Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(1):23-31
REVISÃO
O uso de
escalas de percepção subjetiva de esforço em periódicos nacionais
Use
of ratings of perceived exertion in national journals of physical activity
Luara Loren Arcenio*
*Mestranda
em Desempenho Esportivo na Universidade Federal do Paraná, Curitiba/PR
Recebido em 26 de
fevereiro de 2019; aceito em 12 de março de 2019.
Endereço
para correspondência:
Luara Loren Arcenio, Rua
Coronel Ary Pinho, 444, Boa Vista, Curitiba PR, E-mail: luara.arcenio@gmail.com
Resumo
O presente estudo surge
da necessidade de compreender o panorama atual acerca da utilização de escalas
de percepção subjetiva de esforço (PSE) nos periódicos nacionais da Educação
Física. Para isso, optou-se por realizar um recenseamento da utilização de
escalas de PSE em artigos publicados em revistas com qualificação alta na Qualis/Capes, para identificar como o tema tem sido
abordado. Dos 113 artigos encontrados, 94 se enquadraram nos critérios de
inclusão para compor a amostra, desses 85 foram publicados a partir do ano de
2008. Apesar do elevado número de estudos, a categoria que contou com mais
publicações foi a do uso da PSE apenas como variável de controle secundária,
não discorrendo efetivamente sobre o tema. Isso nos leva a concluir que existe
a necessidade de pesquisar mais acerca desta temática para difundir o uso e a
importância desta ferramenta tão acessível e relevante para a área de Educação
Física.
Palavras-chave: percepção subjetiva
de esforço; escalas perceptuais; estado da arte.
Abstract
This
study aimed to understand the current scenario of using ratings of perceived
exertion (RPE) in national journals of Physical Education. A census about using
RPE scales in articles published in journals with high Qualis/Capes
qualification was carried out in order to identify how
the topic has been approached. Ninety four of 113 articles found fit the
inclusion criteria to compose the sample, 85 of which published from 2008 on.
Despite the high number of studies, the category with the highest number of
articles was the one that uses RPE only as a secondary mean to control
exercise. It leads us to conclude that is necessary to do more studies
regarding this theme to spread the value of this accessible and relevant tool
to Physical Education.
Keywords: ratings of
perceived exertion; perceptual scales; state of art.
As escalas perceptuais
são uma ferramenta de fácil acessibilidade e aplicação no controle de
treinamento [1] e por isso estão sendo cada vez mais estudadas. Com o número de
produções acadêmicas acerca desse tema aumentando desde os anos 2000 [2], surge
à necessidade de avaliar o que está sendo produzido, a fim de que possamos
aproveitar esse conhecimento, evitando investir tempo em criar pesquisas já
realizadas anteriormente e aceitas pela comunidade científica.
A área de pesquisas
científicas no Brasil carece de memória, o que acaba freando o progresso da
mesma, por isso é necessário fazer um levantamento do que já foi produzido
acerca do assunto que se pretende estudar [3].
Dada a relevância do
uso de escalas de PSE na área da Educação Física, bem como a importância de
realizar um levantamento sobre o que já foi pesquisado sobre o tema,
constatou-se a necessidade de recensear os artigos científicos publicados em
periódicos brasileiros para identificar quais aspectos têm sido abordados
acerca do assunto em questão.
Após entender o
conceito e metodologia das pesquisas de Estado da Arte, o material foi
localizado, catalogado, analisado e enfim sistematizado para que servisse de
base para futuros estudos do tema na área da Educação Física.
Importância
das pesquisas de estado da arte
As pesquisas
denominadas “Estado da Arte” realizam o mapeamento de uma determinada produção
acadêmica em diferentes campos do conhecimento, a fim de tentar responder que
aspectos e dimensões vêm sendo destacados em relação a determinada temática
[4].
É importante
estabelecer ligações entre os conhecimentos produzidos, propiciando-se assim
práticas reflexivas, bem como o exercício de aliar teoria e prática. Este
investimento pode ter impacto em sua atuação profissional, além da
possibilidade de realizar um recenseamento de tópicos já testados e aceitos
pela comunidade científica [5].
Charlot [4] relata sobre
carência que o Brasil tem em relação à memória do que já foi realizado em
termos de pesquisas e quais as consequências em não revisar periodicamente o
que tem sido feito:
A
principal consequência disso é que refazemos continuamente as mesmas teses, as
mesmas dissertações, sem sabermos o que foi produzido anteriormente. Fazemos
uma tese que já foi feita há dez anos, no mesmo país ou no exterior, e até
mesmo, às vezes, uma tese que foi defendida uma semana antes, em outra
universidade, sem que tivéssemos conhecimento disso. Também nos esquecemos dos
debates que aconteceram em décadas anteriores, em proveito dos autores ‘da
moda’. Nossa disciplina não tem uma memória suficiente, e isso freia o progresso
da pesquisa [4:17].
Escalas
de percepção subjetiva de esforço
O interesse em saber
como as pessoas estão se sentindo, suas dores e sensações durante determinadas
tarefas tem crescido nas últimas décadas, bem como a necessidade de quantificar
esses sintomas subjetivos. A necessidade de desenvolver métodos mais assertivos
para a medição desses sintomas levou os cientistas a recorrerem às métricas
utilizadas pela física e fisiologia, em que existe um zero absoluto e uma
escala com a mesma distância entre os valores presentes nela [6].
As escalas de percepção
subjetiva de esforço são classificadas como escalas psicofisiológicas, pois
quantificam a magnitude de esforço realizado de acordo com a percepção do
indivíduo, envolvendo processos fisiológicos, cognitivos e afetivos [7].
Gunnar Borg desenvolveu a primeira escala de percepção subjetiva
de esforço aplicada ao exercício físico na década de 70 [2]. Após isso,
diversas outras escalas foram elaboradas com base na original e já possuem
validação para diversos usos e populações [8].
A
utilização de escalas perceptuais na educação física
Escalas de PSE têm se
mostrado um excelente parâmetro para avaliar o esforço realizado durante o
exercício, pois ela integra fatores psicológicos e fisiológicos, o que fornece
uma resposta mais completa do que apenas indicadores fisiológicos [9].
Monitorar o treinamento
através destas escalas é algo muito acessível e de fácil coleta [1], o que as
torna muito úteis para aplicação na nossa área, além de nos permitirem acessar
a intensidade em que o aluno está realizando a atividade.
As escalas de PSE
também são aplicadas na prescrição de treinamento, podendo estar aliada, ou
não, a variáveis fisiológicas [6]. Indivíduos cardíacos que utilizam
betabloqueadores podem se beneficiar da prescrição de exercícios com base nas
escalas de PSE, visto que sua frequência cardíaca sofre alteração por parte dos
remédios, tornando as escalas mais seguras no controle do exercício [10].
Foster et al. [12] desenvolveram um método para
quantificar a carga interna de treinamento através da PSE. O cálculo é feito
através do produto da PSE na escala de 0-10 pela duração da sessão de
exercício. O resultado é expresso em unidades arbitrárias e permite a
visualização do padrão de alternância e de distribuição das cargas de
treinamento ao longo dos dias.
Além de todos esses
usos, ainda podemos ressaltar a relação da PSE com variáveis fisiológicas, como
a frequência cardíaca e o limiar de lactato, sendo um meio mais prático e
acessível de predizer esses valores fisiológicos [1,9].
Inicialmente foram
identificadas diversas pesquisas sobre Estado da arte, a fim de avaliar sua
aplicação e qual a relevância deste tipo de estudo para a área da Educação
Física. Depois de confirmada tal importância, houve a necessidade de selecionar
quais plataformas de busca disponíveis seriam utilizadas para mapear as
produções científicas, bem como quais tipos de produção seriam mapeados
(artigos, teses, dissertações) e então, após a definição desses parâmetros
norteadores, optou-se por realizar um recenseamento da utilização da PSE em
artigos científicos.
Como fontes para coleta
dos dados empíricos foram selecionados artigos presentes em revistas da área da
Educação Física, no Brasil, com Qualis/Capes –
Plataforma Sucupira, a partir do evento de classificação de periódicos do
quadriênio 2013-2016, classificadas como A1, A2, B1, e B2.
Nenhum periódico classificado como A1 foi detectado na área da Educação Física
no Brasil. Os periódicos que se enquadraram na classificação proposta foram os
seguintes:
A
busca foi realizada
no acervo online de cada uma das revistas pelo termo
“Percepção Subjetiva de
Esforço”, sem a aplicação de nenhum filtro.
A data de corte da pesquisa foi o
dia 2 de novembro de 2018. Dos quatorze periódicos analisados,
apenas seis
continham artigos que atenderam aos critérios da busca. Os
critérios de
inclusão e exclusão utilizados para catalogar os artigos
encontrados foram: ter
relação com a área da Educação
Física; conter o termo “Percepção Subjetiva
de
Esforço” no artigo; e conter dados o suficiente para o
levantamento dos
indicadores elencados no presente estudo.
Os indicadores
levantados a partir dos resultados retornados da busca foram planificados por
meio do software Microsoft Excel 2013 e, posteriormente, analisados por meio de
distribuição de frequência. O tratamento dos dados, de um ponto de vista
estatístico, foi um fator limitante do estudo. Devido ao número de variáveis
não foi possível realizar uma análise estatística mais complexa, bem como não
foi encontrado em nenhum dos estudos de estado da arte utilizados como
referência uma análise diferente da distribuição de frequência. A planilha de
sistematização dos dados continha as seguintes informações: Nome da revista;
Título do artigo; Nome e sobrenome do primeiro autor; Instituição de ensino do
primeiro autor; Ano da publicação; Categoria em que se enquadra o artigo; Qual
escala foi utilizada/estudada; Qual a população de amostra do artigo (caso
tivesse trabalho de campo); e em qual o tipo de treinamento foi aplicada a
escala de PSE.
Para preenchimento da
planilha com os dados acima, foi utilizada a técnica de “Análise de Conteúdos”
proposta por Bardin [13] que permite o exame
metódico, sistemático e objetivo do conteúdo de determinados textos, com o
propósito de classificar e de interpretar os elementos que o constituem.
Através dessa análise é possível expressar tendências e obter indicadores
quantitativos e/ou qualitativos, essencialmente por atividades de categorização
e de classificação.
A operação de
categorização teve como base as quatro categorias propostas por Marques [2] em
seu estudo de revisão sobre o estado da arte das escalas de percepção subjetiva
de esforço: PSE; Validar a escala de PSE; Quantificar a carga pela PSE; e
Prescrição do treino pela PSE. A fim de especificar melhor a primeira categoria
“PSE” que era muito abrangente, os artigos do presente estudo foram divididos
em sete categorias:
1. Validação de escalas
de PSE: Artigos que tinham como principal objetivo validar as escalas de PSE em
determinada população ou uso.
2. Prescrição de
treinamento pela PSE: Publicações que utilizavam a PSE como base para
prescrever o treinamento.
3. Revisão de
Literatura: Textos que traziam um compilado de informações de pesquisas
anteriores sobre o tema.
4. Estudos de
correlação entre a PSE e variáveis fisiológicas: Estudos que buscavam avaliar o
grau de correlação entre a PSE obtida durante determinado exercício e as
variáveis fisiológicas encontradas durante o mesmo.
5. Quantificação da
carga de treinamento pela PSE: Artigos que quantificavam a carga de treinamento
pela PSE através do método proposto por Foster et al. (2001).
6. Monitoramento das respostas
psicofisiológicas ao exercício pela PSE: Publicações que coletavam a PSE para
avaliar as respostas psicofisiológicas do indivíduo ao exercício físico
proposto.
7. PSE como variável de
controle secundária: Pesquisas que coletavam a PSE, porém não a utilizavam em
suas análises e discussões.
Com os dados
sistematizados e categorizados, foi possível então sintetizar os achados
referentes ao tema nas produções científicas recenseadas.
Ao realizar a busca
pelo termo “Percepção Subjetiva de Esforço” no acervo online dos periódicos
selecionados, inicialmente retornaram 113 artigos. A seleção dos artigos
realizada em cada etapa do processo, bem como o número de artigos enquadrados
em cada etapa, está exposta na Figura 1.
Fonte: O autor (2018)
Figura 1 – Seleção dos artigos por etapa
Do
total de artigos
encontrados, ao realizar a leitura do título, apenas três
não tinham relação
com a educação física, porém quando foi
feita a busca do termo “Percepção
Subjetiva de Esforço” tanto no resumo, quanto no corpo do
artigo, foram
excluídos mais 16 artigos que apareceram na busca por conterem
as palavras
“percepção”, “subjetiva” e
“esforço” de forma separada, e não no
contexto do
presente estudo.
Dos 94 artigos
remanescentes selecionados para compor a amostra desta pesquisa, a distribuição
de publicações por ano foi a seguinte (Figura 2).
Fonte: O autor (2018)
Figura 2 – Distribuição das publicações por ano
Ao avaliarmos a figura
acima, podemos perceber que pouco se produziu acerca do tema pesquisado
anteriormente a 2007. Considerando que o período temporal total da amostra é de
27 anos, podemos concluir que os primeiros 16 anos foram pouco produtivos em
relação a essa temática, já que apenas nove dos 94 artigos encontrados foram
publicados nesse período, com uma variação entre um e três artigos por ano, e
em diversos anos não houve nenhuma publicação. A partir de 2008, o número de
pesquisas envolvendo a PSE aumentou consideravelmente, visto que o número de
artigos encontrados nos últimos 11 anos é mais de nove vezes maior do que o
número de pesquisas publicadas anteriormente a 2007, com uma variação entre
cinco e 12 artigos por ano.
Estudos sobre o estado
da arte de outras temáticas relacionadas à Educação Física também constataram
um aumento no número de publicações em meados do ano 2000. Ao analisar a
produção sobre dança na base de dados Scielo Brasil,
Ferreira et al. [1] observaram um
número de publicações 300% maior entre 2010 e 2014 quando comparado aos anos
2005 a 2009. Um boom bibliográfico também foi percebido nas pesquisas sobre
atividades circenses a partir dos anos 2000 em relação às décadas anteriores
[15]. A temática referente à educação física escolar também foi mais pesquisada
a partir de 2004, as publicações mais do que dobraram no período de 2004-2008
em relação a 1999-2003 [16]. E por fim, um aumento na produção acerca do ensino
das lutas no âmbito escolar também foi constatado a partir de 2008 [17].
As publicações
encontradas se concentraram em seis periódicos, com classificação na Qualis/Capes B1 e B2. Os resultados estão expostos na
Figura 3.
Fonte: O autor (2018)
Figura 3 – Publicações por periódico
A revista que mais
publicou sobre escalas de PSE é a Revista Brasileira de Educação Física e
Esporte (RBEFE), que tem classificação B1 na Plataforma Sucupira da Qualis/Capes. É um periódico de publicação trimestral da
Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, e tem como
uma das principais subáreas de publicação a biodinâmica. Lazzarotti
Filho et al. [18] classificaram
a RBEFE como uma revista que tem maior relação com as chamadas “ciências
duras”, que englobam áreas de estudo como a física, química e biologia [3], o
que pode explicar o elevado número de publicações acerca da PSE, que é uma
temática pertencente a esta área.
Quanto ao enfoque
temático das publicações de acordo com a categorização realizada, observamos os
seguintes dados na Figura 4:
Fonte: O autor (2018)
Figura 4 – Enfoque temático das publicações
Apesar do elevado
número de artigos encontrados que utilizaram escalas perceptuais em algum
momento da pesquisa, a maioria deles (28,7%) coletou a PSE apenas como uma
variável de controle secundária, não discorrendo sobre esse dado ou
relacionando ele com outra variável em nenhum momento do estudo.
A segunda categoria
mais expressiva (24 artigos, o que representa 25,5% da amostra) foi a de
monitoramento das respostas psicofisiológicas ao exercício pela PSE. Borg & Kaijser [9] já
ressaltavam a importância e o crescente interesse em estudar variáveis baseadas
no conceito psicológico do esforço percebido como complemento às variáveis
fisiológicas. Entender como as pessoas percebem o esforço durante a prática de
exercícios físicos também permite um melhor ajuste da intensidade de
treinamento [19], o que é fundamental na efetividade de um programa de
treinamento físico [20].
Artigos de revisão de
literatura é uma ótima fonte de pesquisa quando se trata de entender
determinada temática, porém, apesar de oito artigos terem sido encontrados
nesta categoria, apenas dois eram especificamente sobre as escalas de PSE, os
outros seis tratavam de diferentes temas e abordavam a PSE apenas em algum
tópico.
Outra variável
analisada foi quais das escalas existentes para medir a percepção subjetiva de
esforço foram mais utilizadas nas pesquisas que compuseram a amostra, conforme
a Figura 5.
Fonte: O autor (2018)
Figura 5 – Distribuição das escalas de PSE utilizadas
Conforme mostra o
gráfico acima, podemos observar que a escala original de 15 pontos proposta por
Gunnar Borg (Borg 6-20)
ainda é a mais usual, sendo utilizada em 38,3% dos artigos pesquisados, além de
aparecer em mais três artigos em que foi empregada em conjunto com outras
escalas. A Borg 6-20 é a mais antiga e conhecida das
escalas [9], o que pode explicar o fato dela ser mais estudada e validada no
meio científico.
A escala OMNI-RES ou
OMNI Resistance Exercise Scale foi desenvolvida especificamente para o
treinamento resistido [21], porém, ao analisarmos a parcela da amostra
referente a estudos sobre treinamento de força (24 artigos) vemos que ela ainda
não se sobressai às escalas generalizadas propostas por Borg,
como mostra a Figura 6.
Fonte: O autor (2018)
Figura 6 – Escalas utilizadas em estudos sobre treinamento de força
Diante dos resultados
encontrados, notamos que apesar de artigos que estudam os aspectos
psicofisiológicos do esforço serem bastante publicados, como denota nossa
amostra de 94 artigos referentes a esta temática, grande parte deles não
utiliza efetivamente as escalas de PSE na sua discussão. Isso vem a corroborar
a importância da realização de estudos nessa área, uma vez que a temática é
relevante e acessível, não só no âmbito acadêmico, mas também no ambiente
profissional da área da Educação Física, permitindo uma melhor compreensão dos
fatores que influenciam o treinamento físico. Pesquisas que monitorem a
resposta psicofisiológica ao exercício, correlacionem a mesma com variáveis
fisiológicas, validem essas escalas para o nosso idioma e são fundamentais para
difundir a importância e utilização das escalas perceptuais na nossa área.