EDITORIAL
Será que
estamos precisando de uma lava jato científica?
Antonio Marcos Andrade
M.Sc., Professor do Curso
de Educação Física da Faculdade Social, Bahia
E-mail:
amcosta@faculdadesocial.edu.br
Em 2005, o grego John Loannidis, professor da Universidade de Stanford, publicou
um artigo na PLOS Medicine intitulado “Why most published research findings are false”
[1]. Ele que é dos pioneiros da chamada “meta-ciência”, disciplina que analisa
o trabalho de outros cientistas, avaliou se estão respeitando as regras
fundamentais que definem a boa ciência. Esse trabalho foi visto com muito
espanto e indignação por parte dos pesquisadores na época, pois colocava em xeque
a credibilidade da ciência.
Para muitos cientistas,
isso acontece porque a forma de se produzir conhecimento ficou diferente, ao
ponto que seria quase irreconhecível para os grandes gênios dos séculos
passados. Antigamente, se analisavam os dados em estado bruto, os autores iam às
academias reproduzir suas experiências diante de todos, mas agora isso se
perdeu porque os estudos são baseados em seis milhões de folhas de dados. Outra
questão importante que garantia a confiabilidade dos achados era que os
cientistas, independentemente de suas titulações e da relevância de suas
descobertas anteriores, tinham que demonstrar seus novos achados diante de seus
pares que, por sua vez, as replicavam em seus laboratórios antes de dar
credibilidade à nova descoberta. Contudo, na atualidade, essas garantias veem
sendo esquecidas e com isso colocando em xeque a validade de muitos estudos na
área de saúde.
Preocupados com a baixa
qualidade dos trabalhos atuais, um grupo de pesquisadores se reuniram em 2017 e
construíram um documento manifesto que acabou de ser publicado no British
Medical Journal “Evidence Based Medicine Manifesto for Better Health Care” [2]. O
Documento é uma iniciativa para a melhoria da qualidade das evidências em
saúde. Nele se discute as possíveis causas da pouca confiabilidade científica e
são apresentadas algumas alternativas para a correção do atual cenário. Segundo
seus autores, os problemas estão presentes nas diferentes fases da pesquisa:
Fases da elaboração dos
objetivos - Objetivos inúteis. Muito do que é produzido não tem impacto
científico nem clínico. Isso porque os pesquisadores estão mais interessados em
produzir um número grande de artigos do que gerar conhecimento. Quase 85% dos
trabalhos não geram nenhum benefício direto a humanidade.
Fase do delineamento do
estudo - Estudos com amostras subdimensionados, que não previnem erros
aleatórios. Métodos que não previnem erros sistemáticos (viés na escolha das
amostras, falta de randomização correta, viés de confusão, desfechos muito
abertos). Em torno de 35% dos pesquisadores assumem terem construídos seus
métodos de maneira enviesada.
Fase de análise dos
dados - Trinta e cinco por cento dos pesquisadores assumem práticas inadequadas
no momento de análise dos dados. Muitos assumem que durante esse processo realizam
várias análises simultaneamente, e as que apresentam significância estatística
são transformadas em objetivos no trabalho. As revistas também têm sua parcela
de culpa nesse processo já que os trabalhos com resultados positivos são mais
aceitos (2x mais) que trabalhos com resultados negativos.
Fase de revisão do
trabalho - Muitos revisores de saúde não foram treinados para reconhecer
potenciais erros sistemáticos e aleatórios nos trabalhos.
Em suma é necessário
que pesquisadores e revistas científicas pensem nisso. Só assim, teremos
evidências de maior qualidade, estimativas estatísticas adequadas, pensamento
crítico e analítico desenvolvido e prevenção dos mais comuns vieses cognitivos
do pensamento.