Rev Bras Fisiol Exerc
2019;18(2);108-15
REVISÃO
O exercício físico como auxiliar no tratamento da
depressão
Physical
exercise as aid in the treatment of depression
Maria
Clara Barbuena Santos*
*Bacharel em Educação Física (ESEF), Pós-Graduação
(latu sensu) Fisiologia do Exercício (FMU-SP)
Recebido
em 23 de junho de 2019; aceito em 24 de junho de 2019.
Correspondência: Maria Clara Barbuena Santos, Rua Conceição, 120, 13216-140 Jundiai SP
Maria
Clara Barbuena Santos: clara.karatecsj@gmail.com
Resumo
Dentre
as principais doenças que causam deficiência, a depressão ocupa o quarto lugar.
É uma doença multifatorial, causada por alterações psicológicas que podem
causar mortalidade. Como tratamento, é indicado o uso de antidepressivo. Porém,
devido ao alto custo e o tratamento duradouro, o exercício físico vem sendo
indicado como uma terapia alternativa e eficaz no tratamento da mesma. Objetivo: Revisar na literatura o
impacto do exercício físico como auxílio no tratamento da depressão. Métodos: Foi realizada uma revisão da
literatura dos últimos 10 anos, utilizando os termos depression, serotonin, exercise,
physical activity e strenght training, nas bases de dados Pubmed, Scielo e Lilacs. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão
foram selecionados 15 estudos, que foram os analisados. Resultados: Dentre os estudos avaliados, foi identificado que o
exercício físico aeróbico de intensidade média é o mais indicado para pacientes
com depressão. Conclusão: Estes
achados apontam que o exercício físico é uma alternativa eficaz no tratamento
de pacientes com depressão.
Palavras-chave: depressão;
serotonina; exercício físico.
Abstract
Among
the major diseases that cause disability, depression occupies the fourth place.
It is a multifactorial disease, caused by psychological changes that can cause
mortality. As a treatment, the use of antidepressant is indicated. However, due
to the high cost and long-lasting treatment, physical exercise has been
indicated as an alternative and effective therapy in the treatment of it. Objective: To review in literature the
impact of physical exercise as an aid in the treatment of depression. Methods: A review of the literature of
the last 10 years in Pubmed, Scielo
and Lilacs was performed using the terms depression, serotonin, exercise,
physical activity and strength training. After application of the inclusion and
exclusion criteria, 15 studies were selected and analyzed. Results: Among the studies evaluated, we identified that aerobic
physical exercise of medium intensity is the most appropriate for patients with
depression. Conclusion: These
findings indicate that physical exercise is an effective alternative in the
treatment of patients with depression.
Key-words: depression;
serotonin; physical exercise.
Dentre
os problemas de saúde de maior índice da atualidade, um dos mais frequentes é o
transtorno de depressão [1]. Dados epidemiológicos da OMS [2] e do Ministério
da Saúde Mental no Brasil [3] apontam que a depressão vem crescendo de forma
significante [4], podendo prejudicar pessoas de qualquer faixa etária [1,5], e
até 2020 ocupará o segundo lugar no quadro das principais doenças que causam
deficiência [2], sendo 5% referente a população mundial e 7,6% refere-se
somente a população brasileira [1] e, 2 milhões de novos casos são constatados
a cada ano [6], sendo que 10% das pessoas podem, durante a sua vida apresentar
depressão [7].
Dados
da Fundação Oswaldo Cruz, mostram que transtornos mentais como a depressão gera
um alto custo social e econômico, por conta do seu tratamento ser demorado [4],
e o ministério da Saúde Mental completa ainda que 2,3% do gasto do SUS é
destinado a saúde mental [3]. Em países como Estados Unidos, anualmente US$ 26
bilhões é referente ao gasto com a saúde mental. Ainda nos EUA, do total de
pessoas acometidas com depressão, apenas 55% recebem tratamento, porém apenas
32% relatam alívio nos sintomas depressivos [2].
No
aspecto psicológico, acredita-se que a depressão é uma doença multifatorial
[9], ou seja, causada por uma série de complicações psicológicas e ambientais
[10], que podem causar comorbidades e mortalidades [5], devido a sua alteração
de humor [1].
O
indivíduo deprimido apresenta desânimo, tristeza, sentimentos de
irritabilidade, inutilidade [4], apatia, baixa autoestima, baixo apetite, perda
do interesse em atividades que antes eram prazerosas, cansaço ou falta de
energia, agonia [5,10], acarretando em prejuízos sociais, afetivos e laborais
[11].
Porém,
crescentes achados mostram que a doença também esta
relacionada a um aumento do número de citocinas pró-inflamatórias [1], ou com
um distúrbio de quantidade, produção e recaptação de neurotransmissores [1,10]
provocada pela alteração cerebral, desencadeando uma série de disfunções
fisiológicas e neuroquímicas, podendo estas ser inclusas na fisiopatologia da
depressão [1], por meio da hipótese de que indivíduos depressivos possuem
diminuição das aminas biogênicas cerebrais, serotonina, dopamina e
noradrenalina [12].
O
sistema imunológico sinaliza o sistema nervoso central, por meio do aumento do
número de citocinas pró-inflamatórias, e essa interação entre os dois sistemas
desempenha um papel importante em muitas doenças, como: reumáticas, autoimune,
psiquiátricas ou neurológicas [13]. Porém, esses achados neuroquímicos ainda
não são consistentes, necessitando assim de futuros estudos acerca da
fisiopatologia da doença [14].
Como
tratamento farmacológico a essa doença, indica-se o uso de antidepressivos [2],
como, por exemplo, inibidores seletivos de recaptação de serotonina [1] ou
tricíclicos. Os ISRS inibem de forma seletiva a recaptação da serotonina
resultando em uma potencialização do neurotransmissor. Eles podem apresentar
perfis farmacocinéticos variados, devido a sua estrutura molecular. Já os
tricíclicos atuam no bloqueio das monoaminas em nível
pré-sináptico [6]. No entanto, o fato de muitos pacientes não aderirem ao
tratamento com uso de fármacos por serem duradouros [10], estudos têm mostrado
que o exercício físico é uma opção de baixo custo e acessível para todos, e
atua de forma benéfica [2] e efetiva no tratamento da mesma, tendo ação
anti-inflamatória [3] e preventiva, proporcionando melhora nas esferas física,
mental e social [5], sendo eficaz [15] e essencial para diminuição das
consequências degenerativas [5]. Atualmente, os estudos sobre a importância do
exercício físico e da conscientização da prevenção de doenças no geral [8], com
indivíduos mais ativos, tendo impacto na sua qualidade de vida [3] vêm ganhando
mais reconhecimento no campo científico [8].
A
falta de exercício físico ou a inatividade física é um fator de impacto muito
grande na saúde mental do indivíduo, pois enquanto acontece à diminuição da
autoestima, da autoimagem, do bem-estar e da sociabilidade, acontece o aumento
significativo do estresse, ansiedade e possivelmente da depressão. Indivíduos
depressivos são pessoas que manifestam forte propensão para desenvolver outras
doenças, e o exercício, pode ter benefícios adicionais como, por exemplo,
controle do peso corporal, mudando a autoimagem [16,17].
Estudos
apresentam associação positiva entre exercício físico e saúde mental, pois pode
reduzir as repostas emocionais frente ao estresse e comportamentos neuróticos,
tendo impacto positivo no indivíduo [18], se tornando um método eficaz na
atenuação dos riscos de desenvolvimento de doenças psicológicas [19]. Aspectos
neuroendócrinos, como mudança na atividade central de monoaminas,
são responsáveis por efeitos antidepressivos no humor do indivíduo [10].
Este
trabalho tem como objetivo compreender os mecanismos da depressão e mostrar ao
leitor o impacto do exercício físico como terapia não-farmacológica nessa
doença.
Foi
adotada a revisão sistematizada como metodologia da pesquisa, onde se realizou
busca de artigos dos últimos 10 anos, por meio de bases de dados como Medical Literature
Analysis and Retrieval System Online (PubMed),
Scientific Eletronic Library Online (Scielo), Literatura
Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); utilizando os
seguintes termos: depression
(depressão), serotonin
(serotonina), exercise
(exercício ou exercício físico), physical activity (atividade física) e strength training (treinamento de força).
Critérios de elegibilidade
Os
critérios de inclusão foram: 1) Artigos de ensaio clínico; 2) Artigos livres ou
bloqueados; 3) Estudos que abordem exercício físico ou atividade física em
pessoas com depressão ou sintomas de depressão; 4) Artigos publicados a partir
de 2008; 5) Estudos realizados em modelos de humanos.
Os
critérios de exclusão foram: 1) Artigos de revisão; 2) Carta ao leitor; 3)
Projeto de pesquisa; 4) Artigos duplicados; 5) Artigos que não contenham
amostras diagnosticadas com depressão ou sintomas de depressão; 6) Artigos que
não se encaixam no trabalho quando lidos pelo título; 7) Artigos que não se
encaixam no trabalho quando lidos pelo resumo; 8) Estudos realizados em modelos
de animais.
Figura 1 - Esquematização da revisão e da seleção de artigos
Tabela I - Organização dos resultados da revisão (parte 1).
Tabela I - Organização dos resultados da revisão (parte 2)
Tabela I - Organização dos resultados da revisão (parte 3)
GE
= grupo exercício; GCS = grupo controle sedentário; GCR = grupo controle
resistido; GrCa = grupo caminhada; GrLa = grupo lazer; GCiE = grupo cicloergômetro; R50 = resistido 50%1RM; R80 = 80%1RM; QP =
questionário populacional; TF = treinamento de força; GS = grupo sedentário; GA
=grupo ativo; GD = grupo deprimido; GE1 = 16KKW – kcal/kg; GE2 = 4KKW –
kcal/kg; GAero = grupo aeróbio; MDD = major depressive disorder; NT =
neurotransmissores
Indivíduos
deprimidos têm tendência a apresentar baixos níveis de atividade física [16].
Neste sentido, o estudo teve como objetivo compreender a influência do
exercício físico geral no tratamento e melhora da depressão, como uma
alternativa de terapia não farmacológica [5], por meio de uma revisão da
literatura dos últimos 10 anos, priorizando estudos realizados somente em
humanos.
Estudos
sobre depressão vêm ganhando cada vez mais espaço no campo científico [8]. Dos
estudos que permaneceram após os critérios de exclusão, a predominância da
população idosa das amostras indica que pessoas de mais idade tendem a ter uma
facilidade de desenvolver alguma deficiência no quadro psicológico, devido a
problemas pessoais, perda da capacidade funcional, diminuição de concentração,
sentimento de abandono, perdas familiares e perda da memória, problemas que
ficam cada vez mais acentuados [5,11,21,23].
Atualmente,
os tratamentos com fármacos melhoram parcialmente ou não induzem uma resposta
significativa [2], pelo fato de que a maioria dos indivíduos não continua o tratamento
com antidepressivo, devido ao tratamento ser duradouro e de altos custos [10].
Diversos estudos apontam relação positiva entre atividade física e depressão
[4], como uma abordagem não farmacológica, associada aos cuidados e melhora dos
sintomas de depressão, sendo uma opção viável [2] e tendo efeito antidepressivo
[11].
Grande
parte dos estudos encontrados na revisão da literatura dos últimos anos,
mostram que o exercício físico reduz os sintomas de depressão [2,8,11,23,27].
Essa redução é por meio do aumento dos neurotransmissores, das catecolaminas,
da biossíntese de serotonina pelo aumento do triptofano influenciado pelo
exercício [23].
Os
resultados também suportam a hipótese do indivíduo
deprimido apresentar níveis baixos de aminas biogênicas, mostrando que o
exercício promove aumento da atividade da serotonina, proporcionando efeito
antidepressivo [22].
A
prática de exercício físico por pacientes psiquiátricos é recomendada, pois
estes indivíduos, além de ingerirem altas doses de remédio, geralmente são
sedentários, o que propicia o surgimento de outras doenças [17]. O estilo de
vida ativo e a prática regular de atividades físicas podem ser métodos eficazes
na redução do risco de doenças psicológicas, pois o exercício irá trabalhar com
a motivação [19] e os indivíduos experimentam sensação de bem-estar aumentando
níveis de satisfação e felicidade [28].
Dos
quinze artigos encontrados, a maioria dos estudos aponta que o exercício físico
diminui níveis de depressão, sintomas de depressão ou possuem efeito
antidepressivo, dois artigos não encontraram resultados para depressão, somente
para outras doenças, como, por exemplo, demência [21] e dois artigos avaliaram
a capacidade aptidão [16], citocinas e sintomas depressivos [9,25], porém não
houve resultados para a depressão.
Em
relação ao tipo de exercício, a maioria dos artigos aponta que os exercícios
aeróbicos são os mais utilizados no tratamento da depressão, podendo ser
caminhada ao ar livre, caminhada em esteira, bike estacionária ou ciclo
ergômetro. Apenas um autor mostrou resultados sobre o treinamento de força no
tratamento da depressão. Este realizou exercícios básicos e a progressão de
volume e intensidade tem de ser de aumentada de forma linear [11].
A
relação do exercício com a depressão pode ser invertida, uma vez que o indivíduo
perca o autocuidado [23].
Prescrição segundo os autores
De
acordo com a maioria dos autores do presente trabalho, os exercícios mais
estudados e realizados com pacientes com depressão são os exercícios aeróbicos,
dentre eles caminhada livre, caminhada em esteira, bike estacionária ou ciclo
ergômetros; com intensidade entre 60-70% do VO2max [22] ou 60-85% da
Fcmax [2,8,27]. A duração do exercício,
segundo os autores é de 30-60 min [8,15,20,22,26,27], e a frequência semanal de
2 a 4x por semana [2,8,20,23,26,27].
Sobre
o treinamento de força, segundo o único autor que abordou este método em seu
estudo, é indicado ser realizado 2x por semana, com exercícios básicos,
utilizando supino, flexão joelhos, pressão de pernas etc. O aumento da intensidade
e do volume do Treinamento de Força é aumentado de acordo com a periodização
realizada de forma Linear, com intervalos de descanso entre as séries de 1 (um)
minuto [11].
O
presente estudo verificou relação significativa na atividade física como
terapia não farmacológica à depressão, reduzindo sintomas e escores da mesma.
Contudo, o exercício deve ser realizado de forma sistematizada e não
esporádica, para ter potenciais benefícios, em intensidade leve a moderada.
São
necessários maiores estudos, no campo do exercício físico e depressão,
comparando um grupo somente de exercício e outro somente de antidepressivo,
para conseguirmos ter resultados mais expressivos e decisivos acerca dos
benefícios.