Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(1):38-50
doi: 10.33233/rbfe.v18i1.2878REVISÃO
Exercício
físico no diabetes mellitus tipo 1: quais as evidências para uma melhor
prescrição?
Physical
exercise in type 1 diabetes mellitus: what evidence for better prescribing?
Filipe Ferrari*, Marvyn de Santana do Sacramento**,
Daniela Santos de Jesus***, Ângela Soldatelli****,
Marcelo Trotte Motta*****, Jefferson Petto******
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Porto Alegre/RS, ** Faculdade Social da Bahia (FSBA), Salvador/BA,
***Faculdade Social da Bahia (FSBA), Salvador/BA, Escola Bahiana
de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Salvador/BA, ****Universidade de Caxias do Sul (UCS), *****Faculdade
Social da Bahia (FSBA), Salvador/BA, Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS), BA, ******Faculdade Social da Bahia (FSBA), Salvador/BA, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Salvador/BA,
Faculdade Adventista da Bahia (FAB), Cachoeira/BA, Universidade Salvador
(UNIFACS), Feira de Santana/BA
Recebido em 5 de
fevereiro de 2019; aceito em 8 de março de 2019.
Endereço
para correspondência: Filipe Ferrari, Rua Mariana Prezzi, 617, 95034-460 Caxias du Sul RS, E-mail: ferrari.filipe88@gmail.com; Marvyn de Santana do Sacramento: marvynsantana@gmail.com; Daniela Santos de
Jesus: daniela.reabilitacao@gmail.com; Ângela Soldatelli:
asoldatelli1@ucs.br; Marcelo Trotte Motta:
gfpec@outlook.com, Jefferson Petto: gfpecba@bol.com.br
Resumo
O exercício físico
regular vem assumindo uma posição de destaque no tratamento do diabetes tipo 1 (DM1),
sendo-lhe atribuídas diversas adaptações orgânicas e benefícios extremamente
relevantes no controle da doença. Sendo o diabetes associado largamente com
doenças cardiovasculares, a importância do exercício em reverter os fatores de
risco para tais doenças deve ser bastante valorizada. O exercício vem exercendo
papel fundamental num melhor controle glicêmico, redução da pressão arterial e
melhora do perfil lipídico. Entretanto, é importante ressaltar que alguns
estudos não conseguiram correlacionar a prática do exercício com melhor
controle glicêmico ou redução da HbA1c em indivíduos com DM1. Este estudo é uma
revisão da literatura cujo objetivo foi analisar detalhadamente os efeitos
benéficos – bem como as possíveis reações adversas – do exercício em sujeitos
com DM1. Discutiram-se os seus efeitos metabólicos e fisiológicos, e os
programas de atividade física que permitem a esses indivíduos se exercitar de
forma agradável e segura. Apesar de todas as modalidades demonstrarem ganhos
diretos sobre o controle glicêmico e/ou ligados a melhora de preditores de
doenças cardiovasculares em população com DM1, observou-se que os melhores
resultados foram nas sessões compostas por exercícios cíclicos e
neuromusculares.
Palavras-chave: diabetes tipo 1,
exercício, atividade física, controle glicêmico.
Abstract
Regular
exercise has assumed a prominent position in the treatment of type 1 diabetes,
being awarded several organic adaptations and extremely relevant benefits for
disease control. Since diabetes is largely associated with cardiovascular
diseases, the importance of exercise in reversing the risk factors for such
diseases should be fairly appreciated. Among them, the exercise has played a
major role in better glycemic control, reducing blood pressure and improving
lipid profile. However, it is important to emphasize that some studies have
failed correlating the practice of exercise with better glycemic control or
reducing HbA1c in patients with DM1. This study is a literature review aiming
to to analyze in detail the benefits – as well as
possible adverse reactions – of exercise in individuals with DM1. We discuss
their metabolic and physiologic effects, in addition physical activity programs
allowing these individuals to exercise pleasantly and safely. Although all the
modalities show direct gains on glycemic control and/or related to the
improvement of predictors of cardiovascular diseases in the population with
DM1, it was observed that better results were achieved in sessions composed by
cyclic and neuromuscular exercises.
Keywords: type 1
diabetes, exercise, physical activity, glycemic control.
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) corresponde a 7-12% de todos os
casos de DM, acometendo especialmente jovens. Segundo a International Diabetes Federation [1], 542.000 indivíduos com até 14 anos de idade são
portadores desta doença. É uma patologia autoimune, raramente de caráter
idiopático, em que o organismo cria anticorpos que destroem as células beta do
pâncreas, comprometendo gradativamente a produção de insulina e requisitando
insulinoterapia para o resto da vida. Entre os sintomas mais comuns estão
poliúria, polidipsia, polifagia e vista embaçada. A predisposição genética ao
DM1 está relacionada, principalmente, ao braço curto do cromossomo 6 – em
especial no sistema HLA [2].
Apesar de representar
uma enfermidade associada a diversas complicações graves – a exemplo das
doenças cardiovasculares (DCVs), cetoacidose e
nefropatia diabética –, os dados são preocupantes no que diz respeito ao
controle glicêmico no Brasil: 90% dos diabéticos tipo 1 não mantêm a glicemia
em níveis seguros [3]. Constatou-se que o mau perfil lipídico pode explicar a
larga associação do DM1 e DCVs: encontrou-se de três
a seis vezes mais riscos de doença aterosclerótica precoce em diabéticos tipo
1, e um risco 10 vezes maior para desenvolvimento de placas de ateroma,
processo que já se inicia na infância. Nestes pacientes, até 44% das mortes são
referentes às DCVs [4].
O exercício físico
(EF), dentre seus inúmeros benefícios já comprovados, tem impacto importante no
controle glicêmico, prevenção e tratamento de DCVs,
agindo de maneira eficaz sobre as lipoproteínas [5]. O
EF, quando praticado regularmente, melhora a aptidão cardiovascular e a
sensibilidade à insulina, diminuindo os riscos à saúde [2]. Entretanto,
permanece controverso quais melhores recomendações de EF no tratamento do DM1.
Trata-se de uma revisão
da literatura dos bancos de dados da Scielo e Pubmed, publicados entre os anos de 1985 e 2015.
Para a discussão, os
cruzamentos de palavras-chave utilizados na busca foram: “exercise”
AND “type 1 diabetes” e “physical
activity” AND “type 1
diabetes”.
Os estudos foram
incluídos de acordo com o seguinte critério: avaliar os efeitos do EF – seja
aeróbio, resistido ou associação de ambos – sobre o controle glicêmico, sistema
lipídico, cardiovascular e a qualidade de vida dos indivíduos. Excluídas
revisões bibliográficas, estudos de caso e artigos que não fossem de livre
acesso.
Buscou-se estudar e compreender
os principais parâmetros e respostas relacionadas ao DM1, aos EF e à correlação
entre ambos, confrontando, sempre que possível, os resultados encontrados.
*Analisavam
epidemiologia, resultados de testes neuropsicológicos, nutrição/dieta, exercício
em condição extrema (altitude), programa educacional, entre outros, ou
avaliavam efeitos do EF sobre indivíduos com diabetes tipo 2, retinopatia,
depressão etc., além daqueles que se propunham a fornecer orientação para a
família do paciente
Figura 1 – Fluxograma
Para compor a
discussão, foram selecionados 30 artigos nas bases de dados consultadas que
atendiam ao critério de elegibilidade e avaliavam os efeitos de diferentes
programas de EF: 21 aeróbios, 1 resistido, 2 contemplavam as duas formas
isoladamente, 4 compostos pela associação de ambos – em intensidades variadas –
e os 2 restantes analisados através de questionário (Tabela I).
Tabela I - Artigos selecionados. (ver anexo em PDF)
O tamanho da amostra
variou entre 7 e 50 sujeitos em 23 estudos; na única discrepância, Salem et al. [25] investigaram 196 pacientes –
além das entrevistas de Schweiger, Klingensmith, Snell-Bergeon [27]
e de Makura et
al. [19], com 203 e 1.141 diabéticos tipo 1, respectivamente. Os 4
experimentos restantes foram realizados em ratos.
Os estudos, em geral,
excluíram indivíduos com presença de complicações advindas do DM, a exemplo de
doenças renais, cardíacas, hipertensão e cetoacidose.
Em relação ao tempo de
intervenção, houve certa heterogeneidade nos protocolos, variando de 1 dia a 6
meses. Apenas Makura et al. [19] destoaram dos demais, com monitoramento de 6,5 anos. No
que tange ao ano de publicação, todos são relativamente recentes, excetuando o
estudo de Landt et
al. [18], que data de 1985.
Em sua maioria, os
programas aeróbios relataram melhoria em um ou mais parâmetros. Entretanto, os
benefícios não foram unânimes: por exemplo, Faulkner & Michaliszyn
[21] reportaram redução no HDL-c. Já Ramalho et al. [24] e Wong et al.
[32] não detectaram melhoras no controle glicêmico. Dos estudos que analisaram
EF resistido e aeróbio, apenas Schaan et al. [26] –
utilizando sessão única de EF agudo aeróbio, e após uma semana, sessão única de
EF resistido – destoaram dos demais no quesito benefício: os indivíduos com DM1
não sofreram influência em células progenitoras endoteliais.
O EF é uma importante
ferramenta coadjuvante para o manejo do DM1. No entanto, deve ser prescrito com
cautela, pois ainda é controverso o tipo de exercício e intensidade mais
benéficos para este grupo, não havendo protocolos bem definidos [24]. Um dos
principais receios para os diabéticos tipo 1, que se torna um obstáculo à
prática da atividade física, é o maior risco de hipoglicemia ao qual estão
suscetíveis [31].
A inatividade física é
um importante preditor para DCVs, as quais estão mais
suscetíveis aos portadores de DM1. As DCVs
apresentam-se em grande escala nesse grupo, representando a principal causa de
morte nesses indivíduos [35]. Aliado a isto, algumas pesquisas apontam que mais
de 60% dos diabéticos tipo 1 são considerados inativos [36] e dentre crianças e
adolescentes 80% não pratica EF com duração satisfatória [37].
A prática regular de EF
acarreta melhorias no controle glicêmico [27,38], perfil lipídico [5,21],
pressão arterial [17,39], dentre outros inúmeros benefícios para o sistema
cardiovascular, sendo altamente recomendado.
Intensidade
Os estudos analisados
possuem diferentes formas de avaliar a intensidade de cada protocolo, sendo
elas por meio de valor percentual aplicado a carga de 1 repetição máxima (1RM,
que consiste na maior carga suportada pelo paciente para a realização de um
único movimento completo )[8,26,33]; O VO2máx. que informa a
capacidade máxima do corpo metabolizar oxigênio durante um exercício [10,13,15,16,18,26,29,32,34];
a Frequência Cardíaca Máxima (FCmáx) calculada pela
constante 220 menos a idade do paciente, e após o resultado multiplica-se este
valor pelo percentual desejado no exercício [12,17]. E, por fim, o limiar de
lactato, atingido quando a capacidade de metabolizar lactado é excedida, dando
início ao aumento exponencial da curva de lactacidemia
[6,7,9,11,14].
O treinamento de alta
intensidade demonstra respostas como aumento da sensibilidade à insulina [18],
melhor aptidão cardiorrespiratória, reduções do colesterol total, LDL-C, TG,
HbA1c e redução das chances de hipoglicemia [10,13,17,18]. Foi o que Faulkner
& Michaliszyn [21] evidenciaram analisando
adolescentes diabéticos tipo 1 durante 16 semanas, realizando EF aeróbio de
forma regular. Porém, para surpresa dos pesquisadores, houve uma diminuição nos
níveis de HDL-C. Já o grupo que passou mais tempo sem atividade física culminou
com aumento do colesterol total, LDL-C e TG.
O EF de baixa
intensidade, por sua vez, praticado de forma regular, também é capaz de trazer
resultados para os portadores de DM1, promovendo aumento da capacidade
funcional e controle glicêmico [20].
É o que mostra uma
análise feita com 12 indivíduos saudáveis controles e 12 pacientes com DM1
(média de 37 anos) por 88h. Em ordem aleatória, uma refeição por dia foi
seguida de inatividade, e as outras refeições foram seguidas de caminhada. Dados
de 216 refeições foram analisados a partir de 30 minutos antes da ingestão até
270 minutos após. Em indivíduos saudáveis, a glicose foi 4,5 mmol/L/270min na
refeição seguida de caminhada, e 9,6 mmol/L/270min na refeição seguida de
inatividade. Para pessoas com DM1, os valores foram 7,5 mmol/L/270min e
18,4mmol/L/270min, respectivamente. Em outras palavras, caminhar causa um
impacto significativo na glicose pós-prandial em populações saudáveis e
naqueles com DM1 [20].
Modalidade
Treinamento aeróbio
O EF aeróbio ou
exercício de endurance demanda gasto energético para
sustentação da prática física por longo período. Os portadores de DM1 possuem
uma capacidade reduzida do pico do exercício inerente a um retardo da função
cardíaca, logo, existe uma atenção especial para esta população no momento da
prescrição dos exercícios, objetivando uma melhora da qualidade de vida [40].
Desde 1985 Landt et al. [18]
observaram aumento de 9% do VO2máx, a massa corporal magra 4% e a
sensibilidade à insulina 23%. em um programa de dança a 80-85% da Fcmáx, mesmo sem melhora no controle glicêmico global. Makura [19] contrapõem a ideia de melhora da HbA1c de DM1
por meio de questionário sobre as atividades e sua relação com os níveis de
melhora. Vale ressaltar que a pesquisa possui um viés muito importante, o
exercício feito em casa não pode ser assegurado pelo pesquisador quanto a sua
intensidade e frequência.
Sideraviciūte et al. [30] apontam melhora dos níveis de glicemia sanguínea em
adolescentes portadoras ou não do DM1 em um programa de natação com treinamento
duas vezes por semana, 45 minutos por sessão, com nados de peito e crawl.
As alterações de nível
glicêmico pós-prandial também podem ser observadas no exercício de caminhada, o
que indica a atividade de baixa intensidade como estratégia possível para uma
intervenção primária com resultados [20].
Sabe-se que o EF realizado
de forma regular – aliada a um estilo de vida saudável – acarretam melhorias em
diversos parâmetros como redução da PA sistólica, colesterol total, níveis de
LDL-C e aumento da HDL-C [17,21,29].
A função endotelial
pode ser avaliada por diversos métodos bioquímicos e biofísicos, dentre os
quais se destaca a dilatação fluxo-mediada. Neste sentido, Seeger
et al. [28] utilizaram o treinamento
aeróbico em portadores do DM1 e verificaram após 18 semanas, com rotinas de
treinamento de 2 vezes por semana durante 30 min, o ganho de 65% desta função,
indicando importante achado visto que o mesmo reduz os riscos de doenças
cardiovasculares. Tal evidência é sustentada por meio de exercício com
bicicleta e sugerem potencialização do NO endotelial [12].
Pensando no risco de
hipoglicemia noturna e no efeito que do exercício na redução dos níveis de
glicose, sugere-se que o EF seja aplicado no período vespertino e que a dosagem
de insulina nestes dias seja reduzida [2].
Sob outro viés, o
treinamento anaeróbio pode, também, ser uma importante ferramenta para
prevenção e tratamento do DM, da função vascular e dos níveis pressóricos [39].
Para realizar EF
aeróbios com duração de 1 hora a 25% do VO2máx, é sugerido que eles
reduzam à metade as doses de insulina lispro pré-prandial; EF de meia hora a 1
hora a 50% do VO2máx, sugerem redução de metade a 75% das doses; e
finalmente, para EF mais vigorosos, redução de 75%. Estas simples adaptações
reduziram em quase 80% a incidência de hipoglicemia estimulada pelo EF [41].
Ao analisar o impacto
do EF aeróbio realizado numa esteira 1 hora por dia durante 10 semanas sobre a
composição de ilhotas pancreáticas de 22 ratos com DM1 por estreptozotocina
(STZ) e tratados com insulina, os ratos diabéticos reduziram a quantidade de
insulina nas ilhotas, ao ponto que apresentaram mais glucagon. Isso foi notado
ao compará-los com os ratos sem DM1, os quais não tiveram alterações frente ao
EF [7]. Em contraste, Huang et al. [6] relataram que, após 6 semanas de EF aeróbio,
ratos com DM1 aumentaram os níveis de insulina das ilhotas.
O estudo de Huang et
al. [6] foi realizado apenas 3 dias após a administração de STZ. Dessa maneira,
o EF aeróbio pode gerar benefícios sobre o conteúdo de insulina das ilhotas se
este for realizado no início do desenvolvimento do DM1.
Treinamento Intervalado
(HIIT)
Este tipo de
treinamento, intervalado e de alta intensidade (High-intensity
Interval Training - HIIT) está em voga no cenário
atual da Educação Física e tem sido largamente explorado nos últimos anos.
Trata-se de uma estratégia para alcançar as demandas de adaptação
musculoesquelética com um treinamento intenso e de curta duração [14].
Para Rocha et al. [9] o Treinamento Intervalado
(TI) em natação possibilitou a redução do estado hiperglicêmico e dos lipídeos
sanguíneos no grupo. A produção deânion superóxido
aumentou em 59% no TI em comparação a um grupo sem exercício – efeito
potencializado pelo DM, que causou uma elevação de 69% nos sedentários diabéticos
em comparação com os sedentários não-diabeticos.
Sobre o risco de
hipoglicemia gerada pelo exercício Guelfi & Fournier [14] trazem que durante os primeiros 15 minutos de
HIIT, os níveis de glicose no sangue caíram mais rapidamente em comparação com
o grupo controle (inativos), indicando maior risco de hipoglicemia neste
momento. No entanto, durante 1 hora de recuperação depois do HIIT, estes níveis
permaneceram estáveis, enquanto continuaram a cair no grupo controle.
O mesmo grupo de pesquisa
tentou elucidar o motivo de menores declínios na glicemia provocados pelo HIIT
em comparação com EF aeróbio de intensidade moderada chegando à conclusão que
isto pode ser atribuído a um aumento na produção de glicose durante o EF e
redução na utilização de glicose durante o EF e recuperação destes resultados
pode ser reflexo de uma acentuada secreção de hormônios contrarreguladores, os
quais estimulam a produção de glicose hepática [15].
A adesão de sprints a
uma rotina de treino esteve associada à manutenção da glicemia, enquanto nos
grupos sem sprints a glicemia diminuiu após o EF e não levou a necessidade de
maior suplementação de carboidratos para impedir a hipoglicemia, assegurando
estabilidade no modelo de treinamento [10,11].
Um único estudo buscou
os efeitos do treinamento de corrida na regulação da concentração plasmática de
K+ ([K+]) durante o EF intenso intervalado. Depois de 60min de recuperação, em
diabéticos a [K+], glucose, glucagon e insulina no plasma foram superiores e [Na+]
foi menor do que nos controles. O treinamento aumentou o conteúdo da Na+K+-ATPase e reduziu [K+] em
ambos os grupos [16].
A citocina
pró-inflamatória interleucina-6 (IL-6) pode modular o aparecimento e progressão
das complicações da diabetes. Como essa citocina aumenta após o EF, e muitas
outras respostas ao EF são modificados por alterações glicêmicas anteriores,
temos a hipótese de que hiperglicemia anterior pode exacerbar a resposta da
IL-6. Para testá-la, Galassetti et al. [13] utilizaram 20 crianças com DM1 realizando 29 sessões de
EF (30 minutos de ciclismo intermitente a 80% do VO2máx). Elas foram
divididas em 4 grupos com base na maior glicemia. Em todos os períodos, a IL-6
era menor quando G<150 e progressivamente maior nos outros grupos. As outras
variáveis medidas (hormônio do crescimento, IGF-I, glucagon, epinefrina,
cortisol) não foram influenciadas pela hiperglicemia anterior.
Treinamento de força
O EF de força parece
associar-se com uma estabilidade da glicose pós-exercício, além de exigir menos
ingestão de carboidratos, confrontando com o EF aeróbio, o que atenua efeitos
hipoglicemiantes mais prevalentes no aeróbio.
Examinando o papel que
o treinamento resistido exerce em relação à função endotelial e a PA, Mota et al. [8] apresentam um estudo com 16
ratos diabéticos do tipo 1, dos quais 8 deles realizaram exercícios de
agachamento e 8 permaneceram no grupo controle. Os animais diabéticos que
permaneceram destreinados apresentaram aumento dos níveis de glicemia sanguínea,
além de uma perda significativa na função endotelial e no ganho de força. Já no
grupo dos diabéticos treinados, os autores observaram ganho de força, redução
na PA e nos níveis de glicemia (proveniente do restabelecimento da função
vascular induzida pelo EF).
Treinamento misto
Na busca por otimização
dos treinamentos em DM1, surgem algumas pesquisas com associação de exercícios
aeróbicos e resistidos [23-26]. Visando melhorias nas células progenitoras
endoteliais, Schaan et al. [26] utilizaram sessão única de EF agudo aeróbio, e após uma
semana, sessão única de EF resistido e não encontraram influência do exercício
sobre a mesma. Tal achado pode ser questionado em função do curto período de
estimulação e da baixa capacidade de regeneração endotelial nos portadores de
DM1.
Pensando no risco
hiperglicêmico que diabéticos tipo 1 estão suscetíveis e procurando otimizar o
treinamento misto, no que diz respeito à ordem da realização dos exercícios, Yardley et al.
[33] apontam que realizando exercícios de resistência antes de exercício
aeróbio resultou em declínios atenuados em concentração de glicose durante o
exercício, menos eventos hipoglicêmicos induzidos por
exercício e menor necessidade de suplementação de carboidratos. Tal achado é
sustentado pelo mesmo ao realizar o experimento com um grupo controle,
exercício aeróbico e exercício resistido, isoladamente durante 45 min [34].
No que tange a
qualidade de vida, para indivíduos com DM1 que realizam EF aeróbios em
associação com os resistidos, Mosher et al. [23] confirmam que por meio de
uma intervenção de 3 meses com exercícios alternados apresentam melhorias na
sua função cardiorrespiratória e força muscular.
Diversas variáveis
podem se beneficiar com esse treinamento conjunto, a exemplo do controle
glicêmico, valores plasmáticos de lipídeos, frequência e gravidade da
hipoglicemia, medidas antropométricas e dose de insulina [23]. Neste sentido, o
programa de 6 meses de EF associado em uma amostra de 196 adolescentes com DM1
aponta melhora no controle glicêmico, reduzindo os valores de HbA1c nos grupos
exercitados e nenhuma mudança nos inativos. Por sua vez, maiores níveis de
HbA1c foram associados com níveis mais elevados de colesterol, LDL-C e
triglicérides. Nos grupos B e C, o EF melhorou dislipidemia e reduziu a
necessidade de insulina, bem como IMC e circunferência da cintura. A frequência
dos episódios de hipoglicemia não diferiu entre os grupos [25].
Um estudo comparativo
entre o efeito isolado de cada modalidade de EF demonstra ausência de melhoras
nos níveis de HbA1c, embora tivessem notado mudanças na circunferência da
cintura [24]. O estudo realizou os exercícios aeróbicos com base na FC, evoluindo
progressivamente de 60 a 90% da FCmáx em caminhada ou
corrida por 40min. Enquanto o outro grupo realizou bíceps, tríceps, parte
inferior das costas, abdominais, legpress e outros
entre 60 e 80% da sua carga para 1RM. Ambos contaram com os 10 primeiros
minutos de sessão voltados ao alongamento.
O EF é um componente
indispensável no tratamento de pacientes com DM1, uma vez que melhora o
controle glicêmico e reduz fatores de risco cardiovasculares [25]. Para esta
população, recomenda-se que os programas de treinamento contra resistência
englobem no mínimo 8 a 10 exercícios diferentes, com o uso de grandes grupos
musculares, 2 a 3 vezes na semana. Deve-se observar a presença de HAS e, neste
caso, prescrever EF de intensidade leve a média, atingindo uma fadiga moderada
ao fim das repetições [42].
Contraindicações
Durante o EF, há
tendência de queda na insulina e ativação de hormônios contrarreguladores (como
o glucagon, adrenalina e catecolaminas), estimulando a produção de glicose
hepática à medida que se utiliza a glicose muscular e periférica,
proporcionando homeostase glicêmica e impedindo a hipoglicemia [43,44] –
processo alterado nos diabéticos [24].
Existindo grande
quantidade de insulina, há bloqueio desses hormônios, tendendo à hipoglicemia.
Assim, recomenda-se que antes de iniciar o EF, a glicemia desses indivíduos
esteja acima de 100 mg/dL. Caso esteja acima de 250
mg/dL sem cetonemia, é
permitido e acima de 300 mg/dL, mesmo sem cetonemia, pode-se praticar com cautela, no entanto,
aconselha-se evitar [45], pois EF, quando intenso (>80% VO2máx), aumenta
sete a oito vezes a produção de glicose. Dessa maneira, diabéticos tipo 1
descompensados podem agravar ainda mais a hiperglicemia [46,47].
Limitações
do estudo
O estudo encontrou
apenas 1 artigo avaliando isoladamente a influência de protocolos de EF
resistido em população não-humana. Logo, mais pesquisas precisam ser realizadas
para que haja uma indicação sustentada no que se refere à quantidade de
evidências e a população analisada.
A literatura demonstrou
que apesar de todas as modalidades demonstrarem ganhos diretos sobre o controle
glicêmico e/ou ligados a melhora de preditores de doenças cardiovasculares em
população com DM1, os melhores resultados são observados nas sessões compostas
por exercícios cíclicos e neuromusculares.