Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(4):257-64
REVISÃO
A
influência da atividade física na percepção da qualidade de vida em idosos
Association between physical activity and quality of life in elderly
Maria Daniela
Clementino*, Angélica Castilho Alonso**, Rita Maria Monteiro Goulart**
*Discente do Programa de Pós Graduação em Ciências do Envelhecimento da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo/SP, **Docente do Programa de Pós Graduação em Ciências do Envelhecimento da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo/SP
Recebido em 31 de
novembro de 2018; aceito em 28 de dezembro de 2018.
Endereço
de correspondência:
Angélica Castilho Alonso, Rua Taquari, 546, 03166-000 Mooca SP, E-mail:
angelicacastilho@msn.com; Maria Daniela Clementino: mdclementino@hotmail.com;
Rita Maria Monteiro Goulart: ritagoulartnutri@gmail.com
Resumo
Objetivo: Investigar a
influência da prática de atividade física (AF) na qualidade de vida (QV) de
idosos. Métodos: Foi realizada uma revisão
integrativa, nas seguintes bases de dados: Embase,
Cochrane, Pubmed/Medline, Lilacs, e Scielo com os
descritores e termos: idoso, atividade motora, atividade física e qualidade de
vida em português e inglês, com os operadores booleanos “or”
e “and”. Após a verificação dos critérios de inclusão
foram selecionados 13 estudos publicados entre 2012 e 2016. Resultados: Em 61,5% dos estudos o
instrumento utilizado para avaliar a AF foi o International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), 15,4% utilizaram simultaneamente Senior Fitness Test (STF) e Physical Activity Scale for the Elderly
(PASE), e para avaliar a QV, 46,2% utilizaram World Health Organization Quality
of Life Instrument Old (WHOQOL). Independente do instrumento utilizado, os
resultados apresentados nos estudos avaliados mostraram que a AF influencia de
maneira positiva a QV de idosos. Conclusão: A AF melhora a percepção da QV dos
idosos, porém a resposta é mais efetiva quando são realizados exercícios
regulares e programados.
Palavras-chave: atividade física;
qualidade de vida; idosos.
Abstract
Objective: To
investigate the influence of physical activity (PA) on the quality of life (QoL) of the elderly. Methods:
An integrative review was performed in the following databases: Embase, Cochrane, Pubmed/Medline,
Lilacs, and Scielo with the descriptors and terms:
elderly, motor activity, physical activity and quality of life in Portuguese
and English, with the boolean
operators "or" and "and". After verification of the
inclusion criteria, 13 studies published between 2012 and 2016 were selected. Results: 61.5% of the studies used the
International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) instrument to assess PA,
15.4% used Senior Fitness Test (STF) and Physical Activity Scale for the Elderly
(PASE) simultaneously and to evaluate QV, 46.2% used World Health Organization
Quality of Life instrument old (WHOQOL). Regardless of the instrument used, the
results presented in the evaluated studies showed that the AF positively
influences the QoL of the elderly. Conclusion: PA improves the perception
of QOL in the elderly, and the response is more effective when regular and
scheduled exercises are performed.
Key-words: physical
activity; quality of life; elderly.
Uma das maiores
conquistas culturais de um povo em seu processo de humanização é o
envelhecimento de sua população, refletido em uma melhoria das condições de
vida. O aumento da longevidade brasileira aponta para a necessidade de
políticas públicas com foco nos idosos e ações voltadas para se chegar a uma
velhice bem sucedida [1].
O grande desafio que
a longevidade coloca sobre os profissionais da área da saúde é o de conseguir
uma sobrevida cada vez maior, com uma qualidade de vida cada vez melhor [2].
A qualidade de vida
foi definida pela Organização Mundial de Saúde como: “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura
e sistema de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações”. Tais conceitos revelam a importância
da autopercepção do estado geral de saúde e foram
usados no desenvolvimento do WHOQOL-old (World Health Organization
Quality of Life instrument old) que avalia a
qualidade de vida dos idosos [3].
Na velhice a
qualidade de vida tem sido definida como a percepção de bem-estar de uma
pessoa, que deriva de sua avaliação do quanto realizou daquilo que idealiza
como importante para uma boa vida e de seu grau de satisfação com o que foi
possível concretizar até o momento [4].
A literatura tem
mostrado, consistentemente, que a qualidade de vida é também influenciada pela
prática de atividade física, o Nível de Atividade Física (NAF) é um importante
indicador de saúde da população. A falta de atividade física (AF) está
associada a incapacidades funcionais em realizar as atividades de vida diária
(banho, locomoção, alimentação, higiene íntima, continência, capacidade de
vestir-se) e maior número de comorbidades
principalmente em idosos [5-7].
Entre os motivos para
menor frequência de AF regular entre os idosos estão: medo de cair, preocupação
com a segurança, dor e desconforto provocados pelo exercício [8]. Por outro
lado, a prática de AF parece ser uma estratégia para melhorar aspectos como:
manutenção da autonomia, capacidade funcional, diminuição dos riscos de quedas
e melhoria da QV [9].
Dessa maneira, a QV é
um conceito-chave na promoção da saúde e importante para programas voltados ao
bem-estar da população [6]. Alguns estudos têm relacionado os benefícios da AF
na QV de indivíduos adultos e idosos, como melhora da capacidade funcional,
convívio social e melhora da autossatisfação [6,10-12].
Estudos de revisão de
literatura permitem informar ao leitor o estado da arte na área pesquisada e
identificar as relações, contradições e inconsistências na literatura e, ao
mesmo tempo, sugerir soluções para resolução de problemas [13].
Assim, tendo em vista
a importância do tema e a relevância de estudos de revisão, o objetivo deste
estudo foi investigar a influência da prática de atividade física (AF) na
qualidade de vida (QV) de idosos.
Foi realizado um
estudo de revisão integrativa. As bases de dados consultadas foram Embase, Cochrane, Pubmed/Medline, Lilacs e Scielo.
Os critérios de
inclusão foram: estudos dos últimos cinco anos (2012 a 2016), idiomas em
português e inglês, realizados com idosos a partir de 60 anos de ambos os
gêneros, acesso aos textos completos, prática de qualquer tipo de atividade
e/ou exercício físico (EF), com avaliação da QV.
Os seguintes
descritores e termos de busca foram utilizados em inglês: aged,
elderly, motor activity, physical activity e quality of life
e em português: idoso, atividade motora, atividade física e qualidade de vida,
com os operadores booleanos “or” e “and”. Estes termos deveriam estar presentes no título.
Foram excluídas as revisões bibliográficas, publicações duplicadas nas bases de
dados, artigos relacionados a portadores de doenças e
estudos que incluíram adultos.
Incialmente a partir
dos critérios definidos, na fase de identificação foram localizados 56 artigos.
Após a retirada da duplicidade, restaram 36 artigos, após a leitura do resumo
foram excluídos aqueles que não abordavam o tema compatível ao pesquisado,
restando 18 artigos. Estes, foram lidos na íntegra, sendo excluídos 5 artigos por não contemplarem os critérios de inclusão,
totalizando treze estudos (Figura 1).
As variáveis
estudadas foram: autor, ano, país, número de participantes, sexo, idade (anos),
instrumentos utilizados para avaliar AF e QV (Quadro 1).
Posteriormente analisou-se a influência da prática de atividade física na
qualidade de vida (Quadro 2).
Do total de estudos
que atenderam aos critérios de inclusão, 76,9% (n = 10) foram de delineamento
transversal e 23,1% (n = 03) de intervenção.
A maioria dos estudos
(76,9%) incluiu idosos de ambos os sexos. Em 61,5% o instrumento utilizado para
avaliar o nível de atividade física foi o Internacional
Physical Activity Questionnaire (IPAQ), 15,4% utilizou simultaneamente o Senior Fitness Test (STF) e Physical Activity
Scale for the Elderly (PASE), 7,7% classificaram os indivíduos em
moderadamente ou vigorosamente ativo a partir de um questionário autorreferido, em 15,4% não foi possível identificar o
instrumento avaliado.
Em relação à QV,
46,2% utilizou o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref ou old), 30,7% utilizou o Short
Form Health Survey,
36-item (SF-36), seguidos pelo Perfil de Saúde de Nottingham (PSN) - versão
Curta do Questionário sobre Saúde 36 Itens (VC-36) e apenas 7,7% utilizou um
questionário autoreferido.
Figura
1 - Esquema de seleção dos artigos avaliados
sobre a influência da atividade física na percepção da qualidade de vida em
idosos
É importante destacar
que cada instrumento de QV utiliza diferentes variáveis, por exemplo, no
WHOQOL-bref há 24 questões subdivididas que avaliam
os domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio
ambiente; e duas questões genéricas relacionadas à QV e auto avaliação da
saúde [14]. O WHOQOL-old é um instrumento específico
para idosos com 24 itens que avaliam as facetas: funcionamento dos sentidos,
autonomia, participação social, atividades passadas, presentes e futuras, morte
e morrer; e intimidade [15]. O SF-36 é composto por 8 subescalas que avaliam: capacidade funcional, aspecto
físico, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspecto social, aspecto
emocional e saúde mental [16]. Os três instrumentos utilizam uma escala que
ordena os valores de 0 a 100, as maiores pontuações se relacionam com a melhor
QV.
A despeito da
diversidade de instrumentos para avaliar a QV e dos diferentes domínios
avaliados, na maioria dos estudos, os idosos com NAF mais elevado apresentaram
melhores resultados relacionados à percepção QV (Quadro 2).
Os resultados
apresentados nos estudos avaliados mostraram que a AF melhora QV de idosos.
Observa-se, considerando os critérios de busca, um interesse crescente em
avaliar aspectos da AF e sua relação com a qualidade de vida de idosos,
enquanto foram identificados 2
artigos em 2012 em 2015
foram localizados 5 artigos. Estudos com esta temática
são necessários para
melhorar a atenção à saúde do idoso, uma
vez que há uma tendência da população
mundial aumentar a sua expectativa de vida. É importante
destacar que, além da
prática de atividade física, são
necessárias ações relacionadas aos aspectos
mentais e sociais para compreender melhor o processo do envelhecimento
[19].
Na maioria dos
estudos a população foi composta por idosos de ambos os sexos. Atualmente
fala-se da feminização do envelhecimento, em razão da
maior longevidade das mulheres, maior adesão das idosas em programas de AF e
maior mudança de comportamento e de estilo de vida quando comparado aos homens
[24]. É importante destacar que a presença do público masculino, ainda que em
quantidade reduzida, é importante para atrair os idosos ao convívio social.
Quadro
1 - Estudos sobre atividade física e qualidade
de vida em idosos. São Paulo, 2017
EUA:
Estados Unidos, n: amostra, M: masculino, F: feminino, WHOQOL-Old: World Health Organization Quality of
Life instrument-Old, IPAQ: Internacional Physical
Activity Questionnaire, PSN: Perfil de Saúde de Nottingham, STF: Senior Fitness Test, PASE: Physical
Activity Scale for the Elderly, SF-36: Short Form Health Survey, 36-item,
VC-36: Versão Curta do Questionário sobre Saúde de 36 Itens, WHOQOL-Bref: World Health Organization Quality of Life instrument-Bref
Quadro
2 - Estudos segundo prática de atividade física
e resultados na percepção de qualidade de vida de idosos. São Paulo, 2016
H: homens, M:
mulheres, GE: grupo experimental, GC: grupo controle, GS: grupo sedentário,
GPAF: grupo praticante de atividade física, GPAF: grupo praticante de atividade
física, GNPAF: grupo não praticante de atividade física, T2DM: Diabetes
Mellitus Tipo 2, QVRS: qualidade de vida relacionada a
saúde, NAF: nível de atividade física, EA: exercícios aeróbicos. EB: exercícios
de base, AFI: atividade física insuficiente, AFS: atividade física suficiente,
GI: grupo intervenção, GC: grupo controle, GAL: grupo ativo no lazer, GIL:
grupo inativo no lazer, IA: insuficientemente ativo,
SA: suficientemente ativo
Em relação à AF, Pegorari et al. [28]
relatam que os idosos da área rural acreditam que o esforço físico relacionado
às atividades do campo e ambiente doméstico são suficientes para a prática de
AF. Contudo, para obter uma melhora na QV nos aspectos físico, social e mental
essas atividades não devem estar relacionadas apenas as atividades diárias, mas
também a prática de exercícios físicos regulares. Os programas de treinamento
físico podem promover a socialização e o divertimento dos idosos, contribuindo
para sua permanência em grupo [19].
Idosos que foram
submetidos a exercícios físicos regulares e programados apresentaram melhora da
percepção da QV [18-21,23]. No entanto, não foi verificado se estes idosos eram
ativos, sem necessariamente praticarem uma atividade física sistematizada e
regular, antes da intervenção.
Silva et al. [19] referem que a prática de
qualquer AF é importante para um envelhecimento saudável e independente, no
entanto, quando a atividade torna-se um EF, os benefícios são mais efetivos na
melhora da capacidade física e no funcionamento dos sistemas muscular e
cardiovascular [27] dos idosos.
Dados semelhantes aos
apresentados por Silva et al. [19] foram encontrados em outros
estudos [20,24], nos quais os autores verificam a melhora na QV de idosos após
a prática de exercícios aeróbicos, com resultados significativamente positivos
no desempenho físico do idoso promovendo melhor recuperação após a alta
hospitalar.
O estudo de Brovolt et al. [23]
mostrou melhor condição física entre os homens, como consequência eles
apresentaram melhor QV comparados as mulheres. Este resultado pode estar
relacionado ao fato dos homens terem uma característica física diferente das
mulheres evidenciando sua melhor aptidão para a realização de determinadas
atividades.
Os estudos apontaram
como limitações para obtenção de melhores resultados o tempo na aplicação das
intervenções [23-26,28]. Estudos transversais, por serem aplicados em períodos
de tempo reduzidos, delimitam a observação dos resultados, inferindo a relação
de causalidade. Assim, é necessário o desenvolvimento de estudos longitudinais
para evidenciar melhor a eficácia da atividade física e exercícios regulares na
QV dos idosos.
Outro fator limitante
identificado foi à utilização de instrumentos retrospectivos de auto relato
para avaliar a AF, uma vez que a prática de atividades físicas recentes pode
superestimar os resultados positivos [17,24,25,28,29].
Destaca-se que a
maioria dos estudos utilizaram instrumentos validados e reconhecidos
internacionalmente. Guedes et al. [17]
ressaltam a importância de utilizar instrumentos validados, pois permite uma
maior confiabilidade nas conclusões sobre a AF e QV.
Uma limitação que
deve ser apontada é o fato da impossibilidade de comparar os resultados dos
estudos avaliados, uma vez que foram utilizados diferentes instrumentos para
avaliar a percepção da qualidade de vida, como também foram realizadas
diferentes propostas de atividade física, o que inviabilizou conhecer que tipo
de atividade física e qual a frequência que melhor contribui para qualidade de
vida de idosos.
Conclui-se
que existe
uma relação positiva entre AF e melhora da
percepção da QV, entretanto, para
melhor compreensão desta relação, é
importante observar dois aspectos, o
primeiro, a de realização de estudos longitudinais para
acompanhar melhor a
causa e efeito da AF na QV de idosos; segundo, a
realização de estudos para
avaliar essas variáveis exclusivamente com os idosos, muitos
estudos foram
excluídos da análise por incluir indivíduos
adultos, de forma a contribuir com
a melhor atenção à saúde e com
políticas públicas dirigidas para essa
população
que mais cresce no país.