Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(1):17-22
ARTIGO
ORIGINAL
O
treinamento funcional na infância: o que pensam os pais e as crianças?
Functional
training in childhood: what do parents and children think?
José Luiz de Oliveira
Marin*, Gildiney Penaves de
Alencar**, Leonardo Emmanuel Medeiros Lima***, Cauê Vazquez
La Scala Teixeira****, Ariane Silva*****
*Acadêmico
de Educação Física da Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande/MS,
Estagiário na Academia FM TRAINNER, **Mestrando em Saúde e Desenvolvimento na
Região Centro Oeste (UFMS), Pós-graduação (em andamento) em Educação Física
Escolar e Inclusiva (IEPAT), Professor Efetivo de Educação Física pela
Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS e Professor Tutor Presencial na
Universidade Norte do Paraná Campo Grande no curso de Licenciatura e
Bacharelado em Educação Física, ***Docente na Universidade Anhembi Morumbi no
curso de Educação Física, Professor convidado de cursos de pós-graduações na
FMU, Estácio de Sá, Instituto de Educação e Pesquisa Alfredo Torres, ENAF,
CEAT, Anhanguera, CEFIT e UNICID, Grupo de Pesquisa em Performance Humana da
Universidade Anhembi Morumbi, ****Doutorando em Ciências da Saúde (UNIFESP),
*****Mestrado em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCBD),
Docente na Universidade Católica Dom Bosco no curso de Educação Física
Recebido 1 de fevereiro
de 2019; aceito em 28 de março de 2019.
Endereço
para correspondência:
Gildiney Penaves de
Alencar, Rua Major Giovani Francisco Nadalin, 470
Oscar Salazar 79017-532 Campo Grande MS, E-mail: gildiney.gpa@gmail.com;
Resumo
Diversos fatores
presentes na sociedade moderna têm contribuído para o aumento do comportamento
sedentário entre crianças. Em contrapartida, cresce o número de crianças
engajadas em programas pontuais de exercício físico, como o treinamento
funcional. Neste sentido, o objetivo desta pesquisa foi verificar e analisar a
opinião dos pais e das crianças sobre a prática do treinamento funcional na
infância. Dois grupos de voluntários, um composto de 10 crianças de 5 a 12 anos
(8,1 ± 2,3 anos), autorizados pelos responsáveis, e outro composto por 7
adultos (responsáveis pelas crianças) foram entrevistados. Para interpretar os
resultados, os dados foram agrupados em conjuntos de respostas semelhantes e os
testes estatísticos realizados por meio do programa Graphpad Prism 6.0. Os resultados foram expressos
em distribuição percentual e absoluta. O primeiro questionamento direcionado
aos pais buscou entender por qual motivo colocaram o filho para praticar o
Treinamento Funcional e a maior parte relatou a promoção da saúde e qualidade
de vida de seus filhos (85,7%). Os pais notaram diversas diferenças
comportamentais e/ou físicas nos seus filhos com a prática do treinamento
funcional – mudanças nas capacidades físicas (71,4 %), saúde e qualidade de
vida (57,2%) e alteração no corpo e estética (42,8 %). Porém, a modificação
mais relatada foi referente à sociabilização (85,7%). Em relação às crianças,
percebe-se que os motivos delas estarem praticando o treinamento funcional confirmam
a predominância da saúde e qualidade de vida relatada pelos pais (70,0 %).
Ainda, a maioria das crianças gosta das atividades
feitas nas sessões, porém não tem nenhuma preferida (60,0%), metade gosta das
brincadeiras (50,0 %) e uma minoria (30,0 %) comentou que não gosta de
exercícios. Diante dos achados neste estudo, pode-se concluir que o Treinamento
Funcional parece uma estratégia interessante de exercício físico para crianças,
sendo uma modalidade eficaz para melhorar o desenvolvimento motor e incitar a
prática da atividade física desde cedo, aumentando as chances de tornar adultos
mais ativos.
Palavras-chave: criança; exercício
físico; educação física e treinamento.
Abstract
Several
factors present in modern society have contributed to the increase of sedentary
behavior among children. On the other hand, the number of children engaged in
punctual physical exercise programs, such as functional training, increases. In
this sense, the objective of this research was to verify and analyze the opinion
of parents and children about the practice of functional training in childhood.
Two groups of volunteers, composed of 10 children aged 5 to 12 years (8.1 ± 2.3
years), authorized by the parents, and another group of 7 adults (responsible
for the children) were interviewed. To interpret the results, the data were
grouped into similar sets of responses and statistical tests performed using
the Graphpad Prism 6.0 program. The results were
expressed in percentage and absolute distribution. The first question addressed
to parents sought to understand why they placed their child to practice
functional training and most reported the promotion of health and quality of
life of their children (85.7%). Parents noted various behavioral and / or
physical differences in their children with functional training - changes in
physical abilities (71.4%), health and quality of life (57.2%) and changes in
body and aesthetics (42.8%). However, the most reported change was related to
socialization (85.7%). Regarding the children, it is noticed that the reasons
for them are practicing the functional training, confirming the predominance of
health and quality of life reported by the parents (70.0%). Still, most of the
children enjoy the activities done in the sessions, but they do not have any
preferred (60.0%), half enjoy the games (50.0%) and a minority (30.0%)
commented that they do not like exercises. Considering the findings in this
study, it can be concluded that functional training seems an interesting
strategy of physical exercise for children, being an effective modality to
improve the motor development and to incite the practice of physical activity
from an early age, increasing the chances of becoming older adults active.
Key-words: child;
physical exercise; physical education and training.
O comportamento
sedentário vem aumentando gradativamente na sociedade e é observado tanto em
adultos como em crianças e adolescentes. Esse tipo de comportamento contribui
para a diminuição da aptidão física e da atividade física espontânea, o que
pode levar ao aumento na prevalência de sobrepeso e da obesidade nos primeiros
anos de vida [1].
Dados da Organização
Mundial de Saúde apontam que 23% dos adultos em nível global com 18 anos ou
mais não estavam suficientemente ativos em 2010 e, no mesmo ano, 81% dos
adolescentes com idade entre 11 e 17 anos estavam insuficientemente ativos
fisicamente, mostrando dados preocupantes que podem ser prevenidos desde
criança [2].
Oliveira et al. [3] afirmam que é importante o
início da prática de exercícios físicos desde o período da infância,
respeitando as circunstâncias relativas à fase de desenvolvimento em que o
indivíduo se encontra, sendo primordial para sua saúde, aumentando, assim, a
chance da criança ser fisicamente ativa quando se tornar adulta e contribuindo
para a atenuação do risco de desenvolver excesso de peso e doenças associadas.
A Organização Mundial
de Saúde recomenda que crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos realize pelo menos
60 minutos de atividade física moderada a vigorosa todos os dias e, caso esta
atividade física for superior a 60 minutos por dia, proporcionará benefícios
adicionais à saúde como participar de jogos, brincadeiras e esportes. É
aconselhável ainda incluir atividades que fortaleçam músculos e ossos pelo
menos três vezes por semana [2].
Nessa perspectiva, o
treinamento funcional surge como uma prática em ascensão capaz de fomentar a
atividade física na infância, e é indicado para as crianças por proporcionar
uma melhora na coordenação motora e que estimula a diversão, devido aos
diversos exercícios que podem ser realizados em grupo, respeitando a condição
física de cada um que pratica esta modalidade de exercício [4].
Porém, pouco se conhece
sobre a opinião de crianças e responsáveis sobre a prática do treinamento
funcional na infância. Neste sentido, este estudo teve como objetivo verificar
e analisar a opinião dos pais e das crianças sobre a prática do treinamento
funcional na infância, de modo a contribuir com a produção de novos
conhecimentos e a atenção focada diretamente neste público para a prescrição
adequada dos exercícios.
Sujeitos
Dois grupos de
voluntários participaram desta pesquisa, um grupo composto de 10 crianças de 5
a 12 anos (8,1 ± 2,3 anos), praticantes de treinamento funcional há pelo menos
seis meses, autorizados pelos responsáveis em participar do estudo, e outro
composto por 7 adultos (responsáveis pelas crianças), assinando um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Instrumentos
e procedimentos
A pesquisa foi
conduzida numa academia da cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que
oferece a modalidade do treinamento funcional para crianças, sendo também
solicitada a autorização do estabelecimento e da instrutora responsável pelas
aulas de treinamento funcional para crianças.
Foi realizada uma
entrevista gravada com os dois grupos, sendo os pais indagados com duas
perguntas: 1) Por qual motivo colocou seu filho para praticar o treinamento
funcional? e 2) Você notou alguma mudança comportamental e/ou física em seu
filho? – e as crianças com a mesma quantidade de questões: 1) Por qual motivo
você está fazendo o treinamento funcional? e 2) Você gosta das atividades que o
professor pede para fazer? Se sim, quais? – entrevista conduzida
individualmente com cada participante.
Para a coleta de dados,
foi utilizado um espaço adequado (ambiente apropriado do treinamento
funcional), os termos impressos, uma folha contendo as perguntas elaboradas às
crianças e aos pais, de forma a guiar a entrevista, além de um gravador para a
coleta dos dados expressos verbalmente pelos participantes.
Para interpretar os
resultados obtidos, os dados foram agrupados em conjuntos de respostas
semelhantes conforme as perguntas elaboradas no questionário e o número de pais
e crianças que foram entrevistados para a realização da pesquisa. Tais
materiais foram analisados e comparados de modo a expor e explicar os conteúdos
em questão de acordo com os objetivos propostos neste estudo.
Análise
dos resultados
Os testes estatísticos
foram realizados por meio do programa Graphpad Prism 6.0 e os resultados expressos em distribuição
percentual e absoluta.
O primeiro
questionamento destinado aos responsáveis visou entender por qual motivo
colocaram o filho para praticar o treinamento funcional e percebeu-se que a
maior parte foi para promoção da saúde e qualidade de vida de seus filhos
(85,7%), como apresentado na tabela I.
Tabela I – Questão 1 destinada aos pais: Por qual motivo colocou seu filho para
praticar o Treinamento Funcional? (n = 7)
Os participantes
poderiam indicar mais de um motivo, o número de participações é referente aos 7
pais que responderam às perguntas; Fonte: Dados da pesquisa
Quanto à segunda
questão direcionada aos pais, foi possível perceber que notaram diversas
diferenças comportamentais e/ou físicas em seus filhos conforme exposto na
tabela II.
Tabela II – Questão 2 destinada aos pais: Você notou alguma mudança comportamental
e/ou física em seu filho(a)? (n = 7)
Os participantes
poderiam indicar mais de uma mudança, o número de participações é referente aos
7 pais que responderam às perguntas; Fonte: Dados da pesquisa
Em relação às respostas
das crianças entrevistadas, a primeira diz respeito aos motivos de estarem
praticando o treinamento funcional, confirmando a predominância da saúde e
qualidade de vida relatadas pelos pais, tendo ao todo 7 respostas (70,0 %),
descritos na tabela III.
Tabela
III – Questão 1 destinada às
crianças: Por qual motivo você está fazendo o treinamento funcional? (n = 10)
Os participantes
poderiam indicar mais de um motivo, o número de participações é referente às 10
crianças que responderam às perguntas; Fonte: Dados da pesquisa
A questão número 2
destinada às crianças buscou analisar se os praticantes gostavam das
características dos exercícios do treinamento funcional e percebe-se que a
maioria das crianças gosta das atividades, porém não
tem nenhuma preferida (60,0%), metade gosta das brincadeiras feitas durante as
aulas (50,0 %) e três (30,0 %) comentaram que não gostam de exercícios (tabela
IV).
Tabela IV – Questão 2 destinada às crianças: Você gosta das atividades que o
professor pede para fazer? Se sim, quais? (n = 10)
Os participantes
poderiam indicar mais de uma resposta, o número de participações é referente às
10 crianças que responderam às perguntas; Fonte: Dados da pesquisa
Em busca de uma
qualidade de vida melhor para seus filhos, os responsáveis visaram o
treinamento funcional como uma estratégia para tal objetivo, no qual Alencar et
al. [5] enfatizam que essa procura tem se tornado cada vez maior e,
principalmente, por conta dessa relação entre a saúde e a atividade física,
ocasionando alterações no estilo de vida.
Kohl e Hobbs [6]
declaram que o suporte familiar estabelece uma influente fonte emocional, de
conhecimento e instrumental. Afirmam ainda que, além de tudo isso, os pais
representam um exemplo expressivo em relação a prática de exercícios físicos.
Campos e Couracci Neto [7] afirmam que o treinamento funcional foca
em ativar o desenvolvimento dos estados neurológicos que influenciam na
predisposição funcional do corpo humano, usando os exercícios característicos
dessa atividade com a intenção de desafiar o sistema nervoso, causando impulsos
adaptativos resultantes da melhoria dos traços físicos do indivíduo, podendo
ser observado tanto no dia a dia, quanto nas práticas esportivas, o que
justifica a quantidade de respostas obtidas quanto à melhora nas capacidades
físicas.
Corezola [8] reforça a ideia de
que o treinamento funcional além de proporcionar o fortalecimento muscular,
favorece na evolução de movimentos mais complexos e conjugações de muitas capacidades
físicas, acarretando o organismo a ter gastos calóricos elevados, progressos na
flexibilidade, perda de gordura, aperfeiçoamento da coordenação motora,
facilidade em se equilibrar e resistência cardiorrespiratória.
Com o intuito de fazer
com que os filhos possam se integrar em uma atividade que fosse importante para
sua vida, ocupar seu tempo e ao mesmo proporcionasse prazer em praticá-la, os
responsáveis optaram pelo treinamento funcional por conta da ludicidade de seus
exercícios e a forma de condução dos mesmos. Faria e Costa [9] alegam que para
o treinamento ser atrativo ao público infantil, o instrutor deve propor
diversas formas de trabalhar a essência do mesmo através de procedimentos
lúdicos como jogos e brincadeiras, por serem os principais divertimentos das
crianças, gerando também um momento de descontração e sociabilização entre os
participantes [10].
Devido ao acelerado
avanço da tecnologia, os pais ainda relataram que um dos métodos encontrados
para afastar as crianças do uso excessivo da tecnologia foi colocá-las em aulas
de treinamento funcional, já que o tempo disponível que tinham ao longo do dia
era dedicado em passar horas e horas nos aparelhos eletrônicos. Costa e Paiva
[11] explicam que a infância do século XXI surgiu numa época em que a
tecnologia é uma das principais formas de entretenimento e comunicação,
portanto, torna-se quase impossível viver sem tê-la, e vemos crianças antes de
serem alfabetizadas terem a capacidade de utilizar inúmeros recursos dos
aparelhos eletrônicos, acarretando dificuldades no modo de aprendizagem
escolar, inclusive na prática de atividade física.
A maioria das crianças
relataram o motivo da realização desta atividade como consequência de torná-los
fisicamente mais fortes, melhorando na saúde e qualidade de vida das crianças. Twisk [12] e Ghorayeb e Barros
[13] apontam que níveis elevados de atividade física na infância podem prevenir
e reduzir os riscos de osteoporose e auxiliar na postura adequada,
influenciando diretamente na saúde, sendo um ato preventivo em relação às
doenças causadas pela inatividade física [2].
Como pode ser
observado, mesmo sem ter uma atividade preferida durante as sessões, as
crianças gostam e acham divertido realizar as ações do treinamento funcional,
pois estão interagindo com o meio em que estão inseridas, através de exercícios
físicos e brincadeiras elaboradas pelo instrutor ou professor. As brincadeiras
em forma de atividade física são as mais preferidas do público infantil deste
estabelecimento, as quais Cortelo et al. [14]
sustentam a ideia de que através do brincar, a criança não se sente entediada,
porém, instigada a se aprofundar e aprender mesmo sem ter essa finalidade em
mente, permitindo a exploração do mundo a sua volta, sendo a principal
estratégia a ser utilizada como forma de atividade física que atrai o público
infantil.
Ao término desta
pesquisa, notou-se que os pais observaram diversas diferenças comportamentais
e/ou físicas nos seus filhos com a prática do treinamento funcional, sejam
mudanças nas capacidades físicas, na saúde e na própria qualidade de vida, além
de perceberem uma melhorara significativa referente à sociabilização de seus
filhos. Em relação às crianças, percebeu-se que os motivos de estarem
praticando o treinamento funcional confirmam a predominância da saúde e
qualidade de vida relatada pelos pais e a maior parte gosta das atividades
realizadas durante as sessões, tendo um destaque para as brincadeiras.
Por fim, diante dos
achados neste estudo, pode-se concluir que o treinamento funcional parece uma
estratégia interessante de exercício físico para crianças, sendo uma modalidade
eficaz para melhorar o desenvolvimento motor e incitar a prática da atividade
física desde cedo, aumentando as chances de tornar adultos mais ativos.