Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(1):32-37
doi: 10.33233/rbfe.v18i1.2876REVISÃO
O
treinamento intervalado de alta intensidade em ambiente aquático
High-intensity
interval training in aquatic environment
Letícia de Mattos Oishi*, Roberta Luksevicius
Rica**, Welmo Alcântara Barbosa***, Lucas Sfair Barreto***, Danilo Sales Bocalini***,
Alexandre Lopes Evangelista*
*Departamento
de
Educação Física, Curso de Educação
Física, Universidade Nove de Julho, São Paulo/SP,
**Curso de Educação Física, Universidade
Estácio de Sá, Vitória/ES, ***Centro
de Educação Física e Desporto da Universidade
Federal do Espírito Santo,
Vitória/ES
Recebido em 4 de
janeiro de 2019; aceito em 28 de fevereiro de 2019.
Endereço
para correspondência:
Letícia de Mattos Oishi, Rua Floriano Borges, 320 Jd das Rosas 19060-170 Presidente Prudente SP, E-mail:
mattosoishi@hotmail.com; Roberta Luksevicius Rica:
robertarica@hotmail.com; Welmo Alcântara Barbosa:
welmoalcantara@hotmail.com; Lucas Sfair Barreto:
lucas.sfair@gmail.com; Danilo Sales Bocalini:
bocaliniht@hotmail.com; Alexandre Lopes Evangelista:
contato@alexandrelevangelista.com.br
Resumo
Diversas diretrizes
defendem que para uma vida saudável é importante a prática de exercícios físico
de forma regular, de forma a estimular promoção de saúde, prevenção e
tratamento de doenças crônicas, o que reflete em melhor qualidade de vida.
Sendo assim, o treinamento físico torna-se uma ferramenta de interesse da saúde
pública. Entretanto, a falta de tempo e as limitações físicas muitas vezes são
utilizadas como barreira no engajamento de uma vida menos sedentária. Nestas
circunstâncias, o método de treinamento intervalado no ambiente aquático sugere
ser uma ferramenta eficaz no combate ao sedentarismo, uma vez que requer menos
tempo e utiliza de um meio possível para prática de exercícios físicos por
aqueles com limitações, crônicas ou temporárias, nas articulações ou músculos,
bem como para treinos recreacionais ou até mesmo por opção mais atrativa para
alguns. Portanto, o objetivo deste estudo foi elucidar os benefícios do
treinamento intervalado de alta intensidade no ambiente aquático através de uma
revisão de literatura que explorou o treinamento intervalado de alta
intensidade e sua possível relação com o ambiente aquático. O método de
treinamento proposto se mostrou eficiente, seguro e adaptável, proporcionando
benefícios e melhorias da saúde para diferentes públicos. Os estudos mostram
melhorias no condicionamento físico abrangendo tanto adaptações centrais, como
periféricas. Assim, sabendo-se que ambiente aquático é um meio possível na
busca da qualidade de vida, mais pesquisas nessa área faz-se necessárias para
esclarecer melhor o método, as adaptações necessárias no meio, e os benefícios
para diferentes públicos.
Palavras-chave: treinamento
intervalado de alta intensidade; ambiente aquático; saúde.
Abstract
Several
guidelines argue that for a healthy life it is important to practice physical
exercises on a regular basis, in order to stimulate
health promotion, prevention and treatment of chronic diseases, which reflects
in a better quality of life. Thus, physical training becomes a tool of public
health interest. However, lack of time and physical limitations are often used
as a barrier in engaging a less sedentary life. In these circumstances, the
interval training method in the aquatic environment suggests that it is an
effective tool in the fight against sedentarism, since it requires less time
and uses one possible means to practice physical exercises by those with
limitations, chronic or temporary, in the joints or muscles, as well as for
recreational workouts or even by more attractive option for some. Therefore,
the objective of this study was to elucidate the benefits of high intensity interval
training in the aquatic environment through a literature review of studies
which explored the high-intensity interval training and its possible
relationship with the aquatic environment. The proposed training method was
efficient, safe and adaptable, providing health benefits and improvements for
different audiences. The studies show improvements in physical conditioning
encompassing both central and peripheral adaptations. Thus, knowing that
aquatic environment is one possible means in the quest for quality of life,
more researches in this area are necessary to clarify better the method, the
necessary adaptations in the environment, and the benefits for different
audiences.
Key-words: high-intensity
interval training; aquatic environment; health.
A proposta do
Treinamento Intervalado de Alta Intensidade (High-Intensity
Interval Training – HIIT) tem conquistado muitos
adeptos, talvez por sua eficiência sendo comprovada em relação às adaptações
tanto central (cardiovascular) como periférica (músculo esquelética), além da
praticidade com relação à economia de tempo. Assim, o HIIT ressurge como boa
ferramenta no combate ao estilo de vida sedentário [1].
A água é utilizada em
uma gama de abordagens, incluindo terapias e trabalhos de condicionamento
físico [2]. Muitos dos adeptos ao treinamento aquático o procuram por se
sentirem mais confiantes e capazes de realizar exercícios físicos nesse meio.
Sendo assim, sabendo-se
os benefícios do HIIT e a busca pelo condicionamento físico no ambiente
aquático, pesquisas voltadas às adaptações necessárias aos diferentes meios
devem ser elucidadas e salientadas.
Nesse contexto, o
presente estudo tem como objetivo elucidar o HIIT no ambiente aquático, seus
benefícios e limitações e demonstrando através de estudos a possibilidade do
método de Treinamento Intervalado de Alta Intensidade como forma vantajosa e
viável aos adeptos dos exercícios aquáticos.
Foi realizada uma
pesquisa nas bases de dados Pubmed, Lilacs e Scielo, com as seguintes
palavras-chave: High Intensity
Interval Training, High Intensity
Intermittent Training, Water
Aerobics, Exercise in water, Aquatic Exercises, Treinamento Intervalado de Alta Intensidade,
Exercícios na água, Hidroginástica. Foram selecionados estudos que analisaram o
HIIT e sua possível relação com o ambiente aquático. Com base nos achados foi
formulada uma revisão de literatura explorando o tema.
High Intensity Interval Training
O HIIT é um método de
treinamento que se popularizou nos últimos anos, entretanto pesquisas
relacionadas ao método datam desde a década de 70 [3,4].
Existem diversos
protocolos de HIIT, como, por exemplo, o protocolo de Tabata,
que consiste em realizar 8 séries de exercícios por 20 segundos, com 10
segundos de repouso, a uma intensidade de 170% VO2max totalizando 4
minutos de sessão [5].
Estudos mostram que a
aplicação de HIIT é seguro e eficaz para indivíduos com doenças crônicas, desde
que haja bom senso [6,7]. Esses achados são de interesse público, uma vez que a
falta de tempo é usada como uma barreira no engajamento de uma vida menos
sedentária.
De acordo com Gibala et al.
[1], o HIIT apresenta gasto energético equivalente a exercícios aeróbios
tradicionais de longa duração, e proporciona adaptações fisiológicas como no
treinamento aeróbio de intensidade moderada.
Tabata et al. [5] analisaram indivíduos fisicamente ativos divididos em
dois grupos de treinamento por oito semanas. Um grupo realizou exercícios a 70%
VO2máx 5x semana por 1 hora, enquanto o outro grupo realizou exercícios 4x
semana com treinamento intermitente exaustivo 170% VO2máx com o
protocolo de Tabata (exercício de 20s, 10s de
repouso, intensidade 170% VO2máx) e 1x semana 30min a 70% VO2máx
+ 4 séries a 170% VO2máx. Os resultados mostraram que 6 semanas de
treinamento contínuo de intensidade moderada não afeta a capacidade anaeróbia,
mas que 6 semanas de treinamento intermitente de alta intensidade pode melhorar
a capacidade anaeróbia e o VO2max simultaneamente.
Apesar de o HIIT ter
tido reaparecido fortemente como método de treinamento, é preciso atentar-se a
sua real aplicação e saber filtrar e absorver informações relevantes tanto na
mídia científica quanto na leiga. De acordo com a revisão sistemática e
meta-análise de Keating [8], o HIIT quando comparado com exercício contínuo
demonstra ser igualmente eficaz na perda de gordura corporal. Isso não
significa que o HIIT não seja uma boa ferramenta para redução da gordura
corporal. Além do mais, este método traz benefícios para a aptidão
cardiorrespiratória, pressão sanguínea, sensibilidade à insulina e massa
muscular.
Ambiente
aquático
Em virtude das
diferentes propriedades físicas da água, os exercícios na água são diferentes
daqueles em terra [9]. O corpo humano imerso na água sofre ações da força de
resistência, que dificulta o deslocamento, e da força de sustentação, que
favorece a flutuação e diminui ação da gravidade [10].
Assim,
há redução da
sobrecarga articular, o que diminui a ocorrência de estresse
muscular, lesão ou
incômodo [10,11], além da sensação de
segurança por ação da flutuação, que
facilita manutenção do equilíbrio,
locomoção do corpo na água e
execução de exercícios
mais complexos [12,13].
O ambiente aquático vem
sendo utilizado desde a antiguidade, inicialmente voltada para fins
terapêuticos. Ao decorrer dos anos foi-se descobrindo na água uma opção de
treinamento físico, relaxamento, recreação, reabilitação e trabalho estético
[12].
Eyestone et al. [14] analisaram 32 indivíduos ativos do sexo masculino com
idade entre 18 a 26 anos, divididos em 3 grupos: corrida na água, ciclismo ou
corrida em grupo. Os indivíduos realizaram 6 semanas de treinamento no mesmo
nível de frequência, duração e intensidade e foi analisado desempenho no teste
de 2 milhas e VO2max pré e pós-treinamento.
Os resultados mostraram
diminuição do VO2max para os três grupos, entretanto níveis de
condicionamento ou da modalidade de treinamento não tiveram impacto nesta
queda. Foi observado também, embora não estatisticamente significante,
diminuição no tempo de execução de 2 milhas. Esses achados são importantes para
manter desempenho em atletas machucados ou até mesmo servir de ferramenta em
fase de repouso ativo, ruptura psicológica, ou treino de recuperação após
competição ou treino intenso.
HIIT no
ambiente aquático
Por meio da água é
possível realizar treinamentos suaves ou intensos, com fins de manutenção ou
até mesmo melhorias do condicionamento físico [10]. Sendo assim, o treinamento
na água pode ser benéfico tanto para atletas que estão lesionados ou ajudar na
sua recuperação mais rápida na temporada, como para pessoas debilitadas devido
ao menor impacto músculo esquelético.
Entretanto, ainda pouco
se sabe sobre a ideal intensidade de treinamento na água, como avalia-la e
manipulá-la. Neste contexto, Handa [15] buscaram
encontrar a intensidade para treinamento intervalado na água e seus benefícios
em comparação ao treinamento intervalado fora da água. O estudo avaliou
mulheres de meia idade e idosas, sedentárias, e teve duração de 8 semanas. Os
sujeitos foram divididos em dois grupos para treinamento, sendo um no ambiente
aquático e outro no ambiente terrestre. O treinamento foi constituído de 6
séries de 3 minutos de caminhada rápida e leve, 5 vezes na semana por 8
semanas. A percepção subjetiva de esforço (PSE) foi utilizada para determinar
as intensidades, sendo determinado 16-18 da escala de Borg
para a caminhada rápida e 10-12 da escala de Borg
para a caminhada leve.
Os resultados
encontrados mostraram aumento da força muscular da coxa na flexão (11,6%) e
extensão (11,5%) de joelho após período de treinamento somente para o grupo que
treinou no ambiente aquático, maior intensidade para caminhada rápida (13,6%) e
caminhada leve (49,3%) e duração da caminhada rápida na água em comparação ao
outro grupo, limite de troca de gás mais elevado e menor frequência cardíaca no
ambiente aquático, VO2 significativamente mais elevado na água a partir da
quarta semana (36,6% após período de treinamento), o que refletiu em uma
caminhada de maior intensidade em uma determinada percepção subjetiva de
esforço para o grupo que treinou na água. De acordo com o presente estudo, o
treinamento intervalado surtiu melhor efeito na aptidão física no grupo que
realizou o treinamento intervalado no ambiente aquático em relação ao
terrestre, o que tornou possível realizar exercício em uma taxa metabólica
superior.
A deterioração que
acompanha o envelhecimento se torna mais difícil para pessoas de meia idade e
mais velhas para realizar exercícios físicos, especialmente em intensidades
mais altas, o que torna esses achados ainda mais relevantes na busca de qualidade
de vida.
Rebold et al. [16] aplicaram o protocolo de Tabata
em esteira na água com indivíduos jovens adultos fisicamente ativos. O método
consistiu em 2x semana por 8 semanas. Os resultados mostraram melhora de
flexibilidade e potência média anaeróbia. Tal método se torna atrativo na
manutenção ou na melhoria de desempenho tanto para atletas como para indivíduos
debilitados, uma vez que o treinamento na água reduz o impacto músculo-esquelético colocado sobre os ligamentos,
articulações e tendões.
No estudo desenvolvido
por Bressel [13], 18 indivíduos com idade média de 64
anos e com osteoartrite de joelho, realizaram um protocolo de 6 semanas de
treinamento de equilíbrio e HIIT na água. Os exercícios foram aplicados 3 vezes
na semana com duração de 30 minutos. Para o treinamento de equilíbrio, jatos de
água foram aplicados em intervalos de 1 minuto, direcionados para o abdômen,
parte inferior das costas e laterais, e os participantes foram solicitados a
ficar o mais imóvel possível. Para o HIIT na esteira, os jatos de água foram
dirigidos horizontalmente à região abdominal enquanto os participantes foram
estimulados a manter a intensidade do exercício entre 14-19 da escala de
percepção subjetiva de esforço. Os resultados mostraram redução de dor
articular, melhora de equilíbrio, função e mobilidade.
Avaliações no
pré-tratamento identificaram valores inferiores aos dados normativos para
indivíduos quanto a idade e gênero para velocidade de marcha e níveis de dor.
Entretanto após o tratamento os valores da avaliação melhoraram e se
aproximaram dos valores normativos para indivíduos sem osteoartrite. Inclusive,
um dos componentes de avaliação de equilíbrio excedeu os valores normativos
para indivíduos do mesmo gênero e idade sem osteoartrite. Portanto, o HIIT na
esteira aquática parece ser uma estratégia eficiente e que requer menos tempo
de trabalho nas fases iniciais da terapia de exercícios para indivíduos
portadores de osteoartrite.
Reichert et al. [17] investigaram os efeitos de dois tipos de treinamento de
corrida no ambiente aquático: contínuo e intervalado. Para tanto, o estudo
avaliou 25 sujeitos, de ambos os sexos, com idade entre 60 e 75 anos, sem
doenças crônicas exceto para hipertensão, no desempenho em testes de: agilidade
e equilíbrio dinâmico, força e flexibilidade de membro superior e inferior, e
capacidade aeróbia. O treinamento teve duração de 28 semanas, com frequência de
duas vezes por semana e duração de 45 minutos por sessão, sendo a intensidade
controlada e equiparada entre os grupos por meio da escala de percepção
subjetiva de esforço de Borg.
Foram observadas
melhoras significativas em ambos os grupos na agilidade e equilíbrio dinâmico e
força dos membros superiores na semana 12, com manutenção do desempenho até o
período final do treinamento. Já a força de membros inferiores apresentou
melhorias significativas na semana 12 e após o período total de treinamento.
Flexibilidade de membros inferiores e capacidade aeróbia apresentaram melhorias
significativas somente após o período total de treinamento. Apesar de não ter
diferença estatística, o grupo de treinamento intervalado apresentou maiores na
capacidade aeróbia em comparação ao grupo contínuo (11,9 e 4,1%,
respectivamente). Em relação à pressão arterial (PA), no início do estudo havia
maior prevalência de hipertensos e ao final foi observada maior prevalência de
normotensos, uma vez que os dados mostraram declínio significativo de PA
sistólica e PA diastólica, principalmente da semana 12 para a 28. A única
diferença entre os grupos foi observada na flexibilidade de membro superior, na
qual o treinamento intervalado apresentou maiores valores ao longo do período
de intervenção, entretanto sem melhoras significativas.
Os achados do presente
estudo têm impacto na promoção de saúde, tratamento e prevenção de doenças,
pois refletem na melhoria da capacidade de realizar as atividades de vida
diária e independência funcional, além de auxiliar como prática não
farmacológica de tratamento da hipertensão com boa aderência. Outro ponto
importante é o modelo de treinamento que mostrou ser eficiente com baixa
frequência e duração semanal.
Tabela I - Revisão de literatura HIIT no ambiente aquático do presente estudo
Diversas diretrizes
defendem que para uma vida saudável é importante a prática de exercícios físico
de forma regular. Nesse contexto, o HIIT tem ganhado muita atenção aos adeptos
de exercícios, por ser um método de treinamento que requer pouco tempo, podendo
inclusive contribuir com a saúde pública, uma vez que muitos dizem não ter
tempo para sair da rotina sedentária.
A água é um meio
atrativo a ser utilizado para prática de exercícios físicos, além de benéfico
para diferentes populações. Sendo assim, é importante adaptações ao transpor
exercícios terrestres para este meio respeitando as características deste meio
para evitar danos aos praticantes e assim obter melhores desempenhos.
Embora muitos estudos
analisem modelos diferentes de treinamento, a intensidade talvez seja a
variável que mais deve ser elucidada, por sugerir ser uma ferramenta muitas
vezes mais importante do que o método em si para melhora da aptidão física.
Neste contexto, o ambiente aquático torna-se um meio possível para alcançar
tais benefícios não exclusivamente para os mais velhos, mas também para aqueles
com limitações crônicas ou temporárias nas articulações ou músculos, bem como
para treinos recreacionais ou até mesmo por opção mais atrativa para alguns.
Apesar de saber a
possibilidade de manter ou até mesmo melhorar o condicionamento físico por meio
do método de treinamento intervalado de alta intensidade no ambiente aquático,
pesquisas nessa área ainda se mostram escassas. Portanto, faz-se necessário buscar
esclarecer melhor o método, as adaptações necessárias no meio, e os benefícios
para diferentes públicos.