Paulo, Av. Ana costa, 95, 3º
andar, Vila Mathias, Santos SP, E-mail: pereira.pauloeduardo@hotmail.com; Jean
Silvestre: j.csilvestre@yahoo.com.br; Rodrigo Gianoni:
rodrigogianoni@yahoo.com.br.
Resumo
Introdução: A cafeína (CAF) é
um recurso ergogênico nutricional comumente utilizado
durante a prática do exercício físico com o intuito de potencializar o
desempenho físico. Não apresenta efeitos agudos adversos, tem baixo custo,
facilmente acessível e socialmente aceita. São atribuídos a CAF mecanismos de
ação centrais e periféricos durante a prática do exercício físico. Objetivo: O presente estudo tem como
objetivo elucidar as atuais evidências sobre os mecanismos de ação da CAF e a
melhora do desempenho físico. Métodos:
Foram selecionados artigos de revisão sistemática com e sem metanálise
e ensaios clínicos sobre suplementação de cafeína e exercício físico. Conclusão: A suplementação com CAF promove
melhora do desempenho físico, principalmente em modalidades de endurance, e essa melhora no desempenho é devido aos
mecanismos de ação da CAF no sistema nervoso central.
Palavras-chave: recursos ergogênicos; suplementação alimentar; exercício.
Abstract
Introduction: Caffeine (CAF) is an ergogenic nutritional resource commonly used
during the practice of physical exercise in order to enhance physical
performance. It has no adverse effects, is low cost, easily accessible and
socially acceptable. Central and peripheral mechanisms of action are to CAF
during the practice of physical exercise. Aim:
The present study aims to elucidate current evidence on the mechanisms of
action of CAF and the improvement of physical performance. Methods: We selected articles of systematic review with and without
meta-analysis and clinical trials on caffeine supplementation and physical
exercise. Conclusion: CAF
supplementation improves physical performance, especially in endurance
modalities, and this improvement in performance is due to CAF action mechanisms
in the central nervous system.
Key-words: Ergogenic
aids; supplementary feeding; exercise.
Introdução
A cafeína (CAF) (1,3,7-trimetilxantina) é uma substância alcaloide derivada
das xantinas, as quais são potentes estimulantes do SNC [1-3]. Evidências
históricas indicam que o consumo de CAF data do período paleolítico [3].
Atualmente é a droga psicoativa mais popular e consumida do mundo e apesar da
sua ação farmacológica sobre o SNC não é considerada uma droga terapêutica,
sendo encontrada em diferentes tipos de produtos, tais como: café, chás,
refrigerantes, bebidas energéticas, chocolates e medicamentos [1-8].
Os níveis de CAF em
alimentos variam muito dependendo da preparação; café, chá e refrigerantes
contêm cerca de 60 a 150 mg, 40 a 60 mg e 40 a 50 mg
de CAF por copo, respectivamente [7,9], e esses alimentos têm sido consumidos
ao longo dos séculos devido, principalmente, aos efeitos proporcionados pela
CAF sobre o estado de alerta [1, 10].
É relativamente
difícil estimar o consumo médio de CAF em diferentes regiões do mundo, pois
segundo Brice e Smith [11] existem
uma série de fatores que devem ser considerados, como fontes naturais, idade,
sexo, estado nutricional, nível de condicionamento físico, meio de convivência
e habituação. Nos Estados Unidos da América (EUA), de acordo com Sökmen et al. [7], os
adultos ingerem uma média de 3 mg/kg de CAF diariamente. E no Brasil não é diferente, segundo dados da Associação Brasileira da
Indústria de Café (ABIC, 2015), o café é o alimento mais consumido no país.
O consumo de CAF está
relacionado com a facilidade de acesso, baixo custo, estar prontamente
disponível, tanto como um componente alimentar ou como um ingrediente
farmacológico, ser socialmente aceitável e apresentar pouco ou nenhum efeito
adverso agudo à saúde [3].
Metabolismo
A ingestão de CAF
como recurso ergogênico é feita na maioria das vezes
por meio de cápsulas [12], fato este que torna a utilização de CAF isolada ao
invés da ingestão de café (bebida) interessante, já que alguns indivíduos não
apreciam o sabor do café. A utilização de cafeína em cápsulas em detrimento da
bebida café também se deve ao fato de a ingestão das quantidades recomendadas
na literatura para suplementação de cafeína podem trazer um prejuízo para o
indivíduo se ingeridas através da bebida café.
Segundo Ganio et al. [12] a utilização da CAF isolada
por meio de cápsulas tem o intuito de evitar a influência de outras substâncias
sobre os efeitos ergogênicos da CAF, entretanto
existem outras formas de consumo da CAF, além da ingestão de cápsulas, como:
café, goma de mascar, soluções carboidratadas e/ou
eletrolíticas, géis, refrigerantes, dentre outros [5,6,12-14]. Embora a ingestão
de CAF seja feita preferencialmente por meio de cápsulas, o café, por ser o
alimento que apresenta maior concentração de CAF, foi objeto de estudo de
alguns autores [8,15]. Graham et al. [15]
verificaram em seu estudo que o tempo de execução do exercício físico (85% VO2máx)
até a exaustão aumentou quando os corredores ingeriram CAF pura (4,5 mg/kg de
massa corporal) antes do exercício, porém, quando ingeriram café (CAF 4,5 mg/kg
de massa corporal), café descafeinado mais CAF pura
(CAF 4,5 mg/kg de peso corporal), café descafeinado
ou placebo não foram observadas resultados significantes no tempo de duração do
exercício. Em um estudo de revisão, Ganio et al. constataram que a melhora em
desempenho independe do modo em que a CAF é fornecida. Mais recentemente, Hodgson et al. [8]
demonstraram que tanto a CAF (5 mg/kg de massa corporal) quanto o café (5mg/kg
de massa corporal) ingerido 1 hora antes do exercício físico melhorou o
desempenho em teste contra o relógio. Os resultados contraditórios dos estudos
citados podem ter relação com a diferença de protocolos de exercício e
concentrações de CAF fornecida.
A concentração de CAF
ingerida pode influenciar os seus efeitos ergogênicos
sob o desempenho físico, pois geralmente é observado que concentrações de 3 mg/kg a 6 mg/kg de massa corporal de CAF é capaz de
proporcionar efeitos benéficos sobre o desempenho [12]. De acordo com Bruce et al. [16] e Desbrow
et al. [17], que investigaram o
efeito da ingestão de diferentes concentrações de CAF sobre o desempenho físico
de remadores e ciclistas, respectivamente, a ingestão de 6 mg/kg e 9 mg/kg de
CAF antes do exercício proporcionou melhora no desempenho. Apesar de ambas as
concentrações terem proporcionado melhora no desempenho quando comparado com a
situação placebo, diferenças significativas no desempenho entre a ingestão de 6 mg/kg e 9 mg/kg de CAF não foram observadas. Desta forma,
conclui-se que a ingestão de 6 mg/kg de CAF
proporciona os mesmos benefícios ergogênicos
proporcionados por doses maiores de CAF no desempenho físico.
É importante
ressaltar que a ingestão de uma alta dose de CAF por indivíduos não habituados
ao seu consumo, pode resultar em desconforto gastrointestinal e outros efeitos
colaterais, como, por exemplo, tonturas, ansiedade, irritabilidade e
incapacidade de se concentrar [3]. Sendo assim, antes que o atleta ingira a CAF
é importante ter a informação sobre o seu estado de habituação a CAF, evitando
assim possíveis desconfortos e consequente prejuízo no desempenho. A utilização
de algumas técnicas como recordatórios alimentar de
24 horas podem contribuir para essa informação.
A biodisponibilidade
da CAF através do trato gastrointestinal é relativamente rápida, sendo
eficientemente distribuída e absorvida pelos tecidos, pois, devido sua natureza
lipofílica, a CAF atravessa facilmente as membranas celulares incluindo a barreira
hematoencefálica [3,12,18-20].
Contudo a maneira como a CAF é ingerida influência na sua absorção, porém,
quando ingerida por meio de goma de mascar, sua absorção é mais rápida do que
por cápsulas, devido à presença da mucosa bucal [3,12,21].
A CAF é metabolizada
no fígado, por meio do sistema citocromo P450 1A2
oxidase, resultando em três metabolitos: paraxantina
(1,7-dimetilxantina), teofilina (1,3-dimetilxantina) e teobromina
(3,7-dimetilxantina) [1-3,20,22]. Apesar da
metabolização da CAF ocorrer no fígado, outros tecidos, como cérebro e rim
também têm papel importante na produção do citocromo
P450 1A2 e, consequentemente, participam da metabolização da CAF [2].
Diversos fatores,
ambientais e de estilo de vida, podem influenciar na atividade do citocromo P450 1A2 e desta forma interferir na
farmacocinética da CAF; por exemplo, o tabagismo, que aumenta a atividade do citocromo P450 1A2, consequentemente a concentração de CAF
plasmática em fumantes regulares são aproximadamente 50-70% mais baixa do em
não fumantes, independentemente da quantidade de CAF ingerida [3,19,23]. Fatores genéticos também estão relacionados com as
diferenças interindividuais na farmacocinética da CAF, 72,5% da variabilidade
da atividade do citocromo P450 1A2 em seres humanos é
determinada geneticamente, enquanto que os fatores ambientais parecem ser os
responsáveis pelos 27,5% restante [24].
É possível verificar
alta concentração de CAF na corrente sanguínea entre 15 e 120 minutos após sua
ingestão, concentrações máximas são evidentes 60 minutos após o consumo e a
meia vida da CAF é de aproximadamente 5 horas [1-3,7]. Também é importante
salientar que em geral o exercício físico não altera a farmacocinética da CAF
[25], salvo um pequeno aumento agudo na concentração de CAF após o início do
exercício físico [26].
Após o período de 3 a
6 horas em que foi ingerida, os níveis circulantes de
CAF são reduzidos em 50-75% devido a absorção pelos tecidos e eliminação pela
urina [7,20]. Cerca de 1 a 3% da CAF ingerida é excretada
na urina como CAF livre, este valor é extremamente relevante, pois é a
concentração de CAF livre na urina que é monitorada durante exames
toxicológicos [1].
A CAF já esteve
presente na lista de substâncias proibidas do Comitê Olímpico Internacional
(COI), onde valores acima da concentração de 12 µg/mL
de CAF na urina era considerado doping, no entanto a
Agência Mundial Antidoping (AMA) removeu a CAF da lista de substâncias
proibidas em 2004 [1, 27]. Uma das razões para a remoção da CAF da lista de
substâncias proibidas pode ser o fato de que baixas doses baixas CAF
demonstraram ter efeito ergogênico e essas doses
poderiam ser obtidas por meio do consumo de alimentos comuns do dia a dia [1].
Segundo Tarnopolsky [1] outra possível explicação
para a retirada da CAF da lista de substâncias proibidas é a individualidade na
metabolização da CAF, pois para uma mesma dose ingerida diferentes
concentrações de CAF poderiam ser encontradas na urina de diferentes
indivíduos. Em 2008, órgãos governamentais brasileiros também liberaram a
utilização de CAF como suplemento para melhora do desempenho de atletas (Anvisa, 2008).
Mecanismos
de ação e desempenho físico
Apesar de não
apresentar valor nutricional, atletas profissionais e amadores têm demonstrado
interesse na utilização da CAF como um possível recurso ergogênico
para melhora do desempenho físico [7]. Devido a esse interesse, muitos estudos
[5,8,17,28-30] investigaram os efeitos da CAF durante
o exercício físico e demonstraram o aumento da produção de trabalho e
protelação da instalação da fadiga.
Antes de detalhar os
mecanismos de ação da CAF relacionados ao desempenho físico, é importante
esclarecer que não se deve atribuir à CAF uma única resposta em um determinado
tecido específico [4,6,7]. A ação da CAF no organismo
integrado pode ser diferente da ação da CAF observada em estudos realizados in
vitro, por esse motivo é importante considerar qual é a metodologia de estudo
empregada.
Segundo Magkos e Kavouras [3], já está
bem definido que os estudos in vitro fornecem uma riqueza de diferentes
mecanismos que poderiam explicar as ações farmacodinâmicas da CAF em humanos,
no entanto nem todos os mecanismos observados in vitro são responsáveis pelos
efeitos observados in vivo, uma vez que a concentração de CAF necessária varia
desde níveis micromolares até milimolares
[3]. Supostamente, apenas as ações da CAF provocadas por concentrações de CAF plasmática
micromolares (0-100 µM) têm relevância na situação in
vivo, uma vez que as concentrações plasmáticas de CAF, após o consumo normal,
permanecem abaixo de 70µM [3,31,32], as concentrações
acima de 200µM são consideradas tóxicas para os seres humanos [31].
O estudo pioneiro que
investigou os efeitos ergogênicos da CAF relacionados
ao exercício físico foi realizado em 1907 por Rivers e Webber [3,33]. No
entanto, o interesse pelos possíveis efeitos ergogênicos
da CAF durante exercícios físicos de longa duração iniciou-se no final da
década de setenta com os estudos de Costill et al. [34] e Ivy
et al. [35], os quais sugeriram que o
efeito ergogênico da CAF durante a realização do
exercício aeróbio estaria relacionado com o aumento na oxidação de ácidos
graxos livres (AGLs), com subsequente preservação do
glicogênio muscular e protelação da fadiga.
O mecanismo de ação
da CAF relacionado com a oxidação de AGLs foi
sugerido pelos estudos de Bellet et al. [36] e Bellet et al. [37], que observaram aumento da concentração de AGLs plasmático e da excreção urinária de catecolaminas
após a ingestão de CAF ou café. Desta forma, sugeriram que o aumento da
lipólise foi parcialmente devido ao aumento da liberação de catecolaminas.
Entretanto, em outro estudo realizado na mesma época, Butcher
et al. [38] verificaram que a CAF aumenta
a lipólise através da inibição da enzima nucleotídeo fosfodiesterase,
que é responsável por catalisar a conversão de adenosina monofosfato
cíclico (AMPc) em adenosina monofosfato
(AMP). A inibição da atividade da enzima nucleotídeo fosfodiesterase,
gera um aumento na concentração de AMPc,
o qual ativa a lípase hormônio sensível que promove a lipólise [39].
Este aumento da
oxidação de AGLs como possível efeito ergogênico da CAF, durante o exercício físico, é um mecanismo
controverso, visto que apesar de alguns estudos [39,40] afirmarem que a CAF é
capaz de promover aumento da oxidação de AGLs,
segundo Graham et al. [41], são poucas as evidências
científicas a favor deste mecanismo de ação da CAF, fora o fato que estudos
[42,43] que se propuseram a investigar o efeito da ingestão de CAF,
especificamente sobre os substratos energéticos, não encontraram evidências a
favor desse possível mecanismo de ação da CAF. Graham et
al. [42], por meio da realização de biópsia muscular, não verificaram
alterações no metabolismo dos carboidratos e gorduras, durante o exercício
físico, após a ingestão de CAF. Já no estudo de Roy et al. [43], utilizando-se infusão de glicose isotopicamente marcada,
também não verificaram alterações na oxidação total de gordura ou carboidratos
e também não observaram nenhum impacto sobre a taxa de aparecimento ou
desaparecimento da glicose durante o exercício contínuo com duração de 60
minutos.
Além de poucas
evidências a favor deste mecanismo, segundo Tarnopolsky
[1], os efeitos ergogênicos da CAF sob o AMPc, através da inibição da
enzima fosfodiesterase, surgiram a partir de estudos
utilizando concentrações suprafisiológicas de CAF, as
quais são tóxicas em humanos e apesar de alguns estudos [26,42] terem
verificado que a ingestão de CAF levou a um aumento na liberação de
catecolaminas. Segundo Graham [6], este aumento é muito modesto, sendo
discutível se é capaz de apresentar algum efeito metabólico.
De acordo com Kalmar e Cafarelli [44] e Caputo et al. [45], outro mecanismo de ação que
tem sido atribuído a CAF é a sua capacidade de agir diretamente no músculo,
induzindo aumento de força muscular na ausência de despolarização da membrana e
potencializar a contração e produção de força tetânica. Estes efeitos foram
mais tarde atribuídos à interação direta da CAF com a ativação dos canais de Ca2+
do retículo sarcoplasmático [6]. Desta forma, acreditou-se que a CAF promoveria
um aumento na disponibilidade de Ca2+, melhorando assim o desempenho muscular
in vivo. No entanto, os efeitos da CAF sobre as concentrações de Ca2+
intracelular e sobre a produção de força observada in vitro requerem
concentrações milimolares de CAF, o que seria tóxico
em humanos [46].
As doses orais de CAF
utilizadas em estudos com seres humanos resultam em concentrações menores que
70 µmol de CAF no plasma, que são concentrações demasiadamente baixas para
promover aumento no desenvolvimento da tensão muscular, mesmo quando a CAF é
aplicada diretamente no músculo fatigado in vitro [32]. No entanto Tarnopolsky e Cupido [47] relataram que após a ingestão de
CAF, houve atraso na falha muscular e maior recuperação das propriedades
contráteis do músculo esquelético fatigado por estimulação elétrica. Desta
forma não podemos descartar a possibilidade da CAF afetar diretamente o músculo
esquelético.
A hipótese com maior
evidência científica em relação à ação ergogênica da
CAF durante o exercício físico, diz respeito a
protelação da instalação da fadiga por conta da ação da CAF sobre o SNC
[1,4,6,7,12,20,41,42,44,46]. Esta hipótese é particularmente interessante
porque as concentrações de CAF eficazes para agir no SNC, correspondem às
concentrações de CAF no sangue e no fluído cerebrospinal, após administração de
CAF via oral [44].
O principal mecanismo
de ação da CAF no SNC é o antagonismo nos receptores de adenosina [1,4,7,44,46]. A adenosina é um neuromodulador
endógeno com efeitos inibitórios sobre a excitabilidade central [18,44]. Ela
atua preferencialmente na inibição da liberação de neurotransmissores
excitatórios e diminui a taxa de disparo dos neurônios centrais [4,12,18,44].
As propriedades neuroativas da adenosina são determinadas pela presença de
receptores específicos, identificados e nomeados como: A1, A2A, A2B e A3
[4,48]. De acordo com estudo de revisão realizado por Fredholm
et al. [49], os receptores de adenosina estão
distribuídos em diversos tecidos do organismo, dentre os quais, estão: cérebro,
medula espinal, olhos, glândula adrenal, coração, fígado, rim, esôfago, cólon,
pulmão, pâncreas, músculo esquelético e tecido adiposo. Apesar de todos os
receptores de adenosina estarem expressos no cérebro,
a afinidade da CAF com os receptores A2B e A3 é baixa, sendo insignificante o
seu nível de ativação basal [4,50]. Porém com os receptores A1 e A2A a CAF
apresenta alta afinidade e a partir disso conclui-se que os efeitos da CAF são
mediados através do antagonismo nos receptores de adenosina A1 e A2A [4].
Após a administração
de CAF ocorre um aumento da liberação de neurotransmissores excitatórios e uma
redução do limiar de ativação neuronal em consequência do antagonismo da CAF
nos receptores de adenosina [12,44]. Alguns neurotransmissores afetados pela
CAF in vitro, principalmente a dopamina, têm sido relacionados com a fadiga
central [44,51]. A transmissão dopaminérgica supraespinal
está associada com aumento da excitação e motivação, assim como com a atividade
motora espontânea e com a duração do exercício prolongado [51].
De acordo com Kalmar e Cafarelli [44], a CAF
aumenta a transmissão dopaminérgica tanto pré-sináptica quanto pós-sináptica,
porém, isto não quer dizer que todos os efeitos da CAF no SNC resultam no
atraso da instalação da fadiga central, visto que as ações da adenosina e da
CAF variam de acordo com o receptor alvo e com a sua localização no SNC [44]. A
relação entre a CAF, a serotonina e a fadiga é um bom exemplo de tal
complexidade. O aumento da serotonina cortical foi proposto por Gandevia [51] como uma possível causa da instalação da
fadiga, sugerindo assim que o aumento da transmissão serotoninérgica no
cérebro, induzida pela CAF, iria promover a instalação da fadiga [44]. Todavia,
a entrada serotoninérgica em nível espinal está associado com a excitação de
neurônios motor alfa e redução da sensibilidade a estímulos dolorosos [10,44,52].
Além da redução da
sensação de dor, segundo Doherty et al. [53], Yeomans et al. [54], Davis et al.
[18], Doherty e Smith [55], Sökmen et al. [7] e Tarnopolsky[10]
dentre os efeitos da ingestão da CAF in vivo, estão
inclusos: melhora da
cognição e do humor, diminuição da
percepção subjetiva de esforço, cansaço e
aumento do estado de alerta mental.
Os efeitos
comportamentais, provenientes da ingestão de CAF, observados in vivo, como
aumento do estado de vigília e excitação são bem conhecidos [44]. Estudos [18]
com animas também têm demonstrado aumento da atividade motora espontânea. Davis
et al. [18] investigaram em um estudo os
efeitos da injeção central e periférica de CAF e de
5'-N-etilcarboxamidoadenosina (NECA) em ratos, sobre o tempo de execução de
exercício até a fadiga em esteira rolante. Ao final do estudo verificou-se que
a administração central de CAF aumentou o tempo de duração do exercício, já a
administração de NECA diminuiu tempo de execução do exercício. A administração
periférica (via intraperitoneal) tanto de CAF quanto de NECA, nas mesmas doses,
não resultaram em nenhum efeito sobre o tempo de
execução do exercício, indicando, assim, que provavelmente os efeitos da
ingestão de CAF ocorram de forma central.
O consumo crônico de
CAF em modelos animais resultou na regulação positiva do número de receptores
de adenosina e também um aumento na afinidade dos receptores no SNC, desta
forma pode ser necessário aumentar a quantidade de CAF ingerida para obter o
mesmo efeito antagônico sobre os receptores de adenosina [7,12,56].
Não se sabe ao certo
quantos dias um atleta de endurance deve se abster de
CAF para maximizar seus efeitos ergogênicos. Estudos
realizados em modelos experimentais mostraram que a afinidade e aumento do
número de receptores de adenosina são maximizadas em 7
dias [56], porém no estudo de Van Soeren e Graham
[57] que verificaram a não suspensão do consumo de CAF em relação a 2 e 4 dias
de abstinência de CAF nas respostas metabólicas e no desempenho de atletas
amadores, 2 dias de abstinência foram suficientes para maximizar os efeitos ergogênicos da CAF em relação ao grupo que não se absteve.
Não foram encontradas diferenças significativas nas respostas metabólicas e no
desempenho entre os grupos que suspenderam a ingestão de CAF por 2 ou 4 dias. Neste sentido, fazem-se necessários outros
estudos que contribuam para a melhor compreensão da relação CAF e protelação da
fadiga com o intuito de trazer melhores estratégias para o seu uso no
exercício.
As atuais evidências
mostram que a utilização da CAF como recurso ergogênico
nutricional promove melhora do desempenho físico, principalmente em modalidades
de endurance, e essa melhora no desempenho é devido
aos mecanismos de ação da CAF no sistema nervoso central.