Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(1):51-7
doi: 10.33233/rbfe.v18i1.2879REVISÃO
A redução
da fadiga oncológica através do exercício físico
Physical
exercise to reduce cancer fatigue
Luís Felipe Rodrigues*
*Aluno
de
pós-graduação latu sensu em fisiologia do
exercício: avaliação e prescrição do
treinamento, UNIFAE
Recebido em 20 de março
de 2019; aceito em 30 de março de 2019.
Endereço de
correspondência: Luís Felipe Rodrigues, Rua Professor Caetano Celia, 132 Vila
Nova 13860-000 Aguaí SP, E-mail: luis.rodrigues32@etec.sp.gov.br
Resumo
Durante os últimos
anos, um aumento significativo de novos casos de câncer tem sido observado, e
com isto a doença e inúmeros métodos para a redução dos efeitos colaterais ao
tratamento vêm sendo cada vez mais estudados. A fadiga oncológica é um fator
predominante entre os portadores desta doença. O objetivo geral deste estudo
foi analisar se o exercício físico promove uma redução no quadro crônico de
fadiga. Trata-se de estudo de caráter bibliográfico que utilizou as bases de
dados: Pubmed, Scielo e
Google Acadêmico, e contou com os descritores em inglês e português: Cancer, physical exercise, immune system e fatigue oncology.
A busca teve como critério de inclusão e exclusão as leituras dos resumos e
foram eliminados aqueles que não corresponderam com o objetivo da pesquisa,
foram excluídos também aqueles artigos que eram obtidos de forma paga.
Concluiu-se, após o desenvolvimento do estudo, que o exercício praticado de
forma orientada e bem realizada traz benefícios na redução da fadiga e melhora
na qualidade de vida dos pacientes com esta enfermidade.
Palavras-chave: exercício físico;
fadiga oncológica; câncer.
Abstract
During
the last few years a significant increase in new cases of cancer has been
observed, and many different methods for the reduction of the side effects to
treatment and the disease are being studied. The cancer fatigue is a
predominant factor among the cancer patients. The aim of the present review was
to analyze if the physical exercise promotes a reduction in the chronic fatigue
picture. The databases used were: Pubmed, Scielo and Google Academic, and the search counted with the
descriptors both in English and Portuguese: Cancer, physical exercise, immune
system and fatigue oncology. The search had as inclusion and exclusion criteria
the readings of the abstracts and were eliminated those that did not correspond
with the objective of the research, also excluded the articles that were
obtained in a paid form. We concluded that health-oriented exercise brings
benefits to reduce fatigue and improves quality of life in cancer patients.
Key-words: physical exercise; oncologic fatigue; cancer.
Segundo o INCA [1]:
“Câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o
crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos”.
Isto mostra que quando
há alguma disfunção não ordenada em nosso organismo é desencadeada uma série de
reações que muitas vezes são prejudiciais ao nosso corpo. Em relação ao câncer
essas disfunções originam a formação de tumores e estes podem se espalhar para
outras regiões do corpo. A expectativa para 2018 e 2019 era a ocorrência de 600
mil casos novos de câncer, há cálculos que mostraram uma variação neste valor
para aproximadamente 640 mil casos [2]. Seguindo estes dados pode-se observar o
quão preocupante é este problema e o principal objetivo da ciência é procurar
soluções e hábitos para mudar este alto nível de incidência [2].
As causas do câncer são
dadas de uma forma multifatorial e a inatividade física está sendo considerada
hoje como um fator de risco a esta doença. A prática de exercícios físicos vem
mostrando benefícios tanto durante quanto após o tratamento, e as melhorias são
físicas e psicossociais. Além de reduzir os sintomas e minimizar os efeitos
colaterais causados pelos tratamentos também melhora a adesão aos tratamentos
[3].
O câncer desenvolve diversos problemas, o
mais destacado entre os pacientes é a fadiga oncológica, que chega a ocorrer em
94% dos pacientes com esta doença. Para alguns pode continuar durante meses ou
anos após o tratamento, colocando assim o indivíduo em uma situação
extremamente desagradável e limitante, interferindo diretamente em sua
qualidade de vida [4]. Uma das possíveis formas para a diminuição deste tipo de
fadiga é o exercício físico, como descrevem os autores Diettrich
et al. [5]:
“Essas
modificações que podem ocorrer devido à inatividade física poderiam levar ao
mal funcionamento de muitos sistemas do corpo, o que também pode ser
correlacionado aos altos níveis de fadiga vivenciados pelos pacientes com câncer.
As intervenções de exercício podem ajudar a retardar a fraqueza debilitante, a
fadiga e o declínio funcional naqueles que tem inatividade associada à doença.
Os dados encontrados demonstraram que o programa de exercícios físicos de 12
semanas foi significativamente eficiente para a redução de fadiga das referidas
pacientes”.
Este artigo tem como
justificativa levantar os principais pontos em relação aos temas acima
abordados, para que assim sejam discutidas soluções não farmacológicas para
esse problema que só agride a integridade física, social e psicologia de quem é
acometido pelo câncer e tem como objetivo analisar se há uma alteração benéfica
promovida pelo exercício físico na fadiga oncológica.
O estudo tem caráter
bibliográfico, pois o mesmo é elaborado com materiais já publicado. Neste caso
atentou-se para a leitura de questões relevantes ao desenvolvimento da
pesquisa, deixando o estudo rico de informações refinadas [6]. As bases de
dados utilizadas foram Pubmed, Scielo
e Google Acadêmico, utilizando os descritores: Cancer, physical exercise,
immune system e fatigue oncology, descritos em português
também para algumas bases de dados. A busca utilizou como período específico
entre 2009 e 2019. Para critério de inclusão e exclusão foi realizada a leitura
de todos os resumos dos textos encontrados, assim foram eliminados aqueles que
não possuíam relação com o tema previamente destacado e com o objetivo do
artigo e foram descartados aqueles que só poderiam ser obtidos por forma paga.
Sistema
imunológico, exercício físico e câncer
O sistema imunológico
tem como função a defesa do nosso organismo e este sistema evoluiu com o passar
dos tempos, é capaz de nos proteger de microrganismos patogênicos invasores ou
agentes tóxicos. Este sistema é elaborado e constituído por uma variedade de
células e moléculas que reconhecem e eliminam algumas variedades de “corpos”
estranhos em nosso sistema, que são reconhecidos como invasores. Elas funcionam
em duas fases que são denominadas- reconhecimento e resposta [7].
O sistema imunológico é
composto de forma geral por: populações leucocitárias granulócitos polimorfo
nucleares (neutrófilos, eosinófilos e basófilos), os monócitos/macrófagos e os
linfócitos (linfócitos T, B e células natural killer [NK]), portanto cada um
destes fatores destacados tem uma função específica em um conjunto como um
todo, agindo em sincronia. Os neutrófilos são fagócitos do sangue e são muito
importantes, participam em reações inflamatórias e sensíveis a agentes
quimiotáxicos mastócitos e basófilos. A leucocitose por neutrofilia indica a
presença de uma inflamação ou uma infecção bacteriana em resposta a usa lesão
tecidual. Os monócitos são células encontradas no sangue periférico que ficam
se diferenciando em macrófagos após migrarem para os tecidos. Os macrófagos se
envolvem na atividade microbicida e antitumoral e tem função celular acessória
como apresentadores e antígenos, são células de alto poder fagocitário e são
células reguladas por outras células, como: linfócitos T e B, os macrófagos têm
efeitos pró e anti-inflamatórios, desenvolvem a
imunidade mediada por linfócitos. Os linfócitos T são células responsáveis pela
defesa do organismo contra antígenos (agentes desconhecidos), já os linfócitos
B têm como principal função a produção de anticorpos contra antígenos. Por
final temos as NK, que são as células natural killer, a função destas é a
defesa precoce contra certas infecções intracelulares e a eliminação de células
tumorais [8].
Quando
algum indivíduo
é acometido pelo câncer, os principais tratamentos
são a quimioterapia e a
radioterapia, e alguns efeitos colaterais a estes dois tipos de
tratamentos são
bem esperados. Assim pessoas expostas aos dois tipos de tratamento
têm certa
toxidade maior, em alguns órgãos e tecidos devido ao
processo de tratamento.
Sendo assim com estes fatores não adequados podem-se gerar
alguns problemas,
que são: a redução da produção das
células imunes, redução de eritrócitos e
plaquetas devido à toxicidade hematológica e medular, com
isto neste contexto
toxicológico e inflamatório induzido pelo tratamento
é comum o relato em
relação à fadiga oncológica [9].
Observa-se que o câncer
interfere negativamente no sistema imune e uma propensão à fadiga oncológica.
Diante destas informações fica uma questão em aberto, como o exercício físico
pode auxiliar no sistema imune e ajudar no que diz respeito aos efeitos
colaterais desta doença?
Fonte: Adaptado de Terra
R et al. [10]
Figura 1 - Efeito do exercício no sistema imune: resposta, adaptação e sinalização
celular
Como
podemos observar
na figura 1, o exercício físico moderado promove um
aumento das células
dendríticas que têm como função processar os
antígenos (agentes desconhecidos)
e devolvê-lo à sua superfície. As células
Th1 estão relacionadas à produção de
citocinas, que agem na defesa mediada por fagocitose contra agentes
infecciosos
intracelulares. As IFN-y são proteínas produzidas pelos
leucócitos para
interferir na replicação de fungos, vírus,
bactérias e células de tumores e
aumentar a atividade de defesa de outras células. O TNF-α
é um grupo de
citocinas capaz de provocar a morte de células tumorais [10].
Fadiga
oncológica
A fadiga relacionada ao
câncer (CRF) tem sido relatada como o principal efeito colateral em vários
estudos, acometendo entre 40% e 99% do número total de pacientes. O sintoma
deste distúrbio é um sentimento angustiante, persistente e subjetivo de cansaço
físico, emocional e / ou cognitivo ou exaustão relacionada ao câncer ou
tratamento de câncer que não é proporcional à atividade recente e interfere no
funcionamento normal. Esses sinais de cansaço e fraqueza não são parecidos como
os que indivíduos sem a doença têm, pois estes não são aliviados com o descanso
(repouso) ou sono [11].
“Os
sinais e sintomas fisiológicos incluem anemia, hipotireoidismo, falta de ar,
atrofia muscular, fraqueza física, baixa capacidade aeróbica e interrupção do
sono. Sintomas de humor incluem depressão e ansiedade. Os sintomas sociais
geralmente incluem uma redução na capacidade do paciente de trabalhar e
participar de atividades de lazer, sua capacidade de sustentar relacionamentos
significativos com suas famílias e de se envolver em atividades sociais e
outras atividades durante e após o tratamento” [11].
Tendo em vista os
sinais acima destacados, pode-se observar que os sinais e sintomas interferem
diretamente no que diz respeito à qualidade de vida de um indivíduo com este
problema.
Outro estudo relata que
a natureza da fadiga é multifatorial, observou-se aumento das citocinas
inflamatórias, níveis reduzidos de cortisol no período da manhã, mostrando
assim possíveis alterações no eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, baixos
níveis de hemoglobina, todos são fatores predisponentes da fadiga oncológica
[12].
Verificou-se que a
fadiga relacionada ao câncer tem algumas diferenças em relação à fadiga
promovida pelo exercício físico, assim é notado que é um fator preocupante e
nocivo a saúde de qualquer indivíduo e diante deste fator é apresentada uma
tabela que mostra algumas das principais diferenças. O quadro 1 é uma forma
resumida e que traz alguns dos pontos chaves e de fácil entendimento, para que
assim seja visualizado de uma forma mais simples.
Quadro 1 - Diferenças entre fadiga oncológica e fadiga ligada ao exercício
Fonte: Adaptado Mishra SI et al.
[13]
Construiu-se um mapa
conceitual da fadiga oncológica, como mostra a figura 2. Assim com este mapa
verificamos a complexidade da fadiga relacionada ao câncer e como deve ser
atenuada através de uma forma menos impactante ao organismo dado que o
indivíduo já vem de um processo em que utilizou alguns medicamentos e seu
organismo anda sobrecarregado.
Fonte: Borges JA et al.
[13]
Figura 2 - Mapa conceitual da fadiga oncológica
Exercício
físico e fadiga oncológica
Em um estudo controlado randomizado
contando com uma amostra de 600 indivíduos divididos em 4 grupos com 150
amostras para cada, os grupos foram divididos da seguinte forma: 1) exercícios
de alta intensidade individualmente adaptado + técnicas de mudança de
comportamento; 2) sem técnicas de mudança de comportamento; 3) exercício de
intensidade baixa a moderada individualmente adaptado + técnicas de mudança de
comportamento; 4) sem técnicas de mudança de comportamento. Todos os métodos
contavam com profissionais qualificados e devidamente treinados para
monitoramento e controle, os métodos utilizados foram: treinamento de força
(academia) e exercícios de resistência. Para controle total das amostras e para
manter os dados bem específicos foi criado um portal na web e para aqueles que
não tinham acesso à internet foi disponibilizado o conteúdo em papel. O estudo
teve duração de 6 meses e nele foi observado que ambos os métodos obtiveram uma
melhora significativa na redução da fadiga, os autores relataram que: “Todos os
testes de aptidão física, monitoramento da atividade física e realização de
exercícios de baixa a moderada ou alta intensidade, parecem viáveis de implementar
em intervenções oncológicas de exercício” [14].
Em outro estudo foi
realizado o mesmo processo de estudo controlado e randomizado, este contou com
a participação de 54 homens em estado de alto risco de câncer de próstata e os
mesmos foram divididos em dois grupos, todos os indivíduos foram selecionados
antes de iniciarem o processo de radioterapia. Cada grupo contando ambos com 27
indivíduos foram divididos da seguinte forma, o grupo 1 denominado G.E realizou
exercícios físicos de intensidade moderada, o outro grupo foi denominado G.U e
realizou atividades usuais. Foram avaliados antes e após radioterapia:
capacidade funcional, alterações nas variáveis hematológicas e produção de
citocinas pró-inflamatórias (interleucina IL-1β, IL-6, fator de necrose tumoral
TNF-α), fadiga e QoL (usando pontuação FACT-F e
questionários EORTC). Os resultados encontrados foram descritos pelos autores Hojan K et al.
[15].
“Não
houve diferenças significativas entre os grupos de estudo na avaliação inicial.
Após a RT, houve uma melhora significativa na capacidade funcional (P < 0,05)
e uma diminuição nos níveis de citocinas pró-inflamatórias (P> 0,05) e
fadiga (P < 0,05) no GE em comparação com a GU. O nível de fadiga foi
significativamente maior na UG (F [2,126]; P < 0,05) após a RT do que
antes”.
Verifica-se que o
exercício tem um papel importante em relação à diminuição da fadiga e exerce
uma enorme influência na qualidade de vida dos pacientes que se encontram em uma
situação de alto risco. E será que o exercício aliado com uma dieta exerce uma
maior qualidade nesta diminuição?
Em uma revisão
sistemática foi realizado pela primeira vez uma grande busca e análise destes
dois fatores tanto aliados quanto separados. A revisão foi conduzida de acordo
com o PRISMA e os critérios de inclusão do estudo foram bem específicos pela
estrutura Population, Intervention, Control, Outcomes, Study (PICOS) design, deixando assim o trabalho mais
rico e com uma quantidade de variáveis menores. A busca pelos autores resultou
em 3839 registros, após a avaliação de elegibilidade e os critérios de inclusão
e exclusão foram mantidos 20 estudos, sendo estes 19 ensaios clínicos
randomizados e 1 ensaio prospectivo (aquele em que o desfecho ainda não
ocorreu). Como resultado foi encontrado um benefício quando para a redução da
fadiga oncológica ocorre uma junção da dieta e do exercício, mas estes dados
foram limitados pela falta de estudos específicos. Em relação aos dados obtidos
somente com a prática de exercícios esta foi a
primeira revisão a analisar qualitativamente os quatro princípios da prescrição
de exercícios que são: frequência, intensidade, tipo e tempo. Foi encontrado
que o exercício tem um enorme potencial na redução da fadiga oncológica e o
estudo colocou que exercícios em grupo mostraram ser mais eficazes nesta
redução e na melhoria da qualidade de vida e a combinação do treinamento de
resistência e de exercícios aeróbios de forma moderada mostra ser o caminho
mais favorável [16].
Os resultados dos
estudos analisados demonstram que o exercício promove uma alteração positiva no
quadro de fadiga crônica e isto leva a redução da mesma. Ressaltaram a
importância da prática de atividades físicas, realizada de forma bem específica
e periodizada, respeitando e levando em consideração o estágio da doença e do
tratamento. Todos profissionais envolvidos devem mostrar alinhamentos entre
eles e seus mecanismos de trabalho, para que assim os pacientes desfrutem do
melhor tratamento e melhora do caso clínico.
O exercício físico atua
beneficamente no que diz respeito à fadiga oncológica e sistema imune. Foi
possível verificar e analisar o quão significativo é o uso desta ferramenta de
forma adequada, tendo em vista a intensidade e capacitação dos profissionais
envolvidos. Saber e destacar o potencial desta atividade física dentro da área
da saúde é importante para todos, pois além de trazer menores efeitos
colaterais (se praticado da maneira correta), o exercício físico melhora a
qualidade de vida dos pacientes envolvidos e muitos conseguem completar e
progredir o ciclo quimioterápico.
Embora estudos sobre a
saúde venham sendo cada vez mais evidenciados e neles a prática de exercício
físico também, precisamos entender e propagar a prática de tal ação, para que
assim a educação física não seja uma ferramenta pouco explorada e sim uma
ferramenta de uso indiscutível e indispensável para qualquer fase da vida.
Gerando assim uma população mais ativa e longe de doenças que são acarretadas e
estimuladas pela inatividade física.
Esta pesquisa espera
contribuir para novos estudos, despertando a inquietação e a instigação por
métodos cada vez melhores e mais usuais, para que assim a educação física e o
exercício físico sejam cada vez mais destacados no campo da ciência e da
atuação em doenças.