Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(2):91-100

doi: 10.33233/rbfe.v18i2.2895

ARTIGO ORIGINAL

Postura de praticantes de CrossFit®

Posture in CrossFit® practitioners

 

Josenei Braga dos Santos*, Evelise de Toledo**, Graziela Aveline Silveira de Castilho, M.Sc.***, Etienne Pereira Bonaroti****, Claudio Novelli*****, Rosangela Petroni Rezende******, Mario Augusto Charro, M.Sc.*******, Antônio Carlos Gomes********

 

*Coordenador da Rede de Estudo da Postura Humana (REPH), **Especialista em Medicina do Esporte e Atividade Física (UES), ***Mestre em Ciências do Movimento Humano (UDESC), ****Especialista em Pedagogia do Movimento (UNICAMP), *****Doutorando em Biomecânica Ocupacional (UNIMEP), ******Membro do Registro Brasileiro de Osteopatas, *******Mestre em Biotecnologia (UMC), ********Presidente da Sociedade Brasileira de Treinadores do Esporte (SOBRATEP)

 

Recebido em 5 de junho de 2019; aceito em 20 de junho de 2019.

Correspondência: Josenei Braga dos Santos, Rua Nelson Carline, 148, Jardim Primavera, 12916-083 Bragança Paulista SP

 

Josenei Braga dos Santos: jopostura@gmail.com

Evelise de Toledo: evefit46@gmail.com

Graziela Aveline Silveira de Castilho: grazisilveira@hotmail.com

Etienne Pereira Bonaroti: etienne.pereira@gmail.com

Claudio Novelli: novelli.claudio@gmail.com

Rosangela Petroni Rezende: rpdbrezende@yahoo.com.br

Mario Augusto Charro: macharro@gmail.com

Antônio Carlos Gomes: contatoacgomes@gmail.com

 

Resumo

Objetivou-se nesta pesquisa avaliar a postura de praticantes de CrossFit® e verificar as regiões mais acometidas. Participaram da amostra 175 praticantes de ambos os gêneros, que foram divididos em dois grupos etários, 20 a 35 anos e 36 a 58 anos, que praticavam de duas a oito vezes por semana com duração de 120 a 1500 minutos. Para a avaliação postural utilizou-se o protocolo da Portland State University (PSU), cujo índice de correção postural (ICP) foi ajustado para 80,0%, pelo fato de ser uma modalidade de exercício de alta intensidade, que trabalha em alguns momentos acima de 95,0% da frequência cardíaca máxima. Para análise da postura, adotou-se a biofotogrametria e para interpretação dos resultados, aplicou-se análise de variância unidirecional (ANOVA One-way) com p bicaudal e teste de Kruskal-Wallis, ambos com nível de significância (p < 0,05). Constatou-se que na postura somente o gênero feminino na faixa etária entre 20 e 35 anos estava dentro dos padrões de normalidade. Com relação às regiões mais significativas (< 0,01) nos dois grupos etários, a coluna apresentou estar acima do valor de referência e os membros inferiores abaixo. No que se refere à frequência das alterações posturais (≥ 90,0%), as mais acentuadas foram: escoliose torácica, inclinação lateral de quadril e hiperextensão de joelho, variando com o passar dos anos nos dois grupos etários. Conclui-se que a região de membros inferiores e as alterações posturais constatadas merecem observação clínica, sendo extremamente importante inserir exercícios preventivos específicos durante as aulas, para que possa ocorrer o reequilíbrio musculoesquelético.

Palavras-chave: CrossFit®, postura, exercício, treinamento funcional de alta intensidade.

 

Abstract

The aim of this study was to assess the posture of Crossfitters and to verify the most affected areas of the body. 175 Crossfitters, male and female, participated in the study. They were divided into two different age groups: 20 to 35 and 36 to 58 years old, practicing Crossfit twice or up to eight times per week, for 120 to 1500 minutes. The Portland State University (PSU) protocol for postural assessment was used and its postural correction index (PCI) was adjusted to 80% considering the high level of intensity of the exercise which, on some occasions, exceeded 95.0% of the maximum heart rate. The study images were analyzed through biophotogrammetry and the results interpretation based on the One-Way Analysis of Variance (ANOVA) with p-two tailed and Kruskal-Wallis test, both with a significance level of p < 0,05. We found that only the female gender 20 and 35 years old was within the normality patterns. Regarding the most significant regions (< 0.01) in the two age groups, the column was above the reference value and the lower limbs below. Regarding the frequency of postural changes (≥ 90.0%), the most accentuated were: thoracic scoliosis, hip lateral slope and knee hyperextension, varying with the passage of years in the two age groups. In conclusion, the region of lower limbs and the postural changes observed deserve clinical observation, and it is extremely important to insert specific preventive exercises during the classes, so that musculoskeletal rebalancing can occur.

Keywords: CrossFit®, posture, exercise, high-intensity functional training.

 

Introdução

 

O CrossFit® é uma modalidade de exercício corporal que vem crescendo no Brasil e no mundo, ganhando cada vez mais adeptos e tem como objetivo a promoção de saúde e desempenho motor.

Sprey et al. [1] definem como um programa de condicionamento e exercícios físicos que vem ganhando reconhecimento e interesse crescente entre os praticantes de atividades físicas. Já para Dominski et al. [2], ele se apresenta como um novo método de treinamento físico que vem ganhando popularidade desde sua criação.

Para se ter conhecimento de sua evolução neste mercado, no ano de 2014, o CrossFit® foi classificado pelo American College of Sports Medicine (ACSM) como a atividade de maior sucesso no mundo [3].

Desenvolvido por Greg Glassman na década de 80 nos Estados Unidos, o CrossFit® foi aplicado pela primeira vez nas forças armadas americanas e foi considerado pelo estudioso como uma modalidade de exercício que promove a melhora do condicionamento físico e aumenta capacidade de trabalho, por meio do domínio da aptidão e do tempo, sendo criado como um programa específico para melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas (www.crossfit.com) [3].

De acordo com Tibana et al. [4], CrossFit Inc. [5], Butcher et al. [6], Hak et al. [7], o CrossFit® é um método de treinamento caracterizado pela realização de exercícios funcionais de alta intensidade, de forma constante e variada. Segundo esses autores, ele se utiliza de exercícios do levantamento olímpico (agachamentos, arrancos, arremessos e desenvolvimentos), exercícios aeróbios (remos, corrida e bicicleta) e movimentos ginásticos (paradas de mão, paralelas, argolas e barras). Seu tempo total de aula geralmente é de 60 minutos, quando é possível desenvolver as diversas manifestações das capacidades motoras: resistência aeróbica, resistência de força, flexibilidade, força muscular, potência, velocidade, coordenação, equilíbrio, precisão e agilidade (CrossFit®, Inc) [5].

Diante de sua ascensão, observam-se diversas discussões no contexto acadêmico e na prática, mídias televisivas, impressas (revistas e jornais) e redes sociais, assim como profissionais da área da saúde questionam e resistem sua inserção como um programa de exercício corporal para a sociedade.

De acordo com Martins [8], pelo fato do CrossFit® ser uma prática nova e em crescimento, muitas inconsistências são encontradas na literatura, sugerindo, assim, alguma discrepância entre a ciência e a construção cultural de uma nova atividade em clubes e academias.

Outro fator preponderante expressado pela crítica em geral, é a alta intensidade dos treinos, pois se acredita que exista um risco elevado de desequilíbrios musculoesqueléticos que geram alterações posturais em seus praticantes a longo prazo, e que essas alterações possam gerar altas incidências de problemas musculoesqueléticos, que futuramente, irão impactar na saúde e qualidade de vida desses praticantes.

Segundo Hak et al. [7] ainda não existe evidência científica de que o CrossFit® cause lesão muscular. De acordo com Tibana et al. [9], existem poucos estudos publicados até o presente momento e que esta modalidade de exercício parece que não aumenta a incidência de lesões.

Uma pesquisa realizada no Brasil por Sprey et al. [1] sobre o perfil dos praticantes mostrou que não existe diferença significativa entre incidência de lesões musculares em relação ao sexo ou faixa de idade.

Dentro deste cenário, percebe-se que avaliar a postura de praticantes de CrossFit®, é uma excelente estratégia de prevenção de alterações posturais a ser adotada por profissionais que trabalham nesta área. Por meio da avaliação postural, é possível oferecer uma prestação de serviço de melhor qualidade, o que permite identificar e entender as modificações estruturais causadas que são provocadas pelos desequilíbrios musculoesqueléticos no aparelho locomotor [10].

Outro ponto de destaque é que ajuda a prevenir problemas musculoesqueléticos que possam surgir, pois auxilia na adoção de estratégias de intervenção com mais eficácia, uma vez que possibilita estruturar os treinos, prescrever exercícios e monitorar com maior assertividade, estas rotinas.

Desta forma, objetivou-se nesta pesquisa avaliar a postura dos praticantes de CrossFit® com ênfase em dois aspectos: a) verificar se há regiões corporais acometidas e b) identificar se existem alterações posturais significativas.

 

Material e métodos

 

Caracterização da amostra

 

A pesquisa caracterizou-se como transversal, ou seja, é uma estratégia de estudo epidemiológico de observação direta de determinada quantidade planejada de indivíduos em uma única oportunidade [11], sendo considerada de caráter descritivo exploratório, conforme Thomas e Nelson [12].

Amostra

Para coleta de dados, utilizou-se uma amostra aleatória constituída de 175 praticantes de CrossFit® (feminino = 82) e (masculino = 93), na qual foram distribuídos em dois grupos etários respectivamente, 20 a 35 anos de idade e de 36 a 58 anos, que praticavam de duas a oito vezes por semana, com duração semanal de 120 a 1500 minutos.

 

Critério de inclusão e exclusão

 

Como critério de inclusão, adotou-se estar praticando CrossFit® por um período mínimo de seis meses e frequência mínima de duas vezes na semana no período da coleta. Já como critério de exclusão, adotou-se ter alguma indicação médica de problemas musculoesqueléticos (lesões, entorses, contraturas e cirurgias recentes) ou sem treinar durante o período da coleta.     

 

Procedimentos de coleta de dados

 

Para aquisição das informações referentes aos praticantes, aplicou-se um questionário estruturado com perguntas abertas desenvolvido em uma planilha eletrônica do Programa Microsoft Office Excel 2012, com informações referentes à: gênero, idade, local de nascimento, anos de estudo, anos de prática na modalidade, problema de saúde (ex: doenças, cirurgia, entorses e etc.), quantidade de vezes que treina por semana, carga horária semanal de treino, resultado em eventos e/ou competição, massa corporal e estatura.

No que se referiu à vestimenta utilizada para avaliação, os praticantes do gênero masculino estavam trajando shorts e os do gênero feminino bermuda e top. Com relação aos praticantes que tinham cabelos compridos, solicitou-se que fossem presos no momento da avaliação, para facilitar a observação postural, mais especificamente na região cervical.

 

Método PSU

 

Como instrumento de avaliação, adotou-se o método proposto pela Portland State University (PSU) [13,14] conforme descrito por Santos et al. [15], que é um instrumento que usa os sentidos visuais (observação), dentro de uma perspectiva subjetiva.

Seu principal objetivo é detectar as simetrias, assimetrias e os possíveis desvios e/ou alterações posturais entre os segmentos corporais e regiões, em duas posições (posterior e lateral), o que permite ao avaliador quantificar o Índice de Correção Postural (ICP) do avaliado em valores percentuais (%), obtido por meio de equações matemáticas estipuladas pelo escore diagnóstico.

Para obtenção do ICP total e por regiões, este método adota como critério de avaliação três escalas: a) 5 – sem desvio; b) 3 – ligeiro desvio lateral; e c) 1 – acentuado desvio lateral.

No que se refere à classificação da postura, tomou-se como referência utilizar o valor 80,0% para boa postura, que é adotado para atletas, pelo fato do CrossFit® ser considerado um meio de treinamento de alta intensidade e que, em alguns momentos, chega a atingir um trabalho acima de 95% da Frequência Cardíaca Máxima (FCmax).

 

Aquisição e análise das imagens

 

A aquisição das imagens foi feita utilizando uma câmera fotográfica digital Sony Cyber-Shot Sony 8.1 Mega pixels e um tripé FT – 361A, que foi posicionada a 3 metros de distância do avaliado e a uma altura de 1,07 metros do chão.

Com relação à análise das imagens, utilizaram-se recursos de computação gráfica do software Corel DrawX7® (2014), que é um software de edição de imagens, assim como adotou-se a biofotogrametria (bios – vida; fotogrametria – aplicação métrica a imagens fotográficas), que é um processo sistematizado que faz análises em 2D, ou seja, um recurso que remete à aplicação métrica em fotogramas de registro de movimentos corporais, permitindo detectar simetrias, assimetrias e os desvios e/ou alterações posturais entre os segmentos corporais, assegurando acurácia, confiabilidade e reprodutibilidade, em que as condutas são executadas manualmente de maneira a fazer uma representação dos fatores quantitativos de um movimento corporal [16-18].

 

Consentimento da pesquisa

 

Todos os praticantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual fica assegurada a privacidade dos mesmos, confirmando que estavam cientes dos propósitos da investigação e dos procedimentos que seriam utilizados e autorizaram a publicação dos dados.

      Todo procedimento tomou como base a resolução específica do Conselho Nacional de Saúde (Resolução196/96) [19].

 

Análise estatística

 

Os dados da pesquisa foram tabulados e analisados no programa de análise estatística SPSS, versão 23 (SPSS Inc., EUA), adotou-se a estatística descritiva e os valores foram expressos em forma de médias e desvios padrão (DP) [20].

Os gráficos foram gerados através do software GraphPad, versão 3.0. Para todas as análises e o nível de significância foi previamente fixado (p < 0,05).

Foi feita uma análise de variância unidirecional (ANOVA One-way) com p bicaudal. Em função de alguns dados não apresentarem normalidade, optou-se por um método de análise não paramétrico, através do teste de Kruskal-Wallis.

 

Resultados

 

Na Tabela I e II, apresentam-se as características dos praticantes com os valores obtidos (média e desvio padrão) separados por faixa etária e gênero.

 

Tabela ICaracterísticas dos praticantes de CrossFit® na faixa etária de 20 a 35 anos de ambos os gêneros

 

APM = Anos de Prática na Modalidade; DS - Duração por Semana

 

Tabela IICaracterísticas dos praticantes de CrossFit® na faixa etária de 36 a 58 anos de ambos os gêneros

 

APM = Anos de Prática na Modalidade; DS = Duração por Semana

 

Nas Tabelas III e IV, apresentam-se os valores percentuais por região e o índice de correção postural (ICP), obtidos na avaliação postural separados por faixa etária e gênero.

 

Tabela IIIÍndice de Correção Postural (ICP) dos praticantes de CrossFit® em percentual (%) na faixa etária de 20 a 35 anos

 

RCP = Região da Cabeça e do Pescoço; RCDL = Região da Coluna Dorsal e Lombar; RAQ = Região do Abdômen e Quadril; RMI - Região dos Membros Inferiores; ICP = Índice de Correção Postural; *Diferença estatisticamente significante entre os gêneros (p < 0,001).

 

Tabela IVÍndice de Correção Postural (ICP) dos praticantes de CrossFit® em percentual (%) na faixa etária de 36 a 58 anos

 

RCP = Região da Cabeça e do Pescoço; RCDL = Região da Coluna Dorsal e Lombar; RAQ = Região do Abdômen e Quadril; RMI - Região dos Membros Inferiores; ICP = Índice de Correção Postural; *Diferença estatisticamente significante entre os gêneros (p < 0,001)

 

Nas Tabelas V e VI, apresentam-se as alterações posturais acometidas e seus valores percentuais.

 

Tabela VFrequência das alterações posturais na faixa etária de 20 a 35 anos de ambos os gêneros em percentual (%)

 

AntCab = Anteriozação da Cabeça; IncLatQuad = Inclinação Lateral de Quadril; HiperJoe = Hiperextensão de Joelho; RotLatQ = Rotação Lateral de Quadril; *Alterações posturais mais acentuadas no gênero feminino; †Alterações posturais mais acentuadas no gênero masculino; ¤Alterações posturais mais acentuadas em ambos os gêneros

 

Tabela VIFrequência das alterações posturais na faixa etária de 36 a 58 anos de ambos os gêneros em percentual (%)

 

AntCab = Anteriozação da Cabeça; IncLatQuad = Inclinação Lateral de Quadril; HiperJoe = Hiperextensão de Joelho; RotLatQ = Rotação Lateral de Quadril; *Alterações posturais mais acentuadas no gênero feminino; †Alterações posturais mais acentuadas no gênero masculino; ¤Alterações posturais mais acentuadas em ambos os gêneros

 

Discussão

 

Sabe-se que as alterações posturais, em maior ou menor percentual, fazem parte da vida cotidiana de qualquer pessoa comum ou atleta, devido a diversos fatores, dentre os principais estão os vícios posturais praticados constante e diariamente e às sobrecargas impostas ao aparelho musculoesquelético, sem o devido condicionamento físico, que geralmente são provocadas pelo sedentarismo.

Mediante ao que se apresenta neste estudo, observa-se que existem algumas diferenças peculiares e inerentes nos praticantes de CrossFit® entre gênero e faixa etária, que podem ser ocasionadas pelas mudanças biológicas que ocorrem com o passar dos anos, pelas atividades de vida diária, pelo processo de envelhecimento e pela intensidade dos exercícios praticados nos treinamentos.

Analisando as características dos praticantes, nota-se que a idade média foi acima de 28,0 anos, entre os dois grupos etários quando comparados entre si. Com relação aos anos de estudo, tanto na Tabela I como na Tabela II, de um modo geral, foram acima de 16 anos, porém, na Tabela II, esta variável é mais elevada no feminino do que no masculino. Já referente aos anos de prática na modalidade (APM), observa-se que há um predomínio do gênero masculino em comparação ao feminino.

Sprey et al. [1], quando pesquisaram praticantes de CrossFit® no Brasil, identificaram que a idade média dos praticantes foi 31,4 anos, variando entre 13 a 58 anos, concentrando-se a maioria na faixa entre 18 e 39 anos (87,9%). Resultados estes, que podem ser considerados parecidos com os resultados da nossa pesquisa.

Uma variável que chama atenção nesta pesquisa é a duração (minutos) por semana de treinamentos, pois em ambas, Tabelas I e II, o masculino se sobressai diante do feminino. Este resultado pode ser explicado pelo fato de que, no masculino, a adesão ao CrossFit® é maior, provavelmente por ser um método de treinamento que desenvolve muita força muscular, por terem mais pré-disposição e preferência, por ser desafiador, se sentirem mais motivados para superar tais desafios e, consequentemente, se exigirem mais.

 

Postura

 

Observa-se, na Tabela III, que somente o gênero feminino está dentro dos padrões de normalidade para boa postura, diferente do que se apresenta aos praticantes do gênero masculino a região corporal que obteve maior valor percentual, no feminino, foi a RCDL e, no masculino, a RAQ e a de menor valor, ambas direcionaram para a RMI nos dois gêneros.

Nota-se que, na Tabela IV, ambos os gêneros não atingiram o padrão normal de boa postura, ficando muito próximos do valor de 80,0%. No que se refere à região corporal de maior valor, identifica-se que são semelhantes à faixa etária de 20 a 35 anos, sendo que no masculino há um declínio acentuado na RMI, que pode ser considerado como uma situação crítica, que merece observação clínica, pois pode trazer sérios problemas musculoesqueléticos no futuro.

Numa visão geral, quando analisado estatisticamente quais regiões apresentam menor valor percentual, comparando-as ao valor de referência, observa-se que a RMI é considerada extremamente significante (p < 0,001) em ambos os gêneros e faixas etárias. Uma característica constatada neste menor valor da RMI pode ter uma forte relação com o avançar da idade, pois segundo Powers e Howley [21] e Wilmore e Costill [22], tanto no feminino quanto no masculino ocorre uma alteração musculoesquelética lenta de 10,0% na faixa etária entre 25 e 50 anos. Já outra característica que contribui para o declínio no masculino é o desenvolvimento de um comportamento de resistência em não treinar os membros inferiores.

Pesquisas realizadas utilizando o método PSU, tanto no esporte de alto rendimento como em praticantes mostraram que RCDL e RAQ foram as regiões que obtiveram maior valor percentual e RCP e RMI as de menor valor percentual [23-26].

Estes achados citados acima demonstram que a postura dos praticantes de CrossFit® não se difere de outras modalidades esportivas e de exercício (corrida, natação, futebol, atletismo e lutas), o que talvez possa ser considerado como um padrão postural, que estão diretamente interligados ao treinamento, hábitos de vida e contexto cultural vivenciados, tanto por atletas e como praticantes.

Um dos fatores que pode ser citado seria a quantidade de exercícios que são aplicados com maior ênfase nas regiões RCDL e RAQ, mais especificamente na RAQ, devido aos trabalhos de preparação física e dos movimentos cíclicos e coordenados entre membros superiores e inferiores na execução dos movimentos, o que desenvolve muita força muscular nesta região, o que ajuda e auxilia na manutenção da postura, não só nestas faixas etárias, mas para a vida toda.

De acordo com Domingues-Filho [27], a RAQ é responsável por boa parte dos movimentos, estabilidade e manutenção da postura, por meio da coluna vertebral no ser humano, porque o conjunto dos músculos abdominais, glúteos, isquiotibiais, flexores do quadril e extensores da coluna, trazem inúmeros benefícios para a saúde de seu praticante, principalmente, para o equilíbrio postural e rendimento esportivo.

Bompa [28], quando fala de treinamento de força de forma específica, afirma que manter uma resistência muscular para o desempenho significa gerar uma capacidade muscular, para sustentar o trabalho a ser realizado, por um tempo prolongado, pois seu papel no treinamento é de fundamental importância.

 

Alterações posturais

 

Nas alterações posturais apresentadas nas Tabelas V e VI, percebe-se que na faixa etária entre 20 e 35 anos a sequência foi: escoliose torácica, hiperextensão de joelho (HiperJoe), IncLatQuad (inclinação lateral de quadril), AntCab (anteriorização da cabeça), hipercifose e RotLatQ (rotação lateral de quadril). Já acima dos 35 anos, houve uma mudança nesta sequência: escoliose torácica, HiperJoe (hiperextensão de joelho), (IncLatQuad) inclinação lateral de quadril, hipercifose, AntCab (anteriorização da cabeça) e RotLatQ (rotação lateral de quadril).

No que se refere às alterações propriamente ditas, à AntCab (anteriorização de cabeça) foi mais prevalente no gênero feminino do que no masculino em ambas faixas etárias. Já com relação à hipercifose, ocorreu uma situação curiosa, na faixa etária de 20 a 35 anos, foi mais prevalente no gênero feminino e, acima de 30 anos, houve uma inversão, no gênero masculino.

Mediante este fato, percebe-se que ambas podem estar relacionadas pela utilização do celular, da televisão e do computador por longas horas na posição sentada (navegação na internet, jogos eletrônicos, instagram, emails, twitter, facebook, etc), de forma errada e estática, o que provoca anteriorizacão da cabeça (projeção do pescoço) à frente, hipercifose (coluna curvada) e pressão na região glútea.

Marques et al. [29], quando falam deste assunto, explicam que a manutenção prolongada da posição sentada ocasiona o desenvolvimento de posturas inadequadas e sobrecarrega as estruturas do sistema musculoesquelético.

Analisando as alterações mais prevalentes, como é o caso da escoliose torácica, HiperJoe (hiperextensão de joelho) e IncLatQuad (inclinação lateral de quadril), constata-se que ocorre um desalinhamento corporal que está gerando um desequilíbrio musculoesquelético em cadeia muscular. A inclinação lateral de quadril, apesar de ser a de menor valor entre elas, é a principal, porque é por meio dela que ocorre a junção entre membro superior e inferior, ou seja, afeta tanto a coluna vertebral (escoliose torácica), como o joelho (hiperextensão), pelo fato de ser o centro de sustentação do corpo humano.

Nordin e Frankel [30], Hall [31] e Hamill e Knutzen [32], quando explicam sobre região do quadril, afirmam que ela é a principal articulação responsável pela sustentação do peso corporal, servindo como local de inserção para numerosos músculos, o que contribui para a eficiência dos movimentos de membro inferior, manutenção do equilíbrio e da postura em pé, pois empregam ação muscular contínua para ajustes finos assegurando o equilíbrio. Quando isto não ocorre, segundo estes autores, gera tensão nos grandes e resistentes músculos do quadril, o que aumenta ainda mais a compressão na cartilagem da articulação e do osso, que é potencializado pelas grandes forças sustentadas pela articulação e que, futuramente, poderá ocasionar artrite degenerativa, fraturas, contusões e distensões musculares. Neto Júnior et al. [33] afirmam que esta região é caracterizada como uma estrutura complexa de sustentação do corpo humano, tanto no que se refere às atividades estáticas quanto às dinâmicas.

Uma prescrição orientada para estas alterações é desenvolver exercício de força muscular para esta região, pois de acordo com Takata e Basile [34] ter uma musculatura forte na região do quadril gera estabilização da cintura pélvica e movimentação multidirecional do membro inferior.

Falqueto et al. [35], quando pesquisaram alterações posturais em praticantes de musculação, verificaram que 100% dos indivíduos apresentavam projeção anterior da cabeça, 72,7% alguma inclinação lateral, 72,7% anteriorização de ombros e 90,9% assimetria pélvica.

Neto Júnior et al. [33] analisaram alterações posturais em atletas que participaram de provas de potência muscular e identificaram que 73,0% tinham anteversão pélvica, anteriorização da cabeça e hiperlordose lombar, 60% rotação interna da pelve, 53% hipercifose torácica e hiperlordose cervical, 47,0% elevação do quadril à esquerda (inclinação lateral de quadril).

Uma constatação importante observada nas aulas de CrossFit® e relatada pelos coaches é que na execução dos exercícios de agachamento talvez possa existir alguma associação entre a inclinação lateral de quadril e este exercício. Ou seja, no momento em que os praticantes agacham, a maioria utiliza como recurso fazer uma rotação interna de quadril e rotação externa de joelho, como forma de compensação do movimento e desalinhamento de pés. Isto faz com que o lado dominante prevaleça pelo fato de ser o mais forte e possa estar contribuindo para o aumento de contraturas nos músculos que atravessam a articulação do quadril, acentuando ainda mais esta inclinação.

Chama-se a atenção para este movimento, pelo fato dele estar presente na maioria dos exercícios praticados, porque dos nove exercícios fundamentais que são executados nas aulas de CrossFit®, sete envolvem o agachamento, haja vista que é um movimento natural, muito utilizado e que merece uma observação criteriosa e constante em sua execução.

Neste sentido, é importante inserir, na prescrição de treinamento, exercícios preventivos para alinhamento postural, exercícios de mobilidade para a preparação do treino principal, fortalecimento de core e relaxamento muscular, para amenizar tal alteração, pois o alinhamento postural irá proteger as estruturas de sustentação do corpo prevenindo lesões ou deformidades progressivas [35].

De acordo com Matos [36] e Kendall et al. [37], quando as alterações posturais não são observadas e corrigidas, futuramente, determinarão encurtamentos musculares importantes, que ocasionarão sintomas de tensão muscular e, consequentemente, poderão trazer deformidades ósseas.

Na rotação lateral de quadril (RotLatQ), nota-se que esta alteração é mais prevalente no gênero masculino do que no feminino em ambas faixas etárias, em média acima de 90,0%. Um fator que supostamente possa ser mencionado é o fato de este gênero possuir este hábito, geralmente quando param durante todas as suas atividades, ou seja, na postura estática.

 

Conclusão

 

Observou-se que, na postura, somente o gênero feminino na faixa etária entre 20 e 35 anos estava dentro dos padrões de normalidade, de acordo com a adaptação feita na classificação do método PSU.

Constatou-se que a região mais acometida foi a RMI e as alterações posturais variam com o passar dos anos, sendo escoliose torácica, IncLatQuad (inclinação lateral de quadril) e HiperJoe (hiperextensão de joelho) as mais prevalentes nos praticantes de CrossFit® em ambos os gêneros, o que merecem observação clínica.

Um exercício que chama a atenção é o agachamento por fazer parte de muitos gestos específicos da modalidade por ser um exercício fundamental.

Uma recomendação importante e que deve ser adotada pelos boxes de CrossFit® é inserir exercícios preventivos e compensatórios específicos durante as aulas, para melhora da consciência corporal e execução técnica de movimento, assim como aplicar exercícios específicos de fortalecimento na musculatura do quadril, para prevenir alterações posturais nesta região.

 

Agradecimentos

 

A todos os praticantes de CrossFit® que fizeram parte desta pesquisa e aos coaches que permitiram que seus alunos fossem avaliados.

 

Referências

 

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